Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
606/10.0TBVCT.G1
Relator: MARIA LUÍSA RAMOS
Descritores: SERVIDÃO POR DESTINAÇÃO DO PAI DE FAMÍLIA
DESNECESSIDADE
EXTINÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/17/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: PROCEDENTE
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I. Provando-se que os prédios que hoje são dos Autores e dos Réus, respectivamente, constituíram anteriormente um prédio único e os seus proprietários serviam-se de uma parte dele para aceder à outra, nesse prédio tendo aposto sinais reveladores de serventia, sinais estes permanentes e ainda inexistentes à data da adjudicação dos imóveis, mostram-se verificados os pressupostos legalmente previstos de constituição de servidão por destinação do pai de família nos termos do art.º 1549º do Código Civil.
II. É, absolutamente, irrelevante a intenção das partes aquando da realização do negócio que determina a separação dos prédios em que ocorre a serventia, sendo, exclusivamente, a separação dos prédios a causa de constituição da servidão por destinação do pai de família, não tendo este tipo de servidão carácter negocial.
III. No tocante à possibilidade de extinção da servidão, nos termos do art.º 1569º do Código Civil, tratando-se a servidão por destinação do pai de família de servidão voluntária, não compreendida em qualquer das previsões legais, não é legalmente admissível a declaração judicial de extinção da servidão por desnecessidade.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

A… e mulher B…, intentaram acção declarativa de condenação, com processo comum sumário, n.º 606/10.0TBVCT, do 4º Juízo Cível, do Tribunal Judicial de Viana do Castelo, contra C… e marido D…, alegando, em síntese, que no inventário nº 3381/06.9 TBVCT que correu termos pelo 1º Juízo Cível deste tribunal, por óbito de E… e mulher F… foi adjudicado ao Autor marido o prédio rústico, leira de cultivo, sito no Lugar …, da freguesia de …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Viana do Castelo sob o nº …, do Livro …, a fls. … verso, e inscrito na matriz sob o artigo …, e, por seu turno, à Ré CC foi adjudicado o prédio urbano, casa de 1º andar e lojas, para habitação, um terreno, sito na Rua da …, do Lugar de …, da freguesia de A …, inscrito na respectiva matriz sob o artigo …, sendo os prédios contíguos entre si.
Na conferência de interessados foi acordada, por unanimidade, a eliminação da descrição dos referidos prédios das referências às áreas respectivas.
Mais, alegam que, desde tempos imemoriais, os prédios se encontram separados entre si, por um muro em pedra, fazendo-se a passagem de um para o outro através de uma cancela, fixada em tranqueiros de pedra, com cerca de 2 metros de largura, sendo que o acesso ao prédio rústico é feito através de uma construção em pedra, destinada a coberto de um espaço aberto e amplo para arrecadação de produtos e utensílios agrícolas, construção essa que possui um portão em madeira de duas folhas, com cerca de 2 metros de largura que comunica directamente com a estrada nacional, e, através dele se acede ao prédio urbano, dentro do qual, atravessando a dita cancela, se atinge aquele prédio rústico.
Sucede que depois do verão de 2009, os AA. constataram que os RR. haviam mudado a fechadura da porta que da Estrada Nacional dá acesso ao terreno dos Autores e construíram um muro em alvenaria, divisório entre esses dois terrenos, mas implantado cerca de 7 metros para lá do muro que dividia os dois prédios, não tendo deixado qualquer abertura para os AA. passarem para o seu prédio rústico, encontrando-se, assim, os Autores impedidos de entrarem e saírem do prédio que lhes pertence, e estão impedidos de o cultivar por se encontrar vedado o acesso a máquinas agrícolas.
Concluem, pedindo, a condenação dos Réus a:
a) Reconhecerem o direito de servidão de passagem, a pé, de carro e com máquinas agrícolas, através do logradouro do prédio urbano pertencente aos Réus, com entrada pelo portão de acesso ao logradouro deste prédio, sita na Estrada nacional da Areosa, servidão essa encurvada no sentido poente-nascente e até à cancela que divide o prédio dos Réus do prédio dos Autores (…), servidão esta por destinação do “pater familias”…
b) A facultarem aos Autores uma chave do portão, bem como da cancela que divide os dois prédios;
c) Abstendo-se de dificultar ou impedir o exercício da referida servidão (…);
d) A reconhecerem que estes dois prédios, desde tempos imemoriais, há mais de 20 e de 50 anos(…) se encontram divididos e separados um do outro por um muro em pedra (…)
e) ordenando-se a demolição do muro e remoção do entulho, à sua custa, num prazo de 30 dias.
f) Condenando-se, ainda, os Réus a pagarem aos Autores uma prestação pecuniária compulsória, no montante de € 50,00 por cada dia de atraso no cumprimento do prazo de demolição e remoção do muro que construiram.
Citados os RR., contestaram, alegando, em síntese, que o acesso ao prédio dos AA. através do prédio dos Réus nunca foi de carro e a existir essa passagem essa sempre foi a pé e de carro de mão, sendo que os Réus desconheciam que os Autores tenham um direito de passagem para o seu prédio através do prédio urbano, até porque os Autores nunca exerceram tal direito.
Aquando da transmissão dos prédios para os Autores e para os Réus, não existiam quaisquer sinais visíveis ou aparentes do exercício do alegado direito de passagem, os prédios estavam abandonados e ninguém passava de um terreno para o outro, tendo a adjudicação levada a cabo na conferência de interessados sido realizada na condição de cada um ser dono do seu prédio e com entradas independentes, sem quaisquer ónus ou encargos.
Mais, alegam que as áreas dos prédios são as que constam do levantamento topográfico que os Autores juntaram aos autos de inventário, sendo que o muro foi construído com respeito pelas referidas áreas.
Mais, invocam que os Autores actuam com manifesto abuso de direito porque o seu terreno reúne todas as condições para ser realizada uma entrada individual e completamente independente para o mesmo, pois confronta a nascente e a poente com a via pública.
Deduziram, ainda, Reconvenção, alegando, em síntese, que a considerar a existência de uma servidão apenas se poderia entender a mesma como servidão legal e não por destinação de pai de família, pedindo, se declare serem os Réus donos e legítimos proprietários do prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia de A …e sob o artigo …, se declare extinta, por desnecessidade, a servidão legal de passagem através do seu prédio para o prédio dos Autores, e, se condenem os Autores a absterem-se de utilizarem ou transitarem no prédio dos Réus como passagem para o seu prédio e a reconhecerem que o muro agora edificado e que limita as propriedades se encontra de acordo com os limites das mesmas (…).
Os Autores responderam, alegando, em síntese, que o acesso ao prédio dos Autores sempre foi feito através do prédio dos Réus, por destinação de pai de família, a qual se deve manter.
Foi proferido despacho saneador, e admitido o pedido reconvencional, dispensando-se a selecção da matéria de facto nos termos do art.º 787º -n.º2 do Código de Processo Civil.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença nos seguintes termos” Pelo exposto, decide-se: - Julgar a acção parcialmente procedente, e, em consequência:
- Reconhecer-se aos Autores o direito de servidão de passagem, a pé, e com máquinas agrícolas através do logradouro do prédio urbano, melhor descrito no artigo 2º da petição inicial, sob a verba nº 10, com entrada pelo portão de acesso ao logradouro desse prédio, sita na Estrada Nacional, servidão essa no sentido poente/nascente, até à cancela que separa este prédio do prédio rústico propriedade dos Autores, melhor descrito no mesmo artigo 2º sob a verba nº 3, servidão essa constituía por destinação do pai de família.;
- Condenarem-se os Réus a facultarem aos Autores uma chave do portão de acesso à Estrada Nacional, abstendo-se de dificultar ou impedir o exercício desta servidão com a extensão próprias das utilidades a retirar do prédio dominante, através do acesso pedonal e de alfaias agrícolas motorizadas ou não.;
- Condenarem-se os Réus a demolirem o muro que construíram e a removerem o respectivo entulho, à sua custa, no prazo máximo de 45 dias a contar do trânsito em julgado da presente sentença.;
- Julgar-se totalmente improcedente o pedido reconvencional deduzido.”
Inconformados vieram os Réus interpor recurso de apelação da sentença.
Por despacho de fls. 210 dos autos, e a requerimento dos Autores, foi rectificada a condenação relativamente ao 4º pg., supra, nos termos do art.º 667º-n.º1 do Código de Processo Civil, passando o mesmo a constar nos seguintes termos: ” Condenarem-se os Réus a demolirem o muro que construíram e a removerem o respectivo entulho, “bem como a reporem o muro identificado em f) e ae) dos factos provados no local onde anteriormente existiu até ao ano de 2009,” à sua custa, no prazo máximo de 45 dias a contar do trânsito em julgado da presente sentença”.

Inconformados os Réus vieram apresentar alegações adicionais a fls. 214 e sgs.

O recurso foi recebido como recurso de Apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

Nas alegações de recurso que apresentam, os recorrentes formulam as seguintes conclusões:
1 – Os recorrentes não se conformam com a sentença recorrida, dado que acolheu na quase totalidade os argumentos pelos apresentados pelos recorridos e julgou totalmente improcedente o pedido reconvencional.
2 - Os factos considerados como provados para a decisão da causa foram: (…)
3 - Apesar do doc.1 junto com a contestação /reconvenção considerou-se como não provados a matéria dos artigos 6º a 9º da contestação.
4 - Os recorridos apresentaram no processo de inventário indicado em A dos factos provados um requerimento, um levantamento topográfico e no qual os recorridos delimitaram o prédio que lhes foi adjudicado do prédio que foi adjudicado aos recorrentes.
5 - Os recorridos tomaram como certa a delimitação e as áreas indicadas nesse levantamento topográfico e junto ao processo de inventário
6 - A delimitação das parcelas é aquela que hoje existe com o muro entretanto edificado pelos Recorrentes.
7 - A posição dos recorrentes é confirmada pelo depoimento gravado em CD de 46m10s da testemunha G…, pelo que teria de ser diferente entre outros a resposta às matérias dos quesitos 6º a 9 da contestação.
8 - O tribunal considerou a existência de uma servidão constituída por destinação de pai de família.
9 - Os recorridos nunca exerceram tal direito nem tal facto foi alegado por qualquer dos interessados no processo de inventário, nem mesmo aquando da adjudicação dos prédios porque não existiam quaisquer servidões entre os prédios que foram licitados.
10 - A adjudicação levada a efeito na conferência de interessados foi realizada na condição de cada um ser dono do seu prédio e com entradas independentes, sem quaisquer ónus ou encargos.
11 - Sempre foi intenção de cada interessado nesse inventário ficar com os prédios completamente independentes e com entradas independentes, sem qualquer servidão - facto foi confirmado pelo depoimento gravado da testemunha João Rodrigues Silva, pelo que a resposta aos quesitos 14º, 19º, 20º, 21º, 22º, 23º, 24º, 25º, 30º, 31º, 32º, 33º da contestação deveria ter sido diferente e considerada como provada.
12 - Os recorridos nunca exerceram tal direito pelo menos desde 1996 nem tal facto foi alegado por qualquer dos interessados no processo de inventário - ver as fotografias juntas pelos recorridos aos autos e pelo depoimento da testemunha G… conforme conta na resposta aos quesitos de fls..
13 - Ao ter considerado como não provado o quesito correspondente ao artigo 18º da contestação, o tribunal não teve em conta a peritagem realizada ao local.
14 - Pela sua análise facilmente se verifica que o prédio dos recorridos está a uma cota ligeiramente mais alta do que estrada nacional mas a uma cota inferior ao caminho municipal.
15 - Os recorridos poderão fazer uma abertura para acesso à via pública a qualquer momento e sem qualquer dificuldade, por isso a matéria do artigo 18º da contestação deve ser dada como provada.
16 - Com a construção do muro os recorrentes agiram e agem na convicção de estar a exercer um direito que lhes pertence e sem pôr em causa um eventual direito de passagem/servidão.
17 - Não existiam quaisquer sinais visíveis ou aparentes do exercício desse direito de passagem.
18 - Os prédios estavam completamente abandonados conforme demonstram as fotografias juntas aos autos e ninguém passava de um terreno para o outro.
19 - O tribunal considerou que o direito de servidão é realizado através de um portão situado na parte poente do prédio dos recorrentes.
20 - Não se mostram preenchidos os requisitos do artigo 1.549º do CC.
21 - Os sinais visíveis e aparentes não podem ser determinados pela existência de um pequeno murete que existiu até ao ano de 2009 que não limitava as propriedades nem as demarcava, nem tão pouco pela existência de uma cancela fixada em tranqueiros de pedra com cerca de 2 metros de largura, nem que o prédio rústico é completamente murado e que o acesso só poderia ser por um portão de madeira de duas folhas que dava directamente acesso à estrada nacional.
21 - Basta presumir que quer os Recorrentes quer os Recorridos quando adquiriram os prédios não quiseram construir ou manter uma servidão, tal como já foi atrás referido. (Moa Pinto, Direitos Reais, 1970/1971, 323 e RDES, 21º - 137)
22 - Os recorridos desconheciam a existência de qualquer uma servidão de passagem constituída por destinação de pai de família.
23 - Estando o muro edificado no limite da propriedade definido pelos recorridos os recorrentes não têm de o demolir.
24 - Os recorridos têm todas as condições para abrir uma entrada para a via pública (estrada nacional ou caminho público, do lado poente e nascente, respectivamente) de forma a poderem aceder ao seu prédio, como sempre o pretenderam fazer.
25 - Os recorrentes tiveram de fazer uma abertura a nascente para acederem ao seu prédio - a resposta à matéria dos quesitos 27º a 30º a 47 da contestação terá ser considerada como provada.
26 - O tribunal considerou totalmente improcedente o pedido reconvencional, nem mesmo tendo considerado que os recorrentes são donos e legítimos proprietários da verba nº 10 indicada na alínea A) dos factos dados como provados.
27 - Não considerou como provado o alegado no artigo 48º a 53º da reconvenção, o que está em contradição com os factos dados como provados, com os documentos e com os depoimentos das testemunhas.
28 - A verificar-se uma servidão a mesma não existe nos termos constantes na sentença, muito menos por destinação de pai de família.
29 - Assim, a sentença violou o disposto nos artigos 1.549º, 1.569, do CC, os artigos 653 e 655º, 668, nº 1 alíneas b) e c) do CPC pois fez, pois, má aplicação do direito à matéria fáctica dada como provada, bem como ao depoimento das testemunhas.

E, os recorrentes formulam as seguintes conclusões adicionais, nos termos acima indicados:
A – Concedendo-se provimento ao recurso – como se espera – o presente aditamento fica sem objecto.
Contudo,
B – Por razões de princípio, sempre se dirá, que o douto despacho de 03/10/2012 ao acrescentar à sentença - bem como a reporem o muro identificado na alínea f) e ae) dos factos provados no local onde anteriormente existiu até ao ano de 2009 – viola o disposto no nº 1 do artigo 666 e o nº 4 do artigo 668º e ainda a alínea a) do nº 1 do artigo 669º, todos do CPC, e por isso, de qualquer forma, deverá ser anulado pelo Tribunal da Relação.


O recurso veio a ser admitido neste tribunal da Relação na espécie e com os efeitos e regime de subida fixados no despacho de admissão do recurso na 1ª instância.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Delimitação do objecto do recurso: Questões a decidir.
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, tal como decorre das disposições legais dos artº 684º-nº3 e 690º-nº1 e 2 do CPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões “salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras” (artº 660º-nº2 do CPC).
E, de entre estas questões, excepto no tocante aquelas que o tribunal conhece ex officio, o tribunal de 2ª instância apenas poderá tomar conhecimento das questões já trazidas aos autos pelas partes, nos termos dos artº 664º e 264º do CPC, não podendo a parte nas alegações de recurso e respectivas conclusões vir suscitar e requerer a apreciação de questões ou excepções novas.
Atentas as conclusões da apelação deduzidas, e supra descritas, são as seguintes as questões a apreciar:
I.
– alegada violação do nº 1 do artigo 666 e o nº 4 do artigo 668º e ainda a alínea a) do nº 1 do artigo 669º, todos do Código de Processo Civil

II.
- reapreciação da matéria de facto
- não se mostram, no caso em apreço, preenchidos os requisitos do artigo 1549º do Código Civil, pois que a adjudicação levada a efeito na conferência de interessados foi realizada na condição de cada um ser dono do seu prédio e com entradas independentes, sem quaisquer ónus ou encargos, e não existiam quaisquer sinais visíveis ou aparentes do exercício desse direito de passagem, inexistindo servidão de passagem por destinação do pai de família ?
- e, existindo a servidão voluntária nascida por destinação do pai de família, deverá a mesma extinguir-se com fundamento em desnecessidade, pois que os recorridos poderão fazer uma abertura para acesso à via pública a qualquer momento e sem qualquer dificuldade ?
- da total improcedência do pedido reconvencional


FUNDAMENTAÇÃO
I) OS FACTOS (factos declarados provados na sentença recorrida).
a) O Autor marido e a Ré mulher foram interessados nos autos de inventário nº 3381/06.9 TBVCT que correram termos pelo 1º Juízo Cível deste Tribunal por óbito de E…, falecido em 18/10/1980, e mulher F…, falecida em 30/11/1996.
b) Nos referidos autos foram relacionados os seguintes prédios:
-“Verba nº 3
Prédio rústico, leira de cultivo, sito no Lugar de …, da freguesia de …, confronta do norte com H…, do sul com casa dos inventariados, nascente com caminho e do poente com Estrada Nacional, com a área de 340 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Viana do Castelo sob o nº …, do Livro …, a fls. … verso, inscrito na matriz sob o artigo ….
- Verba nº 10
Prédio urbano, casa de 1º andar e lojas, para habitação, um terreno sito na Rua … do Lugar de …, da freguesia de …, confronta a norte com os inventariados, do sul com I…, do nascente com caminho e do poente com Estrada da Areosa, com a área de implantação do edifício de 96 m2 e terreno com a área de 720 m2, inscrito na matriz sob o artigo 281º.”
c) Ambos os prédios supra identificados são contíguos entre si.
d) No dia 11 de Novembro de 2008, teve lugar no âmbito do referido processo de inventário a conferência de interessados, na qual ficou acordado, por unanimidade, que “se elimine da descrição dos prédios relacionados sob as verbas três (3) e dez (10) as referências às áreas respectivas, por desconhecimento rigoroso das áreas actuais constantes dessas verbas.”
e) No âmbito da referida conferência de interessados, procedeu-se a licitações, tendo o prédio descrito sob a verba nº 3 sido licitado pelo Autor e a si adjudicado e o prédio descrito na verba nº 10 foi licitada pela Ré mulher e a si adjudicada.
f) Desde tempos imemoriais, há mais de 20 e 50 anos, e até ao ano de 2009, que o prédio rústico e o prédio urbano supra identificados se encontraram separados por um muro em pedra, fazendo-se a passagem de um para o outro através de uma cancela fixada em tranqueiros de pedra, com cerca de 2 metros de largura.
g) Desde tempos imemoriais, há mais de 20 e de 50 anos, que o acesso ao prédio rústico é feito através de uma construção em pedra, destinada a coberto de um espaço aberto e amplo para arrecadação de produtos e utensílios agrícolas.
h) Construção essa em cuja parede voltada a poente se encontra aberto um portão em madeira, de duas folhas, com cerca de 2 metros de largura, que é anexa e faz parte integrante do prédio urbano descrito em b).
i) Este portão comunica directamente com a Estrada Nacional e, através dele, se acede ao logradouro do prédio urbano dentro do qual, atravessando a cancela identificada em g), que existiu, pelo menos, até ao ano de 2009, se atinge o prédio rústico.
j) O acesso referido em j) destina-se à circulação a pé e com alfaias agrícolas motorizadas ou não e, em tempos, era visível um trilho no chão, no sentido poente/norte.
k) O prédio rústico referido em b) nunca teve acesso próprio, quer em vida dos anteriores proprietários, os inventariados nos autos identificados em b), quer após o falecimento destes.
l) O referido prédio é circundado por um muro em pedra, pelo lado norte, nascente e poente, sem qualquer abertura.
m) Até ao ano de 2009 o acesso à via pública a partir do prédio rústico descrito em b), sempre foi feito através do prédio urbano, por não dispor, nem nunca dispôs de outro acesso.
n) O referido prédio rústico encontra-se desnivelado em relação à estrada nacional numa cota superior e a nascente está desnivelado em relação ao caminho municipal numa cota inferior.
o) Os RR. permitiram aos Autores a passagem para o prédio rústico através do prédio urbano que lhes foi adjudicado até ao ano de 2009.
p) Após a adjudicação os Réus procederam a trabalhos de limpeza no seu prédio, deixando a velho o terreno de cultivo correspondente ao prédio rústico referido em b), para lá da cancela e muros divisórios.
q) Até ao ano de 2009, os Réus deixaram livre, como sempre havia sido, o acesso à cancela para entrada no prédio dos Autores.
r) Os Autores vivem normalmente na cidade de Braga, deslocando-se a Afife de vez em quando, sem periodicidade certa, porque nenhum outro interesse ali têm, a não ser os prédios que herdaram, todos de natureza rústica.
s) Em data não concretamente apurada, mas seguramente depois do verão de 2009, constataram que os Réus haviam mudado a fechadura respectiva da porta que dá acesso à Estrada Nacional e que dá acesso ao terreno correspondente ao prédio rústico identificado em b).
t) Constataram que os Réus tinham construído um muro em alvenaria, divisório entre os prédios rústico e urbano identificados em b), o qual foi implantado cerca de 6 metros para lá do muro que anteriormente dividia ambos os prédios.
u) Actualmente o referido prédio rústico não dispõe de qualquer comunicação com a via pública, e os Autores só poderão entrar e sair dele galgando os muros de vedação, encontrando-se impedidos de entrarem e saírem do prédio que agora lhes pertence.
v) Os Autores estão impedidos de cultivar o terreno, designadamente tratar da vinha, das árvores de fruto, das flores, hortas, relvas, e ainda conservar os muros e ramadas e os anexos da lavoura.
w) A inexistência de qualquer acesso à via pública torna impossível a entrada no referido prédio de uma máquina agrícola e as máquinas-ferramenta só poderão ser utilizadas se forem lançadas por cima do muro.
x) Tal prática é perigosa para as pessoas e para as próprias máquinas que correm o risco de partirem ou avariarem, ao caírem.
y) A passagem para o prédio rústico descrito na alínea b) sempre foi feita pelos anteriores proprietários, pais do Autor marido e avós da Ré mulher pelo prédio urbano descrito na mesma alínea, o que ocorria, há mais de 20 e 50 anos, por referência ao ano de 2009.
z) A porta existente no logradouro do prédio dos Réus, de uma só folha, voltada a nascente tem a largura de 0,88 m e a altura de 2,10m.
aa) A supra referida porta sempre teve fins pedonais para acesso à habitação, encontrando-se os respectivos tranqueiros ligados por uma padieira em pedra encimada por uma cruz, também em pedra.
ab) As suas dimensões impossibilita o acesso de alfaias e máquinas de transporte de produtos agrícolas.
ac) Os Réus procederam à construção do muro divisório referido em u) sem qualquer prévio acordo com os Autores.
ad) O Autor marido e a Ré mulher não se entenderam, durante a instrução do processo de inventário referido em b) quanto às áreas dos prédios ali descritos, ambos pugnando por áreas diferentes, pelo que, na conferência de interessados deliberaram, os interessados, por unanimidade, retirar da descrição desses imóveis as áreas ali constantes.
ae) Desde tempos imemoriais, há mais de 20 e de 50 anos, em toda a vida dos anteriores proprietários e após o falecimento destes e até, pelo menos, ao ano de 2009, ininterruptamente, que o prédio adjudicado aos Autores e o prédio adjudicado aos Réus se encontravam divididos e separados um do outro por um muro em pedra, descontínuo para permitir a passagem de um lado para o outro mas ligados por uma cancela composta por duas folhas, cada uma com cerca de um metro de largura, para passagem de um prédio para o outro, muro esse orientado no sentido nascente/poente.
af) Actualmente os Autores para acederem ao seu prédio, teriam que realizar uma abertura através da Estrada nacional ou através do caminho público.
ag) Ambos os prédios referidos na alínea b) não eram cultivados desde, pelo menos, a morte da antiga proprietária F…, falecida em 30/11/1996.
ah) O prédio dos Autores confronta a nascente e a poente com a via pública.


II) O DIREITO APLICÁVEL
I. Alegando os Réus a violação do nº 1 do artigo 666º e o nº 4 do artigo 668º e ainda a alínea a) do nº 1 do artigo 669º, todos do Código de Processo Civil, defendendo se mostrava esgotado o poder jurisdicional do tribunal relativamente à matéria da causa à data da prolação da decisão rectificativa de fls. 210 dos autos, tal violação não se verifica pois que como claramente se deduz dos autos se tratou de mera rectificação de erro material por omissão, susceptíel de correcção por mero despacho nos termos do n.º1 do art.º 667º do Código de Processo Civil, como in casu se verificou, nestes termos improcedendo, nesta parte, os fundamentos da apelação.
II. 1. Alegam os recorrentes ter ocorrido erro de julgamento, nomeadamente no tocante às respostas dadas aos art.º 6º a 9º, 14º, 18, 19º, 20º, 21º, 22º, 23º, 24º, 25º, 27º, 30º a 47, 48º a 53º da contestação, nos termos e pelos fundamentos expostos nas Conclusões do recurso de apelação e acima transcritas.
Nos termos do disposto no artº 712º - nº1, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação:
a)“ Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artº 685º-B, a decisão com base neles proferida;
b)“Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas.
c) “ Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.
“A reapreciação da matéria de facto, pela Relação, no âmbito dos poderes conferidos pelo artº 712º do CPC, não pode confundir-se com um novo julgamento, destinando-se essencialmente á sanação de manifestos erros de julgamento, de falhas mais ou menos evidentes na apreciação da prova” -
(v.Ac.STJ,de14/3/2006,inCJ,XIV,I,pg.130,Ac.STJ,de19/6/2007,www.dgsi.pt;Ac.TRL,de9/2/2005, www.pgdlisboa.pt).
É, assim, entendimento dominante na jurisprudência que a convicção do julgador, firmada no principio da livre apreciação da prova (artº 655º do Código de Processo Civil), só pode ser modificada pelo tribunal de recurso quando fundamentada em provas ilegais ou proibidas ou contra a força probatória plena de certos meios de prova, ou então quando afronte as regras da experiência comum.
Conforme se refere no Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 14/3/2006, supra indicado, “O DL nº 39/95, de 15 de Fevereiro, veio admitir o registo das provas produzidas na audiência de discussão e julgamento. Com isso foram alargados os poderes de sindicância da decisão da matéria de facto, facultados à Relação pelo artº 712º do CPC. (…). Efectivamente, havendo, ao abrigo do artigo 522º-B, gravação dos depoimentos prestados na audiência final, se a decisão, com base neles proferida, tiver sido impugnada nos termos do artº 690º-A, a Relação reapreciará as provas em que assentou a parte impugnada (…). O objectivo desta reapreciação é, não o de proceder a um novo julgamento da matéria de facto, mas apenas o de – pontualmente e sempre sob a iniciativa da parte interessada – detectar eventuais erros de julgamento nesse âmbito.”
O DL nº 39/95, de 15 de Fevereiro, veio prever e regulamentar a possibilidade de documentação ou registo das audiências de julgamento e da prova neles produzida, visando, deste modo criar um verdadeiro e efectivo 2º grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto.
Todavia, e como se refere no preâmbulo do citado DL nº 39/95, dado que “ A garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência ( …) Não poderá, deste modo, em nenhuma circunstância admitir-se como sendo lícito ao recorrente que este se limitasse a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto ( …). A consagração desta nova garantia das partes no processo civil implica naturalmente a criação de um específico ónus de alegação do recorrente, no que respeita à delimitação do recurso e à respectiva fundamentação (…) “
Dispõe o artº 685º-B do Código de Processo Civil , sob a epígrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão de facto”
Nº1 – Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
Nº2 – No caso previsto na al.b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento de erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos termos do disposto no n.º2 do art.º 522-C, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição.
Atento o comando do art.º 685º-B do Código de Processo Civil (aditado pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, aplicável aos presentes autos ), e os ónus que por via do indicado preceito legal são impostos aos recorrentes que pretendam impugnar a matéria de facto, conclui-se que, no caso sub judice, não cumpriram os apelantes os ónus impostos pelo n.º 2 do art.º 685º-B, designadamente, sendo-lhes imposto por lei, expressamente, que proceda às transcrições das “exactas” “passagens da gravação em que se funda” para basear o alegado erro de julgamento com referência a provas que tenham sido gravadas, tal obrigação não foi cumprida, tendo, no caso, os recorrentes, distintamente, procedido tão só à mera indicação do início e termo da gravação de cada depoimento por referência ao assinalado na acta nos termos dos art.º 690º- A-n.º2 e 522º-C-n.º2 do Código de Processo Civil na redacção anterior à decorrente das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, não sendo já tais preceitos aplicáveis no caso em apreço; sendo, ainda, que nos termos expressos no art.º 685º-B-n.º2-parte final, do Código de Processo Civil, a faculdade de a parte proceder á transcrição total ou parcial dos depoimentos não exclui o indicado ónus imposto no mesmo artigo.
E, a lei sanciona o incumprimento do indicado ónus com a imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto.
Atentos os autos, verifica-se ter o julgamento da matéria de facto sido realizado no âmbito dos poderes de livre apreciação do Tribunal, nos termos do art.º 655º do Código de Processo Civil, não se mostrando ocorrer violação ou preterição de prova vinculada ou legal imposta pelo n.º2 do citado preceito legal.
Não se demonstra, ainda, nem tal foi alegado, ocorrem irregularidades ou basear-se o julgamento em meios de prova não produzidos ou com violação de meios legais imperativos nos termos do n.º2 do art.º 655º do Código de Processo Civil; inexistindo, ainda, quaisquer contradições entre a matéria de facto provada, não sendo susceptível tal verificação ( contradições ) relativamente a factos não provados.
Nestes termos, e, não tendo os recorrentes cumprido os ónus previstos no citado artº 685º-B do Código de Processo Civil, não é legalmente possível a este tribunal de 2ª instância proceder á reapreciação de prova produzida, nomeadamente da prova gravada em Audiência, ocorrendo causa de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto.
2. Tendo-se na sentença recorrida concluído pela existência, no caso concreto, de servidão voluntária nascida por destinação do pai de família, opõem-se os apelantes a tal decisão defendendo que não se mostram, no caso em apreço, preenchidos os requisitos do artigo 1549º do Código Civil, inexistindo tal servidão, alegando que a adjudicação levada a efeito na conferência de interessados foi realizada na condição de cada um ser dono do seu prédio e com entradas independentes, sem quaisquer ónus ou encargos, e não existiam quaisquer sinais visíveis ou aparentes do exercício desse direito de passagem, inexistindo servidão de passagem por destinação do pai de família entre os prédios rústico e urbano dos Autores e Réus, respectivamente.
Servidão predial é o encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro prédio pertencente a dono diferente, chamando-se serviente o prédio sujeito à servidão e dominante o que dela beneficia (artigo 1543º do Código Civil ).
No tocante à sua constituição, determina o art.º 1547, do citado diploma legal:
“1. As servidões prediais podem ser constituídas por contrato, testamento, usucapião ou destinação do pai de família.
2. As servidões legais, na falta de constituição voluntária, podem ser constituídas por sentença judicial ou por decisão administrativa, conforme os casos”;
sendo as primeiras consideradas servidões voluntárias e as segundas servidões legais, estas, correspondentes, em rigor, segundo o ensinamento dos Prof. P.Lima e A.Varela, in Código Civil, anotado, vol.III, pg. 576, a “ direitos potestativos que têm de característico o facto de facultarem ao respectivo titular a constituição de um direito real de servidão, independentemente da vontade do dono do prédio serviente.”
Conforme referem P.Lima e A.Varela, in obra citada, pg. 584, em posição que perfilhamos, e relativamente às Servidões legais, “a vida das servidões legais desdobra-se numa dupla fase. Num primeiro momento, trata-se de um simples direito potestativo, que confere ao respectivo titular a faculdade de constituir uma servidão sobre determinado prédio, independentemente da vontade do dono deste, e, num segundo momento, exercido o direito potestativo e constituída assim, por acordo das partes ou, na falta de acordo, por sentença ou acto administrativo, a relação de carácter real a que tendia esse direito, a servidão legal converte-se numa verdadeira servidão, ou seja, num encargo excepcional sobre a propriedade. Quer isto dizer que, nas servidões legais, a verdadeira servidão só mediatamente é imposta por lei; a fonte imediata desta reside na vontade das partes, na sentença constitutiva ou no acto administrativo.
Dispondo o art.º 1550º do Código Civil, relativamente às servidões legais de passagem, que “ 1. Os proprietários de prédios que não tenham comunicação com a via pública, nem condições que permitam estabelecê-la sem excessivo incómodo ou dispêndio, têm a faculdade de exigir a constituição de servidões de passagem sobre os prédios rústicos vizinhos. 2. De igual faculdade goza o proprietário que tenha comunicação insuficiente com a via pública, por terreno seu ou alheio”.
Distintamente, e relativamente às “Servidões Voluntárias”, designadamente à “Servidão por destinação do pai de família”, a constituição da servidão ocorre nos termos do art.º 1549º do Código Civil, o qual dispõe que “ se em dois prédios do mesmo dono, ou em duas fracções de um só prédio, houver sinal ou sinais visíveis e permanentes, postos em um ou em ambos, que revelem serventia de um para com outro, serão esses sinais havidos como prova de servidão quando, em relação ao domínio, os dois prédios, ou as duas fracções do mesmo prédio, vierem a separar-se, salvo se ao tempo da separação outra coisa se houver declarado no respectivo documento.”
E, assim, do teor do indicado preceito, não resulta a existência de qualquer acto negocial na constituição desta servidão entre os proprietários dos novos prédios, pois que a servidão só se constitui como verdadeiro encargo sobre prédio distinto, só nasce como servidão, no momento em que os prédios se separam, ( dispondo o indicado art.º 1549º do Código Civil que “(…) serão esses sinais havidos como prova da servidão quando, em relação ao domínio, os dois prédios, ou as duas fracções do mesmo prédio, vierem a separar-se (… )” ), sendo a fonte (exclusiva) de constituição da servidão a destinação do pai de família. (V. neste sentido P.Lima e A.Varela, in obra citada, pg.580 ; Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 14/5/09, P.09A0661, e de 3/3/05, P.05A011, in www.dgsi.pt ).
Nestes termos, é, absolutamente, irrelevante a intenção das partes aquando da realização do negócio que determina a separação dos prédios em que ocorre a serventia, sendo, exclusivamente, a separação dos prédios a causa de constituição da servidão por destinação do pai de família, não tendo este tipo de servidão carácter negocial - “não se exige nenhuma relação negocial para o efeito entre o antigo e o novo proprietário “ – P.Lima e A. Varela, in, obra cotada, pg. 583; 30/10/03, Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 3/10/2003, P. 03P3316JSTJ000 ), tão só relevando a vontade das partes com vista a impedir a constituição da servidão à data da separação se assim o houverem declarado no respectivo documento, como preceitua o art.º 1549º do Código Civil, parte final, declaração esta, necessariamente escrita, e constante do título de separação, e que não se prova ter ocorrido no caso sub judice (nem tal circunstancialismo foi sequer alegado), “ A ressalva da declaração oposta à constituição da servidão deve constar de documento, não bastando para o efeito uma simples declaração oral” – P.Lima e A. Varela, in obra citada, pg.583, não aproveitando, ainda, e de acordo com o que vem alegado pelos Réus, o eventual desconhecimento da serventia.
Como se refere no Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 3/7/2008, P. 08B1265JSTJ000, in www.dgsi.pt “ Os sinais visíveis e permanentes serão havidos como prova de servidão, se ao tempo da separação outra coisa não se declarar no respectivo documento.
Como ensina o Prof. GUILHERME MOREIRA (3), esta declaração pode ser expressa, quanto à não subsistência dos encargos atestados por sinais visíveis e permanentes, determinando-se directamente que ficam extintas determinadas servidões, ou pode consistir em alterações que no modo de ser do prédio sejam feitas ou tenham de efectuar-se em virtude desse título e que pressupunham a supressão de determinados encargos, como sucede, v.g., no caso de haver uma servidão de passagem de um para outro prédio, pertencentes ao mesmo dono, e declarar-se, no título de separação, que a servidão será exercida sobre o mesmo prédio, mas por outro local.
Importante é frisar que a declaração em contrário constante do documento há-de ser feita especialmente, de uma forma clara e terminante, não bastando dizer, quando se aliena o prédio serviente, que este se encontra livre de qualquer encargo.”
Como resulta dos factos provados, os prédios que hoje são dos Autores e dos Réus, respectivamente, constituíram anteriormente um prédio único e os seus proprietários serviam-se de uma parte dele para aceder à outra, nesse prédio tendo aposto sinais reveladores de serventia, nos termos legalmente previstos no indicado art.º 1549º do Código Civil, sinais estes permanentes e ainda inexistentes à data da adjudicação dos imóveis – “ cfr. factos provados : f) Desde tempos imemoriais, há mais de 20 e 50 anos, e até ao ano de 2009, que o prédio rústico e o prédio urbano supra identificados se encontraram separados por um muro em pedra, fazendo-se a passagem de um para o outro através de uma cancela fixada em tranqueiros de pedra, com cerca de 2 metros de largura.; g) Desde tempos imemoriais, há mais de 20 e de 50 anos, que o acesso ao prédio rústico é feito através de uma construção em pedra, destinada a coberto de um espaço aberto e amplo para arrecadação de produtos e utensílios agrícolas.; h) Construção essa em cuja parede voltada a poente se encontra aberto um portão em madeira, de duas folhas, com cerca de 2 metros de largura, que é anexa e faz parte integrante do prédio urbano descrito em b).; i) Este portão comunica directamente com a Estrada Nacional e, através dele, se acede ao logradouro do prédio urbano dentro do qual, atravessando a cancela identificada em g), que existiu, pelo menos, até ao ano de 2009, se atinge o prédio rústico.; j) O acesso referido em j) destina-se à circulação a pé e com alfaias agrícolas motorizadas ou não e, em tempos, era visível um trilho no chão, no sentido poente/norte. ; k) O prédio rústico referido em b) nunca teve acesso próprio, quer em vida dos anteriores proprietários, os inventariados nos autos identificados em b), quer após o falecimento destes. ; l) O referido prédio é circundado por um muro em pedra, pelo lado norte, nascente e poente, sem qualquer abertura. ; m) Até ao ano de 2009 o acesso à via pública a partir do prédio rústico descrito em b), sempre foi feito através do prédio urbano, por não dispor, nem nunca dispôs de outro acesso.”.
“O «sinal ou sinais» são não só os indícios que revelam a existência de obras destinadas a facilitar ou tornar visível a servidão, como também as próprias obras e construções; e, além de visíveis e permanentes, têm de atestar a servidão de um para com outro prédio, ou de uma para outra fracção, sendo, pois, necessário que demonstrem inequivocamente terem sido postos com a intenção de se transferirem utilidades de um prédio para outro ou de uma fracção para outra do mesmo prédio.; Os sinais visíveis e permanentes serão havidos como prova de servidão se ao tempo da separação outra coisa não se declarar no respectivo documento.” – Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 3/7/2008, supra citado, no qual se refere, ainda: “O art. 1549º do CC, tal como o correspondente art. 2274º do Código de Seabra, estabelece uma presunção «juris et de jure»: não havendo, no respectivo documento, declaração expressa em contrário ao tempo da separação, a servidão existe de modo irrefutável, não sendo admissível prova testemunhal tendente a demonstrar que o proprietário não queria a manutenção e conservação da dita servidão”.
Conclui-se, nestes termos, estarmos perante uma servidão constituída por destinação do pai de família, prevista nos art.º 1547º- n.º1 e 1549º do Código Civil, não resultando dos factos provados, o afastamento por acordo escrito das partes no título de adjudicação da constituição da servidão nos termos da parte final do citado artigo 1549º, também nesta parte improcedendo os fundamentos da apelação.
3. Mais alegam os Réus/recorrentes que a existir a servidão deverá a mesma extinguir-se com fundamento em desnecessidade, pois que os recorridos poderão fazer uma abertura para acesso à via pública a qualquer momento e sem qualquer dificuldade, concluindo pedindo a procedência do pedido reconvencional, tendo os Réus pedido se declare extinta, por desnecessidade, a servidão legal de passagem através do seu prédio para o prédio dos Autores, e, se condenem os Autores a absterem-se de utilizarem ou transitarem no prédio dos Réus como passagem para o seu prédio e a reconhecerem que o muro agora edificado e que limita as propriedades se encontra de acordo com os limites das mesmas (…).
No tocante à extinção das servidões rege o art.º 1569º do Código Civil.
Nos termos do indicado preceito a extinção de servidão por desnecessidade só poderá ocorrer quanto às servidões constituídas por usucapião, por declaração judicial e a requerimento do proprietário do prédio serviente, nos termos do n.º2 do indicado artigo, e, quanto às servidões legais, tal como determina o n.º3 do mesmo preceito legal.
No caso, tratando-se de servidão voluntária não compreendida em qualquer das previsões legais, não é legalmente admissível a declaração judicial de extinção da servidão por desnecessidade ( no mesmo sentido Ac. Supremo Tribunal de Justiça, de 14/5/09, P.09A0661, supra citado, entre outros, e Ac. Supremo Tribunal de Justiça proferido no P.1675/05.7TBVCT.G1 do TRG ) sendo irrelevante a prova de não encrave do prédio.
Igualmente, irrelevante seria a prova da existência de uma situação de serventia do prédio dos Réus relativamente ao prédio dos Autores, resultante de situação de encrave absoluto ou relativo, e, consequentemente, da possibilidade de constituição de servidão legal de passagem, nos termos do art.º 1550º do Código Civil, porquanto, atento o teor do art.º 1549º do Código Civil, dele não resultam excluídas, na sua aplicação, as situações de prédios encravados ou que se encontrem em situação de domínio em relação a outro com vista à faculdade de exigir a constituição de servidão legal de passagem, nos termos dos art.º 1543º e 1550º do Código Civil, sendo a norma de aplicação genérica a quaisquer prédios, sendo única condição de aplicação que os prédios em questão, ou, as duas fracções de um mesmo prédio, tenham pertencido ao mesmo dono, e, que existam sinal ou sinais visíveis e permanentes, postos, por aquele, em um dos prédios ou em ambos, e que revelem serventia de um prédio para com o outro.
A servidão em causa é uma servidão por destinação do pai de família, e, assim, não pode ser extinta por desnecessidade por essa situação não estar prevista no art°1569° do Código Civil, nestes termos se confirmando e reiterando os fundamentos já expressos na sentença recorrida, improcedendo, também nesta parte, os fundamentos da apelação.
4. Consequentemente, no tocante à acção reconvencional deverá manter-se a sentença recorrida, salvo no que se refere ao 1º pedido em tal acção formulado – se declare serem os Réus donos e legitimos proprietários do prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia de … sob o artigo …, pedido este procedente, de acordo com os factos a esta matéria respeitantes ( factos provados alínea. a) a e) ).
Concluindo-se, nos termos expostos, pela parcial procedência da apelação, nos termos referidos em II. 4. supra, em tudo o mais se confirmando a sentença recorrida.


DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal em julgar parcialmente procedente a apelação, declarando-se serem os Réus proprietários do prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia de … sob o artigo …, em tudo o mais se confirmando a sentença recorrida.
Custas pelos recorrentes e recorridos, na proporção de 5/6 e 1/6, respectivamente.

Guimarães, 17 de Janeiro de 2013
Luísa Duarte
Raquel Rego
António Sobrinho