Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
108/10.4PBVCT.G1
Relator: LAURA MAURÍCIO
Descritores: CONDUÇÃO PERIGOSA
SANÇÃO ACESSÓRIA DO ARTº 68.º DO CP
CONDENAÇÃO NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/07/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO
Sumário: I) A pena acessória prevista no artigo 69°. do CP, conexionada com o facto cometido, visa objetivos de prevenção geral e especial.
II) Sendo sem dúvida mais grave a conduta do agente que conduza veículo de forma perigosa e sem estar habilitado a conduzir do que a conduta do agente que apenas conduza de forma perigosa (estando devidamente habilitado), na primeira hipótese existe acréscimo do perigo na condução, pelo que sairiam claramente frustrados aqueles objetivos se o primeiro agente não fosse punido com a pena acessória de proibição de conduzir e o segundo o fosse.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães
Relatório

No Tribunal Judicial de Viana do Castelo, 1º Juízo Criminal, no âmbito dos autos com o NUIPC nº108/10.4PBVCT, foi o arguido Carlos O. submetido a julgamento em Processo Comum, com intervenção de Tribunal Singular.

Após realização de audiência de discussão e julgamento, por sentença de 14 de Dezembro de 2011, o Tribunal decidiu julgar a acusação procedente e:

- como autor material de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo art.291º, nº.1, al.b) do C.P., condenar o arguido Carlos O. na pena de um ano de prisão, suspensa na execução pelo período de um ano;

- como autor material de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelos arts.3º, nº.2 do D.L.nº.2/98, de 3-1, condenar o arguido Carlos O. na pena de nove meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano;

- em cúmulo das penas parcelares supra aplicadas, condenar o arguido Carlos O. na pena única de um ano e quatro meses de prisão, suspensa na execução pelo período de um ano e quatro meses; e,

- não condenar o arguido “na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados uma vez que o arguido já está legalmente proibido de o fazer”.

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Inconformado com a decisão, o Ministério Público interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões:

1. De acordo com o disposto no art.69º, nº1, al.a) do C.P., sempre que o agente seja condenado pela prática de um crime previsto no art.291 do C.P., impõe-se, então, em qualquer circunstância, quer o agente seja titular de carta ou de licença de condução, quer o não seja, a sua condenação na proibição de conduzir veículos motorizados por período fixado entre 3 meses e 3 anos.

2. O normativo supra referido, não estabelece distinção entre condutores habilitados ou não habilitados com título de condução, e admite a possibilidade de aplicação da medida a quem não esteja habilitado ao impedir, no art.126º, nº1, al.d) do Código da Estrada, a obtenção desse título a quem esteja a cumprir inibição de conduzir.

3. Temos, pois, que a falta de carta de condução não obsta pois â aplicação da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor a condenado por crime de condução perigosa de veículo rodoviário.

Termos em que deverá ser dado provimento ao presente recurso, devendo a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por outra em que se condene o arguido Carlos O., pela prática de um crime de condução de perigosa de veículo rodoviário, p. p. pelo art.291º, nº1, al.b) do CP e na pena acessória de proibição de conduzir veículos automóveis, p. p. pelo art.69º, nº1, al.a) do CP, pelo período de, pelo menos, 6 (seis) meses.

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O recurso foi admitido e fixado o respetivo regime de subida e efeito.

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O arguido não respondeu ao recurso.

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No Tribunal da Relação o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu Parecer no sentido da procedência do recurso.

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Cumprido o disposto no art.417º, nº2, do CPP, não houve resposta ao Parecer.

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Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos legais foram os autos à conferência.

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Fundamentação

Delimitação do objecto do recurso

O âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, só sendo lícito ao Tribunal “ad quem” apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410º, nº2, do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (cfr. Ac. do Plenário das Secções Criminais do STJ de 19/10/1995, DR I-A Série, de 28/12/1995 e artigos 403º, nº1 e 412º, nºs 1 e 2, ambos do CPP).

São, pois, as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões da respetiva motivação que o Tribunal ad quem tem de apreciar.

No caso sub judice o recorrente limita o recurso à questão da aplicação da pena acessória de inibição de conduzir.

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DA DECISÃO RECORRIDA – FACTOS

A decisão recorrida configura a factualidade provada da seguinte forma:

1- O arguido, no dia 13 de Fevereiro de 2010, cerca da 1.45h., seguia ao volante do veículo automóvel marca Citroen, modelo Berlingo MBWJYB, matrícula ....., pela Avenida Paulo VI, em Darque, Viana do Castelo, sendo que, nessa ocasião, e após ter sido controlado em excesso de velocidade – 79,00 Km/h. quando o máximo permitido no local é 50,00 km/h. – mediante uso de radar, por elementos da PSP de Viana do Castelo, que ali se encontravam em acção de fiscalização, devidamente fardados e com material retro reflector – José J. e José A. – foi, por estes, dada ordem de paragem ao arguido, ordem esta que o arguido não acatou;

2- A ordem de paragem referida em 1. foi efectuada por José Joaquim Q., o qual, com o braço levantado verticalmente e com a palma da mão virada para a frente, ostentando ainda, na outra mão, um sinalizador luminoso, fez sinal ao arguido para parar, sendo que este, num primeiro momento, reduziu a velocidade do veículo que conduzia;

3- Porém, de seguida, e sem que nada o fizesse prever, o arguido acelerou, imprimindo maior velocidade ao veículo automóvel que conduzia e direccionou o veículo para a direita em direcção aos supra referidos elementos da PSP, os quais se desviaram do mesmo, correndo para o eixo da via – evitando, assim, ser colhidos pelo mesmo – tendo o arguido, a grande velocidade, fugido em direcção ao centro da cidade de Viana do Castelo;

4- Perante tal facto, os aludidos elementos da PSP de Viana do Castelo encetaram a perseguição ao arguido;

5- O arguido, em pleno tabuleiro da ponte Eiffel, circulou, em vários momentos e ao longo desta, em contra-mão, obrigando, em mais do que uma ocasião, os veículos que seguiam em sentido contrário, a travar e interromper a sua marcha, evitando, assim, ser embatidos pelo veículo automóvel conduzido pelo arguido;

6- Após, mercê da velocidade que o arguido imprimia ao veículo automóvel que conduzia, ao efectuar a última curva-contra-curva da ponte Eiffel, em direcção a Viana do Castelo, despistou-se, embatendo na grade de protecção lateral aí existente;

7- Actuou o arguido com o propósito consumado de conduzir o referido veículo apesar de saber não ser titular de carta de condução ou de qualquer outro documento que o habilitasse a conduzir, não obedecendo à ordem de paragem que lhe foi dada pelos agentes da PSP de Viana do Castelo, ordem que entendeu e, ainda assim, quis não acatar;

8- Mais sabia o arguido que, ao actuar da forma descrita, punha em risco a vida e a integridade física dos restantes utentes da via pública, designadamente os condutores dos veículos atrás referidos em 5. o que, mesmo assim, quis;

9- Bem como pôs em perigo os veículos automóveis que estes conduziam –cujo valor, embora não concretamente apurado, era seguramente superior a vários milhares de euros – e que tiveram de parar a sua marcha para não serem embatidos pelo veículo automóvel conduzido pelo arguido, o que igualmente lhe foi indiferente por ser querida a sua conduta;

10- O arguido percorreu todo o trajecto supra referido, de várias centenas de metros, a uma velocidade instantânea, que não foi possível determinar, mas em muito superior aos 50 km/h. de velocidade máxima permitida para o local, visto tratar-se de uma localidade, sendo que na ponte Eiffel a velocidade máxima permitida é de 30 km/h.;

11- Actuou o arguido com o propósito consumado de desrespeitar regras que sabia impostas à condução de veículos automóveis, como são a obrigação de parar à ordem, para tal, de agente regulador e fiscalizador de trânsito, a circulação pela hemi-faixa de rodagem direita e circular dentro dos limites de velocidade impostos nos supra referidos locais;

12- Agiu o arguido de forma deliberada, voluntária e consciente, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei;

13- O arguido tem antecedentes criminais, tendo já sido condenado pela prática: - em 2-99, dos crimes de furto, roubo, associação criminosa e detenção de arma proibida, em pena de prisão; e, - em 30-6-06, de um crime de injúria agravada e um crime de resistência e coacção sobre funcionário, em pena de prisão;

14- O arguido viu a sua infância marcada pela morte precoce da sua mãe, tinha ele apenas cinco anos de idade, ficando com o pai e os sete irmãos numa situação de fragilidade a todos os níveis, incluindo económico; à data a família vivia em França e o seu pai deambulava com o grupo de filhos numa roulotte, dedicando-se à venda nas feiras;

15- Quando o arguido tinha cerca de nove anos o pai veio para Celorico de Basto com os filhos e aí construiu uma casa com o apoio da comunidade;

16- Nesta altura o arguido ingressou na escola, mas, pouco tempo depois, devido à adopção de comportamentos anti-sociais e ao não respeito pelas normas, foi integrado nas Oficinas de S.José, em Guimarães e, com treze anos, foi institucionalizado no Colégio de Santo António, no Porto, de onde protagonizou diversas fugas, tendo na última delas assumido comportamentos que implicaram a sua primeira reclusão, em Abril de 1999;

17- Na fase que antecedeu a reclusão iniciou o consumo de estupefacientes;

18- Em Março de 2000 faleceu o pai do arguido, e, estando então o grupo familiar já separado, encontrando-se quase todos os irmãos institucionalizados, tal determinou a desagregação familiar total;

19- À data referida em 1. encontrava-se em paradeiro desconhecido, comparecendo apenas por vezes em casa da irmã e cunhado, que nessas ocasiões o acolhem.

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Apreciando

Na decisão sob recurso decidiu-se condenar o arguido como autor material de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo art.291º, nº.1, al.b) do C.P. e como autor material de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelos arts.3º, nº.2 do D.L.nº.2/98, de 3-1, mas não condenar o arguido “na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados uma vez que o arguido já está legalmente proibido de o fazer”.

E a questão que vem suscitada consiste em saber se o arguido deve ser condenado na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, não obstante não ser possuidor de carta de condução.

Dispõe o artigo 291, nº1, al.b) do Código Penal que quem conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, violando grosseiramente as regras da circulação rodoviária relativas à prioridade, à obrigação de parar, à ultrapassagem, à mudança de direção, à passagem de peões, à inversão do sentido de marcha em auto-estradas ou em estradas fora de povoações, à marcha atrás em auto-estradas ou em estradas fora de povoações, ao limite de velocidade ou à obrigatoriedade de circular na faixa de rodagem da direita; e criar deste modo perigo para a vida ou para a integridade física de outrem, ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.

E dispõe o artigo 69.º, nº1, al.a) do mesmo diploma legal que é condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido por crime previsto no art.291º.

Esta sanção reveste a natureza de pena acessória como diretamente flui do próprio normativo – citado artº 69º, do C. Penal - e decorre ainda da inserção sistemática do mesmo no Capítulo III sob a epígrafe “Penas acessórias e efeitos das penas”, pena acessória que visa prevenir a perigosidade do agente, tratando-se, como se refere na acta nº8 da Comissão de Revisão do Código Penal, de uma censura adicional pelo facto que ele praticou.

Tal dá resposta a uma necessidade de política criminal por motivos por demais conhecidos que se prendem com a elevada sinistralidade que ocorre na rede viária nacional, sendo a razão de ser da proibição a perigosidade da condução e respeita a quem conduz.

Com efeito, a pena acessória de proibição de condução de veículos com motor, por força do disposto no artº 69º, nº 1, al. a), do C. Penal reveste a natureza de pena acessória visando prevenir a perigosidade do agente, e o que está em causa com a proibição de conduzir veículos com motor é a restrição de um direito civil.

E é nosso entendimento, estribado em variada jurisprudência, que a sanção acessória de proibição de conduzir veículos com motor decorrente da prática de crime de condução perigosa de veículo rodoviário deve ser aplicada mesmo a quem não seja titular de carta de condução.

Com efeito, a pena acessória prevista no artigo 69°. do CP, conexionada com o facto cometido, visa objetivos de prevenção geral e especial.

Ora, sendo sem dúvida mais grave a conduta do agente que conduza veículo de forma perigosa e sem estar habilitado a conduzir do que a conduta do agente que apenas conduza de forma perigosa (estando devidamente habilitado), pois na primeira hipótese existe acréscimo do perigo na condução, sairiam claramente frustrados aqueles objetivos se o primeiro agente não fosse punido com a pena acessória de proibição de conduzir e o segundo o fosse.

No tocante à execução da sanção acessória de proibição de conduzir nos casos em que o arguido não possua título de condução, esclarece Paulo Pinto de Albuquerque Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 2a ed., 2008, pág. 1257, nota 6 ao art. 500: “Quando o arguido não possua título de condução, a execução da sanção de inibição de conduzir inicia-se com o trânsito em julgado da decisão condenatória, o que tem a consequência prática de que durante esse período ele não poderá obter esse título (art. 126°., nº.1, al. d) do CE)”.

Assim, e revertendo ao caso “sub judice”, tendo o arguido cometido um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo art.291º do CP, pelo qual foi condenado numa pena de multa, deveria ter-lhe sido imposta a sanção acessória de proibição de conduzir veículos com motor prevista no art. 69°., nº.1, aI. a), do Código Penal, independentemente de possuir ou não habilitação legal para conduzir.

Termos em que a decisão recorrida tem de ser alterada, no sentido de ser aplicada ao arguido a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor.

Coloca-se, porém, a questão de saber se a determinação da pena acessória deverá ser proferida por este Tribunal de recurso ou antes pela 1ª instância.

Uma decisão penal condenatória não pode ser exequível se não tiver determinado e aplicado a correspondente pena.

Como decidiu o Ac. do STJ de 16.05.2012, Cons. Pires da Graça, disponível em www,dgsi.pt “A Relação conhece de facto e de direito (art. 428º do CPP) devendo por isso subsumir o direito aos factos. O recurso interposto de uma sentença abrange toda a decisão (art. 402.º n.º 1 do CPP). Mesmo que houvesse limitação do recurso a uma parte da decisão não prejudica o dever de retirar da procedência daquele as consequências legalmente impostas relativamente a toda a decisão recorrida (art. 403.° n.° 3 do CPP). Se a Relação como tribunal de recurso, ao arrepio dos seus poderes de cognição, não decidir de forma completa o objeto do recurso, podendo e devendo fazê-lo, incorre em omissão de pronúncia geradora de nulidade nos termos do art. 379º n.° 2 do CPP.

Com efeito, se houver apenas recurso em matéria de facto, a Relação conhece do objeto do recurso, e se modificar a matéria de facto, extrai as consequências jurídicas decorrentes; sendo o recurso de facto e de direito, conhece de ambos; sendo o recurso somente de direito, conhece do recurso, sem prejuízo do disposto no artº 410º nºs 2 e 3 do CPP; havendo vários recursos da mesma decisão, dos quais alguns versem sobre matéria de facto e outros exclusivamente sobre matéria de direito, são todos julgados conjuntamente pelo tribunal competente para conhecer da matéria de facto (nº 8 do artº 414º do CPP), ou seja: a função do tribunal de recurso perante o objeto do recurso, quando possa conhecer de mérito, é a de proferir decisão que dê resposta cabal a todo o thema decidendum que convocou o tribunal ad quem a um juízo de mérito.

Se o tribunal superior não decidisse de forma completa o objeto do recurso, podendo e devendo fazê-lo, devolvendo a parte incompleta para a 1ª instância decidir, frustraria o caso julgado, porque conduziria à eternização da instância, de forma tautológica, pois a cada decisão da 1ª instância poderia seguir-se recurso, que, (re)apreciado, pelo tribunal superior, poderia de novo decidir em parte, e remeter a outra parte decorrente dessa apreciação à 1ª instância para decisão subsequente, à qual poderia seguir-se novo recurso, e assim sucessivamente.

Entendemos, pois, que a aplicação da pena acessória por este Tribunal, para além de imperativo jurídico-processual, em nada contende com o direito de defesa e de recurso da arguida.

Na verdade, o artº 32º nº 1 da CRP, ao assegurar todas as garantias de defesa ao arguido, incluindo o recurso, impõe que o sistema processual penal deve prever a organização de um modelo de impugnação das decisões penais que possibilite, de modo efetivo, a reapreciação por uma instância superior das decisões sobre a culpabilidade e sobre a medida da pena. Os fundamentos do direito ao recurso, que entroncam na garantia do duplo grau de jurisdição, são a redução do risco de erro judiciário, a apreciação da decisão recorrida por um tribunal superior e a possibilidade de, perante este, a defesa apresentar de novo a sua visão sobre os factos ou sobre o direito.

No caso de recurso interposto pelo Ministério Público, como o caso sub judice, o arguido pôde intervir como recorrido no recurso contraditando a argumentação do recorrente, podendo responder à motivação do recurso e ao parecer em cumprimento do artº 417º nº 2 do CPP, influenciando de forma ativa a decisão a proferir. Por isso, o acórdão proferido em 2ª instância consubstancia o duplo grau de jurisdição consagrado no citado artº 32º nº 1 da CRP.

E sendo a Relação um tribunal de apelação que conhece de facto e de direito, e não um tribunal de revista como sucede com o STJ (que visa apenas o reexame de direito), ao poder de revogação da decisão recorrida pela Relação, acresce o poder rescisório, de substituição da decisão revogada, significando isto que a Relação, enquanto instância de recurso e atentos os seus amplos poderes de cognição, não pode limitar-se a revogar a decisão recorrida, mandando baixar o processo ao tribunal recorrido para que este profira uma nova decisão, devendo antes proferir uma nova decisão, que passará a substituir a decisão recorrida, só assim não sucedendo se houver obstáculos intransponíveis, porquanto o expediente de reenvio tem sempre um cariz excepcional (artº 426º do C.P.P.)

No caso sub judice, inexistindo carência factual indispensável à decisão no seu todo, já que nos autos foram colhidos os elementos suficientes para se fazer a determinação da medida da pena acessória, impõe-se que seja este Tribunal da Relação a proceder à determinação de tal pena.

A pena acessória de conduzir há-de, seguindo a jurisprudência que vem sendo ditada pelos tribunais superiores, corresponder, ser proporcional, à pena principal.

E, quanto à medida da pena principal, consignou-se na sentença sob recurso: “Nos termos do art.71º do C.P., a determinação da medida concreta da pena deve operar-se em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo ainda às circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra aquele.

Assim, considerando o grau de ilicitude dos factos que é elevado, a intensidade do dolo – directo -, o grau de violação dos deveres impostos ao arguido, as circunstâncias que rodearam o cometimento dos factos (incluindo o facto de ter fugido e acabado por se despistar, embatendo na ponte por onde circulou), as ainda assim reduzidas consequências da sua conduta, a existência de antecedentes criminais (embora estes, como já se aludiu, se refiram a crimes de natureza diversa e a factos já há muito tempo ocorridos), bem como o percurso de vida que desde a infância o condicionou, afigura-se-nos adequado condenar o arguido:

- na pena de 1 ano de prisão, pela prática do crime do art.291º, nº.1 do C.P.; e,

- na pena de 9 meses de prisão, pela prática do crime de condução sem habilitação legal.

Resta agora, face ao disposto no art.77º, nºs.1 e 2 do C.P., operar o cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas ao arguido e determinar a pena única a aplicar.

Tendo em consideração a moldura penal do concurso (cfr.nº.2 do art.cit. - pena de prisão de 1 ano a 1 ano e 9 meses), o conjunto dos factos (praticados todos no mesmo circunstancialismo e contexto) e a personalidade demonstrada pelo arguido e espelhada nos factos que se lhes imputam, afigura-se-nos ajustado:

- aplicar-lhe a pena única de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão.

Ora, atendendo à personalidade do arguido, plasmada nos factos apurados, à sua situação pessoal e percurso de vida e não obstante a existência de antecedentes criminais (sendo, que, como já se referiu, nenhuns destes se referem aos tipos de crime ora em apreço), parece-nos que a pena de prisão a aplicar (qualquer uma das parcelares, como igualmente, a única) deverá ser suspensa na sua execução, uma vez que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão, assim se espera, ainda, para realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr.art.50º do C.P.), pelo que será pois suspensa na sua execução tal pena de prisão a aplicar, pelo período de 1 ano e 4 meses.”

Assim, no caso concreto, tendo como referencial os parâmetros que determinaram na sentença a medida da pena principal, entende-se adequado fixar em um ano a pena acessória de proibição de conduzir veículos automóveis.


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Decisão

Por todo o exposto, acordam os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães em conceder provimento ao recurso e, em consequência:

- revogar a decisão proferida no respeitante à sanção acessória, e, em consequência condenar o arguido, nos termos do disposto no art. 69°, nº1, al. a), do Código Penal, na pena acessória de proibição de conduzir veículos automóveis pelo período de um ano, mantendo-se a sentença no mais.

- Sem custas.


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Elaborado e revisto pela primeira signatária

Guimarães, 7 de Novembro de 2016

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Laura Goulart Maurício

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Alda Tomé Casimiro