Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
224/25.8T8VNF-A.G1
Relator: VERA SOTTOMAYOR
Descritores: IMPUGNAÇÃO DO DESPEDIMENTO
INVALIDADE DO PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/20/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I - As causas determinantes da invalidade do procedimento disciplinar com vista ao despedimento, elencadas no art.º 382.º n.º 2 do CT são taxativas.
II - Se o instrutor a decisão disciplinar consultou documentos na posse do empregador, que não fez juntar ao procedimento e se não registou depoimentos no processo, sem que tenham sido alegados quaisquer factos que nos permitissem concluir que os mesmos impediram o Autor de estruturar a sua defesa e de compreender as imputações que lhe são feitas e respetivos fundamentos probatórios, tal não acarreta a invalidade do PD, por não constar dos vícios invalidantes elencados no art.º 382.º n.º 2 do CT.
Decisão Texto Integral:
I - RELATÓRIO

AA, intentou a presente ação, com processo especial, de impugnação da regularidade e licitude do despedimento promovido pela sua entidade empregadora, EMP01..., S.A., apresentando para tanto o respetivo formulário opondo-se ao despedimento decretado em 18.12.2024 pelo seu empregador.
Realizada a audiência de partes e não tendo sido obtida a conciliação, veio a entidade empregadora apresentar o respetivo articulado motivador do despedimento e juntou o procedimento disciplinar.
 O trabalhador apresentou a sua contestação/reconvenção, alegando que o procedimento disciplinar padece de nulidade, quer por violação do princípio do contraditório, por o processo disciplinar consultado em 13.09.2024 não estar numerado e dele não constarem os documentos que identifica, por não lhe ter sido remetida cópia digital do processo e dele não constarem autos de declarações/registo de depoimentos, que foram ocultados. Por outro lado, alega, que ocorreu a violação da confidencialidade, por constarem no processo disciplinar mensagens privadas do trabalhador, sem que este tivesse dado autorização para a sua divulgação. Por fim, alega que a nota de culpa contem imputações genéricas e abstratas dos factos e considerações conclusivas e divagações teóricas.
O empregador veio responder negando que o procedimento disciplinar, padece de algum dos vícios apontados pelo trabalhador.
A Mma. Juiz a quo proferiu despacho saneador, no âmbito do qual foi apreciada a invalidade do procedimento disciplinar, que terminou a este propósito, com o seguinte dispositivo:
“Em face do exposto, julgo improcedente a invocada excepção de nulidade do procedimento disciplinar.”

Inconformada com esta decisão, dela veio o trabalhador interpor recurso, em separado, de apelação para este Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando alegações que terminam mediante a formulação das seguintes conclusões:

“1. Vem o presente recurso interposto do douto despacho saneador proferido em 3 de julho de 2025 na parte em que julga “improcedente a invocada exceção de nulidade do procedimento disciplinar”.
2. Desde logo, porque resulta da douta decisão proferida pelo tribunal a quo a sua nulidade nos temos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
3. Afirmou o Tribunal a quo que “a violação do princípio do contraditório em que assenta o trabalhador a arguição da nulidade do procedimento disciplinar, reporta-se à consulta do processo e que, como se referiu supra, pode constituir motivo de invalidade do mesmo se não tiver sido respeitado tal direito.”
4. E que “a questão que se coloca é a de saber em que consiste esse direito de consulta do processo, mais concretamente, se o facto de o processo não estar numeral, não ter sido remetida cópia digital do mesmo e não constarem determinados documentos e registos de depoimentos constitui violação desse direito a consulta.”
5. Para fundamentar a decisão a tomar quanto a esta questão de direito, o Tribunal a quo recorreu a jurisprudência e doutrina variada: 6. e 7. (…)
8. Em termos factuais, o Tribunal a quo reconhece que efetivamente não foi permitido ao trabalhador a consulta de autos de declarações e registos de depoimentos.
9. Nomeadamente a denúncia anónima a que se alude no ponto 98 da nota de culpa e 141 do Articulado de Motivação, a comunicação a que se alude no ponto 131 da nota de culpa e 174 do Articulado de Motivação, o contrato de trabalho do Autor nem qualquer aditamento ao mesmo, autos de inquirição das testemunhas e as folhas alegadamente assinadas pelo Autor mencionadas nos pontos 203 e 204 da nota de culpa, correspondentes aos artigos 245 e 246 do Articulado de Motivação.
10. Bem como as designadas timesheets alegadamente assinadas pelo aqui Recorrente no âmbito do Projeto X e que fundamentam, quer o Relatório Preliminar “Project L”, quer o procedimento disciplinar intentado aqui em causa.
11. E apesar de a páginas 18 e 19 do seu Relatório Final a Recorrida elencar os elementos probatórios em que se baseou, parte desses elementos não constam do processo, nomeadamente, as mensagens de correio eletrónico relevantes relacionadas com as matérias sob investigação, as atas das entrevistas realizadas aos colaboradores nas fases iniciais da investigação pela equipa de Compliance, os pedidos apresentados pela AICEP sobre dúvidas e esclarecimentos adicionais relativamente ao projeto “X” e a cópia digital completa do dossier do projeto “X”.
12. E apesar de na sua resposta à Nota de Culpa o aqui Recorrente ter de imediato alertado a Recorrida para a ausência de elementos probatórios indicados na Nota de Culpa, tais elementos não foram devidamente averbados ao procedimento disciplinar, continuando ausentes do mesmo.
13. Apesar do exposto, o Tribunal a quo concluiu que o aqui Recorrente não alegou “quaisquer factos que permitissem concluir que os mesmos impediam o Autor de estruturar a sua defesa”.
14. Entende o Recorrente que tais factos foram exaustivamente por si alegados, entre outros, nos artigos 71 a 114, 346, 350 e 401 a 405 da sua Contestação, e nos artigos 20 a 47 do seu requerimento de 16/06/2025
15. Acresce que os elementos em falta foram largamente utilizados e referidos, quer na Nota de Culpa, quer na Decisão Final da Recorrida, quer na Motivação do Despedimento junta a estes autos, pelo que, por maioria de razão, se tornaria essencial ao aqui Recorrente na sua defesa analisar tais elementos.
16. Se é verdade que a generalidade da jurisprudência e doutrina indicada pelo Mmo. Tribunal a quo aponta para a perspetiva de que a não entrega de cópias de elementos do processo disciplinar não implica uma violação do direito ao contraditório do Recorrente,
17. Também se torna evidente pela leitura da decisão recorrida que, de forma unânime, toda a fundamentação citada entende que a não disponibilização para consulta de elementos de prova nos quais foi fundamentada a Nota de Culpa constitui efetivamente uma violação do direito ao contraditório do aqui Recorrente prevista no artigo 329.º, n.º 6 do CT, o que consubstanciará a invalidade do procedimento disciplinar nos termos do disposto no artigo 382.º, n.º 1 e n.º 2, alínea c) do CT.
18. Ainda assim, e apesar de confirmar na sua decisão que efetivamente “determinados documentos ou registos de depoimentos” não se encontram disponíveis no processo, o Tribunal a quo acaba por concluir “improcedente a invocada exceção de nulidade do procedimento disciplinar”.
19. De resto, note-se que, os depoimentos recolhidos em fase de investigação e as timesheets alegadamente assinadas pelo Recorrente não são os únicos elementos em falta e que foram requeridos pelo Recorrente. Muitos outros elementos se encontram em falta e não foram juntos pela Recorrida, não obstante terem sido utilizados para elaborar e fundamentar a nota de culpa e o articulado de motivação.
20. Em particular, não constam do processo disciplinar e não foram juntos aos presentes autos a totalidade das comunicações eletrónicas que a Recorrida utiliza para procurar demonstrar que o Recorrente tem conhecimento de determinados factos.
21. Não obstante tais comunicações sejam tremendamente importantes para a boa decisão da causa, ao Recorrente foi possível inquirir os demais destinatários das mesmas que já prestaram declarações em sede de procedimento disciplinar e, através dos seus depoimentos, foi possível ao Recorrente contextualizar o seu teor e demonstrar a profunda falsidade das acusações que lhe são endereçadas pela Recorrida.
22. O mesmo não sucede com os depoimentos recolhidos em fase de investigação e com as timesheets, uma vez que, desconhecendo o Recorrente em absoluto quem foi inquirido e quem terá acusado o Recorrente de um comportamento menos correto, a este não é possível contraditar. Ficando o direito de defesa do Recorrente completamente coartado e impossibilitado à partida.
23. Tal decisão tomada nos temos acima expostos constitui claramente uma oposição flagrante entre os fundamentos da decisão e a decisão em si, o que constitui uma nulidade nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.

Nulidade que a Recorrente requer que seja decretada.

Caso assim não se entenda, o que não concede, e por mera cautela de patrocínio:
24. Entendeu o tribunal a quo na sua decisão que não existe “qualquer invalidade do processo disciplinar”. Tendo julgado “improcedente a invocada exceção de nulidade do procedimento disciplinar”.
25. Ficou já largamente provado pelos elementos factuais existentes nos autos que existem elementos probatórios recolhidos pela Recorrida no decurso de processo de averiguações, inquérito prévio e do procedimento disciplinar e que serviram de fundamento às decisões tomadas no mesmo, indicados desde logo na Nota de Culpa, que não constam do processo disciplinar nem dos presentes autos.
26. Tal ausência constitui e acarreta a invalidade do procedimento disciplinar nos termos da alínea c) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 382.º do CT.
27. Nos termos do disposto no n.º 10 do artigo 32.º da CRP, e sendo um processo de natureza sancionatória, o trabalhador tem no procedimento disciplinar as mesmas garantias de audiência e defesa do arguido no processo penal.
28. Pelo que se aplicará de forma subsidiária o disposto no CPP, nomeadamente os seus artigos 86.º, n.º e 89.º, n.º 1.
29. Daí decorrendo o necessário acesso não apenas às decisões do procedimento mas à totalidade dos elementos do procedimento, como sejam as atas dos depoimentos das testemunhas inquiridas e outros elementos probatórios que tenham sido recolhidos no decurso do procedimento e, mormente, os utilizados para fundamentar as decisões tomadas. 
30. É nesse sentido que citamos Diogo Vaz Marecos na sua obra ““O despedimento por justa causa – Procedimento”, p. 21, que claramente afirma que o direito de consulta previsto no Código do Trabalho é abrangente e inclui, nomeadamente “o procedimento prévio de inquérito, se já terminado, cfr. Acórdão do Tribunal  da Relação de Coimbra, de 10 de Maio de 2001, processo 340-2001, disponível em www.dgsi.pt, incluindo também a reprodução escrita do processo”.
31. Tal amplitude do direito de consulta do processo resulta não apenas na doutrina e jurisprudência mencionada pelo Tribunal a quo mas pela jurisprudência dominante, - cfr.:
-Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 12 de maio de 2014, proferido no âmbito do processo n.º 382/13.4TTMAI-A.P1;
-Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 20 de dezembro de 2024, proferido no âmbito do processo n.º 0415125;
-Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 27 de fevereiro de 2025, proferido no âmbito do processo n.º 414/24.0T8EVR.A.E1.
32. Fica assim claro que não sendo facultada ao trabalhador a consulta de todos os elementos probatórios recolhidos pela empregadora, é violado o direito de consulta e de contraditório do trabalhador, o que gera a nulidade e consequente invalidade de todo o procedimento disciplinar e torna o despedimento efetuado ilícito, nos termos do disposto no artigo 382.º, n.º 1 e n.º 2, alínea c) do CT.
33. Fica ainda claro que, sendo um princípio constitucionalmente consagrado, o exercício do contraditório em qualquer processo sancionatório é condição sine qua non da validade do respetivo procedimento, não se exigindo da parte do trabalhador a demonstração em que termos tal violação veio prejudicar a sua defesa.
34. Assim, tendo ficado demonstrado pelos elementos constantes do procedimento disciplinar que do mesmo não constam todos os elementos probatórios recolhidos pela Recorrida, fica clara a violação do direito de exercício do contraditório do trabalhador, o que, nos termos do n.º 1 e n.º 2 do artigo 382.º do CT gera a invalidade do procedimento disciplinar e a consequente ilicitude do despedimento, o que se requer que seja consagrado.
35. Ao decidir em sentido diverso, o douto Despacho recorrido violou e não fez uma devida interpretação, entre outros, dos artigos 32.º, n.º 10 da CRP, artigo 89.º, n.º 1 do CPP, do 329.º, n.º 6 do CT e do artigo 382.º, n.º 1 e n.º 2, alínea c) do CT.
Nestes termos e nos melhores de direito, julgando-se totalmente procedente o presente recurso a revogando-se o douto Despacho recorrido, devendo ser substituído por nova decisão que determine a invalidade do procedimento disciplinar e determine a ilicitude do despedimento do Recorrente, tudo nos termos do disposto no n.º 1 e na alínea c) do n.º 2 do artigo 382.º do Código do Trabalho.
Tudo com as inerentes consequências legais, assim se fazendo sã, inteira, serena e objetiva JUSTIÇA!
Respondeu a Recorrida/Apelada pugnando pela improcedência do recurso.
*
Admitido o recurso na espécie própria, com o adequado regime de subida e efeito, foram os autos remetidos a esta 2ª instância.
Foi determinado que se desse cumprimento ao disposto no artigo 87.º n.º 3 do C.P.T., tendo a Exma. Procuradora Geral-Adjunta emitido douto parecer no sentido da improcedência do recurso.
Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do n.º 2 do artigo 657.º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II - OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objeto dos recursos pelas conclusões da recorrente (artigos 635º, nº 4, 637º n.º 2 e 639º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Civil), não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, que aqui se não detetam, coloca-se à apreciação deste Tribunal da Relação as seguintes questões:

- Da nulidade do despacho - art.º 615.º n.º 1 al. c), do CPC.
- Da invalidade do procedimento disciplinar.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Para além dos factos que constam do relatório acrescem os seguintes factos:
Aquando da consulta pelo trabalhador do procedimento disciplinar, este deixou consignado que do mesmo não constavam:
– a denúncia anónima a que se alude no ponto 98 da nota de culpa e 141 do Articulado de Motivação;
– a comunicação a que se alude no ponto 131 da nota de culpa e 174 do Articulado de Motivação;
– o contrato de trabalho do Autor nem qualquer aditamento ao mesmo;
– nenhum auto de inquirição de uma qualquer testemunha;
– as folhas alegadamente assinadas pelo Autor mencionadas nos pontos 203 e 204 da nota de culpa, correspondentes aos artigos 245 e 246 do Articulado de Motivação;
– nenhuma procuração a atribuir poderes a BB nem a CC para elaborarem e remeterem a nota de culpa.

IV - APRECIAÇÃO DO RECURSO
1 – Da nulidade do despacho, por contradição entre a fundamentação e a decisão, nos termos do art.º 615.º n.º 1 al. c), do CPC
Suscita o apelante/recorrente a nulidade do despacho recorrido por contradição entre a fundamentação e a decisão nos termos do art.º 615.º n.º 1 al. c) do CPC, dizendo que apesar de a decisão confirmar que determinados documentos ou registos de depoimentos não se encontram disponíveis no processo, o Tribunal acaba por concluir pela improcedência da invocada exceção de nulidade do procedimento disciplinar, por violação do principio do contraditório.
Estabelece o n.º 1, alínea c), do citado art.º 615.º do CPC, e para o que aqui releva, que é nulo o despacho quando os “fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”
Como é sobejamente sabido as nulidade da sentença/despachos respeitam apenas aos vícios taxativamente previstos no citado artigo 615.º n.º 1 do CPC., que geram dúvidas sobre a sua autenticidade, ou ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que se decide em determinado sentido e não noutro, ou porque essa explicação conduz, logicamente a resultado diverso do seguido, quer ainda por falta de tomada de posição sobre questões (de facto ou de direito) suscitadas com vista à procedência ou improcedência do pedido, não se confundindo nem com os erros de julgamento – errada subsunção dos factos ao direito – nem com as nulidades processuais, que se traduzem em desvios ao formalismo processual previsto na lei.
Assim, para que ocorra a nulidade da sentença por contradição entre a fundamentação e a decisão judicial impõe-se que exista uma verdadeira contradição entre os fundamentos e a decisão, apontando a fundamentação num sentido e a decisão num sentido diferente. Tal verifica-se quando a sentença/despacho sofre de um vício intrínseco à sua própria lógica, traduzido no facto da fundamentação em que se apoia não poder suportar o sentido da decisão que vem a ser proferida. Esta nulidade da sentença não abrange as situações em que está em causa apurar o adequado enquadramento jurídico feito na sentença e a conclusão que nela se chegou, se é ou não acertada ou injusta – erro de julgamento – mas sim respeita ou contende com a estrutura formal da decisão.
Como também refere o Prof. Antunes Varela, in Manual de Processo Civil, 2ª edição, pág. 689, o seguinte: “a lei refere-se, na alínea c) do n.º 1 do artigo 668º à contradição real entre os fundamentos e a decisão e não às hipóteses de contradição aparente, resultantes de simples erro material, seja na fundamentação, seja na decisão. (…)  Nos casos abrangidos pelo artigo 668º, 1, c), há um vício real no raciocínio do julgador (e não um simples lapsus calami do autor da sentença): a fundamentação aponta num sentido; a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos direcção diferente.”
Como se refere a este propósito no Ac. do STJ de 09-12-2021, Proc. 7129/18.7T8BRG.G1.S1 “A nulidade do acórdão, sustentada na contradição, remete-nos para a questão dos casos de ininteligibilidade do discurso decisório, concretamente, quando a decisão encerra um erro lógico na argumentação jurídica, dando conclusão inesperada e adversa à linha de raciocínio adotada, ou seja, a nulidade do aresto, sustentada na ininteligibilidade do discurso decisório, ocorrerá sempre que a anunciada explicação que conduz ao resultado adotado, induz logicamente a um desfecho oposto ao reconhecido.”
De tudo isto resulta que a nulidade da sentença/despacho a que se reporta o artigo 615.º n.º 1 alínea c) do Código do Processo Civil, pressupõe um erro de raciocínio lógico consistente em a decisão emitida ser contrária à que seria imposta pelos fundamentos de facto ou de direito de que o juiz se serviu ao proferi-la. Ocorre quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto. O que significa que estamos na presença desta nulidade o despacho aponta de forma clara para um determinado sentido ou direção e não obstante, a decisão é proferida em sentido oposto, ou pelo menos em direção diferente.
Assim, não ocorre a dita nulidade quando o resultado a que o juiz chega na decisão deriva, não de qualquer oposição entre os fundamentos e a decisão, mas da subsunção legal que entendeu melhor corresponder aos factos apurados. Saber se tal enquadramento é ou não acertado constitui matéria que não cabe indagar em sede de nulidade de sentença.
Revertendo para o caso em apreço diremos que não se verifica a arguida nulidade, pois o tribunal a quo apreciou da invalidade do procedimento disciplinar, por do mesmo não constarem os documentos que identifica, não lhe ter sido remetida cópia digital do processo e dele não constarem autos de declarações/registo de depoimentos, concluindo pela sua inexistência, não padecendo tal despacho de qualquer contradição.
Com efeito, o despacho é claro relativamente ao facto de aí se afirmar que não foi negada a consulta do procedimento disciplinar ao autor/recorrente, como aquele afirmava, sendo certo que o facto de não constarem determinados documentos ou registos do procedimento disciplinar, não tendo sido alegados factos no sentido de que tal impediu o Autor de estruturar a sua defesa, não acarreta invalidade do processo.
Tal posição traduz a conclusão lógica resultante da fundamentação, dela não constando qualquer erro de raciocínio.
Da fundamentação resulta claro o motivo pelo qual se conclui que as falhas detetadas na consulta ao procedimento disciplinar não acarretam a sua invalidade, não constituindo tal qualquer contradição ou ininteligibilidade do despacho recorrido.
No caso, não ocorre qualquer violação às regras necessárias à construção lógica do despacho, já que os fundamentos de facto e de direito que dele constam, estão em concordância lógica com a decisão. O silogismo seguido pelo julgador não conduz de forma alguma à conclusão oposta ou diferente da que se encontra nela enunciada.
Poderá sim, discordar-se de tal motivação, mas tal constituirá apenas um erro de julgamento e não a nulidade do despacho.
Não ocorre assim a arguida nulidade

2. Da (in)validade do procedimento disciplinar instaurado ao Autor
Entende o Recorrente que existem elementos probatórios recolhidos pela entidade empregadora no decurso do processo de averiguações, inquérito prévio e procedimento disciplinar, que serviram de fundamento às decisões e indicados na nota de culpa que não constam do processo disciplinar nem dos autos, o que acarreta invalidade do processo disciplinar nos termos do art.º 382.º nº 1 al. c) e n.º 2 CT.
Suscita-se assim, a questão de saber se o procedimento disciplinar é inválido por dele não constarem todos os elementos probatório recolhidos que serviram de fundamento à elaboração da nota de culpa e da decisão final. Para responder á suscitada questão importa apurar em que consiste o direito de consulta do processo, mais concretamente, se o facto de o processo não estar numerado, não ter sido remetida cópia digital do mesmo e não constarem determinados documentos e registos de depoimentos constitui violação desse direito à consulta.

Na decisão recorrida, a este propósito consignou-se o seguinte:
“Por outro lado, a violação do princípio do contraditório em que assenta o trabalhador a arguição da nulidade do procedimento disciplinar, reporta-se à consulta do processo e que, como se referiu supra, pode constituir motivo de invalidade do mesmo se não tiver sido respeitado tal direito.
Sobre a consulta do processo disciplinar, ensina Pedro Ferreira de Sousa (in ob. cit., págs. 112 e seguintes) que “A consulta do processo disciplinar visa permitir ao trabalhador conhecer e analisar os elementos que a entidade empregadora se estribou para elaborar a nota de culpa. A consagração do direito à consulta do processo disciplinar revela que o legislador laboral pretendeu que o exercício do contraditório não se limitasse à compreensão do conteúdo na nota de culpa e respectiva resposta, mas se estendesse ao conhecimento dos elementos nos quais a entidade empregadora fundou a intenção de proceder ao despedimento com justa causa do trabalhador.
E tanto assim é que o legislador laboral fez culminar com a invalidade do procedimento disciplinar a violação do deito de consulta do processo disciplinar (cfr. alínea c) do n.º 2 do artigo 382.º do CT).”.
Com efeito, de acordo com o artigo 382.º, n.º 2 alínea c) do Código do Trabalho “O procedimento é inválido se não tiver sido respeitado o direito do trabalhador a consultar o processo”.
(…)

Vejamos.
Como escreveu Pedro Ferreira de Sousa (in ob. cit., pág. 117), “a obrigação de disponibilização efectiva do processo disciplinar impõe que a entidade empregadora faculte ao trabalhador a consulta dos elementos nos quais baseou a acusação disciplinar”, esclarecendo, na nota de rodapé 157 que a jurisprudência nega o direito ao trabalhador de exigir a extracção de cópias dos autos do processo disciplinar, identificando, para o efeito, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 10.04.1991, disponível no BTE 2.ª série, n.ºs 4-5-6/94, pág. 423 e do Tribunal da Relação do Porto de 26.10.2009, processo 505/08.5TTPNF.P1, citando, ainda, Ana Lambelho, Luísa Andias Gonçalves e Pedro Furtado Martins nesse sentido, e, em sentido oposto Messias de Carvalho que considera que “o direito de consulta do processo disciplinar abrange a reprodução dos documentos nele constantes, contando que a dita reprodução se afigure necessária e não ocorram motivos legítimos para oposição da entidade empregadora”.
No mesmo sentido, Pedro Furtado Martins (in ob. cit., pág. 214) ensina que “Para o exercício do direito de consulta deve o processo estar disponível em local acessível ao trabalhador. Embora seja prática usual, não se exige que o empregador indique a data e o local em que a consulta se pode efectivar, pelo que a omissão de tais informações não afeta a validade e a regularidade do processo de despedimento. E também não se impõe que o empregador forneça cópia dos documentos constantes do processo. No entanto, julgamentos que, salvo casos em que a divulgação dos documentos a terceiros possa ser prejudicial para o empregador ou para outras pessoas envolvidas ou relacionadas com os factos objecto do procedimento, será razoável que o empregador forneça cópias dos documentos constantes dos autos. Sublinhe-se, porém, que isto não significa que exista uma obrigação de o fazer. Obrigatório é apenas possibilitar a consulta dos documentos juntos ao processo.”.
“O direito de consulta do processo disciplinar (…) obriga a que seja facultada ao trabalhador a possibilidade de consultar o processo disciplinar, incluindo a documentação probatória que dele conste, mas não abrange a obrigação de ser facultada cópia dessa documentação. A permissão de consulta dessa documentação probatória, mas não de entrega ou extracção de fotocópias da mesma, não determina a invalidade do procedimento disciplinar, (…)” (Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26 de Outubro de 2009, processo n.º 505/08.5TTPNF.P1, disponível em www.dgsi.pt).
“Não pode afirmar-se haver uma obrigação, em geral, de o empregador fornecer cópias do procedimento disciplinar quando as mesmas sejam requeridas pelo trabalhador. Mas, se vier a concluir-se que a não concessão pelo empregador das cópias pretendidas pelo trabalhador impede no caso concreto que este se inteire convenientemente dos elementos constantes do procedimento disciplinar, tornando infrutífera a consulta efectuada, pode verificar-se um desrespeito do direito do trabalhador a consultar o processo. O direito de consulta salvaguardado na lei é o que se exerce entre a recepção da nota de culpa e a resposta à mesma” (Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 08 de Setembro de 2014 processo n.º 2/12.4TTMAI.P1, disponível em www.dgsi.pt).
No caso em apreço, não foi negada a consulta ao processo presencial.
Por outro lado, inexiste normativo que imponha que o processo esteja numerado, não constituindo qualquer invalidade a sua falta.
Por último, o facto de não estarem determinados documentos ou registos de depoimentos no processo, sem que tenham sido alegados quaisquer factos que permitissem concluir que os mesmos impediram o Autor de estruturar a sua defesa, também não acarreta a invalidade arguida.
Verifica-se, assim, que a decisão de despedimento está elaborada nos termos do n.º 4 do artigo 357.º ou do n.º 2 do artigo 358.º, inexistindo as referidas invalidades.
A decisão disciplinar está minimamente fundamentada, não se concluindo pela existência de qualquer invalidade do processo disciplinar.”
Desde já diremos que concordamos com a posição assumida pelo Tribunal a quo, não se vislumbrando que tenha sido cometida qualquer irregularidade no âmbito do procedimento disciplinar que acarrete a sua invalidade.
Mas vejamos:
Como é sabido, o procedimento disciplinar (doravante PD) que conduz ao despedimento do trabalhador com invocação de justa causa encontra-se regulado nos artigos 352.º a 358.º CT, sendo certo que estando em causa o despedimento com justa causa, os seus requisitos constam dos artigos 353.º (nota de culpa), 355.º (resposta à nota de culpa) 356.º, (instrução) e 357.º (decisão).
Como se refere no Acórdão deste Tribunal de 15.02.2024[1] “É consabido que o processo disciplinar é um processo de parte, que é instaurado e conduzido pelo empregador, não sujeito aos deveres de imparcialidade e do contraditório [salvo, quanto às garantias de defesa consagradas nos arts. 353.º, n.ºs 1 e 2, 355.º a 357.º do Cód. do Trabalho] que vigoram no processo judicial, e no âmbito do qual as testemunhas cuja audição se verifique não estão sujeitas a juramento, nem ao dever de verdade.”

Assim, prescreve o artigo 353.º, do CT com a epígrafe “Nota de culpa”
1 - No caso em que se verifique algum comportamento susceptível de constituir justa causa de despedimento, o empregador comunica, por escrito, ao trabalhador que o tenha praticado a intenção de proceder ao seu despedimento, juntando nota de culpa com a descrição circunstanciada dos factos que lhe são imputados.”

E prescreve o artigo 382.º do CT, sob a epígrafe “Ilicitude de despedimento por facto imputável ao trabalhador”
“1- O despedimento por facto imputável ao trabalhador é ainda ilícito se tiverem decorrido os prazos estabelecidos nos n.ºs 1 ou 2 do artigo 329º, ou se o respetivo procedimento for inválido.
2 - O procedimento é inválido se:
a) Faltar a nota de culpa, ou se esta não for escrita ou não contiver a descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador;
b) Faltar a comunicação da intenção de despedimento junta à nota de culpa;
c) Não tiver sido respeitado o direito do trabalhador a consultar o processo ou a responder à nota de culpa ou, ainda, o prazo para resposta à nota de culpa;
d) A comunicação ao trabalhador da decisão de despedimento e dos seus fundamentos não for feita por escrito, ou não esteja elaborada nos termos do n.º 4 do artigo 357.º ou do n.º 2 do artigo 358.º”.
Daqui resulta que a nota de culpa é a peça fundamental no procedimento disciplinar, já que tendo em vista a justificação para a licitude do despedimento, delimita quanto o empregador, os factos que este pode imputar ao trabalhador, quer no âmbito desse processo, quer posteriormente em sede judicial.
Daí que a nota de culpa não se possa cingir à indicação de comportamentos genéricos, obscuros e abstratos do trabalhador, ao invés deve conter factos concretos, localizados no tempo e no espaço, para que seja possível ao trabalhador ponderar e organizar corretamente a sua defesa.[2].
Com efeito, o empregador tem de elaborar e comunicar a nota de culpa, com a descrição circunstanciada dos factos – cfr. art. 353.º do CT, mas tem não de demonstrar tais factos, pois tal só tem de se fazer em sede de julgamento incumbindo ao empregador o ónus da prova dos factos que imputa ao trabalhador. O que significa que é em sede de julgamento que se tem de carrear toda a prova que demonstre os factos que imputa ao trabalhador.
Por outro lado, o direito de defesa em sede de procedimento disciplinar compreende a consulta do procedimento e a resposta à nota de culpa, com indicação da prova que se entender por pertinente – cfr. art.º 355.º do CT.
Importa referir que é o carater descritivo e factual da nota de culpa que possibilitará ao trabalhador organizar a sua defesa em termos adequados, daí a exigência da descrição completa e circunstanciada dos factos concretos, em termos de modo, tempo e de lugar -, integradores da conduta infracional do trabalhador.
Por outro lado, a consulta do procedimento disciplinar visa possibilitar ao trabalhador o conhecimento de todos os elementos probatórios que sustentam as imputações, tendo em vista garantir o seu direito à defesa, razão pela qual a violação de tal direito implica invalidade do procedimento disciplinar, tal como resulta do prescrito no artigo 382º, 2, c) do CT.
Por fim, acresce dizer que, as causas determinantes da invalidade do procedimento disciplinar com vista ao despedimento, elencadas no art.º 382.º n.º 2 do CT são taxativas.
Feitas estas considerações podemos desde dizer que, ao contrário do que entende o trabalhador, a circunstância do procedimento disciplinar não se encontrar numerado. não acarreta a declaração de nulidade de todo o processo disciplinar, nem daí resulta qualquer consequência que ponha em causa a validade do procedimento, pela simples razão de que o legislador não o previu[3].
Defende o Recorrente que na nota de culpa são mencionados documentos e diligencias, designadamente inquirições, que não constam do procedimento, o que viola o principio do contraditório e o seu direito de defesa, o que determina a invalidade do procedimento – art.º 382º nº 2 al. c) CT.
A questão que agora se colocada consiste em saber se os documentos e diligencias mencionados na nota de culpa que não constam do procedimento, violam o principio do contraditório e o direito de defesa do trabalhador, determinando a invalidade do procedimento.
Em princípio a resposta será negativa, pois não nos parece correto associar a cominação de invalidade do procedimento à falta de junção de documentos e diligências que foram realizadas, mas não foram registadas no PD, pois como já deixámos expressos as causas de invalidade são taxativas e delas não consta a falta de registo de diligências no PD. A menos que se conclua, que no concreto caso, que apenas com a junção dos documentos em falta e com o registo das diligências, o trabalhador pode compreender cabalmente as imputações e respetivos fundamentos probatórios.
Não é o caso dos autos, nem tal é referido pelo trabalhador.
A questão deve ser analisada à luz das regras do procedimento disciplinar.
Na verdade, o instrutor não tem que juntar ao procedimento tudo o que a ele chegue, a menos que o ache pertinente para esclarecimento da factualidade, apesar de não solicitada a diligência, uma vez que no âmbito do seu poder inquisitório é detentor de alguma margem de manobra.
Do regime aplicável não resulta que tenham que ser reduzidos a escrito todos os atos que tenha lugar no inquérito, mas apenas aqueles que o legislador teve por fundamentais, tais como a nota de culpa, a suspensão preventiva do trabalhador, a resposta à nota de culpa, o indeferimento de diligências probatórias requeridas na resposta à nota de culpa, parecer da comissão de trabalhadores ou associação sindical se o trabalhador for representante sindical, e a decisão de despedimento, conforme o prescrito nos artigos 353.º, n.º 1, 354.º, n.º 2, 355.º, n.º 1, 356.º, nsº 1, e 5, 357.º, n.º 5, todos do CT.
A lei não impõe sequer a redução a escrito dos depoimentos das testemunhas (cfr. art.º 356.º CT a contrario) - no sentido de que não «se exige a forma escrita para todo o processo disciplinar, mais concretamente, para todas as diligências de investigação/instrução realizadas no seu âmbito.»[4]
Não existe qualquer norma legal que obrigue o empregador quer a realizar diligências probatórias antes de proferir a nota de culpa, quer a documentar as que as fez, designadamente com a junção de documentos.
Como escreve PAULO SOUSA PINHEIRO[5]: “Se, por um lado, a procedimentalização aconselha o empregador a juntar à nota de culpa todos os elementos documentais nos quais aquela peça acusatória se estriba e/ou para os quais remete, não é menos verdade, por outro lado, que não são assim tão raros os casos em que tal se revela impossível ou de difícil concretização. Ademais, a única exigência que resulta da lei é a do envio para o trabalhador da comunicação da intenção de despedimento e da nota de culpa com a descrição circunstanciada dos factos que lhe são imputados, nada se referindo a propósito de uma eventual obrigação de essa mesma nota de culpa se fazer acompanhar por documentos”
Por outro lado, o recorrente não especifica em que medida ficou coartado no seu direito de defesa por não constarem do procedimento os referidos documentos ou registos depoimentos no processo, nem foram alegados quaisquer factos que permitissem concluir que a falta de tal documentação impediu o Autor de estruturar a sua defesa por falta de compreensão das imputações e respetivos fundamentos probatórios. Ao invés, quer o teor da resposta à Nota de Culpa, quer o teor do articulado apresentado em sede judicial revelam que o recorrente/autor compreendeu os factos que lhe são imputados, bem como as questões em causa.
Acresce ainda dizer que nada impede que o instrutor realize diligências que depois não espelha no processo disciplinar, porque não as entende relevantes. Importa realçar que o processo disciplinar é dominado pelo principio do inquisitório, competindo ao empregador a escolha e realização das diligências, bem com a sua seleção para a fundamentação da decisão final. Tudo sem prejuízo do direito de o trabalhador requerer, ele próprio, a produção de provas.
Ora, não existindo qualquer norma legal que obrigue o empregador, quer a realizar diligências probatórias antes de proferir a nota de culpa, quer a documentar as que realizou, designadamente com a junção de documentos e registo dos depoimentos prestados e não resultando da alegação do trabalhador em que medida ficou coartado no seu direito de defesa, por não constarem do procedimento os ditos documentos ou registos e ao invés resultando da sua extensa defesa que compreendeu a natureza dos factos imputados, não vislumbramos que tenha sido cometida qualquer irregularidade no PD que determine a sua invalidade.
Em suma, se o instrutor da decisão disciplinar consultou documentos na posse do empregador, que não fez juntar ao procedimento e se não registou depoimentos no processo, sem que tenham sido alegados quaisquer factos que nos permitissem concluir que os mesmos impediram o Autor de estruturar a sua defesa e de compreender as imputações que lhe são feitas e respetivos fundamentos probatórios, tal não acarreta a invalidade do PD por não constar dos vícios invalidantes elencados no art.º 382.º n.º 2 do CT.
Improcede assim, o recurso de apelação em separado, sendo de confirmar a decisão recorrida.

V – DECISÃO

Pelo exposto, e ao abrigo do disposto nos artigos 87.º do C.P.T. e 663.º do C.P.C., acordam os Juízes neste Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso de apelação interposto por AA mantendo-se na íntegra a decisão recorrida.
Custas a cargo do Recorrente.
Notifique.
Guimarães, 20 de novembro de 2025

Vera Maria Sottomayor (relatora)
Maria Leonor Barroso
Francisco Sousa Pereira


[1] proc. n.º 2420/23.3T8BRG-A.G1, relator Francisco Sousa Pereira, disponível em www.dgsi.pt
[2] Neste sentido, ver entre outros o Acórdão do STJ de 14.11.2018, Proc. 94/17.0T8BCL–A.G1.S1, disponível in www.dgsi.pt, onde se escreve: “(…) a nota de culpa desempenha a função própria da acusação em processo-crime: por isso, nela deve constar a descrição circunstanciada, em termos de modo, tempo e lugar, dos factos de onde se extraia a imputação de uma infracção ao trabalhador. Os comportamentos imputados ao trabalhador, susceptíveis de integrar infracção disciplinar, devem ser descritos na nota de culpa com a narração, tão concreta quanto possível, do circunstancialismo de tempo, lugar e modo em que ocorreram, de forma a permitir ao arguido o perfeito conhecimento dos factos que lhe são atribuídos, a fim de poder organizar adequadamente a sua defesa”.
[3] Neste sentido entre outros Ac. RL de 15.09.2021, Proc. n.º 526/18.0T8FNC-B.L1-4, no qual se refere:
“A organização física do processo não vem regulamentada, em nenhum texto legal se descortinando a necessidade de o organizar com uma ou outra sequência, com uma ou outra aparência. O procedimento é, porém, inválido, nos termos prescritos no Artº 382º/2 do CT. E só nesses.”
[4] Cfr- Ac. STJ de 7-07-2016, proc. n.º 802/13.8TTVNF.P1.G1.S1, disponível em www. dgsi.pt. no qual se refere “do regime jurídico previsto no Código do Trabalho respeitante ao processo disciplinar, não se extrai que todas as diligências realizadas no processo disciplinar tenham de obedecer à forma escrita”
[5] O Procedimento Disciplinar no Âmbito do Direito do Trabalho Português, Coimbra, Almedina, 2020, pág 313.