Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2189/18.3T8BCL.G1
Relator: LÍGIA VENADE
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
IMPOSSIBILIDADE DE USO DO LOCADO
OBRAS URGENTES
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/22/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I Não cumpre o ónus previsto no artº. 640º, nº. 1, b), do C.P.C., a recorrente que não indica os meios de prova a reanalisar relativamente a cada um dos factos impugnados, individualmente, o que conduz à rejeição do recurso nessa parte.
II O locador tem a obrigação de encetar as diligências necessárias para assegurar o gozo da coisa locada para o fim a que se destina e visado no contrato, independentemente do motivo dessa necessidade resultar de terceiro, decurso do tempo, caso fortuito ou de força maior (artºs. 1031º, b), 1074º e 1111º, do C.C.).
III Não cumprindo essa obrigação incorre em responsabilidade contratual, sendo a sua culpa presumida nos termos do artº. 799º do C.C., e infringe a boa fé na execução do contrato –artº. 762º do C.C..
IV Não se pode concluir que há abuso de direito na exigência da realização de obras ao senhorio quando não se apurou o seu concreto valor.
V Pelo mesmo motivo, e porque o estado do locado já impossibilita o locatário de o usar para o seu fim, sendo as obras urgentes as que visam impedir a perda, destruição ou deterioração da coisa, sem que haja tempo de recorrer à via judicial, não se pode dizer que há abuso de direito por o inquilino/locador não recorrer à faculdade prevista no artº. 1036º, nº. 1, do C.C..
VI O dever de usar a coisa locada previsto no artº. 1072º, nº. 1, do C.C., cede perante o justificativo específico previsto no artº. 1072º, nº. 2, a), e perante a impossibilidade objetiva prevista no artº. 790º, ambos do C.C..
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I RELATÓRIO (seguindo de perto o elaborado em 1ª instância).

X, Lda., NIIPC ………, com sede no Largo ..., n.º .., Barcelos, instaurou a presente ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra M. D., NIF …….., residente no Largo …, Barcelos, P. F., residente na Rua …, Barcelos, e J. F., residente na Travessa …, Barcelos, enquanto Herdeiros da Herança Ilíquida a Indivisa aberta por óbito de A. V., pedindo que a ação seja julgada procedente e, em consequência que:

a) os réus sejam condenados, solidariamente, a repor o imóvel arrendado no estado em que se encontrava aquando da sua intervenção, nomeadamente a reparar o linóleo recortado no chão da fração, a recolocar as paredes divisórias na fração, a recolocar a calha técnica e respetivos cabos elétricos com todas as tomadas e iluminarias desde o quadro elétrico até toda a zona circundante;
b) os réus sejam condenados, solidariamente, a pagar à Autora o valor de todas as rendas que esta se viu obrigada a suportar com um novo local arrendado, nomeadamente as rendas referentes aos meses de março de 2017 a outubro de 2018, num total de vinte meses à razão de 250,00 € (duzentos e cinquenta euros) mensais, o que perfaz presentemente um total de 5.000,00 € (cinco mil euros) de rendas já pagas;
c) os réus sejam condenados, solidariamente, a pagar à Autora o valor de todas as rendas mensais que esta continuará a suportar como o novo arrendado, no valor de 250,00 € mensais, a calcular até ao momento que os réus reponham o imóvel no estado em que se encontrava antes da sua intervenção no mesmo, nomeadamente através da realização das obras descritas na alínea a) do petitório da ação;
d) os réus sejam condenados, solidariamente, a pagar à Autora a quantia de 10.000,00 € (dez mil euros) a título de danos não patrimoniais;
e) os réus sejam condenados, solidariamente, a pagar à Autora a quantia de 50,00 € (cinquenta euros) diários por cada dia em que as obras mencionadas na alínea a) se mantenham por realizar e que impedem a Autora de laborar no arrendado, a contar desde a citação;
f) os réus sejam condenados, solidariamente, a pagar à Autora os correspondentes juros de mora sobre cada uma das individualizadas quantias, à taxa de juro legal, contados desde a citação até efetivo e integral pagamento.

Para tanto alega, em síntese, que é arrendatária de uma fração que identifica, sendo senhorios os réus, na qualidade de herdeiros do falecido senhorio A. V.. Sucede que, no dia 02.02.2017, ocorreu um incêndio no restaurante situado por baixo da fração arrendada, em virtude do qual a fração arrendada ficou com muito fumo. Contudo, o incêndio não provocou danos na instalação elétrica nem no imobiliário existente na fração.
Os réus, enquanto proprietários do prédio, assumiram as obras de reparação e conservação do imóvel com vista a repô-lo no estado em que se encontrava.
Com a execução de tais obras, os réus acederam à fração arrendada à autora, onde retiraram as paredes divisórias amovíveis, cortaram o linóleo e retiraram e danificaram toda a calha técnica e respetivos cabos elétricos. Com a conduta dos réus, a fração arrendada, que inicialmente apenas necessitava de uma limpeza geral, ficou parcialmente destruída, sem condições de uso, pelo que a autora ficou impossibilitada de continuar a laborar na fração arrendada a partir desse momento.
Os réus foram interpelados para reparar tais danos, mas recusam fazê-lo, dizendo que deve ser a autora a reparar os danos existentes no interior da fração.
Por força do sucedido, a autora ficou impossibilitada de utilizar a fração e como tal teve que arrendar outro espaço, com o qual despende mensalmente a quantia de €.250,00 e que à data da propositura da ação ascendiam já a €.5000,00. Acresce que a autora teve de pesquisar um novo imóvel para laborar com as inerentes preocupações e perdas de tempo, e quando encontrou o imóvel com as características desejadas, teve de fazer obras necessárias para que pudesse iniciar a laboração, bem como teve de efetuar as mudanças. Teve ainda de comunicar aos seus clientes a mudança de instalações, para além de que tal situação causou uma afetação na imagem da autora que se viu obrigada a deslocar-se de um dos principais arruamentos da cidade para uma zona deslocada do centro. Tudo isto causou danos não patrimoniais à autora que esta avalia em €.10.000,00.
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Os réus contestaram e deduziram reconvenção.
A título de exceção os réus invocam a ilegitimidade dos réus P. F. e J. F., uma vez que a fração dada de arrendamento pertence exclusivamente a M. D., por força da partilha efetuada na sequência do óbito de A. V..
Por impugnação, os réus defendem que o incêndio ocorrido na fração do rés-do-chão se propagou a todo o rés-do-chão bem como ao teto do mesmo que é também piso da fração arrendada. Acresce que o incêndio danificou parte da instalação elétrica e do pavimento da fração arrendada à autora. Assim, nenhuma responsabilidade pode ser assacada aos réus no incêndio, nem nos danos que daí resultaram para a fração arrendada.
Acresce que a reparação levada a cabo pela ré M. D., foi realizada após prévio acerto com o legal representante da autora, que acompanhou a execução da reconstrução e limpeza do edificado. A reparação foi realizada pela ré com a máxima urgência, para que os inquilinos pudessem retomar a laboração o mais rapidamente possível. A autora foi esclarecida de que a proprietária não iria reparar, nem assumiria qualquer responsabilidade pela reparação dos danos da fração e recuperação do linóleo, das calhas, do sistema elétrico e das divisórias, cabendo essa reparação à autora. Assim, a pretensão da autora carece de qualquer fundamento.
Acresce que a autora, com algumas centenas de euros e em poucos dias poderia ter reparado e limpo a fração, pelo que o seu pedido, constitui um abuso do direito.
E depois das reparações, os réus não tinham acesso à fração, pelo que a pretensão da autora constitui uma censurável tentativa da autora enriquecer às custas dos réus, o que deve ser avaliado como eventual litigância de má fé.
Em reconvenção, alegam que a autora só ficou temporariamente impossibilitada de utilizar o arrendado, mas o mesmo não ficou definitivamente destruído, estando na disponibilidade da autora, pelo menos, a partir de abril de 2017. Mas a autora, em vez de reparar a fração, cancelou os contratos de fornecimento de água, luz e telecomunicações e abandonou o local arrendado sem justificação e até ao presente. Deslocou toda a maquinaria e documentação para outro local que diz ter arrendado ao seu sócio gerente. O local arrendado permanece encerrado de forma continua e interrupta há mais de um ano, pelo que há fundamento para pedir a resolução contratual.
Acresce que o contrato de arrendamento em questão transitou para o novo regime de arrendamento urbano, e foi acordado entre as partes que o mesmo teria a duração de 5 anos; e decorrendo o prazo de 5 anos de 09.01.2014 a 09.01.2019, a ré M. D. comunicou à autora, por carta de 04.01.2018, a sua oposição à renovação, pelo que a denúncia do arrendamento produz efeitos a 09.01.2019. Assim, se o contrato de arrendamento não cessar por qualquer forma admitida por lei, em 09.01.2019, o mesmo essa por ter atingido o termo da atual renovação acordada.

Terminam, pedindo que:

a) seja declarada a ilegitimidade dos réus P. F. e J. F., exceção dilatória que, nos termos dos artigos 576º, n.º 1 e 2 e alínea e) do artigo 577º, todos do CPC, obsta a que o Tribunal conheça do mérito da causa e deverá dar lugar à absolvição da instância quanto a estes mesmos réus;
b) A ação seja julgada totalmente não provada e improcedente, absolvendo-se os réus dos pedidos formulados, com custas pela autora.

Seja a reconvenção julgada provada e procedente e, em consequência, que:

c) seja decretada a resolução do contrato de arrendamento em causa nos autos e que tinha por objeto o primeiro andar do imóvel de que é proprietária a ré M. D., com os fundamentos alegados, sendo a autora condenada a despejar o local arrendado e a restituir este à sua proprietária;
d) assim não se entendendo e em alternativa, deve ser declarado e a autora condenada a tal reconhecer que aquele contrato de arrendamento tem o seu termo em 09.01.2019, ou noutra data em que o Tribunal o venha a declarar, por oposição à sua renovação e denúncia legal por parte da proprietária, devendo a autora ser condenada a restituir o local arrendado, despejado de pessoas e coisas, com custas pela autora.
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A autora veio apresentar réplica, impugnando a factualidade alegada pelos réus e repetem que a fração apenas ficou inapta para a autora exercer a sua atividade por força da conduta dos réus, não sendo a impossibilidade de uso da mesma decorrente do incêndio. E por isso é sobre os réus que impende a obrigação de recolocar a fração no estado em que se encontrava antes da sua intervenção. A destruição dos elementos da fração e a subsequente inércia em repor a situação foram factos voluntários dos réus que tiveram a clara intenção de impedir a autora de continuar a laborar no arrendado, coagindo-a a abandonar a fração e a fazer cessar o contrato de arrendamento sem indemnização, o que resulta evidente da reconvenção, pois os réus alegam o encerramento do arrendado durante um ano de forma ininterrupta. Tal conduta dos réus, constitui um claro abuso do direito.
Quanto à oposição à renovação, não tendo havido acordo entre o senhorio e o arrendatário para que o novo contrato fosse submetido ao NRAU, só em 09.01.2019, é que o senhorio poderia promover a transição do contrato para o NRAU e só então se iniciaria o contrato de arrendamento por um período de 5 anos, pelo que o mesmo apenas cessaria em 09.01.2024. Sucede que, entretanto, o regime do contrato de arrendamento sofreu nova alteração legal, pelo que só em 2024, é que o senhorio pode promover a transição para o NRAU e como tal o contrato de arrendamento não cessará antes de 09.01.2029.
Termina pedindo que a reconvenção seja julgada improcedente por não provada, absolvendo a autora/reconvinda dos pedidos reconvencionais.
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Notificada para se pronunciar quanto à matéria de exceção deduzida na contestação, a autora veio pronunciar-se invocando o desconhecimento da partilha, a que acresce que os réus J. F. e P. F. trataram dos assuntos relativos à fração, e nunca invocaram que o faziam em representação da ré M. D. ou sequer disseram que o imóvel não lhes pertencia. Foram os réus J. F. e P. F. quem acompanhou a execução das obras. Tais factos permitem concluir que os réus são partes legítimas para a ação.
Termina pedindo que a matéria de exceção seja julgada improcedente, com as legais consequências.
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Por o tribunal ter entendido que se estava perante uma situação de ilegitimidade substantiva dos réus para a presente demanda, os réus foram notificados para juntar documento comprovativo da partilha, o que fizeram a fls. 68 e ss. dos autos.
Foi marcada data para realização da audiência prévia. Os autos foram saneados, tendo o tribunal julgado improcedente a exceção de ilegitimidade passiva dos réus J. F. e P. F., mas absolvendo-se os mesmos réus, por ilegitimidade substantiva. Os autos prosseguiram contra M. D., apenas e só enquanto proprietária da fração dada de arrendamento, por força da partilha por óbito de A. V..
Foi admitida a reconvenção e foi fixado o valor da ação. Foram fixados o objeto do litígio e os temas da prova, foram admitidos os meios de prova e foi marcada data para realização da audiência de julgamento.
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Procedeu-se à realização da audiência de julgamento, tendo sido proferida sentença que:

I. Julgou a ação parcialmente procedente e, em consequência:
a. Condenou a ré M. D. a pagar à autora X, Lda. a indemnização de €.8000,00 (oito mil euros), a que acrescerão ainda todas as rendas que a autora tiver de pagar até que a ré realize as obras necessárias para que a autora possa utilizar o locado para os fins para que o mesmo foi dado de arrendamento.
b. Condenou a ré M. D. a pagar à autora juros de mora à taxa legal desde a citação (18.09.2018) sobre a quantia de €.3750,00 (três mil setecentos e cinquenta euros), e sobre as demais quantias pagas a título de renda vencem-se juros sobre o valor de cada uma das rendas desde a data do seu pagamento e até efetivo e integral pagamento.
c. No mais, absolveu a ré M. D. do pedido.
II. Julgou a reconvenção totalmente improcedente e, em consequência, absolveu a autora X, Lda. dos pedidos reconvencionais formulados pela ré/reconvinte ré M. D..
Mais decidiu que as custas da ação ficam a cargo da autora e da ré, na proporção, respetivamente, de 67% para a autora e de 33% para a ré e as da reconvenção, exclusivamente a cargo da ré.
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Inconformada a R. apresentou recurso tendo terminado as suas alegações com as seguintes
-CONCLUSÕES (que aqui se reproduzem)-

1-Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida que julgou parcialmente procedente a acção e condenou a Apelante no pagamento de 8.000,00 €, a título de indemnização, acrescida das rendas que a Autora alegadamente está a pagar em instalações de terceiro, no valor de 250,00€ mês, enquanto não retomar as instalações arrendadas à Apelante, tudo acrescido de juros de mora à taxa legal calculados sobre a quantia de 3.750,00 € e rendas vincendas, bem como das custas na proporção do decaimento, sendo 67% para a Autora e 33% para a Ré, quanto à acção e ainda julgou a reconvenção improcedente, com custas pela Ré.
2-A questão essencial é saber-se se a Ré causou algum dano à Autora e designadamente nas instalações arrendadas, que fosse determinante da impossibilidade do gozo das mesmas por parte da Autora, ou seja do local arrendado pela Autora à Ré e o respetivo ónus de prova.
3-Importava apurar se as instalações arrendadas à Autora pela Ré ficaram danificadas e inutilizadas, com impossibilidade de uso pela autora, em consequência só e unicamente do incêndio;
4-Ou se as obras realizadas por determinação do representante da Ré o foram só após acordo com o representante da autora e não representaram nenhum dano ou aumento aos danos decorrentes do incêndio, no sentido de serem elas mesmas a única ou a maior razão do não uso pelo Autora dessas mesmas instalações arrendadas;
5-E se a obrigação que impende sobre o senhorio / locador prevista nas conjugadas disposições dos artigos 1022º, 1031º, 1111º do Código Civil é exigível no caso de incêndio que danifique, destrua ou impossibilite o uso de arrendado, se ao locador nenhuma responsabilidade poder ser imputada pela deflagração e consequências danosas desse sinistro.
6-Finalmente se a reparação parcial desses danos pelo locador o obriga sem mais a reparar os demais danos do incêndio, que não lhe são imputáveis e se é legítimo, nos limites da boa fé e da razoabilidade, na perspectiva do comportamento do homem médio, que o arrendatário ao locador exija a reparação de tudo e nada ao terceiro responsável, quando os eventuais custos de reparação e limpeza são de cerca de 1.000 euros, ou seja de 4 a 5 meses de renda.
7-E, por último, se a opção do locatário de encerrar definitivamente o arrendado por tempo superior a dois anos, nessa mesma abordagem, não ofende o direito, a boa fé e o bom senso e razoabilidade, no sentido de ser fundamento para resolução contratual e no limite ser um verdadeiro abuso de direito.
8-Na verdade, o artigo 483º do Código Civil preceitua que “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
9-São ilícitos os actos jurídicos que violem as normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis e os actos materiais que infrinjam estas normas e princípios ou ainda as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração.
10-Contudo, não é de esquecer que o artigo 563º do Código Civil preceitua que “ a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”.
11-Também, a condição deixará de ser causa de dano sempre que “segundo a sua natureza geral, era de todo indiferente para a produção do dano e só se tornou condição dele, em virtude de outras circunstâncias extraordinárias, sendo portanto inadequada a esse dano (Prof. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 6ª ed. – 861, nota 2).
12-No caso em concreto e atentas as regras do ónus da prova (artigos 341º e 342º do Código Civil), cabia à Autora alegar factos e provar a participação da Ré ou de quem a representasse na verificação ou determinação dos factos ou lesão de eventual direito da Autora enquanto locatária e que, perante as circunstâncias concretas do caso, a Ré e os seus representantes (filhos) podiam e deviam ter actuado de modo diferente, concretizando essa alternativa, bem como alegar e provar que tinha sido agravada a sua lesão por acção ou omissão da Autora.
13-Na verdade, não basta uma alegação genérica de que não actuaram correctamente ou que actuaram negligentemente, antes era ónus da autora alegar e provar quais foram os actos ou factos praticados pela Ré e seus representantes, que se possam considerar os únicos determinantes para o dano.
14-Ora, o relatório pericial junto pela Ré na sua contestação como documento n.º 2 ( Y ) é deveras esclarecedor e no essencial o Tribunal deu por provado os factos nele relatados, mas não extraiu as consequências.
15-Finalmente, o facto que actua como condição do dano deixa de ser considerado como causa adequada se, dada a sua natureza geral, se mostrar indiferente para a verificação do dano, tendo-o provocado só por virtude de circunstâncias anormais ou extraordinárias (Ac. STA de 17.06.1997, Proc. 38.856; Ac. Rel. Lisboa 04.07.1973, BMJ 229 – 231 e 232).
16-Era ónus da Autora fazer a prova dos factos alegados, o que não logrou fazer, como resulta da matéria factual dada por provada e não provada, tendo chegado ao extremo de na petição ter alegado que o incendio, que deflagrou na fracção do rés-do-chão, não tinha causado danos no local que foi arrendado à Autora pela Ré, nem o tornara inutilizado, versão que o seu representante e duas testemunhas arroladas, funcionários, mantiveram com algumas contradições, não se “desviando” dessa incrível versão, mas que foi totalmente derrotada pela demais prova, embora o Tribunal não retirasse todas as consequências, quer na fixação da matéria de facto provada, quer na aplicação da lei.
17-Na verdade, a prova foi em sentido inverso, foi isso mesmo que o Tribunal concluiu, ou seja que o espaço arrendado à Autora ficou “inutilizado quer pelos danos do combate ao incêndio, quer porque o fogo e fumo terem danificado parte da instalação elétrica e pavimento”, bem como que “as vigas de madeira e respetivo soalho ( simultaneamente teto da fração rés-do-chão e chão da fração do piso 1) encontrava-se carbonizada, pondo em risco a estabilidade do próprio canto do edifício”.
18-Ora, é sabido que os depoimentos das partes e das testemunhas, embora apreciadas livremente pelo Tribunal, valem no seu todo, na dialética que resulta da sequência de perguntas e respostas.
19-Não pode o Tribunal deixar de apreciar no seu todo esses depoimentos, conjugados com os documentos dos autos. Ora, o Tribunal pratica erro de apreciação e julgamento das provas ao ignorar partes importantes do depoimento das testemunhas conjugados com os documentos, designadamente as partes atrás identificada nestas alegações, com indicação do tempo e declarante e transcrição, aqui dadas por reproduzidas.
20-Nenhuma credibilidade podia ou pode o Tribunal atribuir às declarações do represente da autora e suas testemunhas, muito menos concluir desses depoimentos no sentido de ter havido algum acordo de ser imputável à Ré alguma responsabilidade ou obrigação de reparação do interior do espaço arrendado à Autora.
21-Outra conclusão a retirar é de que o local arrendado ficou inutilizado e impossibilitado de uso desde logo desde o incêndio, com danos estruturais que punham em causa a solidez do edifício e impediam o seu uso normal, e que a Ré, por si ou representantes, somente se propôs reparar tecto/soalho sobradado e que tudo o mais não era da sua responsabilidade.
22-O arrendado é uma fracção ampla, como decorre do teor matricial (junto aos autos) e do contrato, cabendo á arrendatária quaisquer obras interiores ou benfeitorias, para adequar o local às necessidades da actividade.
23-Sendo objectivamente evidente que não era possível fazer obras sem retirar as divisórias e calhas na zona afectada, bem sabendo o representante da Autora que obras iam ser feitas e de que modo, não só porque é engenheiro civil, como ainda porque foi só esse o acordo com o filho da Ré, não tendo esta autorizado qualquer outro acordo ou intervenção.
24-Ao contrário do alegado pela Autora, cuja má fé processual é evidente, os danos foram constatados pessoalmente pelo seu gerente, V. A., na peritagem realizada em 08.02.2017, ou seja seis dias após o incêndio, pela Y – Gestão de Peritagens SA.
25-Assim, é linear e sem dúvida alguma, nem tal se atreveu a Autora contrariar, nada alegando também nesse sentido, a conclusão de que nenhuma responsabilidade pode ser imputada à Ré na produção do evento de que resultaram os danos no interior do rés-do-chão e do andar arrendados, este último à Autora, muito menos os agravou.
26-Ora, à Ré nenhuma responsabilidade pode ser imputada quanto à deflagração do incêndio ou extensão dos danos que deste resultaram, designadamente as elevadas temperaturas causadas pelos elementos em combustão, a carbonização de soalhos, tectos e vigas, da instalação elétrica, no que se incluem as fichas, calhas e fios calcinados e danificados pelas altas temperaturas registadas, bem como os danos causados pelo fumo, que depositou sobre móveis, paredes, soalhos e divisórias uma sujidade imensa, que inutilizou todo os espaço arrendado à Autora.
27-Acresce que a reparação, por parte da Ré, das componentes estruturais do imóvel, danificadas pelo fogo, designadamente vigas, tecto do rés-dochão e soalho do andar, só puderam ser feitas mediante prévio acordo com o representante da Autora e com a intervenção de técnicos qualificados, que procederam ao imprescindível e prévio levantamento do linóleo que cobria a parte do soalho calcinado, ele mesmo danificado, bem como das divisórias, estas amovíveis, ali colocadas pela Autora, assim como a retirada das calhas técnicas danificadas, bem como dos fios elétricos no seu interior já danificados.
28-Toda essa intervenção foi previamente acertada com o gerente da Autora, V. A. e foi efectuada com a máxima urgência pela Ré, de modo a que os arrendatários pudessem retomar o uso dos locais arrendados, o que, de facto, aconteceu em cerca de um mês, pelo que a partir do fim do mês de Março de 2017 a Autora podia ter limpo e adequado as instalações arrendadas ao seu uso normal, imputando à sua seguradora, se existisse, à seguradora do restaurante ou a este, mas nunca à Ré, a responsabilidade por eventual ressarcimento de quaisquer custos ou danos.
29-A Autora e o seu gerente foram esclarecidos desde o início de que a proprietária do imóvel não iria reparar, nem assumiria qualquer responsabilidade pelos custos de limpezas, danos e recuperações do linóleo, das calhas, do sistema elétrico e das divisórias, imputando sempre essa recuperação interior à Autora.
30-Ficou provado que o local arrendado à Autora permanece de forma contínua e ininterrupta encerrado e sem uso algum por aquela há mais de um ano, desde a data do incêndio, sem razão ou justificação legalmente admissível e oponível ao locador.
31-Esse encerramento, porque não se verifica nenhuma excepção legal, nem existe justificação alguma para tal, é fundamento para ser requerida a resolução contratual, nos termos dos artigos 1.072º, 1.080º, 1.083º, n.º 2 alínea d) e 1.108º, todos do Código Civil, pedida em sede de reconvenção, que, assim, deve proceder.
32-Tudo apreciado, designadamente reapreciada a matéria de facto dada por provada e não provada e reapreciando a prova gravada, da qual se extraíram as partes mais relevantes, deverá ser revogada parte da matéria dada por provada, de modo a ser alterada na sua redação nos termos que seguem:

FACTOS PROVADOS / ALTERAÇÃO DE REDAÇÃO:

15- A Ré M. D., através dos seus filhos, enquanto proprietária do prédio, acordou com o representante da Autora, somente dar início de imediato às necessárias obras de reparação e conservação do imóvel, mas só com a reparação do tecto / soalho sobradado, nunca tendo acordado ou aceite ser da sua responsabilidade ou obrigação repor o edifício no estado em que se encontrava antes do incêndio.
16-Na execução desse acordo e mediante a disponibilização das chaves pela Autora, a Ré, através de pessoas que contratou, acedeu à fracção arrendada à Autora, sita no 1º andar.
18-Por se mostrar imprescindível e ter resultado do acordo prévio, para realizar tais obras, as pessoas…. (até final)
22-Apesar das obras realizadas pela Ré a fracção dada de arrendamento á Autora continuou sem condições de uso, em consequência dos demais danos causados pelo incêndio.
23-Só por causa do incêndio e suas consequências danosas ficou o local arrendado à Autora impossibilitado de ser usado por esta.
32-Por força do estado em que ficou a fração dada de arrendamento à autora, em consequência dos danos causados pelo incêndio, V. A. …. até final)…
33-Também quanto aos FACTOS NÃO PROVADOS QUE ANTES DEVEM SER DADOS POR PROVADOS: Também entre os factos dados por não provados, porque se mostrou inequivocamente demonstrada essa factualidade, o fixado na alínea c):
“As calhas técnicas, os fios elétricos e as divisórias ficaram destruídas ou danificados, inutilizados ou sem qualquer possibilidade de utilização em resultado dos danos causados directamente pelo incêndio”, deve ser antes dada por provada, acrescendo á matéria dada por provada.
34-Assim como a matéria fixada por não provada nas alíneas;
h)-O incêndio danificou as divisórias, móveis e objetos depositados pela autora na fração do 1º andar; e
i)-Também o fumo e fuligem do incêndio danificaram as divisórias e mobiliários, bem como documentos; devem ser dados por provados, pois tal resulta não só da confissão do representante da autora, como da demais prova produzida, numa reapreciação da prova gravada, de acordo com os dados da experiência e também de acordo com o padrão do homem médio.
35-Verificando assim erro evidente do Tribunal na apreciação da prova e na repartição dos respetivos ónus de prova e disposições aplicáveis.
36-Assim, deve ser revogada a douta sentença ora em recurso e:
a)-Deve alterar-se a matéria de facto fixada e nos termos acima requeridos;
b)-Deve a acção ser julgada totalmente não provada e improcedente, absolvendo-se a Ré dos pedidos formulados, com custas pela Autora;
c)-Deve a reconvenção ser julgada provada e procedente e ser decretada a resolução do contrato de arrendamento em causa nos autos e que tinha por objecto o primeiro andar do imóvel de que é proprietária a R. M. D., com os fundamentos alegados, sendo a Autora condenada a despejar o local arrendado e a restituir este à sua proprietária;
37-De resto ficou inequivocamente não provado o alegado pela autora, o que levará igualmente, na improcedência da acção, à condenação da autora como litigante de má fé, pois construiu toda a sua alegação com base num alegado relatório da sua seguradora, que não se sabe qual é e que se revela, sem dúvida, inexistente.
38-Foram violadas as disposições legais citadas nesta alegações e conclusões.
Termina pedindo o provimento do recurso.
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A A. apresentou contra-alegações, tendo terminado com as seguintes
-CONCLUSÕES-(que aqui se reproduzem)

I. Muito bem decidiu o Meritíssimo Juiz “a quo” ao decidir como decidiu, pois fê-lo com toda e a exigível ponderação, com assinalável capacidade de análise de depoimentos e subtil discernimento sobre a verdadeira realidade, o que deve assinalar-se e ter-se como louvável, em benefício da justiça, que se pretende célere e justa, como foi o caso.
II. Com a impugnação que deduz quanto à matéria de facto dada como provada e não provada, a Ré/Recorrente pretende alterar a mesma de acordo com a sua conveniência pessoal e sem qualquer amparo na prova produzida, referindo para o efeito passagens de depoimentos de testemunhas de forma isolada e descontextualizada de modo a conferir credibilidade à sua alegação, e fazendo completa tábua rasa dos factos por si praticados - inclusive confessados na contestação – e que geraram a obrigação de indemnizar.
III. A Ré/Recorrente omite, ao longo das suas alegações de recurso, os atos que praticou e dos danos que com eles provocou na fração arrendada à A./Recorrida, os quais não só confessa em sede de contestação, como aí assume expressa recusa em repará-los e corrigi-los, e que foram causadores da impossibilidade da A./Recorrida voltar a utilizar o arrendado.
IV. A Ré/Recorrente deturpa a realidade dos factos, omitindo por completo a diferença entre o estado em que encontrou o arrendado quando iniciou as obras e as condições deploráveis em que o abandonou quando deu tais obras por findas, e o entregou à Recorrida.
V. Da conjugação entre o estado em que a Ré deixou a fração arrendada à A. após as obras, com as missivas que de seguida remeteu para tentar por fim ao contrato de arrendamento – vide factos provados na sentença sob os pontos 36 a 41 -, alegando o encerramento do arrendado durante um ano de forma ininterrupta como fundamento de resolução, conclui-se que o estado em que a Ré deixou a fração constituiu uma forma astuciosa de compelir a Autora a não voltar ao arrendado e dessa forma fazer cessar o contrato de arrendamento sem indemnizar o arrendatário pelos danos causados e sem qualquer indemnização.
VI. Tal posição de forma alguma poderá obter acolhimento porquanto se a A. se viu impossibilitada de voltar a utilizar a fração arrendada e obrigada a procurar de modo duradouro um novo local para laboração, tal decorreu por culpa e motivo exclusivamente imputáveis à Ré.
VII. Resultando a impossibilidade de uso do arrendado diretamente da conduta da Ré, constituiria um claro abuso de direito reivindicar a resolução do contrato de arrendamento com fundamento no encerramento do locado pelo período de um ano quando tal facto é uma consequência direta de um ato ilícito por si praticado.
VIII. Quanto à impugnação que deduz contra a matéria de facto, insurge-se a Ré/Recorrente contra os factos provados sob os pontos 15, 16, 18, 22, 23 e 32, que entende que deverão ser considerados provados em moldes mais de acordo com a sua conveniência, e impugna também os factos não provados sob as alíneas c), h) e i), que entende que deverão ser considerados provados.
IX. Nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 640º do CPC, quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
X. No caso concreto, a Ré/Recorrente não cumpre o referido ónus, pois pese embora especifique os pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados, já não indica as concretas provas que relativamente a cada um deles entende que impõe decisão diversa, limitando-se a transcrever trechos de depoimentos de forma isolada e descontextualizada, suprimindo as partes de tais depoimentos na parte em que os mesmos se mostram desfavoráveis à sua ambição.
XI. Quanto à nova redação que a Ré/Recorrente deseja para os pontos 15, 16 e 18 dos factos provados, em que aquela pretende que seja acrescentado a esses factos provados que todos os atos aí relatados da autoria da Ré foram por esta executados de acordo e com a anuência do representante legal da A./Recorrida, não só não existe qualquer prova que sustente o alegado, como todos os elementos constantes dos autos apontam em sentido diverso ao pretendido pela Recorrente.
XII. Os factos dados como provados nos pontos 15, 16 e 18 da sentença correspondem, no essencial, ao confessado pela Ré no item 22º da contestação.
XIII. Ainda no sentido da demonstração da referida factualidade e da inexistência de qualquer acordo prévio aponta o depoimento de parte do representante legal da A., as declarações dos filhos da Ré P. F. e J. F., bem como a factualidade dada como provada nos pontos 24, 25, 26, 27, 28 e 29, que demonstram claramente a divergência existente entre A. e Ré (esta representada pelos seus filhos) acerca da natureza e extensão das obras em causa, o que infirma o tal “acordo” que a Ré em sede recursiva passou a ficcionar e reivindicar.
XIV. É claro e inequívoco que a intervenção levada a cabo pela Ré/Recorrente no interior da fração arrendada foi executada em total dissonância com o que era esperado pelo representante legal da Autora, pois ficando este na expectativa de que o imóvel lhe seria entregue, após a execução de tais obras, pelo menos nas condições em que estava antes da intervenção, foi-lhe todavia entregue o imóvel sem as divisórias amovíveis, sem as calhas técnicas e os fios elétricos, sem o linóleo e sem a iluminaria existente nas divisórias retiradas, sendo óbvio que em momento algum o legal representante da A./Recorrida tenha consentido na execução das obras no arrendado com essa natureza e extensão, e muito menos acordou que o imóvel lhe fosse entregue nas condições em que a Ré o deixou após as obras que efetuou.
XV. Não existe qualquer fundamento ou meio de prova produzido que seja suscetível de implicar a alteração da resposta dada à matéria de facto considerada provada nos itens 15, 16 e 18, que se deverá manter inalterada.
XVI. Do mesmo modo, também carece de razão ou justificação legal ou factual a alteração da resposta dada à matéria de facto provada sob os pontos 22 e 23.
XVII. Nessa temática, e conforme decorre da prova produzida, entendeu o Meritíssimo Juiz “a quo” que em virtude do incêndio, ocorrido em 02.02.2017, com origem no quadro eléctrico da fração localizada no piso inferior, o fumo passou pelo sobrado da fração arrendada pela Ré à Autora, provocando danos, nomeadamente o alojamento de pó preto no imobiliário existente e em todos os processos de arquivo, além de fortes cheiros e odores característicos do fumo que se infiltrou na fração - vide ponto 9 dos factos provados -, danos esses que, como é notório e a Autora inclusive aceita na petição inicial, deixaram a fração sem condições de uso.
XVIII. Contrariamente ao que a Ré/Recorrente pretende fazer crer, o facto de a Autora não ter retomado a sua laboração no arrendado não se deveu ao referido incêndio, mas sim aos factos por aquela praticados.
XIX. A Autora/Recorrida, após o incêndio, não solicitou à Ré/Recorrente a execução de quaisquer obras no arrendado, pois pese embora a fração tenha ficado sem condições de uso imediato em virtude do incêndio, previa a Autora executar ela mesma a limpeza da fração e dotá-la de condições de uso em poucos dias, tanto mais que a fracção continuava a dispor de energia elétrica, cujo fornecimento não foi afetado pelo incêndio, o que resulta quer do facto de terem sido ligados os computadores após o incêndio e antes da sua retirada, quer ainda das declarações da testemunha J. F., que confirmou a utilização da energia da fração arrendada à A. na execução das obras que viriam entretanto a ser realizadas.
XX. A retoma da utilização da fração arrendada pela Autora só não sucedeu porque a Ré, por intermédio do seu filho J. F., comunicou ao legal representante da Autora a necessidade de realização de obras no piso inferior, nomeadamente no respetivo teto, este correspondente ao piso da fração, sendo que para tal seria necessário aceder à fracção arrendada, o que o representante da A. aceitou.
XXI. Porém, na execução dessas obras, da autoria da Ré, verificou-se que foram retiradas as paredes divisórias amovíveis, foi cortado o linóleo do piso do 1º andar, foi retirada a calha técnica e respetivos cabos elétricos que se encontravam nas paredes envolventes da fração, e foi deixado todo esse material amontoado sobre uma mesa, tudo conforme demonstra o suporte fotográfico junto com a petição inicial como documentos n.º 3 a 7 juntos, e que a testemunha M. B., quando confrontada com tais fotos, confirmou tratar-se do estado em ficou a fração quando acabou os trabalhos, e o que inclusive o Tribunal pôde percecionar in loco na inspeção realizada.
XXII. Ficou assim demonstrado que com as obras realizadas na fração dada de arrendamento à Autora esta continuou sem condições de uso, pois ficou sem luz, sem algumas tomadas elétricas e sem parte das divisórias, obras essas que tornaram impossível à Autora retomar a sua laboração na fração arrendada, pelo que outra não poderia ter sido a resposta dada à matéria de facto provada constante dos pontos 22 e 23 da sentença.
XXIII. Não subsistem quaisquer razões para alterar a resposta dada à aludida matéria de facto, pois se a Autora não mais retomou a sua laboração no arrendado tal não se deveu ao incêndio, mas sim às obras realizadas pela Ré/Recorrente, a quem a Autora por diversas vezes reclamou a reposição do arrendado no estado anterior à sua intervenção, o que é de direito e do senso comum.
XXIV. Quanto ao facto provado sob o ponto 32 da sentença, refere a respetiva motivação que a sua demonstração decorre do documento de fls. 109 a 111.
XXV. Relativamente a este ponto de facto, pretende a Ré/Recorrente que seja dado como provado que o contrato de arrendamento em causa foi celebrado por força do estado em que ficou a fração dada de arrendamento pela Ré à Autora em virtude dos danos causados pelo incêndio, e não em virtude dos danos por esta praticados, o que não deverá merecer qualquer procedência.
XXVI. Conforme resulta da conjugação dos elementos constantes dos autos, o incêndio ocorreu em 02.02.2017 e o referido contrato de arrendamento só se iniciou em 01.07.2017, sendo que nesse período várias foram as vezes em que o representante legal da Autora interpelou os filhos da Ré – testemunhas P. F. e J. F. -, para recolocarem a fracção no estado em que estava antes da sua intervenção, ou seja, a repararem o linóleo recortado no chão da fração, na recolocação das paredes divisórias na fração, da calha técnica e respetivos cabos elétricos com todas as tomadas e iluminarias desde o quadro elétrico até toda a zona circundante, como o demonstra a matéria provada nos pontos 24 a 31 da sentença.
XXVII. Da conjugação dos vários elementos constantes dos autos resulta que só perante a recusa definitiva da Ré em repor o arrendado nas condições anteriores à sua intervenção, e da inviabilidade de resolução da questão de forma extrajudicial, é que a Autora celebrou o contrato de arrendamento em causa, pelo que a celebração o mesmo constitui consequência do estado em que a Ré/Recorrente deixou a fração e não do incêndio, pelo que inexistem quaisquer fundamentos para a alteração da resposta dada à matéria de facto constante do ponto 32.
XXVIII. Pretende ainda a Ré/Recorrente que os factos dados como não provados constantes das alíneas c), h) e i) sejam dados como provados.
XXIX. Quanto a tal matéria, e como decorre da motivação da sentença, a não prova desses factos decorreu da inspeção judicial ao local e da ausência de prova sobre os mesmos, pelo que inexiste qualquer fundamento ou justificação para a pretendida alteração, tanto mais que não existe, nem a Recorrente indica, qualquer prova donde se pudesse retirar conclusão diversa.
XXX. Pelo que não deverá merecer qualquer acolhimento a impugnação deduzida pela Ré/Recorrente quanto à matéria de facto provada e não provada.
XXXI. O que no essencial resulta dos factos provados é que a Ré/Recorrente executou obras na fração arrendada à Autora, obras essas que ao invés de melhorarem as condições de utilização do imóvel, causaram danos à Autora e foram determinantes para que esta não pudesse retomar o gozo da fração arrendada, sendo tais obras, e não o incêndio previamente ocorrido, o facto único e decisivo que impediu a A. de voltar a utilizar o arrendado.
XXXII. O que se exigia à Ré era, no mínimo, e quanto mais não fosse por critérios de boa fé, razoabilidade e senso comum, que recolocasse a fração arrendada nas condições em que o encontrou antes de iniciar a sua intervenção, isto é, que tivesse recolocado o linóleo que recortou no rés do chão da fração, recolocado as paredes divisórias na fração, das calhas técnicas e respetivos cabos elétricos com todas as tomadas e iluminarias desde o quadro elétrico até toda a zona circundante, como o demonstra a matéria provada nos pontos 24 a 31 da sentença, não se vislumbrando qualquer justificação fatual ou legal que pudesse legitimar a Ré a deixar a fração arrendada nas condições deploráveis em que a abandonou.
XXXIII. O que se apurou foi que ocorreu um incêndio numa outra fração do prédio e de que a Ré é também proprietária, incendio esse que causou danos no prédio e também na fracção arrendada.
XXXIV. A Ré, enquanto dona do prédio, decidiu realizar obras para reparação das componentes danificadas pelo fogo, nomeadamente as vigas, teto do rés-do-chão e soalho do andar, instalação elétrica e paredes e para isso acedeu à fração que foi dada de arrendamento à autora.
XXXV. Contudo, com a realização de tais obras, e tal como provado em 18), a Ré, através das pessoas que contratou, procedeu ao prévio levantamento do linóleo que cobria a parte do soalho calcinado, numa área de cerca de 10 m2, ele mesmo danificado, bem como das divisórias existentes naquela zona, estas amovíveis, ali colocadas pela autora, assim como retiraram as calhas técnicas danificadas, bem como dos fios elétricos no seu interior, que se encontravam nas paredes envolventes da fração arrendada na zona onde foi substituído o sobrado e numa extensão de cerca de 10/12 metros de comprimento e ainda de uma luminária existente na divisória retirada.
XXXVI. Contudo, a Ré não repôs o linóleo, as calhas técnicas, os fios elétricos, as divisórias e a luminária que foram retirados para a reparação do soalho, e não o tendo reposto, a autora interpelou a Ré, através do seus filhos para repor a situação, tal como se constata do teor do email referido em 24) e da carta referida em 28), ambos dos factos provados.
XXXVII. Ou seja, a Ré realizou obras, mas não colocou a fração dada de arrendamento no estado em que se encontrava antes, nem tão pouco colocou a fração apta a ser utilizada pela autora aos fins a que se destinava.
XXXVIII. Como decorre da fundamentação da sentença, “…não pode a ré fazer obras no soalho da fracção dada de arrendamento e não repor a fracção no estado em que estava. Não há fundamento legal para tal, e não é por se tratarem de benfeitorias realizadas pela autora, que a ré não tem que as recolocar no estado em que estava. Não faz sentido, em nosso entender, entrar numa fracção dada de arrendamento, fazer as obras que entende necessárias e depois deixar a fracção no estado que entende, quer sejam benfeitorias feitas pela autora (e que ficarão a pertencer ao locado sem direito a indemnização, quer fossem coisas que já existiam no locado e eram da ré). Deste modo, incumbia à ré, depois de reparar o soalho, repor o linóleo, as divisórias, a luminária, as calhas técnicas e o fio eléctrico que retirou para reparar o soalho. Se retirou para fazer as obras, depois de feitas aquelas, tem a obrigação de repor. Tais danos não existiam na fracção dada de arrendamento à autora, antes da ré lá entrar para realizar as obras e são única e exclusivamente uma consequência das obras realizadas pela ré. E não o tendo feito é responsável pelos danos causados. “
XXXIX. Quanto aos danos decorrentes da conduta da Ré, decorre dos factos provados em 22), 23) e 31) da sentença que desde o incêndio que a Autora deixou de laborar na fração, primeiro por causa do incêndio e depois porque com as obras realizadas pela Ré/Recorrente, a fração continuou sem condições de uso, pois ficou sem luz, sem tomadas elétricas e sem divisórias e a Autora ficou absolutamente impossibilitada de lá laborar.
XL. Por força do sucedido, a Autora mudou de instalações, e em 30.06.2017 celebrou novo contrato de arrendamento, no âmbito do qual ficou a pagar uma renda mensal de 250,00 € (duzentos e cinquenta euros), pelo que muito andou o Tribunal “a quo” a condenar a Ré a indemnizar a Autora por tal prejuízo, pois não fosse a conduta da Ré a Autora teria retomado a utilização do arrendado muito antes do momento em que celebrou esse novo contrato de arrendamento, e não teria incorrido nesse prejuízo.
XLI. De modo que, desde Julho de 2017 que a Autora tem vindo a incorrer num prejuízo correspondente ao valor da renda mensal de € 250,00 (facto provado em 33) e, como tal, tem a Ré/Recorrente de a indemnizar nesse mesmo montante, sendo tais valores devidos até que a Ré/Recorrente realize as obras necessárias para que a Autora possa utilizar o locado para os fins para que o mesmo foi dado de arrendamento, e sem que tal constitua qualquer situação de abuso do direito, tal como previsto pelo art. 334.º do Código Civil.
XLII. Pelo que muito bem andou o Tribunal a quo ao decidir como decidiu, condenando a Ré/Recorrente M. D. a pagar à A./Recorrida a indemnização de €.8000,00 (oito mil euros), correspondente às rendas referentes ao período compreendido entre Julho de 2017 e a data da sentença, acrescida de todas as rendas que a A. tiver de pagar até que a Ré realize as obras necessárias para que a Autora possa utilizar o locado para os fins para que o mesmo foi dado de arrendamento, valores esses acrescidos de juros de mora nos termos constantes da sentença.
XLIII. Quanto à Reconvenção, segundo a qual a Ré/Recorrente, em sede de recurso, pede que seja julgada procedente com o consequente decretamento da resolução do contrato de arrendamento em causa nos autos, com fundamento no encerramento do locado há mais de um ano ininterruptamente, diga-se que também nessa parte não merece qualquer reparo ou censura a douta sentença proferida.
XLIV. Pese embora resulta da matéria de facto dada como provada, constante da sentença, que a A./Recorrida mantém o arrendado encerrado desde 03.02.2017, ou seja, desde a data da ocorrência do mencionado sinistro - 02 de Fevereiro de 2017 –, a verdade é que também resultou do provado em 22) e 23) que com as obras realizadas pela Ré e constantes do ponto 18) dos factos provados, a fração dada de arrendamento continuou sem condições de uso, pois ficou sem luz, sem tomadas elétricas e sem divisórias, muito pior do estava antes dessa intervenção.
XLV. Conjugando tais factos provados, conclui-se que a Autora não labora na fração arrendada porque a mesma não tem condições para que aí exerça a sua atividade, mas isso deve-se ao facto de a Ré não ter realizado as obras que se impunham de modo a que a autora pudesse utilizar a fração para o fim a que se destina e para o qual foi dada de arrendamento.
XLVI. Nesta temática, é cristalina a sentença em crise ao referir: “A ré não pode não realizar as obras que sobre si impendem, determinando assim o encerramento da fracção arrendada, e depois pedir, com base nesse mesmo encerramento a resolução do contrato.
Tal conduta constitui uma actuação em abuso do direito, pois trata-se de uma situação de exercício abusivo de um direito.”
XLVII. A decisão recorrida não merece qualquer reparo ou censura, pelo que deverá ser julgado improcedente o recurso interposto pelo Recorrente, mantendo-se a decisão recorrida.
Termina pugnando pela falta de procedência do recurso.
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Após os vistos legais, cumpre decidir.
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II QUESTÕES A DECIDIR.

Decorre da conjugação do disposto nos artºs. 608º, nº. 2, 609º, nº. 1, 635º, nº. 4, e 639º, do Código de Processo Civil (C.P.C.) que são as conclusões das alegações de recurso que estabelecem o thema decidendum do mesmo. Impõe-se ainda ao Tribunal ad quem apreciar as questões de conhecimento oficioso que se resultem dos autos.

Impõe-se por isso no caso concreto e face às elencadas conclusões decidir:

-se pode ser apreciada a matéria de facto, e, no caso afirmativo, se procede a impugnação apresentada;
-se pode ser imputada à R. a obrigação de realizar as reparações no locado;
-se face ao incumprimento dessa obrigação a A. pode apresentar pedido de indemnização;
-se estamos perante um abuso de direito;
-se a R. tem fundamento para a resolução do contrato por falta de uso do locado;
-se a A. litiga de má fé.
***
III IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO.

Cumpre começar por analisar se a recorrente cumpriu os requisitos de ordem formal que permitam a este Tribunal apreciar a impugnação que faz da matéria de facto, nomeadamente se indica os concretos pontos de facto que consideram incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; se especifica na motivação os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; fundando-se a impugnação em parte na prova gravada, se indica na motivação as passagens da gravação relevantes; apreciando criticamente os meios de prova, se expressa na motivação a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas; tudo conforme resulta do disposto no artº. 640º, nºs. 1 e 2, do Código Processo Civil (C.P.C.) e vem melhor mencionado na obra de Abrantes Geraldes “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 4ª Edição, pags. 155 e 156.

Conforme Acs. do STJ, designadamente de 29/10/2015, 03/05/2016 e de 21/03/2019 (www.dgsi.pt), podemos distinguir nestas exigências um ónus primário ou fundamental de delimitação do objeto do recurso e de fundamentação concludente da impugnação, e um ónus secundário tendente a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida. No primeiro caso cabem as exigências de concretização dos pontos de factos que se consideram incorretamente julgados, especificação dos concretos meios de prova que sustentam a decisão errada e/ou diversa (sendo que o Tribunal pode considerar esses e ao abrigo do princípio do inquisitório, outros que entenda relevantes, apreciando livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto impugnado, excepto no que respeita a factos para cuja prova a lei exija formalidades especiais ou que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados por documento, acordo ou confissão, conforme artº. 607º, nº. 5 do C.P.C.), e a indicação do sentido em que se deveria ter julgado a matéria de facto, na posição do recorrente, ou da decisão a proferir (artº. 640º, nº. 1, a), b) e c)). No segundo caso cabe a exigência de indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver reapreciados (a), nº. 2, do artº. 640º). Em ambos os casos a cominação para a falta de cumprimento das exigências é a rejeição imediata do recurso (cfr. a dita disposição), sem possibilidade de prévia oportunidade de aperfeiçoamento da peça. Em ambos os casos os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade devem orientar a decisão de rejeição (-já que a parte ficará prejudicada ao não ver apreciado o seu recurso por motivos de ordem formal). A “nuance” entre os dois casos decorrerá do bom senso com que se analisam as exigências, as quais antes de mais têm que ver com o facto de possibilitar á parte contrária um efetivo exercício do contraditório para além de serem decorrência dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa fé processuais, visando-se com elas assegurar a seriedade do próprio recurso. Se as primeiras exigências são imprescindíveis a esse exercício e orientam também o Tribunal de recurso relativamente ao que se lhe pretende sujeitar, a segunda exigência, tendo em vista a melhor orientação para esse efeito, ainda que seja cumprida de forma imprecisa, caso a parte contrária tendo apreendido convenientemente o alcance do visado, e o Tribunal esteja habilitado ao pretendido reexame, não se imporá a rejeição do recurso, mas antes o seu aproveitamento. Desde modo se dará prevalência ao mérito sobre a forma, princípio informador do atual C.P.C..
Além disso, a sanção de rejeição do recurso apenas poderá abarcar o segmento relativo à impugnação da matéria de facto e, dentro deste segmento, apenas pode abranger os pontos relativamente aos quais tenham sido desrespeitadas as referidas regras.

Por último, e continuando a seguir a orientação do nosso STJ, face ao que se pretende assegurar com cada um dos ónus, a especificação dos pontos concretos de facto deve constar das conclusões (artºs. 635º, nº. 4, 640º, nº. 1, a), e 639º, nº. 1, do C.P.C.). No mais (meios de prova concretos e indicação das passagens das gravações) basta que contem do corpo das alegações.

Também os Acs. desta Relação de Guimarães de 28/06/2018 e de 26/04/2018 (www.dgsi.pt), analisaram de forma coincidente com a orientação do STJ esta matéria.
Porque as alegações de recurso não são totalmente claras, situação que vem suscitada nas contra-alegações de recurso, a verificação do cumprimento destes ónus será feita mais detalhadamente.

Apreciando.

Relativamente à matéria que a recorrente pretende seja sindicada por este Tribunal, em causa estão os factos provados 15, 16, 18, 22, 23 e 32, matéria relativamente à qual em sede de conclusões propõe uma redação alternativa, que a seu ver seria a correta. Essa redação seria nestes termos:
15- A Ré M. D., através dos seus filhos, enquanto proprietária do prédio, acordou com o representante da Autora, somente dar início de imediato às necessárias obras de reparação e conservação do imóvel, mas só com a reparação do tecto / soalho sobradado, nunca tendo acordado ou aceite ser da sua responsabilidade ou obrigação repor o edifício no estado em que se encontrava antes do incêndio.
16-Na execução desse acordo e mediante a disponibilização das chaves pela Autora, a Ré, através de pessoas que contratou, acedeu à fracção arrendada à Autora, sita no 1º andar.
18-Por se mostrar imprescindível e ter resultado do acordo prévio, para realizar tais obras, as pessoas…. (até final)
22-Apesar das obras realizadas pela Ré a fracção dada de arrendamento á Autora continuou sem condições de uso, em consequência dos demais danos causados pelo incêndio.
23-Só por causa do incêndio e suas consequências danosas ficou o local arrendado à Autora impossibilitado de ser usado por esta.
32-Por força do estado em que ficou a fração dada de arrendamento à autora, em consequência dos danos causados pelo incêndio, V. A. …. até final)…

Confrontando com a redação que consta da sentença recorrida temos:

15) A ré M. D., através dos filhos, enquanto proprietária do prédio, iniciou de imediato as necessárias obras de reparação e conservação do imóvel, com vista a repô-lo no estado em que se encontrava antes do incêndio.
16) Na execução de tais obras, a ré, através das pessoas que contratou, acedeu à fracção arrendada à autora, sita no 1.º andar.
18) Para realizar tais obras, as pessoas contratadas pela ré procederam ao prévio levantamento do linóleo que cobria a parte do soalho calcinado, numa área de cerca de 10 m2, ele mesmo danificado, bem como das divisórias existentes naquela zona, estas amovíveis, ali colocadas pela autora, assim como retiraram as calhas técnicas danificadas, bem como dos fios elétricos no seu interior, que se encontravam nas paredes envolventes da fracção arrendada na zona onde foi substituído o sobrado e numa extensão de cerca de 10/12 metros de comprimento e ainda de uma luminária existente na divisória retirada.
22) Com as obras realizadas pela ré tal como referido em 18), a fracção dada de arrendamento à autora, continuou sem condições de uso, pois ficou sem luz, sem algumas tomadas elétricas e sem parte das divisórias.
23) Com o incêndio e com as obras realizadas pela ré tal como referido em 18), autora ficou impossibilitada de continuar a laborar na fracção arrendada.
32) Por força do estado em que ficou a fracção dada de arrendamento à autora, V. A. (sócio gerente da autora) e a mulher M. G., na qualidade de senhorios, e a autora, na qualidade inquilina, em 30.06.2017 outorgaram contrato escrito intitulado «Contrato de Arrendamento Comercial», para além do mais, com as seguintes cláusulas:
«Primeira
Os primeiros outorgantes são donos e legítimos possuidores da fracção autónoma designada pela letra FU, localizada no prédio urbano destinado a comércio, sito em Avenida ..., …, em Barcelos, escritório n.º …, no primeiro andar esquerdo… e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ... FU, inscrito na matriz predial com o artigo 7, da União de Freguesias de (…)…
Segunda
Em virtude da realização deste contrato, os primeiros dão de arrendamento ao segundo outorgante, a fracção melhor identificada na cláusula primeira, que estes aceitam e toma na qualidade de arrendatários, assumindo o cumprimento deste contrato.
Terceira
O presente contrato de arrendamento é celebrado com a duração indeterminada, com início a 01 de Julho de 2017, mantendo-se vigente até que uma das partes o denuncie ou ambas procedam, livremente e de boa fé, à sua revogação.
Quarta
1 – A renda devida pelo segundo outorgante aos primeiros outorgantes é fixado no valor de €.250,00 (duzentos e cinquenta euros), que deverá ser paga mensalmente impreterivelmente, até ao dia 8 do mês que respeita.
(…)». (fls. 109 a 111)
Também se insurge a recorrente quanto à matéria que foi considerada não provada e elencada nas alíneas c), h) e i), e que, a seu ver, devia ser considerada provada.
Já a fundamentação aduzida em prol da sua pretensão careceria de melhor concretização.
De facto, a recorrente resume a questão fatual que quer ver reapreciada a dois itens: se as instalações arrendadas ficaram danificada/inutilizadas, com impossibilidade de uso, só devido ao incêndio que deflagrou e que é descrito; se as obras que aí foram realizadas o foram por acordo das partes, e não representaram nenhum dano ou aumento de danos do incêndio, de modo que não foram a única ou a maior causa do não uso do locado.
Para o efeito diz que juntou um relatório pericial, que por sua vez a A. não juntou qualquer relatório, designadamente da seguradora; cita partes das declarações do legal representante da A. e das testemunhas J. M. e C. O., criticando, e concluindo que a A. não logrou fazer a prova da tese que apresenta na p.i.. Reforça contrapondo a sua prova, citando partes dos depoimentos de M. B., J. F., e P. F., e refere-se genericamente ao depoimento de parte da R..
E mais diz a recorrente que: “Logo, a conclusão a retirar é de que nenhuma credibilidade podia o Tribunal atribuir a estes depoimentos e no sentido de ter havido algum acordo nesse sentido e de ser imputável à Ré alguma responsabilidade ou obrigação de reparação do interior do espaço arrendado à Autora. (…) Outra conclusão a retirar é de que o local arrendado ficou inutilizado e impossibilitado de uso desde logo desde o incêndio, com danos estruturais que punham em causa a solidez do edifício e impediam o seu uso normal, e que a Ré, por si ou representantes, somente se propôs reparar tecto/soalho sobradado e que tudo o mais não era da sua responsabilidade.”
Perante esta generalidade, este Tribunal fica sem saber para cada facto qual o fundamento e a razão de ser da pretensão da recorrente. Esta refere conclusivamente que a sua pretensão “resulta não só da confissão do representante da autora, como da demais prova produzida, numa reapreciação da prova gravada, de acordo com os dados da experiência e também de acordo com o padrão do homem médio.” E que a prova que produziu deve ser considerada no seu todo. E, além disso, não distingue a impugnação da matéria de facto dos seus argumentos de direito, o que torna menos percetível a sua argumentação. Designadamente mistura regras atinentes ao direito probatório material –ónus de alegação e prova- com a impugnação da matéria de facto.
Cremos que em bom rigor a impugnação da matéria de facto não cumpre de forma clara os ónus impostos e mencionados “supra”, concretamente a indicação dos meios de prova a reanalisar relativamente a cada um dos factos impugnados, indicando nessa mesma ordem de relação as passagens das gravações determinantes, o que deve conduzir, repete-se no rigor da aplicação dos princípios vigentes nesta questão, à rejeição da impugnação da matéria de facto.
A recorrente não rebate a motivação que consta da sentença proferida, e que também não englobou todos os factos aqui em causa na mesma ordem de argumentos motivadores da sua convicção. Antes pelo contrário, relativamente aos pontos 15, 16 e 18 indica-se na sentença as específicas razões da sua consideração como matéria assente/provada; o que também se faz concretamente quanto aos pontos 22 e 23 e mais à frente quanto ao ponto 32. Igual lógica é utilizada na motivação dos factos não provados.
E exigindo-se à recorrente, uma análise crítica da prova invocada, em confronto com o que consta da motivação da sentença, que permita justificar a alteração da decisão proferida sobre os factos, tal verdadeiramente não consta da motivação do recurso.
Conforme se decidiu no Ac. do STJ 7/7/2009 (www.dgsi.pt), proferido no âmbito de uma menor exigência da lei processual relativamente às alterações entretanto operadas na matéria, não foi indicado circunstanciadamente os concretos meios de prova que imponham decisão diversa, indicação essa que se tem de fazer individualmente para cada um dos pontos da matéria de facto impugnada.
Esta posição do STJ foi também tida nos seus Acórdãos de 20/12/2017, de 5/9/2018 e de 27/9/2018, e de 20/2/2019, e nesta Relação cita-se a título elucidativo o Acórdão de 28/6/2018 (todos igualmente publicados).
Diga-se ainda em abono da nossa posição que também a recorrida nas contra-alegações acaba por responder a esta matéria de forma algo vaga, muitas vezes apelando apenas às contradições que a posição da recorrente encerra, motivada pela mesma ausência de foco da recorrente. E, a ser assim, o princípio do contraditório acaba por não estar cabalmente assegurado, muito embora a resposta apresentada.
Assente a nossa posição, tal impõe a rejeição do recurso na parte que versa sobre a impugnação da matéria de facto, face ao disposto no artº. 640º, nº. 1, b), C.P.C..
*
IV MATÉRIA DE FACTO.

A consequência a retira do decidido “supra” consiste na consideração da matéria de facto tal como a mesma consta da sentença recorrida. E assim temos, reproduzindo:

Factos provados.

1) A autora é uma sociedade comercial que se dedica ao exercício da actividade de arquitectura e engenharia.
2) Por escritura pública outorgada na Secretaria Notarial de …, exarada no livro …, fls. 61v a fls. 63, em 06.10.1986, na qual intervieram o Dr. A. V. e esposa M. D., por si e na qualidade de procuradores de J. B., na qualidade de primeiros outorgantes, e M. P. e A. L. na qualidade de representantes da W, Lda. (a autora), e de segundos outorgantes declararam os primeiros outorgantes:
«Que dão de arrendamento o primeiro andar do prédio urbano situado no Largo …, freguesia e concelho de Barcelos, inscrito na matriz urbana sob o art. …, nos termos das cláusulas seguintes:
Primeira
O arrendamento é pelo prazo de um ano, renovável por iguais e sucessivos períodos, e teve o seu início em 1 de Junho último.
Segunda
A renda anual é de 210.000$00, pagas em prestações mensais de 17.500$00, na residência dos primeiros outorgantes, no primeiro dia útil do mês a que cada prestação disser respeito.
Terceira
O objecto do arrendamento é a instalação e exploração de um gabinete de desenho e construção civil.
Quarta
Quaisquer benfeitorias que a inquilina faça no local arrendado ficam a fazer parte integrante deste, sem que a mesma inquilina fique com direito a indemnização.
Declararam os segundos outorgantes
Que para a sociedade sua representada aceitam este contrato nos termos exarados.» (fls. 8 a 10)
3) O prédio dado de arrendamento pela escritura referida em 2) corresponde ao primeiro andar do prédio urbano situado no Largo ..., freguesia e concelho de Barcelos, inscrito na matriz urbana sob o actual artigo urbano .. da União de Freguesias de (…), proveniente do anterior o artigo .. da extinta matriz de Barcelos, com o valor patrimonial actual de 17.520,00€. (fls. 10v e 11)
4) O Dr. A. V., faleceu no -.02.2011, e por Procedimento Simplificado de Habilitação de Herdeiros e Partilha, realizado em 21.04.2011, o «prédio urbano composto por casa de rés-do-chão, andar e quintal, situado no Largo ..., n.ºs - a -, freguesia de …, concelho de Barcelos, destinado a habitação, descrito sob o n.º …, da Conservatória do Registo Predial e inscrito na matriz urbana sob o artigo …, com valor patrimonial atribuído de €.51.739,32 foi adjudicado a M. D.. (fls. 69 a 72)
5) O prédio urbano situado no Largo ..., n.ºs - a -, freguesia de …, concelho de Barcelos, composto de edifício de rés-do-chão, andar e logradouro, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º …, está inscrito a favor de M. D., por sucessão hereditária e partilha. (fls. 37v e 38)
6) Durante a vigência do contrato de arrendamento referido em 2), o inquilino (autora) foi executando diversas obras de beneficiação do imóvel, nomeadamente colocação de cobertura, divisórias, instalação eléctrica com calhas técnicas, cabos elétricos e colocação de linóleo sobre o sobrado.
7) Sucede que, no dia 02 de Fevereiro de 2017, cerca das 08:30h, ocorreu um incêndio no prédio no qual se insere a fracção arrendada à autora.
8) O referido incêndio teve origem no quadro eléctrico que alimentava exclusivamente a fracção inferior, correspondente ao rés-do-chão do prédio, e onde funcionava um estabelecimento comercial de restauração e bebidas comercialmente denominado por “...”.
9) Em virtude do referido incêndio, o fumo passou pelo sobrado da fracção arrendada à autora, provocando danos, nomeadamente o alojamento de pó preto no imobiliário existente e em todos os processos de arquivo, além de fortes cheiros e odores característicos do fumo que se infiltrou na fracção.
10) O incêndio terá deflagrado por razões fortuitas e não apuradas e propagou-se a todo o rés-do-chão, bem como ao tecto do mesmo, em vigas de madeira e soalho de madeira, que simultaneamente serve de piso do primeiro andar arrendado à autora.
11) Os danos mais graves provocados pelo incêndio incidiram na fracção localizada no rés-do-chão do prédio, também pertencente à ré M. D., e onde deflagrou o fogo, incidindo tais danos sobretudo no sobrado e nas paredes do imóvel.
12) Em consequência do incêndio referido, as vigas de madeira e respectivo soalho (simultaneamente tecto da fracção rés-do-chão e chão do 1.º piso), ficaram parcialmente carbonizadas, pondo em risco a estabilidade do próprio canto do edifício e parte da instalação eléctrica da fracção dada de arrendamento à autora ficou danificada. 13) Face à idade da ré M. D., já octogenária, esta solicitou aos filhos P. F. e J. F., até porque melhor habilitados face às suas actividades profissionais, que efectuassem todos os contactos com os arrendatários do rés-do-chão (Restaurante ...) e do 1.º andar (a autora) e respectivas seguradoras, no sentido de uma rápida recuperação do imóvel, todo ele afectado gravemente pelo incêndio.
14) P. F. e J. F. agiram sempre e só em representação da sua mãe M. D., sendo os contactos com os arrendatários e com técnicos ou pessoas contratadas para as reparações, bem como para elaboração de orçamentos, efectuados por eles, até porque J. F. é Arquitecto e acompanhou, por isso, a execução desses trabalhos com o seu irmão, a fim de garantir que eram recuperadas as vigas e soalhos ardidos ou consumidos pelo fogo, que o resto do edifício era recuperado e limpo.
15) A ré M. D., através dos filhos, enquanto proprietária do prédio, iniciou de imediato as necessárias obras de reparação e conservação do imóvel, com vista a repô-lo no estado em que se encontrava antes do incêndio.
16) Na execução de tais obras, a ré, através das pessoas que contratou, acedeu à fracção arrendada à autora, sita no 1.º andar.
17) A reparação, por parte ré M. D., das componentes do imóvel, danificadas pelo fogo, designadamente vigas, tecto do rés-do-chão e soalho do andar, instalação elétrica e paredes só puderam ser feitas mediante intervenção de técnicos qualificados.
18) Para realizar tais obras, as pessoas contratadas pela ré procederam ao prévio levantamento do linóleo que cobria a parte do soalho calcinado, numa área de cerca de 10 m2, ele mesmo danificado, bem como das divisórias existentes naquela zona, estas amovíveis, ali colocadas pela autora, assim como retiraram as calhas técnicas danificadas, bem como dos fios elétricos no seu interior, que se encontravam nas paredes envolventes da fracção arrendada na zona onde foi substituído o sobrado e numa extensão de cerca de 10/12 metros de comprimento e ainda de uma luminária existente na divisória retirada.
19) As calhas técnicas e os fios eléctricos cortados, foram deixados sobre uma mesa e as calhas técnicas foram também deixadas na fracção.
20) As obras foram realizadas em cerca de um mês após a data do incêndio.
21) Toda a intervenção foi previamente acertada com o gerente da autora, V. A., que acompanhou a execução das obras referidas em 18).
22) Com as obras realizadas pela ré tal como referido em 18), a fracção dada de arrendamento à autora, continuou sem condições de uso, pois ficou sem luz, sem algumas tomadas elétricas e sem parte das divisórias.
23) Com o incêndio e com as obras realizadas pela ré tal como referido em 18), autora ficou impossibilitada de continuar a laborar na fracção arrendada.
24) A autora, através do seu sócio-gerente, Eng. V. A., em 01.03.2017, enviou email a P. F., onde, para além do mais, consta que:
«…
A obra teve início na passada segunda feira, para substituição de alguns caibros e tabuado numa área delimitada de piso, entre a fracção do restaurante ... e o escritório do SP. (X, Lda.).
Na zona de intervenção já foi feito o seguinte:
- Retirada das divisórias
- Recortado o linóleo
- Retirada a calha técnica e cabos eléctricos das tomadas desde o quando eléctrico à zona circundante.
Estavam também a serem realizados trabalhos no restaurante com o uso de forma abusiva de uma extensão eléctrica do meu escritório.
Na fracçao do escritório do SP. (X, LDA) o incêndio não provocou danos eléctricos nem de mobiliário. O relatório pericial da minha companhia refere isso mesmo, razão da usa não reparação de danos. O incendio não provocou danos tal como, a aqui vossa intervenção não poderá deixar danos.
O que eu aqui solicito é tão somente encontrar o meu escritório depois da vossa obra com as mesmas condições que tinha antes da realização da mesma. Ou seja, com as divisórias recolocadas, recolocação do linóleo retirado e colocação de calha técnica no mesmo local e respectivos cabos eléctricos com o mesmo número de tomadas.
…». (fls. 14v)
25) No mesmo dia 01.03.2017, P. F. respondeu a tal comunicação, via email com o seguinte teor:
«… Sobre o mesmo, e como creio que saberá, não faz parte da nossa forma de estar fugirmos às nossas responsabilidades, pelo que não entendo o alcance da sua comunicação.
No entanto e para que não subsistam dúvidas, a nossa responsabilidade, enquanto senhorios, limita-se aos danos causados no edifício propriamente dito. O recheio de cada um dos pisos deverá ser garantido pelas companhias de seguros dos seus inquilinos, pelo que deverão ser estes a accionarem as respectivas apólices de seguro.
Relativamente ao uso indevido da sua energia eléctrica para alimentação de uma máquina de corte, creio, é outra questão com a qual nada temos a ver. Não obstante, fomos ao local e foi-nos dito que se tratou de um pequeno período de tempo, pois logo após a sua intervenção, a empresa de carpintaria serviu-se da energia eléctrica do Historial, pelo que o problema ficou imediatamente resolvido, conforme sabe. …». (fls. 15)
26) Seguidamente, em finais do mês de Março de 2017, o gerente da autora encontrou-se com J. F. no arrendado, tendo aquele reiterado o teor das reclamações anteriores, nomeadamente no sentido da ré repor o arrendado no estado em que se encontrava antes da sua intervenção, tanto mais que se mantinha impedido de laborar nesse local.
27) Em 28.03.2017, J. F. enviou email ao sócio gerente da autora, com o seguinte teor:
«Depois de na semana passada ter visitados as instalações supra, onde me inteirei das reparações efectuadas no seguimento do incêndio do passado dia 2 de Fevereiro, venho agora reduzir a escrito o que então lhe disse, e que reflecte o nosso entendimento face aos prejuízos que advieram do sinistro. Antes de mais, todos neste episodio tê motivos para se considerarem vítimas: proprietários e inquilinos vêem-se chamados a suportar prejuízos cujas origem os transcende, donde o sentimento de injustiça se torna indisfarçável. Assim é, mas, face ao que a lei estabelece, parece não haver outro caminho. Seguindo esta linha de raciocínio, e aceitando por bom que as responsabilidades do senhorio, neste caso, prendem-se com os danos causados no edifício, e não nas benfeitorias da iniciativa dos inquilinos, julgo estar certo quando digo que a nossa participação na reconstrução cessa no momento em que os danos no imóvel se encontrem reparados, i.é., a reposição do sobrado, bem como a lavagem das paredes de pedra. Como estas operações se encontram concluídas, nada mais haverá da nossa parte a fazer, para além da recolocação das divisórias amovíveis que a substituição parcial do sobrado implicou remover.
Quanto a quaisquer outros prejuízos decorrentes do incendio, designadamente danos sofridos na instalação eléctrica, constituirão encargo do inquilino, tal como sucedeu com o arrendatário do rés do chão. …»
28) A tal email, respondeu a autora, em 03.04.2017, por carta onde, para além do mais, consta que:
«…
De facto, todos fomos vítimas do incêndio no dia 02 de Fevereiro de 2017, com a sua origem na fracção do restaurante aí ficando confinado.
No entanto, a fracção da empresa SP. X, Lda. foi duplamente vítima.
Primeiro, pelo fumo que passou pelo sobrado e provocou cheiro, odores característicos e pó preto que se alojou em vários processos de arquivo.
Segundo, porque depois da vossa intervenção, ficamos sem condições de trabalho.
Com a realização das obras, foram retiradas as paredes divisórias amovíveis, cortado o linóleo e destruída a calha técnica e cabos eléctricos que se encontravam no interior das mesmas, nas paredes da zona envolvente da intervenção, até à parte superior do quadro elétrico.
Antes do início da vossa intervenção, tínhamos electricidade, quer nas tomadas, quer nas iluminarias. Depois das obras ficamos desprovidos de fonte eléctrica.
As calhas técnicas com os seus cabos eléctricos podiam e deviam ser acautelados e conservados. Se fosse imperativo intervir nos mesmos, podiam e deviam ser retirados para posteriormente serem recolocados, mas, e ao contrário foram cortados e arrancados, ou seja, destruídos, sem qualquer condição de serem reutilizados.
O que solicito, apenas, é tão só a reposição das condições que a fracção detinha antes da obra. Nada mais, sendo que as condições actuais deixadas no espaço, foram uma consequência clara e inequívoca da vossa intervenção e não do incêndio.
(…)
Estando certo da razão que me assiste, solicito a recolocação dos amovíveis, do linóleo na área devida e colocação de calha técnica com as respectivas tomadas desde o quadro elétrico percorrendo toda a zona anteriormente existente. Ou seja reposição das condições existentes na fracção antes da vossa intervenção, no prazo de 15 dias, para assim voltar a poder usufruir do uso pleno e legítimo da mesma. (….)» (fls. 16)
29) A autora e o seu gerente foram esclarecidos desde o início de que a proprietária do imóvel não iria reparar, nem assumiria qualquer responsabilidade pelos custos de limpezas, danos e recuperações do linóleo, das calhas, do sistema elétrico e das divisórias, cabendo essa recuperação interior à autora.
30) Até ao presente a ré, nada mais fez na fracção para além do referido em 18).
31) Desde a data da ocorrência do mencionado sinistro - 02 de Fevereiro de 2017 – que a autora não mais laborou na fracção arrendada.
32) Por força do estado em que ficou a fracção dada de arrendamento à autora, V. A. (sócio gerente da autora) e a mulher M. G., na qualidade de senhorios, e a autora, na qualidade inquilina, em 30.06.2017 outorgaram contrato escrito intitulado «Contrato de Arrendamento Comercial», para além do mais, com as seguintes cláusulas:
«Primeira
Os primeiros outorgantes são donos e legítimos possuidores da fracção autónoma designada pela letra FU, localizada no prédio urbano destinado a comércio, sito em Avenida ..., …, em Barcelos, escritório n.º …, no primeiro andar esquerdo… e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ... FU, inscrito na matriz predial com o artigo .., da União de Freguesias de (..)…
Segunda
Em virtude da realização deste contrato, os primeiros dão de arrendamento ao segundo outorgante, a fracção melhor identificada na cláusula primeira, que estes aceitam e toma na qualidade de arrendatários, assumindo o cumprimento deste contrato.
Terceira
O presente contrato de arrendamento é celebrado com a duração indeterminada, com início a 01 de Julho de 2017, mantendo-se vigente até que uma das partes o denuncie ou ambas procedam, livremente e de boa fé, à sua revogação.
Quarta
1 – A renda devida pelo segundo outorgante aos primeiros outorgantes é fixado no valor de €.250,00 (duzentos e cinquenta euros), que deverá ser paga mensalmente impreterivelmente, até ao dia 8 do mês que respeita.
(…)». (fls. 109 a 111)
33) Com o contrato referido em 32), a autora passou a despender €.250,00 mensais a título de renda.
34) A autora teve de efectuar todas as mudanças necessárias, nomeadamente o carregamento e transporte, desde o anterior para o novo arrendado, de arquivo, diverso mobiliário, computadores, impressoras.
35) A autora teve ainda que comunicar a todos os seus clientes e fornecedores, a mudança de instalações.
36) Em 10.03.2017, J. F. enviou à autora email com o seguinte teor:
«Na sequência da nossa conversa de há dias sobre a antecipação do termo do contrato de arrendamento supra, venho agora apresentar a nossa proposta para o efeito.
Assim, e considerando o tempo que falta para que a extinção natural do contrato, que deverá acontecer a 31 de Dezembro de 2018, propomos entregar-lhe de imediato mil euros (correspondentes a cerca de cinco meses de renda), permitindo além disso que entregue o arrendado até fim do mês de Abril próximo. …» (fls. 16v)
37) Proposta essa que autora declinou.
38) A ré M. D. enviou à autora, em 10/12/2013, carta, para além do mais, com o seguinte teor:
«Na qualidade de proprietária do prédio sito no Largo ..., n.º …, Barcelos e senhoria do 1.º andar arrendado à sociedade GL., Lda.
Venho pela presente, ao abrigo da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, com a redacção da Lei n.º 31/2012 de 14 de Agosto, comunicar-lhe, nos termos do art. 50.º da referida lei, o seguinte:
Propor:
- Um valor para uma nova renda mensal, no montante de €.300,00;
- Num contrato de duração limitada;
- Por um período de 5 anos;
- Valor do locado €21.410,00, de acordo com o art. 38.º do CIMI;
- Anexo cópia da caderneta.» (fls. 53 e 53v)
39) À carta referida em 38) respondeu a autora, por carta datada de 09.01.2014, com o seguinte teor:
«Pela presente, ao abrigo da Lei n.º 6/2006 de 27 de Fevereiro, com a redacção da Lei n.º 31/2012 de 14 de Agosto, comunicar nos termos do artigo 51 o seguinte;
Oposição ao valor da renda proposta pelo senhorio, propondo um novo valor de 203,18€. Este valor está acima do limite máximo anual correspondente a 1/15 do valor tributário de 21.410,00€ do artigo urbano 833 localizado no primeiro andar com utilização independente, de 118,94€.
Num contrato de duração limitada.
Por um período de cinco anos.
Ao abrigo do artigo 54.º da referida lei a empresa GL., Lda. invoca que;
Existe no locado um estabelecimento comercial aberto ao público e que é uma microentidade, prevista no n.º 4 do artigo 51.º.
Anexa-se cópia do relatório único e IES que faz prova desta circunstância.» (fls. 54)
40) A ré M. D. enviou à autora, em 04.01.2018, carta, para além do mais, com o seguinte teor:
«Na qualidade de proprietária do prédio sito no Largo ..., n.º …, Barcelos e senhoria do 1.º andar arrendado à sociedade GL., Lda.
Venho pela presente, ao abrigo da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, com a redacção da Lei n.º 31/2012 de 14 de Agosto, comunicar-lhe, nos termos da legislação em vigor, o seguinte:
Considerando o contrato de arrendamento vigente, de duração limitada com início no dia 09/01/2014 (data da recepção da resposta da arrendatária) e términus a 09/01/2019.
Considerando ainda, que não é minha vontade de o renovar.
Serve, assim, a presente para lhe comunicar a denúncia do arrendado para a referida data de 09/01/2019. …» (fls. 17)
41) À carta referida em 40) respondeu a autora por carta datada de 08.01.2018, de onde consta que:
«A sua comunicação de denúncia do arrendado é desprovida de fundamento legal, por isso ineficaz.
Atendendo a que o aqui arrendatário invocou e comprova as circunstâncias previstas no n.º 4 do artigo 51 da Lei 43/2017 de 14 de Junho, na falta de acordo entre as partes o contrato prevalece no prazo de 10 anos a contar da recepção do senhorio da resposta do arrendatário, até 09 de Janeiro de 2024.
Cabe ainda referir que se a denúncia do contrato de arrendamento tiver os fundamentos previstos na lei, em todo o caso, o arrendatário terá o direito a ser ressarcido em conformidade com os mesmos.» (fls. 17v)
42) A autora, com algumas centenas de euros e em cerca de duas semanas, poderia ter recolocado as calhas, os fios de electricidade, o linóleo e as divisórias retiradas por força das obras referidas em 18).
43) Após as reparações do edifício, ou seja, a partir do final de Março de 2017, a ré não tinha acesso ao primeiro andar arrendado.
44) A autora cancelou os contratos de fornecimento de água, luz e telecomunicações da fracção arrendada.
45) A autora continuou a pagar à ré a renda relativa ao contrato de arrendamento referido em 2), que actualmente se cifra em €.203,18.
46) A autora, todos os anos, desde a carta referida em 39), envia à autora o IES para comprovar que é uma microempresa.
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Factos Não Provados.

a) Participado o sinistro à seguradora da autora, esta realizou a competente vistoria e concluiu que o incêndio não havia provocado danos na instalação elétrica ou no imobiliário existente na fracção arrendada, existindo somente acumulação de sujidade provocada pelo fumo e carumas.
b) Concluindo ainda a seguradora que, após uma limpeza geral, a fracção estaria novamente apta a ser utilizada pela autora na sua laboração.
c) As calhas técnicas, os fios eléctricos e as divisórias ficou totalmente destruído, inutilizado, e sem qualquer possibilidade de reutilização.
d) A autora pagou rendas nos meses de Fevereiro a Junho (inclusive) de 2017.
e) A autora teve que pesquisar um novo imóvel no mercado imobiliário, com as inerentes preocupações e dispêndio de tempo relacionadas com contactos, visitas de imóveis e negociação do contrato de arrendamento,
f) E quando logrou encontrar imóvel com as características desejadas, viu-se obrigada a executar as obras necessárias para que pudesse iniciar a laboração, nomeadamente com a colocação de material elétrico adequado, contratação de serviços essenciais, nomeadamente telefone e Internet.
g) O que para além dos inerentes transtornos, provocou ainda a afectação da imagem comercial da autora, pois viu-se obrigada a deslocar-se de um dos principais arruamentos comerciais da cidade de Barcelos para uma zona deslocada do centro e menos movimentada, com a inerente perda de clientela.
h) O incêndio danificou as divisórias, móveis e objectos depositados pela autora na fracção do 1.º andar.
i) Também o fumo e fuligem do incêndio danificaram as divisórias e mobiliários, bem como documentos.
***
V O MÉRITO DO RECURSO.

A apreciação do recurso na parte relativa à aplicação do direito dependia, em parte e face ao modo como estra estruturou o seu raciocínio, da alteração da matéria de facto que a recorrente pretendia introduzir, pretensão que sucumbiu.
Cabe apreciar não obstante a correta aplicação das normas invocadas no recurso, no que respeita às razões da discordância apresentada e que são os artºs. 1022º, 1031º e 1111º, do C.C., bem como o instituto da boa fé e a “razoabilidade”.
Relativamente ao artº. 1022º do C.C. na verdade tal não é discutido uma vez que se trata da integração do contrato celebrado na locação (cfr. ainda artºs. 1023º e 1067º) –cfr. ponto 2 dos factos provados.

O artºs. 1031º e 1111º do C.C., a que acresce o artº. 1074º (e 1036º) do mesmo, também não oferecem dúvidas quanto ao seu alcance -o Ac. do STJ de 26/11/2019 citado na sentença proferida, explica o âmbito da sua aplicação, confirmando o Ac. da Rel. de Lisboa de 4/6/2019, também publicado em www.dgsi.pt-, podendo apenas ser colocada em causa a sua correta aplicação ao caso concreto.

E nesse ponto, suscita-se aqui o que foi dito, e a nosso ver bem, na 1ª instância: “Ora, em nosso entender, e desde logo, não pode a ré fazer obras no soalho da fracção dada de arrendamento e não repor a fracção no estado em que estava. Não há fundamento legal para tal, e não é por se tratarem de benfeitorias realizadas pela autora, que a ré não tem que as recolocar no estado em que estava. Não faz sentido, em nosso entender, entrar numa fracção dada de arrendamento, fazer as obras que entende necessárias e depois deixar a fracção no estado que entende, quer sejam benfeitorias feitas pela autora (e que ficarão a pertencer ao locado sem direito a indemnização, quer fossem coisas que já existiam no locado e eram da ré). Deste modo, incumbia à ré, depois de reparar o soalho, repor o linóleo, as divisórias, a luminária, as calhas técnicas e o fio eléctrico que retirou para reparar o soalho. Se retirou para fazer as obras, depois de feitas aquelas, tem a obrigação de repor. Tais danos não existiam na fracção dada de arrendamento à autora, antes da ré lá entrar para realizar as obras e são única e exclusivamente uma consequência da sobras realizadas pela ré. E não o tendo feito é responsável pelos danos causados.
Mas ainda que assim não se entendesse e que se pode ponderar quanto aos fios eléctricos e calhas queimados que ficaram na fracção dada de arrendamento à autora em consequência do incêndio e não da sobras feitas pela ré, mesmo quanto a estes, entendemos que é a ré quem, em primeira linha tem a obrigação de repor no estado anterior ao incêndio. Pois é a ré quem tem a obrigação de assegurar o gozo do locado para os fins a que se destina – art. 1031.º - e é ainda sobre a ré que incumbe a realização de obras – art. 1111.º - uma vez que nada foi estipulado a tal respeito no contrato de arrendamento celebrado. Com efeito, a colocação da calha técnica e do fio eléctrico na parte em que ficou queimado e que não foi nos 10/12 metros que foram retirados, são obras necessárias a assegurar ao locatário o gozo da coisa para os fins a que esta se destina. O locado tinha electricidade depois do incendio, e a ré deixou o locado sem electricidade, pois o quadro eléctrico não tem qualquer ligação, estando os fios pendurados.
E note-se que a causa dos danos existentes no locado não podem ser imputados à autora e nem se ficaram a dever a qualquer utilização indevida do mesmo pela autora.”

Em abono e reforço desta argumentação, com a qual concordamos, acrescentamos que ressalta a obrigatoriedade para o senhorio de realizar as diligências necessárias à colocação do locado em condições de ser usado pela A. para a sua atividade (para o fim visado com o contrato), e mais do que isso no estado em que se encontrava antes do sucedido. Estamos no âmbito das relações entre inquilino e senhorio, perante danos ocorridos no locado, em parte em virtude de ação da senhoria, e os prejuízos pedidos são relativos às consequências desses danos para a recorrente, que nada tem que ver com as eventuais responsabilidades de terceiro (alusão feita a seguradora). É indiferente para a apreciação do caso se o estado em que o locado está atualmente foi causado só pelo incêndio ou por este como consequência das obras levadas a cabo pela R. para reparar os danos causados pelo incêndio. Á R. incumbia fazer estar reparações necessárias e fazendo-as teria que as fazer na totalidade, com todas as diligências que isso implicasse, repondo o estado do locado.
O locador é obrigado a realizar todas as reparações ou outras despesas essenciais ou indispensáveis para assegurar o gozo da coisa locada, de harmonia com o fim contratual, quer se trate de pequenas ou de grandes reparações, quer a sua necessidade resulte do simples desgaste do tempo, de caso fortuito ou de facto de terceiro -Ac. STJ de 25/11/1998, BMJ 481º- 484.
Não o tendo feito e mantendo-se o locado sem condições de uso, estamos no domínio da responsabilidade civil contratual que tem como pressupostos o que resulta do artº. 483º do C.C.: o facto voluntário; a ilicitude; a imputação do facto ao lesante obtida através de prova nesse sentido ou pelo funcionamento de uma presunção de culpa; o dano; o nexo de causalidade (adequado) entre o facto e o dano.
O ónus da prova destes pressupostos cabe no caso à A. por força do artº. 342º, nº. 1, do C.C., com exceção da culpa uma vez que estando em causa uma violação contratual a culpa presume-se –artº. 799º do C.C. (e 344º, nº. 1, do mesmo).
A obrigação imposta à senhoria decorre das normas que regulam o contrato celebrado, sendo a responsabilidade por esta violação contratual subjetiva, ou seja culposa.
Conforme resulta das normas citadas e dos factos provados, por força do incêndio e das obras iniciadas pela senhoria em virtude das reparações que aceitou fazer, o locado mostra-se incapaz de satisfazer o uso a que se destina “nas mãos” da A., e a senhoria devia e podia ter feito as diligências necessárias à reposição do estado do locado (a questão do acesso, como se destaca na sentença, não era óbice) e inclusive foi para tal interpelada pela A. conforme artºs. 804º e 805º do C.C. (-o que seria desnecessário face á recusa inicial manifestada e que equivale ao incumprimento –cfr. artºs. 798º, e 801º, do do C.C.).
Deste modo infringiu a R. os seus deveres legais e contratuais, impostos pela boa fé na execução dos contratos (artº. 762º do C.C.), de forma presumidamente culposa. Veja-se ainda o Ac. da Relação de Lisboa de 31/1/2008 (www.dgsi.pt).
A culpa de que fala a recorrente não tem que ver com a causa dos estragos, matéria que não se apurou ser imputável à senhoria (ou a terceiro). A culpa tem que ver com a falta de cumprimento daquela obrigação.
O prejuízo da A. tem como causa adequada a conduta da R., sendo indemnizável (artºs. 562º a 564º, e 798º, todos do C.C.).
Conforme diz o Prof. Almeida Costa (“Direito das Obrigações”, 9ª edição, pag. 548) “A indemnização pelo dano positivo destina-se a colocar o lesado na situação em que se encontraria se o contrato fosse exactamente cumprido. Reconduz-se, assim, aos prejuízos que decorrem do não cumprimento definitivo do contrato ou do seu cumprimento tardio ou defeituoso.
A A. podia ter optado pelo exercício dos direitos previstos no artº. 1040º, nº. 1, ou nos artº.s 1074º, nº. 3, em conjugação com o 1036º (todos do C.C.), neste caso, se preenchida a situação relativa ao carácter urgente das reparações, a que voltaremos mais à frente por se tratar de uma questão abordada no recurso a propósito do abuso de direito. Poderia ainda equacionar-se o direito à resolução do contrato (artº. 1083º, nºs. 1 e 2, do C.C.). Veja-se, além do Ac. da Relação de Lisboa já citado, da mesma Relação o Ac. de 28/3/2017, da Rel. de Coimbra de 11/9/2018 e muitos outros (dgsi.pt).
Mas a A. optou pela indemnização por incumprimento do contrato.
Invoca ainda a recorrente o abuso de direito, em primeiro lugar perante a exigência das reparações em falta face ao valor da renda vigente.
Começando por enquadrar a matéria, diz o artº. 334ºdo C.C.: “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.
A justificação desta figura prende-se com razões de justiça e de equidade e deriva do facto das normas jurídicas serem gerais e abstratas.
O instituto do abuso de direito é uma verdadeira “válvula de segurança” para impedir ou paralisar situações de grave injustiça que o próprio legislador preveniria se as tivesse previsto, é uma forma de antijuricidade cujas consequências devem ser as mesmas de todo o ato ilícito (Ac. do STJ, de 23/1/2014, www.dgsi.pt). É sempre uma figura de carácter e aplicação subsidiária.
Há abuso de direito quando o direito, em princípio legítimo e razoável, é exercido em determinado caso de maneira a constituir clamorosa ofensa do sentimento jurídico dominante. De facto, não basta que o titular do direito exceda os limites referidos, sendo necessário que esse excesso seja manifesto e gravemente atentatório e ofensivo daqueles valores, conforme decorre dos termos do artigo citado.
O “supra” referido Acórdão do STJ guia-nos nos critérios para determinar os limites impostos pela boa-fé e pelos bons costumes, havendo que lançar mão dos valores éticos predominantes na sociedade e para os impostos pelo fim social ou económico do direito deverão considerar-se os juízos de valor positivamente consagrados na lei.
A nossa lei adota a conceção objetiva do abuso do direito pois não exige que o titular do direito tenha consciência de que o seu procedimento é abusivo: não é necessário que o titular do direito tenha a consciência de que, ao exercê-lo, está a exceder os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo seu fim social ou económico; basta que objetivamente esses limites tenham sido excedidos de forma evidente para que se considere preenchida a atuação com abuso de direito.
O abuso de direito pode revestir as modalidades de “suppressio”, de “venire contra factum proprium” e de desequilíbrio. Ficaremos por esta última, por ser a suscitada.
O abuso de direito na modalidade do “desequilíbrio entre o exercício do direito e os efeitos dele derivados”, abrange subtipos diversificados, nomeadamente: i) o do exercício de direito sem qualquer benefício para o exercente e com dano considerável a outrem; ii) o da atuação dolosa daquele que vem exigir a outrem o que lhe deverá restituir logo a seguir; iii) e o da desproporção entre a vantagem obtida pelo titular do direito exercido e o sacrifício por ele imposto a outrem –cfr. Ac. da Rel. de Guimarães de 1/2/2018 (dgsi.pt).
A apreciação que a recorrente pretende que se faça não pode ser feita porque da concreta matéria de facto não resultam elementos para daí se poder extrair qualquer conclusão. De facto, não sabemos o valor que despendeu com a reparação dos danos causados pelo incêndio ou que ainda teria de despender para repor o locado no seu anterior estado, para que pudéssemos estabelecer uma relação de comparação de valores. Note-se que constar no facto 42 que o que falta importaria em algumas centenas de euros (o que foi alegado pela R. noutro contexto, e querendo significar precisamente o contrário do que aqui pretende, ou seja que não seria “excessivamente” oneroso para a A.) é matéria que em nada ajuda porque indefinida e conclusiva (-sendo irrelevante para a decisão a proferir constar, ou nada constar, pelo que nos abstemos de expurgar tal facto). Veja-se nesta matéria o Ac. do STJ de 11/12/2012 (www.dgsi.pt).
Por último, e relativamente ao argumento (contrário) de que também a A. podia ter feito as obras/reparações em falta, precisamente por não ser muito oneroso ou demorado, o argumento não é novo e o Tribunal recorrido já o rebateu e bem: “Pode-se dizer, como diz a ré, na contestação, que a autora podia ter realizado tais obras. É verdade que de acordo com o disposto no art. 1036.º do Código Civil, o locatário pode querendo, realizar tais obras, mas a obrigação, em primeiro lugar, impende sobre o senhorio. O facto de a inquilina poder realizar tais obras, não significa que as tenha de fazer, de mais a mais, quando a grande maioria dos danos que a fracção agora apresenta são consequência da actuação da ré com a realização das obras no soalho do locado e quando, conforme também resulta do contrato de arrendamento, quaisquer obras que a autora realize no locado, ficam a pertencer ao prédio, sem direito a indemnização.” Esta argumentação é válida e por isso aqui reiterada. Parte do que falta fazer para que o locado possa ser usado pela A. já decorreu de benfeitorias feitas por essa e que ficam a pertencer ao prédio por força do contrato.
Por isso não configura abuso de direito que a A, tenha optado pelo exercício do direito à indemnização ao invés de realizar as obras por si, já que lei confere outras vias mas não as impõe. Por outro lado, mais uma vez sem sabermos o valor das reparações que faltam fazer, não podemos concluir da maior ou menor facilidade da A. as fazer por si, de modo a poder fazer um juízo mais preciso sobre a sua conduta –o que vale para a R. vale para a A. e vice-versa. Por outro lado ainda, haveria que aferir o que se entende por “urgência” tal como configurado no artº. 1036º, nº. 1, do C.C.. Salvo melhor opinião, a urgência é um estado anterior à inaptidão para o fim a que se destina a coisa, ou seja, se o locado não pode servir para o fim a que se destina no estado em que ficou, a urgência da reparação já não tem que ver com o facto de haver um perigo iminente, o que passa a estar em causa é o retorno à possibilidade de uso. A urgência prende-se com a necessidade de evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa, de modo a que, a intentar previamente a via judicial, tal fim já não será atingido (cfr. a referência feita no artº. 216º, nº. 3, C.C.). Não é o caso dos autos, em que por via do sucedido a A. deixou já de poder usar a fração (-sem que perda da coisa seja obviamente total, portanto constitui-se a R. em mora/incumprimento).
Não há pelo exposto violação de qualquer juízo de razoabilidade.
Relativamente à ação, pensamos por isso que o Tribunal recorrido decidiu conforme as normas aplicáveis e a sua correta interpretação e aplicação.
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Insurge-se ainda a recorrente contra a improcedência da reconvenção, tal como julgou o Tribunal recorrido. Da sua motivação decorre que o fundamento que discute é o de encerramento do locado. Chama à aplicação os artºs. 1072º, nº. 1, 1083º, nº. 2, por força dos artºs. 1080º e 1108º, todos do C.C..

Ora, quanto a esta matéria, uma vez mais terá de se recorrer ao teor da sentença recorrida, pelo seu acerto, para reiterar a decisão tomada. De facto, e conforme aí se diz. “Atenta a matéria dada como provada, facilmente se constata que a ré mantém o arrendado encerrado, desde 03.02.2017, ou seja, tal como se deu como provado em 31), desde a data da ocorrência do mencionado sinistro - 02 de Fevereiro de 2017 – que a autora não mais laborou na fracção arrendada.
Contudo, como também resultou provado em 22) e 23), com as obras realizadas pela ré tal como referido em 18), a fracção dada de arrendamento à autora, continuou sem condições de uso, pois ficou sem luz, sem tomadas elétricas e sem divisórias. Ao que acresce que com o incêndio e com as obras realizadas pela ré tal como referido em 18), autora ficou impossibilitada de continuar a laborar na fracção arrendada.
Conjugando tais factos provados, temos de concluir que de facto a autora não labora na fracção arrendada porque a mesma não tem condições para que é exerça a sua actividade. Mas isso deve-se ao facto de a ré não ter realizado as obras que se impunham, de modo a que a autora pudesse utilizar a fracção para o fim a que se destina e para o qual foi dada de arrendamento.
A ré não pode não realizar as obras que sobre si impendem, determinando assim o encerramento da fracção arrendada, e depois pedir, com base nesse mesmo encerramento a resolução do contrato.
Tal conduta constitui uma actuação em abuso do direito, pois trata-se de uma situação de exercício abusivo de um direito.
Acresce que, mesmo que assim não se entenda, a verdade é que dos factos provados não é possível concluir que a autora esteja numa situação de incumprimento definitivo que lhe seja imputável, e como tal não estão verificados os pressupostos para a resolução do contrato. E também, em nosso entender, considerando a causa pela qual a fracção está fechada desde 03.02.2017, não se pode concluir que tal torne inexigível à ré a manutenção do contrato de arrendamento.”.

O artº 1072º, nº. 1 do C.C. impõe ao arrendatário de prédio urbano o dever de utilizar efetivamente a coisa locada: “o arrendatário deve usar efectivamente a coisa para o fim contratado, não deixando de a utilizar por mais de um ano”; logo, o art.º 1072.º epigrafado de “Uso efectivo do locado”, impõe que o arrendatário faça uso efetivo do arrendado para o fim contratado, assumindo-se como ilícito contratual o não uso por período superior a um ano, conforme resulta claramente do confronto deste n.º 1 com a norma de exclusão que se lhe segue –Ac. da Rel. de Évora de 21/12/2017 (dgsi.pt).
Esta redação do artigo decorre da alteração operada pela Lei nº. 6/2006 de 27/2.
Não obstante o arrendatário não ter a obrigação ou dever do uso, mas sim a titularidade de um direito de gozo sobre a coisa, tem, por força deste preceito, um ónus jurídico (Aragão Seia, «Arrendamento Urbano - Anotado e Comentado», pags. 306 e 307 e Januário Gomes, citado na referida obra).
Atualmente, impondo o n.º 1 do art.º 1072º do C.C. que o arrendatário use efetivamente o arrendado, uso que terá de ser aferido atendendo ao fim contratualmente previsto, é fundamento de resolução a falta de uso, tratando-se de uma violação do contrato.
Conforme também não suscita dúvidas que, sendo o não uso por mais de um ano facto constitutivo do direito a resolver o contrato, sobre o senhorio recai o ónus da respetiva prova (artº. 342º, nº. 1, C.C.).
Temos no entanto nesta matéria de considerar o justificativo específico previsto no artº. 1072º, nº. 2, a), sendo que o conceito de “força maior” até será, na nossa perspetiva, mais maleável ou menos apertado e mais abrangente do que a “impossibilidade objetiva” prevista no artº. 790º do C.C. e que aqui tem cabimento. O seu preenchimento seria matéria a alegar e provar pela recorrente de acordo com o ónus imposto pelo artº. 342º, nº. 2, C.C., já que se trata de facto impeditivo do direito à resolução do contrato por parte do senhorio que decorre do não uso por tempo superior a um ano (artº. 1072º, nº. 1, C.C.).
O Ac. da Rel. do Porto de 15/9/09 (www.dgsi.pt) avançou que «O caso de força maior a que alude o art.1072º nº2 al. a) Código Civil é o evento natural ou de acção humana de outrem que não o arrendatário que, embora pudesse prevenir-se, não podia ser evitada, nem em si, nem nas suas consequências danosas e que torne compreensível, aceitável, perfeitamente explicável que aquele não resida na casa arrendada, não se confundindo com a situação de infiltrações de água (por humidades) do andar superior, que é uma situação anómala, mas, por natureza, reparável em curto espaço de tempo».
O Prof. Pinto Furtado refere (“Manual do Arrendamento Urbano”, vol. II, 5ª ed., pag. 1107, que «O alcance da expressão força maior, usada no actual preceito do CC, deverá compreender assim, em nossa opinião, as hipóteses tradicionalmente apresentadas como ilustrações da força maior e do caso fortuito, mas enformadas segundo o molde do art.790º 1 CC, isto é, modelando-se como uma impossibilidade de ocupação do prédio, que seja objectiva, e não imputável ao arrendatário». E vai ao encontro, aderindo, do Ac. do STJ de 6/1/83, in BMJ, 323º-352, e do alcance que deve ser atribuído à ressalva da força maior: «o não uso pelo arrendatário, por mais de um ano, do espaço arrendado, não será fundamento de resolução do contrato de arrendamento pelo senhorio se foi determinado por factos naturais, da autoridade ou de terceiros, constitutivos de impossibilidade objectiva de utilização, não imputável ao arrendatário». Diz ainda que “…Nesta ordem de ideias, rejeitamos a ideia, por vezes sustentada na doutrina, de encarar esta impossibilidade no âmbito de um juízo de valor acerca da razoabilidade do comportamento omissivo do arrendatário: do que se trata é de uma impossibilidade, não de uma causa de justificação ou de uma não exigibilidade». Aliás, segundo o autor citado, mesmo que houvesse força maior, a resolução teria de ser decretada, por terem passado mais de dois anos a contar do início da força maior (cfr. ob. cit., págs. 1104, 1105 e 1109, e, no mesmo sentido, Fernando de Gravato Morais, in Novo Regime do Arrendamento Urbano, 3ª ed., págs.278 e 279). Assim, segundo este último autor, «A protecção excepcional por interesses do arrendatário comercial deve ser temporalmente limitada nos casos de força maior (colocando-se aqui tanto as causas naturais – o abalo sísmico, a inundação grave – como os actos de autoridade ou de particulares – a guerra civil, a ocupação militar) e numa situação de doença».
Note-se que à data da propositura da ação não haviam decorrido dois anos de encerramento, sendo esse o momento que releva por fixar os elementos estruturantes da ação.
Conforme Ac. da Rel. de Lisboa de 24/11/2015 (dgsi.pt) “poder-se-á dizer que é na ideia de imprevisibilidade e na circunstância de haver impossibilidade não imputável ao devedor que geralmente se coloca o acento tónico do conceito de força maior a que se refere o art.1072º, nº2, al. a).” Igualmente nesse sentido o Ac. da Rel. de Coimbra de 27/9/2011 (dgsi.pt).
Ora, no caso resultou apurada a impossibilidade de uso (preenchendo as duas normas, quer a impossibilidade objetiva, quer a causa de força maior), designadamente para o fim a que a A. destinava o locado, o que inclusive é de imputar á senhoria. Não colhe pois o direito à resolução.
Note-se que para este efeito não cabe analisar autonomamente a exceção de abuso de direito oposta à resolução, pois, como já resulta “supra” da análise feita ás disposições em causa, a ponderação dos limites desse abuso faz parte do raciocínio próprio das premissas da resolução.

A recorrente apela ainda ao disposto no artº. 1083º, nº. 2, e à cláusula geral resolutiva aí contida. Verificada a violação do dever, e se excluída a exceção da licitude do não uso superior a um ano, é por este artigo que se afere se é motivo de resolução. Essa cláusula funciona como uma enunciação tipo ou genérica dos fundamentos da resolução – a enunciação de uma justa causa de resolução.
Todavia já vimos que no caso se apurou a causa de força maior/impossibilidade objetiva de uso, pelo que não é chamada á análise do caso aquela norma. Remetemos para o nosso acórdão de 6/2/2020 publicado em www.dgsi.pt (processo nº. 2331/17.1T8VRL.G1) as considerações a fazer a esta norma, se tal se justificasse, e não justifica por inaplicabilidade ao caso.
Nada mais tendo sido suscitado quanto à matéria da reconvenção, cumpre apenas concluir que também esta matéria foi bem analisada e aplicadas as normas pertinentes ao caso, pelo que a sua improcedência foi bem decidida.
Suscita por último a recorrente a questão da litigância de má fé da A..

Ainda que não seja requerido, e, portanto, mesmo oficiosamente e se para tanto houver fundamento, pode o tribunal condenar a parte que litigar de má-fé (-nesse sentido, Jacinto Rodrigues Basto, «Notas ao Código de Processo Civil», Vol. II, 2ª edição, pag. 358).
Como vem sendo entendido na doutrina e jurisprudência, citando-se a nível da doutrina José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, Volume 2º, pag. 458 da 3ª edição: “O pedido de indemnização por litigância de má fé não carece de ser deduzido nos prazos em que é admissível a dedução dos pedidos que constituem o objeto da ação, nomeadamente até ao encerramento da discussão em 1ª instância (art. 265 – 2) ou em reconvenção (art. 583 – 1). Basta ver que a atuação por má fé pode ser posterior ao momento da apresentação dos articulados em que tais pedidos são admissíveis e mesmo posterior ao encerramento da discussão em 1ª instância (art. 588 – 1). Ele há-de ser deduzido antes da decisão final, em 1ª instância ou em recurso. (…)”. Na jurisprudência citamos o Ac. da Rel. de Guimarães de 11/5/2017 (www.dgsi.pt).
No nº. 2 do artº. 542º (veja-se também o nº. 1) concretizam-se as situações de má-fé material (dedução de pedido ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar, e a alteração da verdade dos factos ou a omissão de factos relevantes para a decisão da causa) e de má-fé instrumental (omissão grave do dever de cooperação, uso manifestamente reprovável do processo, ou dos meios processuais, para conseguir um fim ilegal, para entorpecer a ação da justiça, ou para impedir a descoberta da verdade, ou para protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão). Prevêem-se nesta disposição as situações de dolo e de negligência grave.
Fundamente a recorrente o seu pedido no facto de a A. “construiu toda a sua alegação com base num alegado relatório da sua seguradora, que não se sabe qual é e que se revela, sem dúvida, inexistente.”
Não atendemos no alcance visado, pois que a A. apresentou a sua legação com base nos factos que percecionou, não se apurou que os tivesse adulterado, e se se baseou ou não num relatório, se ele existe ou não (quando muito a A. podia ou não usá-lo como meio de prova, o que estava no seu critério), é irrelevante para a apreciação da sua conduta processual.
Não procede pois o argumento da recorrente.
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Tudo visto e ponderado em face da motivação do recurso, deve o mesmo improceder relativamente a todas as questões suscitadas.
***
V DISPOSITIVO.

Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso da Ré/recorrente improcedente e, em consequência, negam provimento à apelação da Ré, mantendo-se a douta sentença recorrida.
Custas pela recorrente –artº. 527º, nºs. 1 e 2, do C.P.C..
*
Guimarães, 22 de outubro de 2020.
*
Os Juízes Desembargadores

Relator: Lígia Paula Ferreira Sousa Santos Venade
1º Adjunto: Jorge dos Santos
2º Adjunto: Heitor Pereira Carvalho Gonçalves

(A presente peça processual tem assinaturas eletrónicas)