Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
232/24.6T8TMC-A.G1
Relator: FERNANDA PROENÇA FERNANDES
Descritores: RECURSO DE APELAÇÃO
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
EXCEÇÕES DILATÓRIAS
INUTILIDADE ABSOLUTA
TEMPESTIVIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/04/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECLAMAÇÃO
Decisão: RECLAMAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. Não é admissível recurso autónomo das decisões proferidas em despacho saneador que julgam improcedentes exceções dilatórias ou relegam para final o conhecimento da prescrição, quando não se verificam os pressupostos do artigo 644.º, n.º 1, alíneas a) e b) do CPC.
II. A subida imediata ao abrigo do artigo 644.º, n.º 2, alínea h), do CPC exige que a impugnação diferida seja absolutamente inútil, o que não ocorre quando o eventual provimento do recurso, ainda que tardio, mantém eficácia no processo.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório.

Por decisão de 09.09.2025, a aqui relatora não admitiu o recurso interposto por AA e BB.
Esta decisão foi objecto de impugnação por parte dos apelantes, que requereram a submissão à conferência, com os seguintes fundamentos:
“…
5.º esse Tribunal Superior conhecendo do teor da conclusão I, e sem entrar no conhecimento do mérito das conclusões III, IV V, VI, VIII, e IX não admitiu o recurso interposto pelos RR. entendendo, em suma que, “o recurso é inoportuno ou prematuro, dado só haver lugar a tal impugnação em sede do recurso de apelação que vier a ser interposto da sentença final, nos termos do artigo 644.º, nº 3 do CPC.” Sucede que,
6.º não podemos concordar com o entendimento do Tribunal de que o julgamento do mérito da causa tem que ser realizado, após o que, só então, poderá ser conhecido o recurso deduzido sobre as exceções aqui invocadas, com o recurso que vier a ser interposto da sentença final, sob pena de estarmos a praticar actos inúteis, logo ilegais e proibidos – arts.º 130.º do C.P.Civil.
Acresce que,
7.º nos termos conjugados do disposto nos arts.º 595.º e 576.º, findo os articulados o Tribunal profere despacho saneador onde conhece das excepções dilatórias invocadas e das nulidades processais suscitas pelas partes, que obstam a que o tribunal conheça do mérito da causa e dão lugar à absolvição da instância. Pelo que,
8.º ao relegar o conhecimento do recurso interposto ao abrigo do disposto no art.º 644.º, n.º 2, al. h) do C.P.Civil quanto às excepções invocadas, a Decisão de que ora se reclama viola o disposto nos arts.º 130.º e 595.º e 596.º do C.P.Civil, permitindo que a causa seja julgado quando existem questões que obstam ao seu conhecimento. Acresce que,
9.º esse Tribunal Superior não conheceu da questão da ilegalidade do despacho saneador suscitada no Ponto II da conclusões, e nos arts.º 9.º a 14.º do corpo da alegação, por manifesta violação do disposto no art.º 590.º, n.º 2 al. C) e n.º 3 do C.P.Civil. Pelo que, o recurso interposto pelos RR. sempre teria que ser admissível, pelo menos, quanto ao conhecimento dessa questão,
10.º uma vez que o despacho saneador conheceu e julgou improcedentes todas as exceções invocadas sem qualquer elemento de prova que se pudesse fundamentar essa decisão o que o torna nulo e de nenhum efeito quanto a essas questões apreciadas.
Termos em que deve a presente reclamação ser admitida e julgada procedente, por provada, devendo ser proferido acórdão que admita, conheça e julgue procedente o recurso interposto pelos RR., aqui reclamantes”.
Não houve resposta.
Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.
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II. Questões a decidir.

A única questão a decidir consiste em saber se o recurso interposto é tempestivo.
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III. Apreciando.

Os factos a considerar são os que constam do relatório supra.
Escreveu a ora relatora na decisão reclamada o seguinte:
“Nesta ação foi proferido despacho saneador que:
- julgou improcedente o invocado erro na forma de processo;
- julgou improcedente a invocada exceção de ineptidão da petição inicial;
- julgou improcedente a exceção de caso julgado;
- julgou improcedente a invocada não verificação dos requisitos legais do instituto do enriquecimento sem causa, bem como o do pedido de indexação civil ao abrigo dos artigos 562.º e 566.º do Código Civil;
- relegou para final o conhecimento da invocada exceção de prescrição do direito à ação para o enriquecimento sem causa.
Dessas decisões foi interposto recurso pelos réus.
Entendem estes que o recurso interposto de tais decisões deve ser admitido a subir imediatamente, nos termos do disposto no art.º 644.º, n.º 2 al. h) do CPC (cfr. alegações de recurso e ainda o requerimento junto aos autos a 28.05.2025, onde os apelantes já tomaram posição sobre a questão).
Para tanto invocam que caso as referidas exceções venham a ser, como devem, julgadas procedentes por este Tribunal Superior, a consequência será absolvição dos réus da instância e do pedido, com o que, naturalmente, os autos não prosseguirão os seus ulteriores termos e a audiência de discussão e julgamento não será realizada.
Pelo que, caso a impugnação da decisão que julgou improcedentes as exceções invocadas e que não conheceu da prescrição não fosse deduzida por meio do presente recurso a subir e a apreciar imediatamente e fosse, apenas e só, deduzida e apreciada no recurso da decisão final, a mesma seria absolutamente inútil.
Cumpre decidir.
Se analisarmos as normas das alíneas a) e b) do nº 1 do artº 644º do CPC, constatamos que a admissão da apelação autónoma exige que a decisão em causa tenha posto termo à causa, ou a procedimento cautelar ou a incidente processado autonomamente (al. a)), ou, que, tratando-se de decisão proferida no saneador, a mesma, não obstante não ter posto termo ao processo, seja uma decisão de mérito – v.g., porque decide da procedência ou da improcedência alguma exceção perentória -, ou que absolva “...da instância o réu ou algum dos réus quanto a algum ou alguns dos pedidos.”.
Portanto, se a decisão, não pondo termo à causa, não é de mérito, nem absolve “...da instância o réu ou algum dos réus quanto a algum ou alguns dos pedidos”, não é, à luz do nº 1 do artº 644º do CPC, passível de apelação autónoma.
Tal é o que sucede com as decisões que julguem improcedentes as exceções dilatórias, como é a ineptidão da petição inicial e a exceção de caso julgado.
 Da mesma forma, ao abrigo de tal norma não é admissível recurso, neste momento, da decisão que julgou improcedente a invocada nulidade por erro na forma de processo e da decisão que julgou improcedente a invocada não verificação dos requisitos legais do instituto do enriquecimento sem causa, bem como o do pedido de indexação civil ao abrigo dos artigos 562.º e 566.º do Código Civil.
Finalmente, e quanto à decisão de relegar para final o conhecimento da invocada exceção de prescrição do direito à ação para o enriquecimento sem causa, também não cabe recurso de tal decisão, nos termos previstos no art. 595º nº 4 do CPC.
De facto, prevê expressamente esta norma que não cabe recurso da decisão do juiz que, por falta de elementos, relegue para final a decisão de matéria que lhe cumpre conhecer. É o que sucede.
Assim, ao abrigo do disposto pelas als. a) e b) do nº 1 do artº 644º do CPC e considerando ainda o disposto pelo 595º nº 4 do CPC, não será de admitir o recurso interposto.
Invocam os apelantes que as decisões recorridas são de integrar na al. h) do artº 644º do CPC.
Nos termos do disposto pelo art. 644º nº 2 al h) do CPC, "cabe... recurso de apelação das... decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil".
Recurso cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil é apenas aquele cujo resultado, seja ele qual for, devido à impugnação apenas com o recurso da decisão final, já não pode ter qualquer eficácia dentro do processo, mas não aquele cujo provimento possibilite a anulação de alguns atos, por ser esse o risco próprio ou normal dos recursos diferidos.
Assim, a questão que se coloca consiste em saber se as decisões judiciais proferidas impõem que se recorra delas imediatamente, sob pena de numa futura apreciação e julgamento pelo tribunal de recurso, conjuntamente com a apelação da sentença final, das questões nele suscitadas, não terem qualquer efeito útil e válido na economia do litígio em presença.
Analisando a questão, sem perder de vista o que a nossa melhor doutrina e jurisprudência afirmam a esse respeito, afigura-se-nos que a resposta é, manifestamente, negativa, pois um eventual acolhimento dos argumentos desenvolvidos no recurso em questão, em momento prévio ao da apelação da sentença final, implicará a absolvição da instância ou do pedido dos réus, sem que se vislumbre – para além desse retrocesso adjetivo, do tempo acrescido que a pendência da ação terá e dos transtornos que tal situação causa às partes e aos demais intervenientes processuais –, qualquer prejuízo irremediável, irrecuperável, definitivo e absoluto para os recorrentes.
António Santos Abrantes Geraldes, em “Recursos em Processo Civil – Novo Regime – Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24/08, Almedina, Dezembro de 2007, páginas 182 e 183, em anotação ao artigo 691.º, número 2, alínea m) do Código de Processo Civil, na redação que resultou da reforma de 2007, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24/08, com entrada em vigor em 1/01/2008 (e que corresponde, na parte que tratamos, ao atual art. 644º nº 2 al. h) do NCPC), diz que com este preceito o legislador abriu a possibilidade de interposição de recursos intercalares em situações em que a sujeição à regra geral importaria a absoluta inutilidade de uma eventual decisão favorável obtida em sede de recurso.
O advérbio empregue (“absolutamente”) marca bem o nível de exigência imposto pelo legislador, em termos idênticos aos que anteriormente se previam no art.º 734.º, n.º 1, alínea c), para efeitos de determinar ou não a subida imediata do agravo.
Empregue a mesma expressão, agora para efeitos de delimitação dos casos em que pode ou não interpor-se imediatamente recurso, não basta que a transferência da impugnação para um momento posterior comporte o risco de inutilização de uma parte do processado, ainda que nesta se inclua a sentença final. Mais do que isso, é necessário que imediatamente se possa antecipar que o eventual provimento do recurso decretado em momento ulterior não passará de uma "vitória de Pirro”, sem qualquer reflexo no resultado da ação.
Este mesmo autor, refere ainda que “decidiu-se no Acórdão do Tribunal Constitucional, de 16-3-93, BMJ 425.º/142, que a restrição prevista na lei quanto à subida imediata dos agravos (e, agora, quanto à recorribilidade imediata) "não ofende o princípio constitucional da igualdade, expressando tal regime uma opção legislativa, baseada na tutela da celeridade processual, que não se pode configurar como injustificada, irrazoável ou arbitrária", bem como que “É pacífica a jurisprudência fixada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21-5-97, BMJ 467.º/536, segundo a qual "a inutilidade...há-de produzir um resultado irreversível quanto ao recurso, retirando-lhe toda a eficácia dentro do processo, não bastando, por isso, uma inutilização de actos processuais para justificar a subida imediata do recurso”.
Face a tal, entende-se que o recurso interposto é inoportuno ou prematuro, dado só haver lugar a tal impugnação em sede do recurso de apelação que vier a ser interposto da sentença final, nos termos do artigo 644.º, nº 3 do CPC.
Nessa medida, o recurso ora interposto não é admissível, por não poder conhecer-se agora do objeto do mesmo, o que se decide.
Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 1 uc.
Notifique.”.
Mantém-se integralmente o que aí se afirmou, resultando da decisão reclamada a razão pela qual, contrariamente ao pretendido pelos apelantes, se entende que o recurso interposto é intempestivo.
Acrescente-se que também não cabe razão aos apelantes quando invocam que este “Tribunal Superior não conheceu da questão da ilegalidade do despacho saneador suscitada no Ponto II da conclusões, e nos arts.º 9.º a 14.º do corpo da alegação, por manifesta violação do disposto no art.º 590.º, n.º 2 al. C) e n.º 3 do C.P.Civil. Pelo que, o recurso interposto pelos RR. sempre teria que ser admissível, pelo menos, quanto ao conhecimento dessa questão”, pois que como resulta da decisão supra transcrita, foi entendido por este Tribunal que essa decisão (como todas as restantes) não era subsumível à al. h) do art. 644º do CPC. Aliás, era essa a única alínea invocada pelos apelantes.
Não existe assim, qualquer omissão de pronúncia.
Improcede pois, a reclamação.
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IV. Decisão.

Pelo exposto, acordam as Juízes que constituem este coletivo da 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar improcedente a reclamação apresentada pelos apelantes, confirmando, em consequência, a decisão proferida pela aqui relatora.
Custas pelos reclamantes.
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Dê conhecimento do presente acórdão à 1ª instância.
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Guimarães, 4 de novembro de 2025

Assinado electronicamente por:
Fernanda Proença Fernandes
Sandra Melo
Paula Ribas