Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | JOSÉ AMARAL | ||
Descritores: | TÍTULO EXECUTIVO EUROPEU INJUNÇÃO EMBARGOS NULIDADE DA CITAÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 10/22/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 1.ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | 1. Na execução instaurada em Portugal com base em Título Executivo Europeu, emitido em Itália, ao abrigo do Regulamento (CE) nº 805/2004, de 21 de Abril, na sequência de Decreto Injuntivo declarado executório nos termos dos artºs 633º e seguintes do Cód. de Proc. Civil italiano, a sociedade executada pode deduzir embargos com fundamento na falta ou nulidade da citação ocorrida naquele procedimento injuntivo. 2. Como dispõe o artº 20º, do Regulamento, os trâmites do processo são regidos pelo direito do Estado-Membro e as condições da execução são as mesmas que as exigidas para uma decisão nele proferida. 3. Demonstrando-se que, no âmbito do processo especial sumário italiano, apenas foram remetidas duas cartas, contendo o Decreto Injuntivo, endereçadas à citanda pela advogada das requerentes, mas sem qualquer indicação de que provinham de um Tribunal e equivaliam a citação ou notificação e ambas devolvidas pelos correios com a menção “objecto não reclamado”, apesar de constar certificada nos autos uma declaração de Oficial de Justiça de que procedeu à notificação por entrega de cópia mas referindo-se somente ao envio das cartas registadas, é de entender que se está perante falta absoluta de citação por omissão do acto ou, pelo menos, por este não ter chegado ao conhecimento do destinatário por facto que lhe não é imputável, ou, ainda, por inobservância de formalidades prescritas na lei (designadamente as “normas mínimas” previstas no Regulamento). | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO Três sociedades comerciais de direito italiano – “NCP, Srl – X”, “Y Automotive Leather SPA” e “W, SPA” –, com sede em Itália, apresentaram, em 09-06-2017, no Tribunal de Guimarães, requerimento executivo para pagamento da quantia global de 354.652,72€ (soma dos valores parcelares em dívida a cada uma, juros, honorários e outras despesas) contra a sociedade comercial portuguesa “O. S. Representações, Ldª”, com sede em …. Invocaram, como base da execução, três “Títulos Executivos Europeus”, formados a partir de “Decretos Injuntivos” declarados executórios. Alegaram, no respectivo requerimento executivo, que, tendo fornecido à executada mercadorias conforme facturas não pagas, cada uma delas instaurou, no Tribunal de Vicenza, Itália, “Ricorso per decreto ingiuntivo”. Em todos, a executada foi “regularmente citada”, pelo que, em nenhum tendo deduzido oposição, foi declarada a respectiva executoriedade “da sentença” e, depois, emitido o aludido “certificado de título executivo europeu”. Juntaram documentação alusiva. A executada deduziu, em 16-07-2017, embargos, alegando que nunca foi citada nem notificada (item 2º) em qualquer dos procedimentos respectivos e que destes “nunca teve conhecimento, formal ou informal” (item 7º), pelo que se verifica “nulidade insanável de omissão de citação, ou a sua nulidade por não ter sido correctamente realizada, nos processos que correram em Itália” (item 8º), assim tendo as exequentes “evitado” discutir a relação comercial havida, intenção que a embargante já manifestara em acção anterior que correu no Porto mas na qual o tribunal foi declarado internacionalmente incompetente e competente o italiano. Pediu que, em caso de procedência, se condenem as embargadas “nos termos do disposto no artigo 858.º do CPC, porquanto todos os requisitos estão preenchidos”. Juntou cópia da petição inicial de uma outra acção instaurada em 09-10-2015 no Porto, das facturas que a instruíram, da carta de interpelação para pagamento que lhe fora remetida, da contestação respectiva (com reconvenção) e da decisão naquela proferida. Contestando, as embargadas sustentaram que tal alegação não corresponde à verdade, uma vez que os três juízes italianos do Tribunal de Vicenza nos quais correram os três procedimentos judiciais distintos, emitiram sentença de condenação da executada, confirmando a citação desta, tendo, inclusive, as três decisões judiciais já transitado em julgado. Argumentaram, ainda, que a executada, de má-fé, quer apenas protelar o pagamento, como se conclui da posição que, em contra-senso, tomou na acção anterior ao arguir a incompetência do tribunal por violação de cláusula convencional de foro quando até lhe seria mais favorável defender-se em Portugal do que em Itália. Além disso, quando foi citada das acções italianas, optou por remeter-se ao silêncio. Dispensou-se a audiência prévia, gorou-se a tentativa de conciliação efectuada, proferiu-se saneador tabelar e, na perspectiva de conhecimento do mérito, as partes produziram alegações, nestas tendo a embargante mantido que nunca recebeu as comunicações, não teve conhecimento do procedimento italiano e não teve oportunidade de se defender contraditoriamente, e, as embargadas, sustentado que tal não é verdade, que a correspondência foi recebida, foi emitida sentença, tudo em conformidade com o Regulamento 805/2004 (e com o regime italiano) e que a mesma é exequível à luz do Regulamento 1215/2012, e que reapreciar a citação é entrar no mérito das causas declarativas, o que não é possível uma vez que à execução apenas poderão ser opostos os fundamentos previstos no artº 729º, do CPC. Em 02-05-2018, tendo o tribunal considerado que o estado do processo lhe permitia conhecer do mérito da causa sem necessidade de mais provas nos termos da alínea b), do nº 1, do artº 595º, CPC, foi proferida a sentença que decidiu julgar improcedentes os embargos, ordenou o prosseguimento da execução e considerou não existir litigância de má-fé. A embargante, não satisfeita, apelou a que esta Relação decidisse no sentido da “confirmação dos embargos, determinando a improcedência do procedimento executivo” e pugnando, ainda, pela condenação das embargadas “como litigantes com má-fé em termos exemplares”. Com as alegações e a pretexto de só então ter sido possível obtê-lo, requereu a junção aos autos de um documento, ao abrigo do nº 1, do artº 651º, CPC (alegada cópia, não traduzida, dos procedimentos injuntivos, escritos em língua transalpina, que originaram os títulos executivos, em face da qual a recorrente refere que a única comunicação neles existente é uma carta remetida pela advogada das recorridas, que não recepcionou, e que, apesar de cumprir a legislação italiana, não cumpre o Regulamento Europeu 1393/2007), junção essa que foi deferida [1]. Em face das conclusões então apresentadas [2] e salientando-se a circunstância de o tribunal a quo ter considerado que a falta ou a nulidade da citação podem constituir fundamento de oposição por embargos nos termos da lei processual portuguesa aplicável (artº 729º, CPC), entendeu-se, em resumo, no Acórdão de 31-10-2018, que assim era mas que, por, naquela primeira sentença, não terem sido apreciadas nem decididas as concretas questões relativas à falta de citação ou sua nulidade (tendo-se o tribunal recorrido limitado a concluir ou a pressupor que ela foi efectuada e em termos regulares com base exclusivamente no teor da alegação feita no requerimento executivo que elencou como factualidade provada) [3], deveriam os autos prosseguir para apuramento dos factos a tal respeito relevantes, para o que se decidiu revogar a sentença. Uma vez regressados os autos à 1ª instância, além de aí ter sido junta tradução dos documentos admitidos, proferiu-se despacho que identificou como objecto do litígio determinar se existe e em que medida responsabilidade da embargante/executada pelo pagamento da quantia exequenda, enunciou como temas de prova (além da conduta processual da parte) apurar a falta/nulidade da citação/notificação nos procedimentos que deram origem aos três títulos dados à execução, e ordenou pedido de informação ao GDDC sobre “qual a legislação aplicável em Itália, no âmbito de injunções de pagamento apresentadas ante tribunal italiano sendo partes sociedades comerciais, no que respeita a citações/notificações, fornecendo, se possível, cópia da legislação e respectiva tradução para português” e ao Tribunal de Vicenza, em Itália, no sentido de que “informe relativamente aos três procedimentos que estiveram na origem dos títulos dados à execução, se em todos foi efectuada, por quem, de que modo, por que meio e em que data a citação/notificação da executada, em tais procedimentos”. Obtidas as respostas [4] e sobre elas se tendo pronunciado as partes, designou-se a audiência de julgamento. Esta realizou-se nos termos e com as formalidades que defluem da acta respectiva. Após, com data de 27-01-2020, foi proferida a nova sentença que (além de considerar não haver motivo para sancionar qualquer das partes, designadamente a título de litigância de má fé), decidiu “julgar nula a citação efectuada à embargante e, em consequência, julgar procedente a presente oposição à execução mediante embargos de executado”. Desta feita, apelou a exequente/embargada, tendo concluído as suas alegações nestes termos: “1. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pela Mmo. Juiz a quo, que julgou procedente os embargos apresentados pela Embargante, ora Recorrida por considerar nulas as citações efectuadas à Embargante na acção declarativa por falta de cumprimento das regras constantes no Reg. 805/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de abril de 2004, que criou o titulo executivo europeu para créditos não contestados (doravante somente Reg. 805/2004). 2. A recorrente entende que a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância tem necessariamente de ser outra, porquanto, tendo sido emitidas certificações das decisões proferidas em Itália como Titulo Executivo Europeu uma eventual análise do cumprimento dos requisitos das regras constantes do Reg. 805/2004, tem de ser feita pelo Tribunal de Origem e nunca pelo Tribunal de Execução, não sendo tal análise um dos fundamentos de oposição à execução com base no titulo executivo europeu (doravante TEE). 3. Na presente acção, as Embargadas, ora Recorrentes, apresentaram Requerimento Executivo contra a Embargante, ora Recorrida, no valor de € 78.399,36, devido à Y Automotive Leathers Spa (1.ª Recorrente) e no valor de € 16.803,55 devido à W Spa (2.ª Recorrente) devidos pelo fornecimento de mercadoria que não foi paga. Em face do incumprimento da Recorrida, as Recorrentes apresentaram as competentes acções em Itália para recuperação das quantias em divida. Contudo, citada para aquelas acções a Recorrida nada disse. Analisado o procedimento e o seu cumprimento pelos Mmos. Juizes italianos foi posteriormente emitida sentença e esta certificada como título executivo europeu. 4. No âmbito da acção executiva, a Recorrida opôs-se à execução mediante embargos de executado invocando que não foi citada das ações que correram temos junto do Tribunal Italiano de Vicenza – Itália, e que constituem aqui título Executivo, alegando a nulidade da citação das acções declarativas. 5. A questão apreciada pelo Mmo. Juiz a quo no litígio foi a falta/nulidade da citação/notificação nos procedimentos que deram origem aos três títulos dados à execução à luz do Reg. 805/2004 cremos, que não esteve bem o Tribunal a quo, uma vez aplica todos os fundamentos de oposição à execução com base em sentença previstos no art. 729.º CPC, por força do art. 20.º do Reg., nomeadamente a al. d) relativa à nulidade da citação, contudo a sua aplicação tem se ser, salvo melhor opinião mais criteriosa, pois no caso como o dos autos, fazê-lo como fez a Mma. Juiz a quo é ir contra a análise e certificação através da emissão do TEE dos Mmos. Juízes italianos, violando o disposto no art. 21.º n.º 2 do mesmo Regulamento, bem como é ir contra o mérito da causa do tribunal onde correu termos a acção declarativa. 6. Ademais, a citação na acção declarativa foi considerada efectuada à luz da legislação do Estado onde a acção correu seus termos – Itália – e, por conseguinte, os juízes italianos do Tribunal de Vicenza nos quais correram os procedimentos judiciais, emitiram sentença de condenação da executada. Por conseguinte, confirmadas as citações da executada, cuja análise foi efectuada pelos Juízos que proferiram as sentenças à luz do Regulamento 805/2004, foi emitida certidão de Título Executivo Europeu. 7. Face à matéria dada como provada, nada há a apreciar pois que, além da falta de legitimidade do juiz de execução para o fazer, a citação foi já considerada válida, e não nula, à luz das normas processuais do país onde correu termos a acção declarativa aquando da emissão das sentenças, bem como no respeito pelas normas do regulamento 805/2004 (art. 13 e 14.º do Regulamento) aquando da emissão das certidões de Titulo Executivo Europeu efectuadas pelos Juízes italianos e, conforme supra exposto, a ser invocada a alegada falta de citação e consequente nulidade dos títulos executivos, tal deveria ser feito perante o Tribunal que emitiu a referida certificação. 8. O sentido do legislador comunitário foi claro em atribuir a competência para apreciar o cumprimento dos requisitos mínimos constantes do Reg. 805/2004 ao juiz que emitiu o certificado e não ao Juiz de execução. 9. Na hipótese de uma decisão ser certificada como título executivo europeu que não obedeça às regras constantes do próprio regulamento, apesar de irrecorrível (art 10.º n.º 4) é objecto de revogação perante o tribunal do estado-membro de certificação, nos termos do disposto no art. 10.º n.º 1, 2 e 3. 10. Os fundamentos de oposição à execução nas situações em que estamos perante um TEE resultam do art. 21.º sob a epígrafe “recusa de execução” e a nulidade da citação na acção declarativa não é um deles, pois apreciar a nulidade da citação é apreciar a decisão do tribunal italiano e a decisão da sua certificação enquanto título executivo europeu, a qual é feita – exclusivamente – perante o tribunal do Estado-membro de origem e mediante a qual – a ocorrer –poderá o devedor requerer a suspensão da execução! Deveria ter sido isto que a embargante deveria ter feito. 11. Como bem esclarece LURDES MESQUITA “não se pode confundir o que são fundamentos de defesa contra a decisão de certificação e o que são motivos de oposição relativamente à relação de fundo que subjaz ao título executivo europeu. Os primeiros, na verdade, gozam de um estatuto próprio e autónomo, de modo que só podem ser invocados em sede de rectificação ou revogação da decisão de certificação, o que resulta do disposto no art. 21.º n.º 2 do Regulamento 805/2004. Quanto aos segundos, ter-se-á que apurar qual o tratamento que o Regulamento lhes reservou e quais as eventuais possibilidades de defesa do executado, começando por ver qual o direito aplicável nesta matéria, sem prescindir, naturalmente, de uma análise coerente e articulada com todo o regime Jurídico do titulo executivo europeu.” 6 (negrito e sublinhado nosso). 12. O que o Mmo. Juiz a quo fez foi apreciar o cumprimento dos requisitos nos termos do Regulamento, os quais só podem ser objecto de análise e de invocação em sede de revogação da decisão de certificação. 13. A alegada nulidade de citação ou melhor, alegado incumprimento das regras de citação constantes no Reg. 805/2004, não é fundamento de oposição à execução, podendo, no limite, ser alegado em sede de rectificação/revogação da certificação de decisão como TEE no tribunal de emissão da mesma. 14. Deste modo, não poderia o Mmo. Juiz a quo pronunciar-se sobre a validade/observação dos requisitos mínimos previstos na legislação comunitária, pois não tem legitimidade para tal. 15. Contudo, sempre se dirá que as citações da executada foram efectuadas no cumprimento das regras processuais civis italianas e comunitárias, estando vedado ao Juiz a quo a apreciação das mesmas, por força do disposto no n.º 2 do art. 21.º do Regulamento. Apreciar a regularidade da citação nas acções declarativas é por em causa a decisão proferida pelos Juízes que proferiram sentença – violando o principio do reconhecimento mutuo de decisões entre Estados-Membros da União Europeia. 16. O juiz do Estado-Membro que proferiu uma decisão, neste caso o Juiz Italiano, deparando-se com um pedido de certificação de uma decisão como Título executivo europeu deve aferir se a mesma é passível de certificação como TEE, nomeadamente pelo cumprimento das normas mínimas de procedimento – garantias mínimas. O cumprimento de tais requisitos é exigível nos casos em que o reconhecimento do crédito é tácito, ou seja, nas situações que o reconhecimento resulta de um comportamento omissivo do devedor. 17. O Capitulo III contém, nomeadamente, as regras de citação e notificação do devedor constantes nos artigos 13.º e 14.º. Assim, naturalmente, o Juiz italiano ao proferir a decisão como título executivo europeu, terá de ter confirmado se o acto que deu início à instância foi citado ao devedor, ou seja, se lhe foi garantido o direito de defesa com base nas regras de citação do seu país, tendo concluído que sim. Com vista à sua certificação como título executivo europeu terá analisado pelo cumprimento das garantias legais mínimas constantes do Regulamento, tendo concluído que as mesmas haviam sido respeitadas ou que de certa forma poderia certificar tal decisão à luz do Reg. 805/2004. 6 MESQUITA, Lurdes, O Título Executivo Europeu como Instrumento de Cooperação Judiciária Civil na União Europeia – Implicações em Espanha e Portugal, Coimbra, Almedina, 2012, Pág. 500. 18. As regras de citação e notificação constam como normas garantias mínimas e deste modo a citação tem de ser realizada nos termos do art. 13.º e 14.º do Regulamento. No caso dos autos a citação foi realizada nos termos do art. 14.º do Regulamento, tendo tal cumprimento sido confirmado pelo Mmo. Juiz que emitiu o Certificado de título executivo europeu. Julgando de forma diversa o Mmo. Juiz a quo está a ir contra o mérito das decisões italianas de apreciação das regras de citação, violando, deste modo, o disposto no n.º 2 do art. 21.º do Reg. 19. Conforme resulta da matéria dada como provada a citação foi considerada feita. Ou seja, é indiscutível – resultando da certidão que a ora recorrente juntou aos autos com o título executivo e de certificação judicial, que a citação foi legal e processualmente considerada feita à luz das normas Italianas e comunitárias. 20. A Embargante, ora Recorrida, foi citada para contestar a acção movida pelas Embargadas, no respeito da lei processual do País no qual corria termos o processo – isto é, Itália – e este facto resulta implicitamente certificado pela emissão de sentença final condenatória por parte do Mmo. Juiz do Tribunal de Vicenza – Itália. Após ter sido proferida sentença, as Recorrentes, requereram a certificação da decisão como Titulo Executivo Europeu. A Recorrida foi considerada citada no respeito do regulamento 805/2004 resultando este facto implicitamente certificado pela emissão dos Títulos Executivos Europeus por parte dos Juízes do Tribunal de Vicenza – Itália. Sem prescindir, 21. Conforme resulta da matéria de facto dada como provada, as cartas inicialmente enviadas à Recorrida com vista a sua situação vieram devolvidas com informação de “objecto não reclamado” – factos dados como provados 5.º e 10.º – reforçando a ideia que se exporá de que a Recorrente deliberadamente recusou a recepção de tais citações, pretendendo somente ganhar tempo e impedir a satisfação dos legítimos créditos das Exequentes. 22. Tal como a Embargante alega na sua petição inicial de embargos, correu termos a acção n.º 24281/15.6T8PRT em Portugal e a Recorrente requereu incompetência internacional dos tribunais portugueses que foi considerada procedente, pelo que seria espectável que posteriormente recebesse comunicação oriunda de Itália, que “não reclamou”, ou seja, propositadamente não quis receber e não querendo arcar com as consequências e assumir a responsabilidade da sua conduta. 23. A Executada procura é somente arranjar argumentações formais para adiar, enrolar e assim impedir a satisfação dos créditos das exequentes, o que está a fazer agora também nesta sede, invocando a falta de citação, pois caso quisesse efectivamente discutir a exigibilidade do crédito teria permitido que tal ocorresse em Portugal (em casa) o que era claramente mais vantajoso e menos dispendioso para executada que não em Itália, mas exigiu que ali fosse invocado (contra os seus óbvios interesses) que a competência fosse italiana, contudo quando demandada para a aquela acção não quis receber tal notificação. Esqueceu-se, contudo, que correndo a acção termos em Itália aplicar-se-iam as regras processuais daquele país e não as portuguesas. 24. Contudo, apesar da citação ter de ser realizada nos termos do disposto no art. 13.º e 14.º para que a uma decisão seja certificada como título executivo europeu, ainda que não tenha sido realizada, não fica automaticamente excluída a possibilidade de certificação da decisão judicial, pois no art 18.º do Regulamento 805/2004 está prevista uma forma de suprimento da inobservância das normas mínimas. 25. Termos em que, deverá ser alterado a sentença recorrida por outro que aplique correctamente, nos termos expostos, o disposto nos artigos 20.º do Regulamento 805/2004, de 21 de Abril e consequentemente os fundamentos de oposição à execução que tem como titulo executivo o Titulo Executivo Europeu. NESTES TERMOS, DEVERÁ O PRESENTE RECURSO DE APELAÇÃO SER ADMITIDO E JULGADO PROVADO E PROCEDENTE REVOGANDO-SE A SENTENÇA RECORRIDA. PEDE-SE ASSIM, JUSTIÇA!” Não foram oferecidas contra-alegações. O recurso foi admitido como de apelação, a subir de imediato, nos autos, com efeito devolutivo. Corridos os Vistos legais e submetido o caso à apreciação e julgamento colectivo, cumpre proferir a decisão, uma vez que nada a tal obsta. II. QUESTÕES A RESOLVER Pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, sem prejuízo dos poderes oficiosos do tribunal, se fixa o thema decidendum e se definem os respectivos limites cognitivos. Assim é por lei e pacificamente entendido na jurisprudência – artºs 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nº 4, 637º, nº 2, e 639º, nºs 1 e 2, do CPC. No caso, as duas questões recursivas são: a) Pode, na execução instaurada noutro Estado-Membro, ser deduzida oposição com fundamento na falta ou nulidade da citação ocorridas no processo do Estado-Membro de origem? b) A citação foi validamente realizada? III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO O Tribunal recorrido considerou relevantes e julgou como factos provados os seguintes: “1º - NCP, Srl – X, Y Automotive Leather SPA, e W, SPA, intentaram a execução com o nº 3417/17.8T8GMR, a que o presente está apenso, contra a aqui embargante O. S. – Representações, Lda., para cobrança da quantia de € 354.652,72 (trezentos e cinquenta e quatro mil seiscentos e cinquenta e dois euros e setenta e dois cêntimos). 2º - A exequente é portadora e deu à execução três documentos constantes de fls. 193 e seguintes dos autos de execução, cujo conteúdo se considera aqui por integralmente reproduzido, constando: 3º - Recurso para injunção nos termos dos artigos 633º e 634º do CPC nº 3144/2016 de 05.09.2016, intentado por Y Automotive Leather SPA, com sede em Itália contra O. S. Representações, Lda., com sede na Rua …, alegando o fornecimento de mercadorias, peticiona o pagamento da quantia de € 78.399,36, acrescida de juros. 4º - Consta da notificação expedida para a embargante que a “MM. Juíza, Dr. I. M., lido o pedido para concessão de injunção para pagamento depositado por Y Automotive Leather SPA (…), averiguando que, com base nos documentos apresentados, o crédito é certo, líquido e exigível; considerada a existência de obrigações previstas pelo artigo 633º e sucessivos do CPC, ordena a O. S. Representações, Lda., que pague à autora, em função do pedido apresentado no termo, até quarenta dias da notificações desta injunção, a importância de € 78.399,36 (…), datada de 20 de Setembro de 2016”, conforme documento junto a fls. 200, cujo teor se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. 5º - Foi enviada uma carta registada com aviso de recepção para a embargante, com data de 16.10.2016, contendo a notificação mencionada em 4º, constando do aviso de recepção como remetente “F. V.”, (advogada da embargada), a qual não foi recebida, constando a indicação “objecto não reclamado”, conforme documento junto a fls. 203 v, cujo teor se dá como integralmente reproduzido. 6º - No aviso de recepção mencionado em 5º não consta que o mesmo é expedido pelo Tribunal ou que equivale a uma citação ou notificação. 7º - Em 2016.11.11, foi expedida nova missiva para a embargante, nada constando quanto ao remetente, que também não foi recebida, conforme documento junto a fls. 204, cujo teor se dá como integralmente reproduzido. 8º - Recurso para injunção nos termos dos artigos 633º e 634º do CPC nº 3102/2016 de 30.09.2016, intentado por W SPA, com sede em Itália contra O. S. Representações, Lda., com sede na Rua …, alegando o fornecimento de mercadorias, peticiona o pagamento da quantia de € 16.803,55, acrescida de juros. 9º - Consta da notificação expedida para a embargante que “MM. Juíz, Dr. S. R., lido o pedido para concessão de injunção para pagamento depositado por W SPA (…), averiguando que, com base nos documentos apresentados, o crédito é certo, líquido e exigível; considerada a existência de obrigações previstas pelo artigo 633º e sucessivos do CPC, ordena a O. S. Representações, Lda., que pague à autora, em função do pedido apresentado no termo, até quarenta dias da notificações desta injunção, a importância de € 16.803,55 (…), datada de 19 de Setembro de 2016”, conforme documento junto a fls. 217v, cujo teor se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. 10º - Foi enviada uma carta registada com aviso de recepção para a embargante, com data de 16.10.2016, contendo a notificação mencionada em 9º, constando do aviso de recepção como remetente “F. V.”, (advogada da embargada), a qual não foi recebida, constando a indicação “objecto não reclamado”, conforme documento junto a fls. 221 v, cujo teor se dá como integralmente reproduzido. 11º - Em 2016.11.11, foi expedida nova missiva para a embargante, nada constando quanto ao remetente, que também não foi recebida, conforme documento junto a fls. 221, cujo teor se dá como integralmente reproduzido. 12º - Recurso para injunção nos termos dos artigos 633º e 634º do CPC nº 2782/2016 de 05.08.2016, intentado por NCP SRL – X, com sede em Itália contra O. S. Representações, Lda., com sede na Rua …, alegando o fornecimento de mercadorias, peticiona o pagamento da quantia de € 204.681,88, acrescida de juros. 13º - Consta da notificação expedida para a embargante que a “MM. Juíza, Dr. E. P., lido o pedido para concessão de injunção para pagamento depositado por NCP SRL – X (…), averiguando que, com base nos documentos apresentados, o crédito é certo, líquido e exigível; considerada a existência de obrigações previstas pelo artigo 633º e sucessivos do CPC, ordena a O. S. Representações, Lda., que pague à autora, em função do pedido apresentado no termo, até cinquenta dias da notificações desta injunção, a importância de € 204.681,88, acrescida de juros (…), datada de 9 de Agosto de 2016”, conforme documento junto a fls. 237v, cujo teor se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. 14º - Foi enviada uma carta registada com aviso de recepção para a embargante, com data de 16.10.2016, contendo a notificação mencionada em 13º, constando do aviso de recepção como remetente “F. V.”, (advogada da embargada), a qual não foi recebida, constando a indicação “objecto não reclamado”, conforme documento junto a fls. 241 v, cujo teor se dá como integralmente reproduzido. 15º - Em 2016.11.11, foi expedida nova missiva para a embargante, nada constando quanto ao remetente, que também não foi recebida, conforme documento junto a fls. 242, cujo teor se dá como integralmente reproduzido. 16º - No requerimento executivo de fls. 2 da execução apensa, as exequentes alegaram, entre outros, “A 1ª Exequente (NCP, Srl) é uma sociedade de direito italiano e no âmbito da sua actividade profissional forneceu mercadoria à Executada constante das facturas melhor identificada no Requerimento Inicial de procedimento de injunção italiana que se junta como doc. n.º 1, no valor de € 204.681,88. 17º - Assim, encontrando-se em divida o montante relativo às supra referidas facturas, a 1.ª Exequente com vista à obtenção do seu crédito, apresentou junto do Tribunal Ordinário de Vicenza procedimento judicial de pagamento. 18º - A Executada foi regularmente citada para proceder ao pagamento daquela quantia (€ 204.481,88), acrescido, dos juros vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento e de despesas e remunerações profissionais do procedimento, no montante de € 320,00 e 2.135,00, bem como o valor devido a titulo de CPA (4% do valor de honorários). 19º - Contudo, a Executada nunca pagou as quantias em dívida peticionadas no Requerimento Injuntivo Italiano nem tão pouco deduziu qualquer oposição. 20º - Posto isto, o Tribunal de Vicenza- Itália, com base no Regulamento n.º 805/2004 do Parlamento Europeu, que instituiu o título executivo europeu, declarou a executoriedade da sentença através da emissão da respectiva declaração, nos termos do Regulamento n.º 1869/2005. (doc. 2), 21º - A 2ª Exequente (Y Automotive Leather S.p.a.) é uma sociedade de direito italiano e no âmbito da sua actividade profissional forneceu mercadoria à Executada constante das facturas melhor identificada no Requerimento Inicial de procedimento de injunção italiana que se junta como doc. n.º 3, no valor de € 78.399,36. 22º – Assim, encontrando-se em divida o montante relativo às supra referidas facturas, a 2.ª Exequente com vista à obtenção do seu crédito, apresentou junto do Tribunal Ordinário de Vicenza procedimento judicial de pagamento. 23º - A Executada foi regularmente citada para proceder ao pagamento daquela quantia (€ 78.399,36), acrescido, dos juros vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento e de despesas e remunerações profissionais do procedimento no montante de € 2.135,00 e 406,50, bem como o valor devido a titulo de CPA (4% do valor de honorários). 24º - Contudo, a Executada nunca pagou as quantias em dívida peticionadas no Requerimento Injuntivo Italiano nem tão pouco deduziu qualquer oposição. 25º - Posto isto, o Tribunal de Vicenza - Itália, com base no Regulamento n.º 805/2004 do Parlamento Europeu, que instituiu o título executivo europeu, declarou a executoriedade da sentença através da emissão da respectiva declaração, nos termos do Regulamento n.º 1869/2005. 26º - A 3.ª Exequente (W, SPA) é uma sociedade de direito italiano e no âmbito da sua actividade profissional forneceu mercadoria à Executada constante das facturas melhor identificada no Requerimento Inicial de procedimento de injunção italiana que se junta como doc. n.º 5, no valor de € 16.803,55. 27º - Assim, encontrando-se em divida o montante relativo às supra referidas facturas, a 1.ª Exequente com vista à obtenção do seu crédito, apresentou junto do Tribunal Ordinário de Vicenza procedimento judicial de pagamento. 28º - A Executada foi regularmente citada para proceder ao pagamento daquela quantia (€ 16.803,55), acrescido, dos juros vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento e de despesas e remunerações profissionais do procedimento no montante de € 540,00 e 145,50, bem como o valor devido a titulo de CPA (4% do valor de honorários). 29º - Contudo, a Executada nunca pagou as quantias em dívida peticionadas no Requerimento Injuntivo Italiano nem tão pouco deduziu qualquer oposição. 30º - Posto isto, o Tribunal de Vicenza- Itália, com base no Regulamento n.º 805/2004 do Parlamento Europeu, que instituiu o título executivo europeu, declarou a executoriedade da sentença através da emissão da respectiva declaração, nos termos do Regulamento n.º 1869/2005”, conforme requerimento executivo junto na execução apensa, cujo teor se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. 31º - Nos títulos dados à execução, cuja executoriedade foi declarada pelo Tribunal de Vicenza- Itália, consta a seguinte declaração “Recibo de Notificação – A pedido da Adv. F. V., conforme consta dos autos, eu, abaixo-assinado Oficial de Justiça responsável pelo Serviço de Notificação de Vicenza, notifiquei o recurso por injunção que precede a O. S. Representações, Lda. com sede em Rua …, Portugal, e isto por entrega de cópia autenticada (…)”, conforme tradução junta a fls. 225v, 239 e 245, cujo teor se dá como integralmente reproduzido.” Para justificar o seu juízo, o tribunal, além de tecer considerações genéricas e de assinalar que, além dos pontos resultantes de acordo, os demais resultaram apenas da prova documental produzida, expôs os seguintes motivos: “Valorou o Tribunal os documentos juntos aos autos, designadamente os títulos dados à execução e sua tradução, juntos a fls. 193v e seguintes e o ofício do Tribunal de Vicenza, junto a fls. 270, que remeteu certidão de tais títulos. Considerando o teor dos avisos de recepção juntos a fls. 203v, 221v e 241v, constata-se que nas notificações expedidas para a embargante dando-lhe conta que tinham sido intentadas as injunções, consta apenas, como remetente “F. V.”, que é advogada das embargadas, não tendo as notificações sido recebidas pela embargante, constando dos avisos de recepção a indicação “objecto não reclamado”. Constata-se ainda que no aviso de recepção não consta qualquer indicação de que o mesmo é expedido pelo Tribunal ou que equivale a uma citação ou notificação. Por outro lado, atento o teor das missivas juntas a fls. 204, 221 e 242, remetidas para a embargante, e que também não foram recebidas, nada consta quanto ao remetente. Resulta ainda da prova documental que nos títulos dados à execução, cuja executoriedade foi declarada pelo Tribunal de Vicenza-Itália, consta a seguinte declaração “Recibo de Notificação – A pedido da Adv. F. V., conforme consta dos autos, eu, abaixo-assinado Oficial de Justiça responsável pelo Serviço de Notificação de Vicenza, notifiquei o recurso por injunção que precede a O. S. Representações, Lda. com sede em Rua …, Portugal, e isto por entrega de cópia autenticada (…)”, conforme tradução junta a fls. 225v, 239 e 245. Valorou-se ainda o certificado como título executivo europeu constante de fls. 15 e seguintes da execução apensa.” IV. APRECIAÇÃO Embora nenhuma questão se suscite no recurso quanto aos factos, convém começar por salientar e deixar bem claro que a matéria que, nos pontos “de facto” nºs 16 a 30, o tribunal a quo persistiu em manter enunciada como provada refere-se exclusivamente à transcrição/cópia dos itens nºs 1 a 15 vertidos no requerimento executivo inicial e que, aliás, já na primitiva sentença revogada também constava, em iguais termos, dos pontos 3 a 17 dos factos aí considerados assentes, isto apesar de, no nosso anterior Acórdão, já se ter salientado que se tratava – como agora continua a tratar-se – de matéria apenas alegada e não de factos provados. Por isso mesmo, onde, nos pontos 16º, 17º, 21º, 22º, 26º e 27º, se alude aos fornecimentos e às dívidas; nos pontos 18º, 23º e 28º, se menciona que “A executada foi regularmente citada”; ou, nos pontos 20º, 25º e 30º, se refere que o tribunal italiano “declarou a executoriedade da sentença”, não deve esquecer-se que factos provados, maxime relativos ao problema da efectivação da citação e respectivas circunstâncias, propriamente temos apenas os dos pontos 1º a 15º e 31º. Destes resulta, portanto, que a matéria de facto provada essencial a ter aqui em conta é a que consta: -dos artigos 3º, 8º e 12º: as exequentes requereram, em procedimentos designados em Itália, por “Ricorso per decreto ingiuntivo”, ao abrigo dos artºs 633º e 634º II, do CPC transalpino, que o tribunal dirigisse à aqui executada injunção para esta lhe pagar o valor devido por alegados fornecimentos; -dos artigos 4º, 9º e 13º: o tribunal italiano emitiu, em 06-09-2016, 05-10-2016 e 30-09-2016, relativamente a cada “Ricorso”, o respectivo “Decreto ingiuntivo telemático”, cujo texto, constante dos aí indicados documentos juntos, corresponde ao transcrito nos referidos pontos, esclarecendo-se que, segundo resulta do respectivo original, o Juiz “ingiunge” a destinatária “debitore ingiunto” no sentido “di pagare” o valor respectivo; -dos mesmos artigos, em cotejo com os demais e com a restante matéria alegada mas não provada: o texto dos “Decretos” consta “da notificação” mencionada como “expedida” mas não está demonstrada nos autos a efectiva expedição dela, no âmbito do processo e pelo tribunal italiano, “para a embargante” fosse por que meio fosse, muito menos está provada a sua recepção, ou a dos referidos “Decretos”, por tal sociedade destinatária; -dos pontos 5º, 6º, 7º, 10º, 11º, 14º e 15º (e documentos, nomeadamente a cópia presumidamente integral dos procedimentos injuntivos enviada pelo Tribunal de Vicenza): as únicas comunicações que se vê terem sido, no contexto de cada um deles, dirigidas à executada, consistem em duas cartas registadas: a primeira delas – segundo os pontos 5º, 10º e 14º – “contendo” o que nos pontos anteriores a estes se designa como “notificação expedida”, mas, por um lado, resultando do respectivo “aviso de recepção” que a remetente foi a própria advogada da exequente e, por outro, que nenhuma dessas cartas foi recebida antes constando como “objecto não reclamado”, sendo que de tal correspondência nada consta no sentido de que a mesma tenha sido expedida pelo tribunal ou a que equivalha a uma citação ou notificação; quanto à segunda, verifica-se que também não foi recebida e que nela nada consta quanto ao remetente; -do ponto 31º e dos documentos para que o mesmo remete: que a “executoriedade foi declarada”, ou seja, que o tribunal de Vicenza emitiu, em relação a cada injunção, o respectivo “Decreto di esecutorieta” (Decreto de executoriedade) – nº 2709/2017, de 15-02-2017, nº 5054/2017, de 22-03-2017, e nº 2337/2017, de 09-02-2017 – cuja declaração é subscrita por Juiz, constando do respectivo texto que tal é declarado por falta de oposição e com fundamento no pressuposto de que o “debitore ingiunto” teria sido “regolarmenmte”, ou “ritualmente”, “notificato”; -do mesmo ponto e respectivos documentos juntos aos autos consta que, relativamente a cada procedimento, o Tribunal emitiu, em modelo I anexo (certidão da decisão) ao Regulamento CE nº 805/2004, de 21 de Abril, manualmente preenchido, o “Certificato di Titulo Esecutivo Europeu – Decisione Giudiziaria” – datados de 19-05-2017, 09-02-2017 e 19-04-2017 – no qual se indica como “decisione giudiziaria” o “decreto ingiuntivo” respectivo e se assinalam, além de outras, as quadrículas relativas à origem (4) notificação da injunção (11.1), informação prestada ao devedor (11.2), notificação para comparecer (12.1), possibilidade de impugnação (13.3); -do ponto 31º: declarações escritas, carimbadas e assinadas, intituladas “relazioni di notifica” (todas datadas de 25-10-2016 e emitidas pela Oficial de Justiça do Tribunal de Vicenza de nome C. C.), segundo cujo texto esta afirma que, conforme consta dos autos (“come in atti), “notifiquei” (“ho notificato”) o recurso por injunção por entrega de cópia autenticada (“ciò há fatto mediante consegna di copia”) e isto por meio de (“conforme a mezzo:”), segundo o carimbo subsequentemente aposto, “A mezzo servizio postale com racc. A. R. ai sensi di [ilegível] Vicenza” (fls. 225 v., 239 e 245), ou seja, tal “relazioni” nada acrescenta nem altera, pois, limita-se a remeter para o que consta dos autos e não atesta qualquer outro acto, muito menos pela própria pessoalmente praticado ou verificado, relativo à efectivação de cada notificação do requerimento injuntivo e à entrega da respectiva cópia. Em suma: apesar destas declarações de Oficial de Justiça, do referido nos decretos de executoriedade subscritos por Juiz e das quadrículas assinaladas em sentido afirmativo no certificado de título executivo europeu sobre a notificação do decreto injuntivo, nenhuma outra comunicação está demonstrado que tenha sido feita pelo tribunal italiano à executada, no procedimento respectivo, salvo as duas referidas a propósito dos pontos 5º, 6º, 7º, 10º, 11º, 14º e 15 (e documentos respectivos), designadamente qualquer comunicação efectivamente satisfatória dos requisitos informativos acima aludidos a respeito do Título Executivo Europeu (TTE), assim como não está apurado como efectivamente se processou a “notificação” e a inerente “entrega” da injunção declaradas pela Oficial de Justiça que, assim, se apresentam como meras declarações tabelares ou formulárias já que, mesmo a reportarem-se às duas aludidas cartas enviadas pela advogada, obliteram o facto crucial de não terem sido recebidas pela destinatária, antes acabaram devolvidas pelos correios como “objecto não reclamado”. Foi neste contexto que o tribunal a quo considerou nulas as citações “efectuadas” por inobservância de formalidades legais, à luz da lei portuguesa e da legislação comunitária, e julgou procedentes os embargos. Para assim decidir, a sentença recorrida, na parte relativa à aplicação do direito, depois de longas e genéricas considerações teóricas em torno da acção executiva e entrando na concreta questão enunciada como “Da falta/nulidade da citação/notificação nos procedimentos que deram origem aos três títulos dados à execução”, depois de se referir ao Regulamento (CE) 805/2004, de 21 de Abril, e invocando o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 18-09-2017 [5] seguido de perto, concluiu que: -a execução segue o regime processual português, ou seja, o estabelecido no CPC (para este efeito, citando os artºs 5º e 20º, nºs 1 e 2 daquele Regulamento); -os títulos dados à execução consubstanciam títulos executivos europeus (abrangidos pelo dito instrumento normativo comunitário); -não foram dados à execução procedimentos europeus de injunção (tal como previstos no Regulamento (CE) nº 1896/2006, de 12 de Dezembro). Após, citando normas processuais atinentes, maxime o disposto no artº 729º, do CPC, relativo aos possíveis fundamentos de oposição baseada em sentença, bem como jurisprudência que considerou relevante no caso [6] ponderou: “Sucede que, in casu, a embargante alega que nunca foi citada, nem notificada em qualquer dos procedimentos dados à execução, não tendo conhecimento formal ou informal dos mesmos. Agora cumpre verificar da falta de citação da executada/embargante para a injunção, que constitui fundamento de oposição previsto no artigo 729º, al. d), do NCPC, tendo em conta a legislação nacional. Com efeito, veio a embargante defender que no caso se verifica a falta da citação no âmbito dos procedimentos injuntivos – títulos executivos europeus. […] No caso, alegou a embargante que não foi citada, nem teve conhecimento do acto. Os factos alegados pela executada poderão enquadrar-se no disposto nas als. a) e e) do citado artigo 188º […] [7], bem como de nulidade da citação, uma vez que não foram observadas as formalidades legais – artº 191º, nº 1, do CPC. A falta de citação é uma nulidade principal que pode ser conhecida oficiosamente ou por arguição dos réus em qualquer fase do processo, enquanto não se puder considerar sanada. A falta de citação é sanada se o réu intervier no processo sem arguir logo a falta da sua citação (artigo 190º, do NCPC). No caso, a executada não teve qualquer intervenção no procedimento de injunção. No direito interno, o artigo 246º, do CPC, impõe que a citação de pessoas colectivas seja endereçada para a morada que consta no Registo Nacional de Pessoas Colectivas, nos termos do disposto no nº 2 do referido preceito legal, tendo as citações/notificações sido remetidas para a sede da executada. Acrescenta o nº 3 do referido preceito legal, “Se for recusada a assinatura do aviso de recepção ou o recebimento da carta por representante legal ou funcionário da citanda, o distribuidor postal lavra nota do incidente antes de a devolver e a citação considera-se efetuada face à certificação da ocorrência” e que “nos restantes casos de devolução do expediente, é repetida a citação, enviando-se nova carta registada com aviso de receção à citanda e advertindo-a da cominação constante do n.º 2 do artigo 230.º, observando-se o disposto no n.º 5 do artigo 229.º” Ora, no caso em apreciação não foram observadas as formalidades previstas pela Lei portuguesa para a citação de pessoas colectivas. Com efeito, resulta dos autos que foram enviadas três cartas registadas com aviso de recepção para a embargante, respeitantes a cada um dos procedimentos de injunção, constando dos avisos de recepção como remetente “F. V.”, (advogada da embargada), as quais não foram recebidas, constando a indicação “objecto não reclamado”, e nos três procedimentos de injunção foi expedida nova missiva para a embargante, nada constando quanto ao remetente, que também não foi recebida. Deste modo, não foi enviada carta registada com aviso de recepção, de modelo oficialmente aprovado, não foi repetida a citação, com o envio de nova carta registada com aviso de recepção, não constando as cominações previstas no nº 2 do artigo 230º. Assim, à luz do direito português, as citações/notificações são nulas, uma vez que na sua realização não foram observadas as formalidades legais – artigo 191º, nº 1, do mencionado preceito legal, tendo a referida nulidade sido tempestivamente arguida, uma vez que ocorreu no prazo para dedução da oposição à execução, e a falta cometida prejudica o direito de defesa da executada.” Ponderou, ainda, tendo em consideração as normas transcritas dos artºs 12º a 14º, do já referido Regulamento (CE) nº 805/2004, de 21 de Abril, respeitantes especificamente ao TTE (título executivo europeu), e de acordo com as quais uma decisão relativa a um crédito não contestado só poderá ser certificada como tal se o processo judicial no Estado-Membro de origem obedecer aos requisitos processuais delas constantes, aliás proclamadas como “normas mínimas” incontornáveis nos considerandos 10 a 19 daquela instrumento, que: “Ora, no caso em apreciação, o processo judicial do país de origem não observou os requisitos processuais constantes do mencionado artigo 14°. Com efeito, podendo cogitar-se estar-se perante a situação prevista na aI. d) "Depósito do documento numa estação de correios ou junto das autoridades públicas competentes e notificação escrita desse depósito na caixa de correio do devedor", o certo é que a notificação não menciona (e muito menos claramente) o carácter judicial do documento ou o efeito legal da notificação como sendo uma efectiva citação ou notificação, e especificando o início do decurso do respectivo prazo, pelo que a citação/notificação não obedeceu aos "requisitos mínimos" para a citação previstos no citado artigo 14°.” Neste passo, a sentença recorrida amparou-se também no Acórdão de 04-09-2014, do Tribunal de Justiça, que, no âmbito de um reenvio, interpretou o regime paralelo do procedimento europeu de injunção estabelecido no Regulamento (CE) nº 1896/2006, de 12 de Dezembro, “mas que se mostra importante para a presente decisão, uma vez que versa sobre a citação, contendo, nesta parte, um regime semelhante ao do título executivo europeu”, dele transcrevendo a seguinte passagem: "Ora, no caso vertente, o Regulamento n." 1896/2006 nada prevê quanto às eventuais vias de recurso ao dispor do requerido quando só após a declaração de força executória de uma injunção de pagamento europeia se constata que essa injunção não foi citada ou notificada em conformidade com os requisitos mínimos enunciados nos artigos 13º a 15º deste regulamento. Daqui resulta que, nesse caso, estas questões processuais continuam a ser regidas pela lei nacional em conformidade com o artigo 26º do Regulamento nº 1896/2006. Em todo o caso, importa sublinhar que, como resulta do nº 43 do presente acórdão, quando uma injunção de pagamento europeia não for citada ou notificada em conformidade com os requisitos mínimos estabelecidos nos artigos 13º a 15º do Regulamento n." 1896/2006, não pode beneficiar da aplicação do processo executório previsto no artigo 18º do referido regulamento. Daqui decorre que a declaração de executoriedade dessa injunção de pagamento deve ser considerada inválida. Tendo em conta as considerações precedentes, importa responder à primeira questão que o Regulamento n.o 1896/2006 deve ser interpretado no sentido de que os procedimentos previstos nos artigos 16.º a 20.º deste regulamento não são aplicáveis quando se verifique que uma injunção de pagamento europeia não foi citada ou notificada em conformidade com os requisitos mínimos estabelecidos nos artigos 13.º a 15.º do referido regulamento. Quando essa irregularidade só se revelar após a declaração de força executória de uma injunção de pagamento europeia, o requerido deve ter a possibilidade de a denunciar, devendo a mesma, caso seja devidamente provada, implicar a invalidade da referida declaração de força executória". Por fim, a sentença recorrida, depois de citar o nº 1, do artº 20º, do Regulamento 805/2004, segundo cujo nº 1, “Sem prejuízo das disposições do presente capítulo, os trâmites de execução são regidos pelo direito do Estado-Membro da execução. Uma decisão certificada como Título executivo europeu será executada nas mesmas condições que uma decisão do Estado-Membro da execução", afirmou [8]: “Deste modo, concluindo-se que a citação/notificação efectu[a]da nos três procedimentos dados à execução, que foram executados como títulos executivos europeus não observou os requisitos mínimos previstos na legislação comunitária, pelo que nada mais resta do que concluir que há que conclui[r] que a citação/notificação da embargante não foi efectuada à luz do referido regulamento comunitário, estando o acto de citação ferido de vício de nulidade. Cumpre ainda salientar que a legislação italiana não é aplicável na situação em apreço, no que respeita à regularidade ou não da citação/notificação, uma vez que, como referimos, as citações/notificações efectuadas não observaram as exigências mínimas constantes do artigo 14° do citado regulamento comunitário. Um dos fundamentos de oposição à execução baseada em sentença é, precisamente, a falta da citação para a acção declarativa - artigo 729°, aI. d), do CPC. Assim, nada mais resta que julgar nula a citação efectuada à embargante e, em consequência, julgar procedente a presente oposição à execução mediante embargos de executado.” Isto posto, vamos então à primeira questão recursiva. Visando-se, na presente acção executiva, obter o pagamento coercivo da quantia de 354.652,72€, com base em títulos (cumulados) de execução europeus (TTE´s) derivados de procedimentos injuntivos italianos deduzidos, tramitados e decididos ao abrigo dos artºs 633º, e seguintes, do respectivo código de processo civil [9] [10], consiste ela em saber se, em tal execução, aqui instaurada por sociedades credoras transalpinas contra a sociedade devedora portuguesa cá domiciliada e em que esta, mediante embargos, se lhe opôs alegando em seu fundamento a nulidade da citação, a jurisdição nacional pode ou não pronunciar-se sobre o alegado incumprimento das respectivas regras e a consequente invalidade, por tal estar reservado ao tribunal de origem dos títulos. A sentença recorrida entendeu que sim, sobretudo à luz dos artºs 5º e 20º, nº 1, do Regulamento (CE) 805/2004, e 729º, nº 1, alínea d), do CPC. As apelantes defendem que não, argumentando que a executada foi citada para as referidas acções, ou melhor, que a sua citação foi analisada e considerada validamente efectuada (à luz da legislação italiana e, por isso, que o tribunal a quo “não esteve bem” ao aplicar as indicadas normas, aplicação esta que “tem de ser mais criteriosa” uma vez que atentou “contra a análise e certificação” feita pelos juízes italianos que “emitiram sentença de condenação da executada”, o que constitui matéria relativa ao “mérito” e, assim, em violação do nº 2, do artº 21º, do Regulamento 805/2004. Mais sustentou que a competência ou legitimidade para apreciação do cumprimento dos requisitos mínimos exigidos no Regulamento cabe ao juiz que emite o certificado europeu e não ao juiz nacional, podendo o executado lançar mão de outros expedientes aí previstos caso entenda que a citação contém vícios (artºs 10º e 21º) mas sempre perante aquele e não este. Cremos que não têm razão. É verdade que a emissão do “Decreto ingiuntivo” nos termos do artº 633º, da CPC italiano, pelo respectivo juiz, pressupõe que este, para pronunciar a injunção e a dirigir ao alegado devedor, ordenando-lhe o pagamento em falta, faz uma apreciação, embora com base apenas no alegado pelo requerente, das condições de admissibilidade do procedimento. Também é verdade que, para emitir o “Decreto di esecutorieta” ao abrigo do artº 647º do CPC italiano, o Juiz verifica, à vista dos elementos constantes do procedimento, que as regras ou ritual da citação foram observados. Com efeito, dispondo o respectivo artº 643º, que o requerimento e o decreto injuntivo (“il ricorso e il decreto”) devem ser notificados mediante cópia autêntica (“sono notificati per copia autentica”) nos termos dos artºs 137º e seguintes [11], a declaração, pelo Juiz, da executoriedade do Decreto com fundamento na falta de oposição ou na falta de intervenção dentro do prazo, pressupõe que este verifica ter sido o destinatário “ritualmente notificato” ou “regolarmente notificado”, como se lê nos respectivos documentos. Tanto assim que, conforme também prevê o artº 647º, no caso de falta de oposição, o juiz deve, ainda, ordenar que seja renovada a notificação se resultar ou lhe parecer provável que a primeira (e, portanto, o Decreto) não chegou ao conhecimento do devedor (“quando risulta o appare probabile che l'intimato non abbia avuto conoscenza del decreto”). Trata-se, relativamente às condições de admissibilidade do procedimento, de verificar apenas se os factos alegados no requerimento inicial e os documentos com ele oferecidos em seu suporte preenchem as condições para o efeito abstractamente previstas na lei. O controlo não passa da mera aparência. Trata-se, ainda, para efeitos da declaração de executoriedade, de uma verificação evidentemente formal, baseada na suposição de que os actos de citação/notificação exigidos na lei e enunciados como realizados no procedimento não só o foram realmente mas também de que cumpriram com eficácia a sua função comunicativa/injuntiva e, assim, levaram ao efectivo conhecimento do devedor a pretensão do seu credor, a ordem de pagamento emitida pela autoridade, a informação dos meios disponíveis para se lhe opor e se defender e a advertência das consequências para a sua eventual passividade e, portanto, na presunção de que, em tais condições, se nenhuma oposição deduziu, é de considerar que se conformou e implicitamente reconheceu a obrigação, podendo o tribunal assim considerá-la e declará-la e ficando o credor legalmente autorizado a executá-la. O problema nasce quando, já na fase executiva, seja o título accionado internamente ou seja ele invocado além-fronteiras, o devedor pretende questionar o acto de citação/notificação, impugnar o suposto conhecimento dele e do seu conteúdo e efeitos, sendo certo que a falta de oposição oportuna, posto que desacompanhada de prova certa de que tal atitude resultou de uma opção clara, esclarecida, consciente e voluntária, apesar das cautelas previstas e do nível de garantia por elas oferecido, pode não assegurar, em função de certas circunstâncias, um processo justo e equitativo de que é indissociável a possibilidade de exercício efectivo dos inerentes direitos de defesa e ao contraditório. Na União Europeia, de modo a agilizar e facilitar a cobrança, mediante execução coerciva, num Estado-Membro, de créditos não contestados objecto de decisões e transacções judiciais ou outros instrumentos autênticos produzidos noutro Estado-Membro e independentemente da exequibilidade neste, foi aprovado, vigora e é aplicável, desde 21-10-2005, o Regulamento (CE) nº 805/2004, de 21 de Abril (alterado pelo nº 1869/2005, de 16 de Novembro, que substituiu os respectivos anexos I a VI por força da adesão de novos Estados-Membros). Tal Diploma, cujo grande objectivo foi suprimir o exequatur para “créditos não contestados”, distingue os requisitos e procedimentos a observar para a certificação do TEE ou para a sua rectificação, revogação ou revisão no Estado-Membro de Origem, dos trâmites e condições a observar na sua execução (e oposição) no outro Estado-Membro. Conforme se explica nos considerandos preliminares, ele inspira-se nos princípios do reconhecimento mútuo das decisões em matéria civil e comercial e da confiança mútua na administração da justiça nos Estados-Membros (nºs 3, 4 e 18). Ao conceito de “créditos não contestados” ligam-se as situações em que, uma vez “estabelecida a não contestação pelo devedor”, o credor obtém uma decisão judicial ou título executivo que, por parte do devedor, pressupõe, uma confissão, expressa ou tácita, da dívida (nº 5). Embora se considere que “a execução num Estado-Membro diferente daquele em que a decisão é proferida deve ser simplificada e acelerada, suprimindo todas as medidas intermédias a tomar antes da execução no Estado-Membro em que é requerida”, como seria o caso do exequatur, consignou-se claramente que a “decisão certificada como Título Executivo Europeu pelo tribunal de origem deve ser tratada, para efeitos de execução, como se tivesse sido proferida no Estado-Membro em que a execução é requerida” e que as “disposições de execução das decisões deverão continuar a ser reguladas pelo direito interno” (nº 8). Sem embargo de se pretender facilitar e agilizar a circulação de decisões e títulos análogos, preserva-se o núcleo essencial dos princípios fundamentais vigentes na União. Assim, não só “a supressão de todos os controlos no Estado-Membro de execução está indissociavelmente ligada e subordinada à existência de garantia suficiente do respeito pelos direitos da defesa”, como, especialmente, se “pretende assegurar o pleno respeito do direito a um processo equitativo”, objectivos para cuja salvaguarda se tratou de estabelecer “normas mínimas” no procedimento que conduz à decisão – especialmente as relativas à citação/notificação –, “a fim de garantir que o devedor seja informado acerca da acção judicial contra ele, dos requisitos da sua participação activa no processo, de forma a fazer valer os seus direitos, e das consequências da sua não participação, em devido tempo e de forma a permitir-lhe preparar a sua defesa” (nºs 10 a 12). Para isso, considerou-se, naquele campo, que “nenhum meio de citação ou de notificação baseado numa ficção jurídica, no que se refere ao respeito dessas normas mínimas, pode ser considerado suficiente para efeitos de certificação de uma decisão como Título Executivo Europeu” e que todos eles “se caracterizam quer pela inteira certeza (artigo 13º), quer por um elevado grau de probabilidade (artigo 14º) de que o acto notificado tenha chegado ao seu destinatário” ou das pessoas com ele relacionadas tidas por idóneas para receber o documento (nºs 13, 14 e 15). Nessa perspectiva, enfatiza-se que, embora os tribunais de um Estado-Membro fiquem, autorizados a considerar que todos os requisitos de certificação como TTE estão preenchidos “a fim de permitir a execução da decisão em todos os outros Estados-Membros sem revisão jurisdicional da correcta aplicação das normas processuais mínimas no Estado-Membro onde a decisão deve ser executada”, lhes compete “examinar exaustivamente se as normas processuais mínimas foram integralmente respeitadas”, devendo tal exame e seus resultados “transparecer” do título normalizado (nºs 17 e 18). De salientar, ainda, que o regulamento “não impõe aos Estados-Membros o dever de adaptar a sua lei nacional às normas processuais mínimas nele previstas”, apenas “promove um incentivo nesse sentido, instituindo uma execução mais rápida e eficaz das decisões noutros Estados-Membros apenas no caso em que essas normas mínimas forem respeitadas” (nº 19). A observância de tais “normas mínimas” é, pois, condição para o título poder ser certificado como TEE pelo tribunal de origem mas não deixa de o ser para ele valer no tribunal de execução e para neste poder ser instaurado o respectivo procedimento. Tal significa que, perante uma execução instaurada no tribunal do Estado-Membro, este respeita o mérito subjacente à decisão exequenda e o mérito da sua certificação como TTE, admitindo tal título como base daquela, mas não abdicará de facultar ao executado as garantias de oposição designadamente quando esta for fundamentada no desrespeito pelas referidas normas mínimas, mormente a propósito da essencial notificação/citação. Deve salientar-se que o posterior Regulamento (CE) 1896/2006, de 12 de Dezembro, que criou o procedimento europeu de injunção de pagamento, além de uma estrutura paralela, se ancora significativamente em considerandos (e regras) similares, para o efeito usando mesmo ora expressões iguais ora idênticas ou até ainda mais incisivas e actualizadas, mormente a propósito do estabelecimento de “normas mínimas” relativas à citação/notificação. Assim, “nenhum meio de citação ou de notificação baseada numa ficção legal deverá poder ser considerado suficiente para efeitos de citação ou notificação de uma injunção de pagamento europeia” (nº 19), sendo que todos os meios se caracterizam “pela certeza absoluta” ou “por um elevado grau de probabilidade” de que o acto de notificação “tenha chegado ao seu destinatário” (nº 20). Mas mais: “Uma injunção de pagamento europeia emitida num Estado-Membro e que tenha adquirido força executiva deverá ser considerada, para efeitos de execução, como se tivesse sido emitida no Estado-Membro no qual se requer a execução. A confiança mútua na administração da justiça nos Estados-Membros justifica que o tribunal de um Estado-Membro considere preenchidos todos os requisitos de emissão de uma injunção de pagamento europeia, a fim de permitir a execução da injunção em todos os outros Estados-Membros sem revisão jurisdicional da correcta aplicação das normas processuais mínimas no Estado-Membro onde a decisão deve ser executada. Sem prejuízo do disposto no presente regulamento, em especial das normas mínimas estabelecidas nos n.os 1 e 2 do artigo 22.o e no artigo 23.o, a execução da injunção de pagamento europeia deverá continuar a ser regida pelo direito interno” (nº 27). Por isso é que, tal como nos termos do artº 20º, nº 1, do Reg. 805/2004, em relação aos TTE´s, também, de acordo com o artº 21º, nºs 1 e 2, do Reg. 1896/2006, em relação à injunção de pagamento europeia que tenha adquirido força executiva, os trâmites da execução respectiva se regem pelo direito interno do respectivo Estado-Membro de execução e as condições de exequibilidade do título são as mesmas das decisões proferidas neste. Ora, referindo-nos agora ao caso aqui em apreço, não pode deixar de se reconhecer que a certificação como TTE, ao abrigo do citado Regulamento 805/2004, do Decreto de Executoriedade emitido no epílogo do procedimento especial sumário italiano, pelo respectivo Juiz, de modo a poder ser executada em Portugal “sem necessidade de declaração de executoriedade ou contestação do seu reconhecimento [12], isto é, sem precisar de ser internamente reconhecido e declarado como executório e sem ser sujeito a contraditório, pressupõe, desde logo, pedido nesse sentido apresentado ao tribunal de origem – artº 6º. Implica, depois, a verificação por este das condições ou requisitos para tal (designadamente as “normas mínimas” aplicáveis aos processos relativos a “créditos não contestados”), como decorre, além do mais, dos artºs 6º, 9º e 12º, designadamente da observância das “normas mínimas” – o que, aliás, é exposto mediante o preenchimento do formulário respectivo (anexo I) e atestado pelo Juiz que o assina (cfr., v.g., as quadrículas, 11.1, 11.2, 12, 12.1, 12.2 e 13, respeitantes aos termos da notificação e citação, informações transmitidas e designadamente quanto à possibilidade de impugnar o acto). E implica também a verificação de elementos relativos ao crédito, sua natureza, prazos e modo de pagamento, bem como os juros (cfr. quadrículas 5.1, 5.2 e 10 do citado formulário). Uma vez emitida a certidão do TTE e dada a sua reconhecida força executória transfronteiriça (artºs 9º e 11º), ela poderá ser executada sem mais (artº 5º) no outro Estado-Membro, como o foi neste caso em Portugal. Apesar de, claramente, os trâmites da execução serem regidos pelo direito deste (aqui, o direito português) e de a prestação baseada no TTE certificado e emitido em Itália ser executada nas mesmas condições que uma qualquer decisão análoga proferida em Portugal (artº 20º, parágrafos 1 e 2), para este efeito devendo como tal ser “tratada” (considerando nº 8), tal não impede, ainda, que ela possa, desde logo ser, nas condições específicas do artº 21º ou perante as circunstâncias previstas no artº 23º, a pedido do devedor, recusada e suspensa ou limitada pelo tribunal da execução, de modo a, designadamente nestas últimas duas hipóteses, viabilizar, junto do tribunal de origem, o pedido de rectificação, de revogação ou de revisão, à luz dos artºs 10º e 19º. Contudo, precisamente porque as regras de processamento e as condições legais da execução aplicáveis são as mesmas que vigoram no ordenamento jurídico interno do Estado-Membro, o executado pode contra ela deduzir oposição com fundamento em alguma das hipóteses previstas no artº 729º, CPC (as mesmas invocáveis em execução baseada em sentença). É o caso da prevista na alínea d), do nº 1: “Falta ou nulidade da citação, para a acção declarativa quando o réu não tenha intervindo no processo”[13] [14]. A isso não obsta o facto de o nº 2, do artº 21º, do Regulamento estabelecer que “A decisão ou a sua certificação como Titulo Executivo Europeu não pode, em caso algum, ser revista quanto ao mérito no Estado-Membro da Execução”.[15] Como se sabe, a decisão de mérito, por contraposição à de forma, respeita à pronúncia sobre o fundamento de certa pretensão baseada numa dada relação jurídica e sobre o merecimento da tutela ou providência jurisdicional (declaração, condenação) requerida para a mesma. Não respeita às condições ou pressupostos relativos às partes, ao tribunal e ao processo que devem estar verificados de modo a viabilizar o conhecimento daquela. Mesmo admitindo-se que o decreto de executoriedade e a sua certificação como TTE, embora nas condições referidas, incidiram, embora “de preceito”, sobre o fundo da causa, isto é, sobre a relação jurídica substancial respectiva, a verdade é que a apreciação do aludido fundamento dos embargos – falta ou nulidade da citação para o decreto de injunção – não implica qualquer revisão ou reapreciação de mérito. Mesmo na perspectiva do “mérito” do acto de certificação, pelo juiz, como título executivo europeu, do decreto de executoriedade, cujo carácter formal, designadamente quanto à observância das norma mínimas relativas à notificação (artºs 13º e 14º, do Regulamento), é evidente, desde logo porque baseado na verificação pressupostamente já feita por outro juiz aquando da emissão daquele decreto e na presunção de que o acto foi recebido e conhecido e de que a falta de oposição significa reconhecimento implícito da obrigação, o tribunal de execução não irá pronunciar-se sobre a bondade das inerentes formalidades tidas por encetadas mas sim sobre a sua absoluta falta ou a sua total ineficácia para levar ao conhecimento do destinatário a injunção e assim assegurar os seus essenciais direitos. Tal como ocorre no caso de decisões internas e apenas sujeitas ao direito nacional, tratando-se de vício da máxima gravidade por contender com a garantia dos princípios fundamentais da defesa e do contraditório, apesar do trânsito em julgado e de, para tal, se pressuporem formalmente como verificados e assentes todos os pressuposto relativos à instância, à cabeça dos quais se encontra o de ter sido efectuada a citação – chamada do demandado para se defender –, não deixa a nulidade desta de poder ser invocada, já em fase executiva da sentença, mediante os embargos. É que mesmo o direito à revisão previsto no artº 19º, do Regulamento, apenas contempla as hipóteses de (sem culpa do devedor notificado) a notificação ter sido efectuada por um dos meios do artº 14º mas não em tempo útil para lhe permitir preparar a defesa ou de ter sido impedido de deduzir oposição ao crédito por motivo de força maior ou devido a circunstâncias excepcionais. Ele não abrange a hipótese da falta ou da nulidade da citação, falhas extremas que o Estado-Membro da execução compreensivelmente não pode consentir que os seus tribunais estejam impedidos de apurar e declarar por as mesmas envolverem a lesão de princípios fundamentais e, de resto, comuns e muito caros no espaço europeu. Mesmo que, portanto, na acção declarativa e nas decisões proferidas no país de origem, tenham sido verificadas e declarados os pressupostos da instância, mormente quanto às “normas mínimas” (caso da citação/notificação), não deixa a nulidade de poder ser invocada, discutida, apreciada e decidida no tribunal da execução do Estado-Membro, mediante a oposição por embargos, como última garantia do exercício dos citados direitos. Aliás, na oposição, a embargada não ataca propriamente a certificação. Invoca, sim, que não foi citada e nenhum conhecimento teve da injunção. Por estas razões e em linha com o que já admitíramos no precedente Acórdão que recaiu sobre a primitiva sentença revogada, concorda-se com a decisão recorrida quando ela aceitou que o dito fundamento pode ser invocado nos embargos à execução e o tribunal respectivo pode sobre eles pronunciar-se. De resto, é bem significativa do espírito que norteia o legislador comunitário a orientação seguida pelo Tribunal de Justiça no citado Acórdão de 04-09-2014, proferido a propósito da questionada interpretação do regime muito semelhante a este constante do Regulamento 1896/2006. Depois de, a respeito deste, notar que ele “nada prevê quanto às eventuais vias de recurso ao dispor do requerido quando só após a declaração de força executória de uma injunção de pagamento europeia se constata que essa injunção não foi citada ou notificada em conformidade com os requisitos mínimos”, de observar que “estas questões processuais continuam a ser regidas pela lei nacional em conformidade com o artº 26º” e que, mesmo à luz dos requisitos mínimos estabelecidos para a citação, não podendo a injunção beneficiar da aplicação do processo executório, a respectiva declaração de executoriedade deve ser considerada inválida, concluiu, em síntese: “O Regulamento (CE) nº. 1896/2006 do Parlamento e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, que cria um procedimento europeu de injunção, deve ser interpretado no sentido de que os procedimentos previstos nos artigos 16.º a 20.º [declaração de executoriedade e reapreciação em casos excepcionais] deste regulamento não são aplicáveis quando se verifique que uma injunção de pagamento europeia não foi citada ou notificada em conformidade com os requisitos mínimos estabelecidos nos artigos 13.º a 15.º do referido regulamento. Quando essa irregularidade só se revelar após a declaração de força executória de uma injunção de pagamento europeia, o requerido deve ter a possibilidade de a denunciar, devendo a mesma, caso seja devidamente provada, implicar a invalidade da referida declaração de força executória.” Se assim é relativamente à injunção, assim deve ser, por análogas razões, quanto ao TEE certificado num Estado-Membro, na respectiva execução movida perante outro Estado-Membro e à luz do respectivo direito nacional aplicável não só à tramitação com às condições de exequibilidade: se a ordem jurídica portuguesa reconhece o TEE, sem necessidade de exequatur, exactamente como reconhece uma sua sentença condenatória transitada em julgado, não deixa de, na respectiva execução perante a jurisdição nacional, viabilizar os embargos no caso de a citação para a acção faltar ou ser nula. Ao tribunal do Estado-Membro de origem fica assim reservada a apreciação dos pedidos de rectificação, revogação ou revisão, nos termos e nas hipóteses previstas no Reg. 805/2004. Não procedem, pois, os argumentos a tal propósito tecidos pelas recorrentes (sintetizados nas conclusões 1 a 14), baseadas, aliás, sempre, no incorrecto pressuposto de que a apelada foi “citada”, de que a citação foi “efectuada”, “analisada” e “considerada válida” pelos juízes que proferiram as sentenças [16] e de que apreciar, nos embargos à execução portuguesa, a nulidade da citação é apreciar a decisão do tribunal italiano e a decisão da sua certificação como TTE. Passemos agora à segunda questão recursiva. Tendo o tribunal a quo considerado que, no processo judicial do país de origem, não foram observadas as formalidades previstas na lei portuguesa para a citação de pessoas colectivas nem as “normas mínimas” previstas nos artºs 13º e 14º, do Reg. 805/2004 e que a executada não teve conhecimento do acto nem teve qualquer intervenção no procedimento injuntivo, defendem as apelantes que as citações foram efectuadas no cumprimento das regras processuais italianas e comunitárias, não só porque o juiz italiano, ao proferir a decisão como título executivo europeu, “terá de ter confirmado” a efectivação da citação do devedor mas também porque a citação “foi realizada”. [17] Ora, conquanto não resulte discriminado como facto demonstrado que, em vista do alegado pela executada/embargante, a citação/notificação do decreto injuntivo foi omitida nem que não chegou ao seu conhecimento ou, ainda, que não tenha observado as formalidades exigíveis, a verdade é que, compulsando toda a factualidade apurada nos autos, não só se pode afirmar que faltou mesmo a citação como que, a considerarem-se como tal as duas cartas enviadas a propósito de cada um dos três procedimentos, elas não chegaram ao conhecimento da recorrida/executada. É certo que o tribunal a quo não discriminou formalmente quaisquer factos alegados mas não provados. A esse respeito limitou-se a rematar a decisão da matéria de facto com expressões tabelares segundo as quais não se provaram os restantes “factos alegados” e “com relevância para a decisão da causa” e que os não mencionados são “conclusivos, irrelevantes, encerram conceitos de direito ou se encontram em contradição com os factos dados como provados”. Todavia, em face dos declarados provados, temos por assente que as cartas remetidas pela advogada – as únicas constantes de todo o procedimento obtido e aqui junto, mesmo o enviado pelo Tribunal de Vicenza a pretexto de satisfazer a requisição que lhe foi feita no sentido de informar, quanto aos três procedimentos, “se foi efectuada, por quem, de que modo, por que meio e em que data a citação/notificação da executada” (cfr. despacho de 12-06-2019) –, sem qualquer indicação de que emanavam de um Tribunal e de um processo judicial e equivaliam a citação ou notificação, não valem como tal: não são um acto de citação. Mesmo que representassem a sua tentativa, a verdade é que não foram recebidas e constam como “objecto não reclamado”. A declaração emitida pela Oficial de Justiça italiana nada acrescenta, uma vez que simplesmente se limita a remeter para as mesmas. Por isso, além de não cumpridas as formalidades, tal como assinalado na sentença, designadamente as referidas como “requisitos mínimos”, nada foi recebido pela recorrida dando-lhe notícia dos procedimentos injuntivos e nenhum conhecimento sobre estes lhe chegou. Mesmo que não se considere ter havido falta absoluta de citação (artº 188º, nº 1, alínea a), CPC), sempre é forçoso concluir que a realizada por aqueles referidos meios é nula por não ter chegado ao conhecimento da devedora por razões que lhe não são imputáveis (nº 1, alínea d) ou por não terem sido observadas formalidades essenciais (artº 191º, nº 1), sejam as da lei portuguesa, sejam as “mínimas” previstas no Regulamento. A este respeito, sustentam as recorrentes que as cartas foram devolvidas porque aquela “deliberadamente recusou a recepção de tais citações, pretendendo somente ganhar tempo e impedir a satisfação dos legítimos créditos das exequentes”. Sucede é que nenhuma circunstância fáctica está demonstrada que demonstre ou permita sequer deduzir que assim teria sido. O facto de, noutra acção anterior, corrida em Portugal, ter sido declarada a incompetência internacional dos tribunais portugueses e de, portanto, ser expectável que as credoras voltariam a demandar a devedora na jurisdição italiana competente, em nada obrigava esta a estar atenta aos correios, à correspondência proveniente daquele País e muito menos a “reclamar” objectos postais relativamente aos quais não há qualquer prova de que tenham sido tentados entregar-lhe e que, uma vez advertida ou avisada, não diligenciou por levantá-los – objectos, aliás, remetidos por advogada não por autoridade judiciária. Não pode, pois, concluir-se que ela é que “propositadamente não quis receber”. De resto, também nada mostram os autos que, face às circunstâncias sempre periclitantes relativas à correspondência postal, as recorrentes tenham feito nos procedimentos italianos para consolidar o procedimento, designadamente à luz do artº 18º cujas condições aqui nem sequer se mostram reunidas, com vista a assegurar (ou a suprir) a realização firme da citação e a efectiva comunicação à devedora da injunção e direitos associados, em ordem a garantir-lhe o exercício do direito de defesa e ao contraditório, apesar de por certo bem saber da devolução das cartas nas referidas condições e não poder ignorar que, assim, não estavam minimamente acauteladas as exigências impostas no Regulamento. Não lhe podem aproveitar, pois, estas falhas, sobretudo em prejuízo de direitos fundamentais que o procedimento não garantiu. Também nesta parte, portanto, quer porque o TTE tem de ser considerado inválido em termos análogos aos preconizados na já citada decisão do Tribunal de Justiça de 04-09-2014, quer porque a citação é nula tanto por não observar os requisitos mínimos previstos nos artºs 13º e 14º, do Reg., como por não ter sido efectivamente realizada ou, pelo menos, não ter chegado ao conhecimento do destinatário por facto que lhe não é imputável, deve este recurso ser julgado totalmente improcedente e confirmar-se a decisão recorrida que julgou procedentes os embargos e extinta a execução. Uma última palavra quanto a custas. Sendo, sem dúvida, todas, as da 1ª Instância e as da apelação, da responsabilidade das recorrentes, nos termos do artº 527º, nºs 1 e 2, CPC, constata-se que, na sentença recorrida, omitiu-se a respectiva condenação quanto àquelas. Tratando-se de simples erro material previsto e suprível nos termos do artº 614º, não é pacífica a questão de saber se a Relação pode corrigi-lo. Já entendemos que sim, no nosso Acórdão de 19-05-2016 [18]. Rectificar-se-á, pois, tal omissão, resultante de óbvio lapso que deflui do contexto da decisão recorrida. V. DECISÃO Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso e, em consequência, negando provimento à apelação, confirmam a decisão recorrida. * Custas da execução e da apelação pelas recorrentes – (artºs 527º, nºs 1 e 2, e 529º, do novo CPC, e 1º, nºs 1 e 2, 3º, nº 1, 6º, nº 2, referido à Tabela anexa I-B, 7º, nº 2, 12º, nº 2, 13º, nº 1 e 16º, do RCP). * * * Notifique. Guimarães, 22 de Outubro de 2020 Este Acórdão vai assinado digitalmente no Citius, pelos Juízes-Desembargadores: Relator: José Fernando Cardoso Amaral Adjuntos: Helena Maria de Carvalho Gomes de Melo Eduardo José Oliveira Azevedo 1. No Acórdão, foi admitida a junção porque: “Ora, neste caso concreto, tendo em conta que a embargante se estribou na alegação de que não foi notificada/citada dos procedimentos italianos e que dos mesmos não teve sequer qualquer conhecimento; que as embargadas contrapuseram que tal não corresponde à verdade e que “a executada foi regularmente citada”; que dos parcos documentos juntos com a petição executiva não resulta qualquer prova cabal do acto de remessa, recepção e tomada de conhecimento, por aquela, de qualquer expediente concreto, mas apenas a menção de que terão sido remetidas notificações; que, na sentença, o tribunal recorrido se baseou, para concluir pela improcedência, apenas, na alegação feita pelas exequentes de que “a executada foi regularmente citada” e na declaração emitida por Oficial de Justiça do Tribunal de Vicenza de que notificou a injunção “ e isto por entrega de cópia autenticada mediante: “ ; que, perante isso, se limitou a invocar “o teor” dos documentos juntos como título executivo (de onde apenas consta a dita declaração) a pretexto de não terem sido impugnados nem arguidos de falsos e de não haver prova de sinal contrário, a concluir que não há falta de citação; considerando ainda que não foram apreciadas nem decididas, de facto e de direito, as alegadas omissão, irregularidades ou falta de conhecimento efectivo do acto; que, dos documentos ora em causa resulta prima facie a hipótese de, pelo menos, uma das cartas de uma das pretensas notificações ter sido remetida por advogada, não pelo tribunal, e não ter sido sequer recepcionada pela embargante (logo, a possibilidade de saber da injunção e de à mesma reagir); que, tendo o procedimento corrido em Itália, dificilmente a esta teria sido possível requerê-los, obtê-los e juntá-los com os embargos ou até ao saneador e prever que logo neste seriam, como foram, decididos; e, enfim, considerando que se trata de matéria absolutamente essencial na medida em que posto em causa o sagrado direito de contraditório, susceptível de conhecimento oficioso e abrangida pelo princípio do inquisitório – decide-se, face àquela impossibilidade e necessidade, admiti-los, nos termos dos artºs 411º e 651º, CPC.”. 2. Conclusões a partir da qual se balizou assim a questão a resolver: “No caso, analisada a peça recursiva e tendo em conta que o fundamento dos embargos trata de matéria que se insere no âmbito do conhecimento oficioso, importa apreciar e decidir se aqueles deveriam ter sido julgados procedentes com fundamento na não realização tout court ou na não realização regulamentar das citações/notificações ou na falta de recepção destas, pela executada, e seu total desconhecimento do procedimento italiano.”. 3. Já então se tendo notado que, além dos pontos na decisão recorrida considerados como de facto e como provados relativos à pendência da execução e dos documentos que lhe serviram de base, os referidos nos itens 3 a 17 do respectivo elenco correspondiam, apenas, ao alegado nos nºs 1 a 15 do requerimento executivo e não ao provado. 4. Salientando-se que o tribunal italiano se limitou a remeter cópia dos procedimentos que nada de relevante acrescentou às que já constavam dos autos. 5. Processo nº 3328/15.1T8AGD-A.P1. 6. Acórdãos da Relação do Porto, de 21-09-2010, processo nº 1900/08.5TJNNF-B.P1, desta Relação de Guimarães, de 30-03-2017, processo nº 1897/14.4TBBCL-B.G1, e do STJ, de 21-09-2017, processo nº 53/14.4T8CBR-D.C1.S1. 7. Como se sabe, a alínea a) refere-se à verificada omissão completa ou total do acto de citação (nada foi feito) e a alínea e) à falta de conhecimento do acto (apesar de ele ter sido realizado), por facto não imputável ao destinatário. 8. Corrigimos lapsos evidentes no original e sublinhámos os passos mais importantes. 9. Trata-se aí de um procedimento especial sumário denominado “procedimento de injunção”. 10. De facto, o procedimento utilizado está previsto no direito adjectivo interno daquele país e não se confunde com o do Regulamento (CE) nº 1896/2006, de 12 de Dezembro, que criou um específico procedimento europeu de injunção de pagamento para casos transfronteiriços, tal como com este não se confunde regime idêntico àquele que vigora em Portugal (Decreto-Lei 269/98, de 1 de Setembro. 11. No artº 149º prevê-se a notificação postal com aviso de recepção. 12. Ou “sem que seja possível contestar o seu reconhecimento”, segundo a letra do paralelo artº 19º, do Reg. 1896/2006. 13. Cita-se a redacção anterior porque a actual, introduzida pela Lei 117/2019, de 13 de Setembro, refere “Falta de intervenção do réu no processo de declaração, verificando-se alguma das situações previstas na alínea e) do artº 696º”, ou seja, “[…] quando: […] Tendo corrido o processo à revelia, por falta absoluta de intervenção do réu, se mostre que: i) Faltou a citação ou que é nula a citação feita; ii) o réu não teve conhecimento da citação por facto que não lhe é imputável; iii) o réu não pode apresentar a contestação por motivo de força maior”. 14. Apesar de, no nosso direito interno, a execução se basear também numa sentença e pressupostamente transitada em julgado. 15. A disposição similar do nº~3, do artº 22º, do Reg. 1896/2006, estabelece, que “A injunção de pagamento europeia não pode, em caso algum, ser reap+reciada quanto ao mérito no Estado-Membro de execução”. 16. Rectius: os Decretos de Executoriedade, que não são propriamente sentenças a julgar os factos e o direito. 17. Nas alegações, manifestamente, confunde-se a realização efectiva da citação com a pretensa presunção de que assim foi considerada ou presumida na decisão de certificação e assim implicitamente deve prevalecer para o tribunal de execução. 18. Processo nº 705/14.9TBEPS.G1, julgamos que não publicado, segundo cujo sumário: “1.O regime de rectificação de erros materiais da sentença previsto no artº 614º, CPC, não obsta a que, nada determinando a 1ª Instância, aquela possa ter lugar no Tribunal da Relação, em caso de recurso.”. |