Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
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| Relator: | ANIZABEL SOUSA PEREIRA | ||
| Descritores: | ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA PRESCRIÇÃO CONHECIMENTO DO DIREITO À RESTITUIÇÃO | ||
| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 11/20/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | APELAÇÃO PROCEDENTE | ||
| Indicações Eventuais: | 3.ª SECÇÃO CÍVEL | ||
| Sumário: | I- O prazo de prescrição, de três anos, previsto no art. 482º do Código Civil, atinente ao exercício do direito à restituição por enriquecimento sem causa, só se inicia após o trânsito em julgado de decisão proferida em anterior ação, que haja, de boa fé, sido intentada, sem êxito, pelo empobrecido, para obter a satisfação do seu crédito. II- O momento em que o autor teve conhecimento do seu direito à restituição por enriquecimento sem causa, nos termos do art. 482º do Código Civil, é o do trânsito em julgado do acórdão que julgou procedente a reconvenção e condenou o autor na entrega do imóvel, porque até esse momento, o ora autor, ainda usufruía do imóvel em litígio ( pelo qual tinha desembolsado a quantia de 30.000 euros), pelo que só com o transito em julgado de tal decisão e com a consequente entrega, viu consolidar-se este “direito à restituição” a que alude a norma do art. 482º do Código Civil. | ||
| Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES: * 1.Relatório ( que se transcreve):“AA intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra BB, pedindo que esta fosse julgada procedente, por provada, e, em consequência, ser a Ré condenada a entregar-lhe a quantia de 30 000,00 € (trinta mil euros), acrescida dos juros de mora vencidos, à taxa legal, que liquidou até então no valor de 12 000,00 € (doze mil euros), e vincendos, até integral e efectivo pagamento. Para o efeito, alega, sumariamente, que, no âmbito do Proc. n.º 680/15.2T8BGC, que correu termos no Juízo Local Cível de Bragança - Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Bragança, foi discutida a celebração de um contrato-promessa de compra e venda, em ../../2013, com CC, entretanto falecido, facto que foi considerado não provado, mas que, nesse contexto, entregou, à Ré BB (filha daquele) a quantia total de € 30.000,00 (trinta mil euros), sendo € 10.000,00 (dez mil euros) em numerário e o remanescente através de dois cheques, valor que a Ré recebeu e fez seu, indevidamente, por ausência de causa justificativa. *** A Ré, citada, contestou, pugnando pela procedência da matéria de excepção invocada (prescrição) e, caso assim não se entenda, pela improcedência da acção, por não provada, com a sua consequente absolvição do pedido.Para tanto, alega, sinteticamente, que o direito invocado pelo Autor está prescrito, uma vez que este tinha conhecimento do seu direito e da pessoa do responsável desde Março de 2013, Julho de 2013 e Outubro de 2013, quando entregou à Ré, sem causa justificativa, a importância de 10 000,00 € (dez mil euros). Sustenta, ainda, a sua posição, referindo que a predita acção foi proposta em 12/08/2023, mais de 10 (dez) anos após as datas supracitadas. Acrescenta, por outro lado, que o Autor conhecia o seu alegado enriquecimento injustificado desde, pelo menos, a data da notificação da Sentença que julgou totalmente improcedente a sua acção (a que, como se disse, que deu origem ao Proc. n.º 680/15.2T8BGC)e, em última análise, desde a data do trânsito em julgado da parte da Sentença que recaiu sobre o seu pedido (que alega ter ocorrido em 02/05/2019), visto que o recurso interposto o foi, apenas, pelos Reconvintes. Refere, também, que, por conseguinte, quando a presente acção foi intentada, em 12/08/2023, já haviam decorrido mais de 4 (quatro) anos sobre as datas supra-referidas. Adicionalmente, impugna o alegado pelo Autor, mas admite ter recebido os cheques mencionados, sustentando, contudo, que o valor neles titulado reverteu em benefício de despesas médicas, medicamentosas, alimentares, de higiene e habitacionais de seu pai (ou seja, CC), que dele usufruiu ou dispôs nos termos em que entendeu. *** Em 25/09/2024 [ref. ...42], foi determinada a notificação do Autor para, no prazo de 10 (dez) dias, se pronunciar quanto às excepções invocadas pela Ré, bem como as das partes para, no mesmo prazo, se pronunciarem sobre a eventual existência de autoridade de caso julgado, relativamente ao Proc. n.º 680/15.2T8BGC, que correu termos no Juízo Local Cível de Bragança - Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Bragança.*** Apenas o Autor se pronunciou, referindo que, tendo sido intentada a já referida acção (que deu azo ao Proc. n.º 680/15.2T8BGC) contra a Ré, e tendo esta sido citada, ocorreu a interrupção do prazo de prescrição, o qual, nos termos do artigo 327.º, n.º 1, do Código Civil, não recomeçou a correr enquanto não transitou em julgado a decisão que pôs termo ao processo.Por fim, alega a existência de autoridade de caso julgado entre o Autor e a Ré, no que respeita à prova produzida e à douta Sentença e acórdãos proferidos naquele processo judicial, cujo reconhecimento requer. *** Importa, também, ter presente que o Proc. n.º 680/15.2T8BGC, que correu termos no Juízo Local Cível de Bragança - Juiz ..., deste Tribunal Judicial da Comarca de Bragança, foi intentado pelo aqui Autor contra a “Herança Indivisa Aberta por Óbito de CC (…) representada pelos seus únicos e universais herdeiros (…) DD (…) e, BB”, tendo sido aí peticionado o seguinte:“Nestes termos e nos demais doutamente supríveis, deve a presente ação ser julgada provada e procedente e, por via disso, serem os RR condenados a: 1. Ver declara a execução específica do contrato promessa celebrado com o falecido CC em ../../2013 e, em consequência, transmitida a favor do Autor a propriedade plena, livre de quaisquer ónus ou encargos, do prédio rústico, composto de cultura e pastagem, inscrito na matriz predial rústica da freguesia ... sob o artigo nº ...27 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...19. Sem prescindir e subsidiariamente: 2. Devem os RR ser condenados a ver resolvido o contrato promessa celebrado com o falecido CC em ../../2013 e, em consequência e por tal resolução decorrer de incumprimento definitivo da sua parte, condenados a restituir ao Autor a quantia de 60.000,00 €, acrescida de juros de mora, a liquidar á taxa legal, desde a citação e até integral e efetivo pagamento. Ainda sem prescindir e também subsidiariamente: 3. Devem os RR ser condenados a restituir ao Autor a quantia de 30.000,00 €, acrescida de juros de mora à taxa legal, liquidados desde a data do recebimento daquela quantia e a liquidar, tendo os já vencidos o valor de 2.400,00 € e sendo ainda devidos os vincendos até integral e efetivo pagamento. 4. Em qualquer das situações identificadas nos pedidos 2 e 3, deverá ser sempre pago ao Autor o valor das benfeitorias necessárias, uteis e voluptuárias por si efetuadas e incorporadas sobre o aludido prédio rustico, cuja liquidação, por não serem ainda suscetíveis de completa determinação do respetivo valor, deverá ser relegada para execução de sentença. 5. Em qualquer dos casos, devem os RR suportar sempre as custas processuais.”. Para o efeito e naquele processo, o Autor alegou que havia celebrado o já supra-referido contrato-promessa com o falecido CC e, ainda, que pagou o preço através da entrega de 30 000,00 € (trinta mil euros), em numerário e cheque, tendo, porém, afirmado que tal quantia havia sido entregue a si. Proferida Sentença, foram os pedidos do Autor julgados improcedentes, tendo sido, entre o mais, dado como não provado que a quantia de 30 000,00 € (trinta mil euros) tivesse sido entregue a CC. A notificação ao Autor, na pessoa do seu Ilustre Mandatário, de tal Sentença foi elaborada electronicamente em 18/02/2019, presumindo-se, por isso, realizada no 3.º dia posterior, ou seja, em 21/02/2019, sendo que, naqueles autos, o Autor e as ali Rés acordaram na prorrogação, por igual período, do prazo de recurso, em 22/03/2019, o que foi deferido em 01/04/2019 - artigo 248.º[1] do Código de Processo Civil. Apesar disso, apenas as ali Rés e Reconvintes (entre as quais, figurava a aqui Ré BB) apresentaram recurso, relativamente aos seus pedidos reconvencionais, não tendo o Autor apresentado contra-alegações ou recurso subordinado. *** Foi proferido despacho saneador donde consta a seguinte decisão:“ Cumpre decidir da prescrição, uma vez que, na lógica processual, apenas fará sentido apreciar da existência de autoridade de caso julgado caso não esteja prescrito o crédito do Autor - artigos 130.º, e 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil. No caso concreto, o Autor fundamenta o seu pedido no instituto do enriquecimento sem causa, o qual estabelece que aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou - artigo 473.º, n.º 1, do Código Civil. Note-se, ainda, que a obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objecto o que for indevidamente recebido, o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou o que for recebido em vista de um efeito que não se verificou - artigo 473.º, n.º 2, do Código Civil. Por outro lado, o direito à restituição, por enriquecimento sem causa, prescreve no prazo de 3 (três) anos a contar da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto que deu origem ao enriquecimento - artigo 482.º do Código Civil. Posto isto, tal como alega o Autor, é relevante a acção intentada contra a Ré (ainda que esta ali figurasse na qualidade de herdeira do falecido CC), sobretudo quando, entre o mais, ali é peticionada, também, a quantia de 30 000,00 € (trinta mil euros), por enriquecimento sem causa, o que foi requerido na eventualidade de não ser reconhecido o invocado contrato promessa de compra e venda.( Cfr., por exemplo, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 25-06-1998, Proc. n.º 98B1201, 27-11-2003, Proc. n.º 03B3091, de 26-02-2004, Proc. n.º 03B3798, e de 30-03-2023, Proc. n.º 4415/19.2T8MAI.P1-A.S1, do Tribunal da Relação do Porto de 12-09-2022, Proc. n.º 4415/19.2T8MAI.P1-A, e do Tribunal da Relação de Lisboa de 22-06-2023, Proc. n.º 26690/21.2T8LSB-A.L1-2, disponíveis em www.dgsi.pt.). Em todo o caso, é igualmente relevante a alegação da Ré, quando refere que a Sentença, no segmento que ao Autor dizia respeito, se consolidou com a decisão da primeira instância. Efectivamente, ao não recorrer da sentença proferida, a decisão estabilizou-se, transitando em julgado, o que, face ao supra exposto (notificação electrónica elaborada em 18/02/2019, pelo que se presume realizada no 3.º dia posterior ao da elaboração, ou seja, em 21/02/2019), ocorreu em 02/05/2019 (tendo em conta que o prazo para recurso, face à sua prorrogação, foi de 60 [sessenta] dias). Portanto, o prazo de prescrição de 3 (três) anos iniciou-se em 02/05/2019, e terminaria, em condições normais, em 02/05/2022. Sucede que, em resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2, causador da doença COVID-19, foram adoptadas, nos anos de 2020 e 2021, diversas medidas legislativas excepcionais e temporárias, que influenciam o cálculo de prazos juridicamente relevantes, incluindo os de prescrição. Assim, num primeiro momento, os prazos de prescrição estiveram suspensos entre 09/03/2020 e 03/06/2020, ou seja, durante 86 (oitenta e seis) dias - artigos 7.º, n.ºs 3 e 4, e 10.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, 37.º do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, e 8.º e 10.º da Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio. Do referido regime resulta, ainda, que os prazos de prescrição que estiveram suspensos são alargados pelo período de tempo correspondente à suspensão, ou seja, além da suspensão em si, acresce-lhes um período de igual duração - artigos 7.º, n.º 4, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março e 6.º da Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio. Sssim, ao prazo inicialmente apurado, acrescem 86 (oitenta e seis) dias, correspondentes ao período de suspensão, e outros 86 (oitenta e seis) dias, por força da prorrogação legal, o que projecta o termo do prazo para 21/10/2022. Posteriormente, e ainda em virtude das medidas de reacção à referida situação epidemiológica, foi promulgada a Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, que produziu efeitos (no que aqui importa) a 22/01/2021, e que aditou à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, um novo normativo com conteúdo similar ao anteriormente mencionado, determinando, assim, nova suspensão dos prazos de prescrição - artigos 2.º e 4.º da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro e,por força do aditamento, 6.º-B,n.º1, 3e 4, da Lei n.º1-A/2020, de 19de Março. Em sentido semelhante ao do período anterior, entrou em vigor, em 06/04/2021, a Lei n.º 13-B/2021, de 05 de Abril, que, além de revogar o regime referido no parágrafo anterior, também determinou o acréscimo de um período de igual duração aos prazos em curso - artigos 6.º-B, n.º 4, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março e 5.º a 7.º da Lei n.º 13-B/2021, de 05 de Abril. Significa isto que houve um período de suspensão que vigorou entre 22/01/2021 e 06/04/2021, correspondente a 74 (setenta e quatro) dias, a que acrescem outros tantos dias, por força do dito acréscimo legal. Aplicando o mesmo raciocínio que anteriormente se efectuou, conclui-se que o prazo de prescrição se verificou em 18/03/2023. Importa salientar que a interpretação segundo a qual a expressão legal “são alargados pelo período de tempo em que vigorou a sua suspensão” significa, apenas, a contabilização dos dias de suspensão se tem por errónea, porquanto tal equivaleria a assumir que o legislador desconhece o significado jurídico do mecanismo da suspensão de prazos e as suas consequências, o que contraria as regras de interpretação das normas, segundo as quais se deve presumir que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados e que a solução que consagrou é a mais acertada - artigo 9.º, n.º3, do Código Civil. Dito isto, a presente acção foi intentada em 12/08/2023 [ref. ...33], e a citação da Ré ocorreu em 21/09/2023, data em que se verificaria nova interrupção do prazo prescricional - artigos 323.º, n.ºs 1, do Código Civil, e 259.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil. Mais se diz que, volvidos 5 (cinco)dias, sem que a citação tenha lugar por causa não imputável ao Autor, dá-se a interrupção do prazo prescricional - artigo 323.º, n.º 2, do Código Civil. Em todo o caso, a verdade é que, à data da propositura da acção (ou seja, a 12/08/2023) e a à data da interrupção do prazo (que, face ao dito, aconteceu 5 [cinco] dias após, ou seja, a 17/08/2023), o direito à indemnização por enriquecimento sem causa invocado pelo Autor (tendo em consideração as suas próprias alegações) já se encontrava prescrito (o que, como se viu, aconteceu a 18/03/2023. Nestes termos, julga-se verifica a excepção peremptória de prescrição do direito de indemnização, por enriquecimento sem causa, invocado pelo Autor AA e, por via disso, absolve-se do pedido a Ré BB. Custas a cargo do Autor AA - artigo 527.º, n. º 1, do Código de Processo Civil. Registe-se e notifique-se.” * Inconformado com esta decisão, veio o A interpor recurso, e formulou as seguintes conclusões (que se transcrevem): “1ª. Salvo o muito devido respeito, o Autor, ora recorrente, não se conforma com a douta sentença recorrida, que concluiu a final “Nestes termos, julga-se verifica a excepção peremptória de prescrição do direito de indemnização, por enriquecimento sem causa, invocado pelo Autor AA e, por via disso, absolve-se do pedido a Ré BB. “. São fundamentos: 2ª. Conforme respetiva certidão judicial que integra os presentes autos, no Tribunal Judicial da Comarca de Bragança – Juízo Local Cível de Bragança – Juiz ..., correu termos o processo nº 680/15.2T8BGC, que teve origem na ação declarativa de condenação que o aí e aqui Autor, ora recorrente, instaurou em 1 de maio de 2015 contra a Herança Indivisa aberta por óbito de CC, falecido em ../../2014, representada pelos seus únicos e universais herdeiros, DD, casada sob o regime da comunhão de bens adquiridos com EE; e BB, esta também Ré na presente ação e ora recorrida. 3ª. Na Petição Inicial o Autor formulou a final os seguintes pedidos: “1. Ver declara a execução específica do contrato promessa celebrado com o falecido CC em ../../2013 e, em consequência, transmitida a favor do Autor a propriedade plena, livre de quaisquer ónus ou encargos, do prédio rústico, composto de cultura e pastagem, inscrito na matriz predial rústica da freguesia ... sob o artigo nº ...27 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...19. Sem prescindir e subsidiariamente: 2. Devem os RR ser condenados a ver resolvido o contrato promessa celebrado com o falecido CC em ../../2013 e, em consequência e por tal resolução decorrer de incumprimento definitivo da sua parte, condenados a restituir ao Autor a quantia de 60.000,00 €, acrescida de juros de mora, a liquidar á taxa legal, desde a citação e até integral e efetivo pagamento. Ainda sem prescindir e também subsidiariamente: 3. Devem os RR ser condenados a restituir ao Autor a quantia de 30.000,00 €, acrescida de juros de mora à taxa legal, liquidados desde a data do recebimento daquela quantia e a liquidar, tendo os já vencidos o valor de 2.400,00 € e sendo ainda devidos os vincendos até integral e efetivo pagamento. 4. Em qualquer das situações identificadas nos pedidos 2 e 3, deverá ser sempre pago ao Autor o valor das benfeitorias necessárias, uteis e voluptuárias por si efetuadas e incorporadas sobre o aludido prédio rustico, cuja liquidação, por não serem ainda suscetíveis de completa determinação do respetivo valor, deverá ser relegada para execução de sentença.” 4ª. Citados os Réus, foi apresentada Contestação / Reconvenção por parte dos Réus DD e marido EE, na qual, requerendo a improcedência da ação, formularam a final os seguintes pedidos reconvencionais: C. Julgar-se procedente a RECONVENÇÃO e, consequentemente: C.1. Reconhecer-se que o prédio rústico inscrito na matriz predial respetiva da freguesia ... do concelho ... sob o artigo ...27, objeto dos autos, integra as heranças ilíquidas e indivisas abertas por óbito de FF, GG e CC ou, em última ratio, à herança Ré aberta por óbito de CC, todas elas representadas pelas interessadas DD e BB. C.2. Condenar-se o Autor a restituir às heranças identificadas no item antecedente a posse que diz deter sobre o prédio rústico objeto dos autos e a abster-se de sobre ele praticar qualquer tipo de atos. C.3. Condenar-se o Autor a pagar as heranças ilíquidas e indivisas abertas por óbito de FF, GG e CC ou, em última ratio, à herança Ré aberta por óbito de CC - todas elas representadas pelas interessadas DD e BB - a título de indemnização pela privação do gozo e disponibilidade do prédio objeto dos autos valor monetário não inferior a uma renda mensal equivalente a 200€ desde a data em que o Autor refere estar na sua posse Janeiro de 2014 - até à data da sua efetiva entrega e desocupação, ascendendo o valor vencido, à data da apresentação da presente contestação, ao montante de 3.800€.” 5ª. Realizado julgamento, em 14-02-2019 foi proferida douta sentença naquele processo nº 680/15.2T8BGC, que decidiu a final: “I. Julgar totalmente improcedente a acção instaurada pelo Autor, AA, contra a Ré, Herança Indivisa Aberta Por Óbito de CC, representada pelas suas herdeiras, DD, e BB, e, consequentemente, absolver a Demandada de todos os pedidos deduzidos no Petitório incluído na Petição Inicial. II. Julgar totalmente improcedente a reconvenção deduzida pela Ré contra o Autor e, em consequência, absolver este de todos pedidos reconvencionais deduzidos no Petitório incluído na Contestação / Reconvenção. “ 6ª. Realça-se que na douta sentença foram dados como provados os seguintes factos: “1. Na freguesia ..., concelho ..., existe um prédio rústico, composto de cultura e pastagem, confrontando a Norte com caminho, a Nascente com ..., a Sul com HH e a Poente com II, inscrito na matriz predial rústica da aludida freguesia sob o artigo ...27 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...19. (…) 31. Em Janeiro de 2014, o Autor tomou posse do prédio identificado em 1); 32. Passando a utilizá-lo; 33. À vista de toda a gente e sem oposição de ninguém; 34. Em data incerta, mas situada em 2016, o Autor arrancou as cerejeiras existentes no prédio identificado em 1); 35. Tendo limpado o aludido terreno em todo o respectivo perímetro e delimitado o mesmo com rede ovelheira suportada em postes de madeira; 36. Passando a colocar ovelhas no aludido prédio e a semear erva e ferranha para alimentação dos referidos animais; 37. Bem como lavrando, para tanto, o prédio, no qual semeou igualmente batatas e plantou horta; 38. Estando assim na presente data ainda na posse do aludido imóvel.” 7ª. Os Réus / Reconvintes interpuseram recurso de apelação daquela sentença para o Tribunal da Relação de Guimarães que, por acórdão de 16-01-2020 determinou: “… julgar a apelação procedente, revogando-se, consequentemente, a decisão recorrida quanto ao pedido reconvencional, que se julga procedente, declarando, em consequência, que o prédio em causa nos autos integra as heranças ilíquidas e indivisas abertas por óbito de FF, GG e CC, condenando o A./reconvindo a restituir a tais heranças o aludido imóvel, bem como a indemnizar tais heranças, pela privação do uso do prédio desde a data de Janeiro de 2014 até à data da respectiva futura desocupação, no valor de € 200,00 por cada mês decorrido.” 8ª. Em sequência, o aí e agora Autor, interpôs então recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça que, por acórdão de 16-12-2021, decidiu: “Termos em que, concedendo parcialmente a revista, se revoga o acórdão recorrido na parte em que condenou o Autor a pagar indemnização pela privação do uso do prédio, absolvendo o Autor de tal pedido, confirmando-o no demais”. 9ª. Tal decisão foi notificada às partes em 17-12-2021, pelo que a ação transitou em julgado em 12-01-2022, com o que, como se referiu no artigo 13 da Petição Inicial dos presentes autos “com a improcedência da ação o Autor entregou o referido prédio rustico aos Réus em 16-02-2022.”. Neste contexto: 10ª. Sendo certo que a ação relativa ao processo nº 680/15.2T8BGC foi julgada improcedente e, com isso, o Autor não viu satisfeita a sua pretensão de receber qualquer dos valores peticionados na ação, a verdade é que, conforme aqueles factos provados sob os nºs 1 e 31 a 38, resultou assente que o Autor entrou na posse do prédio em janeiro de 2014 e encontrava-se ainda na sua posse na data da sentença, em 14-02-2019. 11ª. Concomitantemente, verifica-se também, a sentença julgou totalmente improcedente a reconvenção e, por via disso, o Autor não foi condenado, designadamente, nos pedidos de “C.1. Reconhecer-se que o prédio rústico inscrito na matriz predial respetiva da freguesia ... do concelho ... sob o artigo ...27, objeto dos autos, integra as heranças ilíquidas e indivisas abertas por ….”; nem no pedido formulado em C.2., de “restituir às heranças identificadas no item antecedente a posse que diz deter sobre o prédio rústico objeto dos autos e a abster-se de sobre ele praticar qualquer tipo de atos. “ 12ª. Desta forma, tendo em conta os factos provados sob os nºs 1 e 31 a 38 (que reconheceram a posse do Autor sobre o prédio entre janeiro de 2014 e 14-02-2019) e a improcedência da reconvenção, por via da qual (i) não se provou de quem era a propriedade do prédio (pedido reconvencional C.1), de onde decorria que ninguém tinha legitimidade para peticionar ao Autor a restituição do prédio; (ii) nem se condenou o Autor a restituir o prédio a quem quer que fosse (pedido reconvencional C.2), 13ª. Verifica-se que o Autor NÃO TINHA, nessa data, QUALQUER EMPOBRECIMENTO À CUSTA DA RÉ, pelo que, nos termos dos artºs 473º e ss do Código Civil, não tinha o direito de pedir-lhe a restituição da quantia de 30.000,00 € (peticionada agora nos presentes autos) a título de enriquecimento sem causa. 14ª. MAIS: Naquele circunstancialismo descrito, a petição de tal quantia de 30.000,00 € á Ré nessa data é que traduziria então, para ele próprio, um efetivo enriquecimento sem causa – Com efeito, o Autor tinha a posse do prédio decorrente de ter entregue à Ré, na sua versão, o valor de 30.000,00 € (e com isso, até, o início da sua prescrição aquisitiva sobre o prédio desde a data em que resultou provado que entrou nessa posse, em Janeiro de 2014 /cfr. facto provado nº 31), e, não tendo o prédio qualquer proprietário reconhecido nos autos que lhe pudesse peticionar a restituição do prédio, nem tendo de o restituir a quem quer que fosse, a petição daquele valor á Ré na sequência daquela sentença não tinha fundamento nos artºs 473º e ss do CC e constituiria até comportamento não coerente, contraditório e de má-fé. 15ª. Donde se conclui que, com a prolação e respetivo trânsito em julgado da sentença proferida em 14-02-2019 naquele processo nº 680/15.2T8BGC, não se iniciou o prazo do direito à restituição da quantia de 30.000,00 €, a que alude o artº 482º, do Código Civil. 16ª. Neste pressuposto e ao contrário do expresso na douta sentença agora recorrida, considera-se que tal prazo de três anos só se iniciou com o trânsito em julgado do douto acórdão proferido pelo STA em 17-12-2021, transitado em julgado em 12-01-2022, porque só nesta data se consolidou na ordem jurídica a condenação do Autor a reconhecer os proprietários do prédio em causa e a obrigação de o restituir a estes. 17ª. Por via deste circunstancialismo, também só nessa data é que se consolidou na esfera jurídica do Autor o “direito à restituição” a que alude a norma do art. 482º do Código Civil. 18ª. Tanto assim que, reitera-se, só com o trânsito em julgado do douto acórdão do STJ é que o Autor teve de entregar o referido prédio rustico aos Réus em 16-02-2022 (como referiu no artigo 13 da Petição Inicial dos presentes autos) e, por via disso, viu-se na necessidade de peticionar a restituição do valor de 30.000,00 € á Ré na presente ação. 19ª. Pelo que, conclui-se também, na data da respetiva instauração, em 12-08-2023, a presente ação estava em tempo, por se compreender no prazo de três anos a contar da data em que o Autor teve efetivo conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável, nos termos do referido artº 482º, do CC. * Não foram apresentadas contra-alegações.* O recurso foi recebido nesta Relação, considerando-se devidamente admitido, no efeito legalmente previsto. * Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.* II. Questões a decidir.Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, a única questão solvenda traduz-se em saber se ocorreu, ou não, a prescrição do direito que o autor reclama no âmbito da presente ação. * III. Fundamentação de facto.Os factos relevantes para a decisão são os que constam do relatório e ainda os seguintes e que ressumam da consulta eletrónica: - Realizado julgamento, em 14-02-2019 foi proferida sentença naquele processo nº 680/15.2T8BGC, que decidiu a final: “I. Julgar totalmente improcedente a acção instaurada pelo Autor, AA, contra a Ré, Herança Indivisa Aberta Por Óbito de CC, representada pelas suas herdeiras, DD, e BB, e, consequentemente, absolver a Demandada de todos os pedidos deduzidos no Petitório incluído na Petição Inicial. II. Julgar totalmente improcedente a reconvenção deduzida pela Ré contra o Autor e, em consequência, absolver este de todos pedidos reconvencionais deduzidos no Petitório incluído na Contestação / Reconvenção. “ - Naquela sentença foram dados como provados os seguintes factos: “1. Na freguesia ..., concelho ..., existe um prédio rústico, composto de cultura e pastagem, confrontando a Norte com caminho, a Nascente com ..., a Sul com HH e a Poente com II, inscrito na matriz predial rústica da aludida freguesia sob o artigo ...27 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...19. (…) 31. Em Janeiro de 2014, o Autor tomou posse do prédio identificado em 1); 32. Passando a utilizá-lo; 33. À vista de toda a gente e sem oposição de ninguém; 34. Em data incerta, mas situada em 2016, o Autor arrancou as cerejeiras existentes no prédio identificado em 1); 35. Tendo limpado o aludido terreno em todo o respectivo perímetro e delimitado o mesmo com rede ovelheira suportada em postes de madeira; 36. Passando a colocar ovelhas no aludido prédio e a semear erva e ferranha para alimentação dos referidos animais; 37. Bem como lavrando, para tanto, o prédio, no qual semeou igualmente batatas e plantou horta; 38. Estando assim na presente data ainda na posse do aludido imóvel.” - Os Réus / Reconvintes interpuseram recurso de apelação daquela sentença para o Tribunal da Relação de Guimarães que, por acórdão de 16-01-2020 determinou: “…julgar a apelação procedente, revogando-se, consequentemente, a decisão recorrida quanto ao pedido reconvencional, que se julga procedente, declarando, em consequência, que o prédio em causa nos autos integra as heranças ilíquidas e indivisas abertas por óbito de FF, GG e CC, condenando o A./reconvindo a restituir a tais heranças o aludido imóvel, bem como a indemnizar tais heranças, pela privação do uso do prédio desde a data de Janeiro de 2014 até à data da respectiva futura desocupação, no valor de € 200,00 por cada mês decorrido.” - Em sequência, o aí e agora Autor, interpôs então recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça que, por acórdão de 16-12-2021, decidiu: “Termos em que, concedendo parcialmente a revista, se revoga o acórdão recorrido na parte em que condenou o Autor a pagar indemnização pela privação do uso do prédio, absolvendo o Autor de tal pedido, confirmando-o no demais”. - Tal decisão foi notificada às partes em 17-12-2021, pelo que aquela decisão transitou em julgado em 12-01-2022. - No artigo 13 da Petição Inicial dos presentes autos é alegado o seguinte: “com a improcedência da ação o Autor entregou o referido prédio rustico aos Réus em 16-02-2022.”. * IV. Do objeto do recurso. Como se referiu, no sentido de neutralizar a pretensão de tutela jurisdicional que o autor aduziu nestes autos (que filiou juridicamente no instituto do enriquecimento sem causa), a ré defendeu-se invocando a prescrição desse direito, porquanto no momento em que foi citada para os termos da presente ação já havia decorrido integralmente o prazo de prescrição trienal fixado no art. 482º do Cód. Civil. Na decisão recorrida julgou-se procedente essa exceção perentória, por se ter considerado que o autor teve conhecimento dos elementos constitutivos do direito à restituição mais de três anos antes da data (em 2-05-2019, data em que terminou prazo para o autor recorrer da sentença no proc. 680/15, tendo a decisão transitado para o autor, e estabilizado quanto ao pedido e causa de pedir no segmento ao que ao autor dizia respeito, ainda que se tivesse em conta os prazos covid 19 e que prorrogaram os prazos em curso, como ocorreu com o presente, tendo terminado em 18-03-2023) da propositura da presente ação ( em 12-08-2023). O apelante insurge-se contra esse segmento decisório, sustentando, fundamentalmente, que o prazo de prescrição previsto no mencionado normativo não se inicia enquanto o empobrecido tiver à sua disposição outro meio (ou fundamento) que justifique a restituição/reembolso, como foi o caso, pois na sua ótica o trânsito da decisão ocorre com a notificação da decisão do STJ e que incidiu apenas quanto ao recurso das ali RR e quanto ao pedido reconvencional. Ou seja, a divergência do Recorrente com a decisão proferida, reporta-se ao momento em que deve ser considerado que o A. adquiriu conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável, a partir do qual começa a contar o prazo da prescrição: o recorrente localiza-o com o trânsito da sentença e que na sua ótica ocorre após a notificação do acórdão do STJ a respeito do recurso interposto pelas ali RR quanto ao pedido reconvencional; já o tribunal de 1ª instância entendeu que tal conhecimento adveio para o A. com o trânsito parcial da sentença em 2-05-2019, data em que terminou prazo para o autor recorrer da sentença no proc. 680/15, tendo a decisão transitado para o autor, e estabilizado quanto ao pedido e causa de pedir, no segmento ao que ao autor dizia respeito. Quid iuris? Acerca do prazo de prescrição, dispõe o artigo 482.º do Código Civil o seguinte: «O direito à restituição por enriquecimento prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável, sem prejuízo do prazo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respetivo prazo a contar do enriquecimento». Decorre do transcrito inciso que o direito à restituição fica sujeito a dois prazos, que correm autónoma e paralelamente: o prazo ordinário, de vinte anos (cfr. art. 309º), que se conta a partir do enriquecimento; e um prazo de curta duração, de três anos, que se conta a partir do conhecimento do direito pelo credor. No que respeita a este prazo trienal vem-se discutindo se o «conhecimento do direito» se reporta ao conhecimento dos elementos constitutivos do direito do credor na vertente fáctica que não jurídica, ou se refere ao conhecimento do próprio direito e não apenas dos seus elementos constitutivos. A jurisprudência tem entendido que a expressão “conhecimento do direito” que lhe compete reporta-se ao conhecimento dos elementos constitutivos do direito e não ao conhecimento de ter direito à restituição (cf. Júlio Gomes, “Anotação ao artigo 482.º do Código Civil”, Comentário ao CC, UCP, 2018, p. 271). Contudo, para alguns persiste a dúvida sobre se o conhecimento do direito se reporta apenas a elementos fácticos constitutivos do direito à restituição ou comporta também o conhecimento de elementos jurídicos. No AC do Ac. do STJ de 10-4-2024 ( Clara Sottomayor) lê-se a este propósito, “ Julgamos que esta última hipótese é a que está prevista na lei, desde logo porque a lei determina que o prazo não começa a correr enquanto o empobrecido não souber quem é a pessoa responsável. Ora, antes do conhecimento da pessoa responsável, também é dificilmente concebível que o empobrecido conheça o enriquecimento de outrem e a legitimidade da sua pretensão. Em consequência, o prazo também não pode começar a correr antes de o empobrecido conhecer os elementos jurídicos que fundamentam o seu pedido de restituição nos termos do enriquecimento sem causa, nomeadamente, a ausência de causa ou o desaparecimento de uma causa que julgava existir.”. Atendendo à natureza subsidiária do enriquecimento sem causa, consagrado no artigo 474º Cód. Civil - nos termos do qual não há lugar à restituição por enriquecimento enquanto a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, negar o direito à restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento – a doutrina e jurisprudência maioritárias (que igualmente acolhemos) vêm sufragando a segunda das enunciadas posições. Na verdade, se o empobrecido elegeu outra via, ainda que sem sucesso, não pode recorrer ao instituto do enriquecimento sem causa enquanto essa via não estiver esgotada, sob pena de lhe ser oposto o princípio da subsidiariedade do enriquecimento sem causa (que, como exceção perentória de direito material, neutralizaria o exercício do direito que, por essa via, se pretendia fazer valer). Não faria, pois, sentido que, nestas situações, o prazo, aliás curto, da prescrição começasse a correr. Isso mesmo resulta do disposto no artigo 306º, nº 1, do Cód. Civil, de acordo com o qual o prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido, razão pela qual o prazo de prescrição não se inicia enquanto o empobrecido utilizou, de boa fé, outro meio para ser restituído ou indemnizado. Nessa conformidade, somente após o trânsito em julgado da decisão proferida em processo a que o empobrecido recorreu em primeira linha é que se inicia o prazo prescricional relativamente ao direito de restituição baseado no enriquecimento indevido. Em suma: a prescrição estabelecida no artigo 482º do Código Civil (prescrição do direito à restituição fundada em enriquecimento sem causa) só é atendível a partir do momento em que o empobrecido viu judicialmente frustradas as suas tentativas de ser patrimonialmente reintegrado ao abrigo de outro meio legal. Revertendo ao caso sub judicio verifica-se que, nos termos do pedido feito na ação, aceita-se que só se tornou possível aferir da existência ou não de causa justificativa do enriquecimento, a partir do trânsito em julgado da decisão proferida no processo n.º680/15 , só nesse momento se iniciando a contagem do prazo. Ambas as posições em confronto no presente recurso aceitam ser o momento da contagem do prazo relevante o trânsito em julgado da decisão proferida no âmbito daquele processo 680/15. Sem embargo, divergem na relevância a dar ao trânsito parcial da sentença, por o autor não ter interposto recurso na parte que foi julgada improcedente a sua pretensão. A decisão recorrida entende que o início do prazo de contagem da prescrição ocorre com o trânsito parcial da sentença, por o autor não ter interposto recurso na parte que foi julgada improcedente a sua pretensão. O recorrente entende que o início do prazo de contagem da prescrição ocorre com o trânsito da sentença e esta ocorre com a prolação do acórdão do STJ em sede de recurso intentado apenas pela Ré, nos termos do qual foi apreciado o pedido reconvencional. E, respeitando-se, entendimento diverso, assim ocorre. Não se discute da possibilidade do trânsito parcial da sentença quanto aos pedidos formulados pelo autor na ação[i]. Sem embargo, sustenta o recorrente que a causa do empobrecimento apenas desapareceu com o trânsito da decisão nos termos prolatados pelo acordão do STJ ali proferido e que julgou procedente a reconvenção ( anteriormente julgada improcedente na primeira instância) e condenou o autor na restituição do imóvel em causa. É que até aí o autor tinha na sua posse o imóvel e como contrapartida entregou à Ré a quantia de 30.000 euros ora peticionada, pelo que conclui que “ não tendo o prédio qualquer proprietário reconhecido nos autos que lhe pudesse peticionar a restituição do prédio, nem tendo de o restituir a quem quer que fosse, a petição daquele valor á Ré na sequência daquela sentença não tinha fundamento nos artºs 473º e ss do CC e constituiria até comportamento não coerente, contraditório e de má-fé.”. Em verdade, cremos que, no contexto jurídico descrito nestes autos, em que se colocou, no processo 680/15, a questão da aquisição da propriedade do imóvel por via do cumprimento do contrato promessa ( e subsidiariamente, a questão do seu incumprimento e resolução do contrato), com traditio e com dedução de pedido reconvencional por via do qual se reivindica a propriedade do mesmo imóvel e se pede a condenação do ali autor na restituição do imóvel, não era exigível ao autor que intentasse uma ação de restituição por enriquecimento sem causa, antes de conhecer a solução definitiva que viria a ser proferida neste processo n.º 680/15, para a questão da reconvenção, nomeadamente se atendermos ao seu direito de retenção por via da traditio operada com o contrato promessa. A obrigação de restituir da ré ao autor, o que este pagou diretamente à mesma ( conforme aliás foi ali dado como provado e não provado que tivesse pago ao falecido), dependendo da resolução de uma determinada questão de direito – a condenação ou não na restituição do imóvel cuja contrapartida da posse do autor foi aquela quantia de 30.000 euros – que se encontrava pendente no processo n.º 680/15, só se tornou exigível a partir do momento em que o tribunal conheceu em definitivo da reconvenção e condenou o autor na entrega do imóvel cuja posse detinha e pela qual alegadamente tinha pago a quantia de 30.000 euros, ou seja, a partir do transito em julgado da sentença após prolação do acórdão do STJ. Assim se decidiu em caso semelhante no AC do STJ de 10-12-2019 ( in dgsi) nos termos do qual se lê “…que o momento em que os autores tiveram conhecimento do seu direito à restituição por enriquecimento sem causa, nos termos do art. 482º do Código Civil, é o do trânsito em julgado do acórdão que julgou improcedente a reconvenção, porque até esse momento, os ora autores, para além de ainda usufruírem do imóvel em litígio, estavam persuadidos que a lei lhes reconhecia o direito de propriedade sobre o mesmo. Só com o transito em julgado de tal decisão e com a consequente entrega, viram consolidar-se este “direito à restituição” a que alude a norma do art. 482º do Código Civil”. No caso dos autos, o que o recorrente pediu nesta ação, foi uma restituição nos termos do enriquecimento sem causa, estando a análise do prazo de prescrição dependente desta prévia qualificação. Nos termos do pedido feito na ação, aceita-se que só se tornou possível aferir da existência ou não de causa justificativa do enriquecimento, a partir do trânsito em julgado da decisão proferida no processo n.º 680/15, trânsito em julgado do acórdão que julgou procedente a reconvenção, só nesse momento se iniciando a contagem do prazo. Assim é, atentas as especificidades do instituto do enriquecimento sem causa, nomeadamente a natureza subsidiária do enriquecimento, e a tomada de conhecimento de elementos jurídicos constitutivos do direito, relacionados com a inexistência de causa para as vantagens obtidas pelo enriquecido. No caso vertente, a causa só desapareceu com o trânsito em julgado da decisão judicial que declarou procedente a reconvenção e condenou o autor na entrega do imóvel, porque até esse momento, o ora autor ainda usufruía do imóvel em litígio, o qual estava na sua posse desde que pagou como contrapartida da mesma a quantia de 30.000 euros, apenas estando persuadido de que a lei não lhe reconhecia o direito de propriedade por via do contrato promessa ( e nisto se traduziu o trânsito parcial da sentença). Só com o transito em julgado da decisão que recaiu sobre a reconvenção e com a consequente entrega, viu o autor consolidar-se este “direito à restituição” a que alude a norma do art. 482º do Código Civil. Dito de outro modo, apenas a partir desse momento tomou conhecimento que lhe assistia o direito à restituição, posto que só então se esgotou a possibilidade de obter a restituição com fundamento numa causa concreta que não a via do enriquecimento indevido. Acresce dizer que devem esgotar-se na discussão todos os argumentos existentes factuais e jurídicos referentes àquela relação jurídica, para que a decisão realmente vincule as partes e traga segurança. O conteúdo do caso julgado não se resume aos meios de defesa que o réu deduziu, mas mesmo aos que ele não chegou a deduzir e até aos que ele poderia ter deduzido com base num direito seu. Como se pode ler no Ac. STJ de 29.05.2014, proc. n.º 1722/12.9TBBCL.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt: “vale a máxima, segundo a qual o caso julgado “cobre o deduzido e o dedutível” ou “tantum judicatum quantum disputatum vel disputari debet”. Esta posição está em sintonia com o entendimento de Castro Mendes, in “Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil”, pág. 178. Com efeito, o caso julgado abrange não só aquilo que foi objeto de controvérsia na ação, mas também os assuntos ou factos que o réu tinha o ónus de trazer à colação e que, por sua vez, se repercute no autor. Só assim se consegue a paz jurídica sobre a situação em causa, não fazendo sentido que, anos depois, se reabra a discussão com questões que já existiam à data da 1.ª ação. Haverá ainda que atentar que, como acima se sublinhou, o instituto da prescrição é justificado (a par da necessidade social de segurança e certeza de direitos) pela inércia ou inação do titular do direito. Ora, com a referida ação que intentou contra os réus, o apelante deu um sinal de que não se verificava da sua parte, antes pelo contrário, qualquer inação ou desinteresse em ser reintegrado no direito de crédito que agora invoca, embora suportado juridicamente numa outra fonte de obrigações. Deste modo, é de concluir que a citação dos ora réus naquele processo sempre teria implicado a interrupção da prescrição (cfr. nº 1 do art. 323º, do Cód. Civil), a qual começaria a correr por inteiro (cfr. art. 326º, do Cód. Civil) apenas a partir da data do trânsito em julgado da decisão judicial que declarou procedente a reconvenção e condenou o autor na entrega do imóvel naqueles autos. Assim, face à matéria dos autos, a reconvenção do Proc. n.º 680/15 foi julgada procedente por acórdão, transitado em julgado em 12-01-2022, e a presente ação, com a invocação do enriquecimento sem causa foi intentada no dia 12-08-2023. É indubitável que a presente ação foi intentada antes de ter decorrido o prazo de três anos sobre a data daquele o trânsito em julgado. IV – Decisão: Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes desta 3ª secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente a apelação e, em consequência, em · Revogar a decisão recorrida, substituindo-a por outra, julgando não verificada nos autos a exceção perentória de prescrição do direito do Autor, prosseguindo os mesmos os seus normais e posteriores termos. * Custas da apelação pela Ré, que arguiu a exceção perentória de prescrição agora julgada improcedente (art. 527.º, do CPC).* Guimarães, 20 de novembro de 2025 Relatora – Anizabel Sousa Pereira, Adjuntos- Luís Miguel Martins e Fernanda Proença Fernande [i] Síntese conclusiva do AC do STJ de 28-02-2023 ( Jorge Arcanjo). “a) Da conjugação dos arts.619 nº1, 621, 628, 635 nº2 e 5 CPC resulta a possibilidade do trânsito julgado parcial da sentença, ou seja, parte autónoma da decisão fica estabilizada (caso julgado parcial) e sobre a mesma opera a preclusão pro judicato, pelo que o tribunal de recurso fica impedido de conhecer dessa questão. b) O art.629 nº2 a) ( in fine) CPC abrange as situações do “caso julgado parcial”, na situação de segmentos decisórios distintos, em virtude da delimitação objectiva do recurso, designadamente quando em recurso de apelação a Relação modifica oficiosamente a sentença, na parte não recorrida, e portanto em termos mais desfavoráveis ao recorrente.” |