Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
54/14.2TBPCR-B.G1
Relator: ANTÓNIO FIGUEIREDO DE ALMEIDA
Descritores: EXECUÇÃO
LEGITIMIDADE
CONDOMÍNIO
CHEQUE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/28/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1) Na ação executiva a questão da legitimidade resolve-se no confronto entre as partes e o título executivo: têm legitimidade como exequente e executado, respetivamente, quem no título figura como credor e como devedor;
2) Uma sentença que condene um condomínio a pagar uma determinada quantia a um credor, vale como título executivo contra todos os condóminos.
3) No caso de o título executivo ser um cheque, os executados serão apenas os obrigados cambiários.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
I. RELATÓRIO
A) QX Construções, Lda, veio intentar execução contra Condomínio Dr. JGM, RAGV, AMRP, MLP, MRQC, AMSF, ABR, CCFR, AGP, DDCB, AMCC, MCLMC, ICC, MGCG, ACS, ACPS, ASP, CCSP, BCL, MLFCS, CAPC, MOFAC, CJSF, RCFS, EA, SIJNAC, EFAC, CGD, S.A., HRB, MFFAB, JPPA, ZJSA, JFLR, MLPR, JMCB, MABL, MJC, MOC, MJFS, MHCRS, NTM, MADAM, MGNAR, MFBAF, JMAF, MFCPS, MFPG, MSF, MISAF, MJPF, ICGR, RJBC, SVG, MTCCG, TBC, VMCC, MLCMC e Município de PC.
Tendo o tribunal recorrido ponderado conhecer da excepção dilatória de ilegitimidade passiva, foi determinada a notificação da exequente para se pronunciar, o que esta fez, pugnando pela legitimidade passiva dos executados.
O tribunal recorrido proferiu a decisão de fls. 11 vº e seguintes, onde se diz:
“ Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 726º nº 2 al. b) do CPC, cumpre apreciar.
Dispõe o artigo 53º nº 1 do C.P.C., sob a epígrafe legitimidade do exequente e do executado que a execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor.
Por sua vez, o artigo 40º da Lei Uniforme sobre Cheques reconhece ao portador do cheque a faculdade de exercício do direito de ação contra o sacador, ou outros obrigados, se o referido título de crédito for apresentado a pagamento dentro de 8 dias (cfr. artigo 29º do mesmo diploma legal), contados da data nele inscrita como data de emissão, e o mesmo não for pago, sendo a recusa de pagamento verificada por uma das formas legalmente previstas no referido normativo.
De acordo com o referido normativo, o portador do cheque pode, pois, exercer os seus direitos de ação contra os endossantes, sacador e co-obrigados, desde que o título em causa, apresentado em tempo útil, não seja pago e a recusa de pagamento verificada por uma destas formas:
- Por um ato formal (protesto);
- Por uma declaração do sacado, datada e escrita sobre o cheque, com indicação da data em que o mesmo foi apresentado a pagamento;
- Por uma declaração datada de uma câmara de compensação da qual conste que o cheque foi apresentado em tempo útil e não foi pago.
Ora, não apresentado a pagamento nos termos da citada norma, conforme refere a exequente no seu requerimento executivo, os cheques juntos aos autos foram assim dados como meros quirógrafos, nos termos do disposto no artigo 703º nº 1 al. c), do CPC, devendo neste caso os factos constitutivos da relação subjacente constarem do próprio documento ou serem alegados no referido requerimento executivo.
Da análise quer dos cheques, como meros quirógrafos, quer do alegado no requerimento executivo, ressalta que o único devedor é tão só o Condomínio Dr. José Gomes Moreira, não constando qualquer outro elemento suscetível de configurar todos os restantes executados indicados como devedores.
Assim, falecem os argumentos invocados pela Exequente, aliás, com o devido respeito, confunde o que se trata de legitimidade em ação declarativa do condomínio e a decorrente de execução com base em sentença, o que não se verifica, in casu, porquanto, saliente-se, estamos no âmbito de ação executiva e aqui é o título executivo que sustenta a ação que delimita essa legitimidade.
Pelo que, sem demais considerações, à exceção do aludido Condomínio, todos os restantes Executados são parte ilegítima na presente ação, o que configura exceção dilatória, a qual nos termos conjugados do disposto nos artigos 576º nº 1 e nº 2, 577º, alínea e), 578º e 278º nº 1 alínea e) do C.P.C., é de conhecimento oficioso, obsta ao conhecimento do mérito e determina a absolvição da instância, e, em concreto, determina o indeferimento liminar relativamente a estes.
Face ao exposto, ao abrigo do disposto no artigo 726º nº 2, al. b) do CPC, rejeito liminarmente a presente execução relativamente aos executados RAGV, AMRP, MLP, MRQC, AMSF, ABR, CCFR, AGP, DDCB, AMCC, MCLMC, ICC, MGCG, ACS, ACPS, ASP, CCSP, BCL, MLFCS, CAPC, MOFAC, CJSF, RCFS, EA, SIJNAC, EFAC, CGD, S.A., HRB, MFFAB, JPPA, ZJSA, JFLR, MLPR, JMCB, MABL, MJC, MOC, MJFS, MHCRS, NTM, MADAM, MGNAR, MFBAF, JMAF, MFCPS, MFPG, MSF, MISAF, MJPF, ICGR, RJBC, SVG, MTCCG, TBC, VMCC, MLCMC e Município de PC..”
Por outro lado, foi admitida liminarmente a execução quanto ao executado Condomínio Dr. JGM.
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B) Inconformada com a sentença, veio a exequente QX, Lda, interpor recurso, o qual foi admitido como sendo de apelação, com subida imediata, em separado e com efeito devolutivo (fls. 10).
Nas alegações de recurso da apelante QX, Lda, são formuladas as seguintes conclusões:
A. O despacho de que ora se recorre julgou, com exceção do Condomínio Dr. JGM, todos os restantes executados mencionados no requerimento executivo, parte ilegítima na ação, determinando a sua absolvição da instância.
B. É certo que na ação declarativa em que um credor peça o pagamento de dívidas contraídas pelo condomínio, apenas deve estar, como réu, o condomínio, a quem a lei atribui, para o efeito, personalidade judiciária nos termos do artigo 12º do Código de Processo Civil.
C. Porém, a personalidade judiciária atribuída ao condomínio é meramente formal já que os condóminos é que são “partes” na causa, embora debaixo da “capa” do condomínio representado em juízo pelo administrador.
D. Como escreve Miguel Mesquita, o condomínio é a face processual dos condóminos (…) não fazendo valer, de forma alguma, um interesse diferente daquele que pertence a estes. No fundo, quando o condomínio assume o papel de parte, os condóminos assumem esse papel em simultâneo, mas sob a máscara do condomínio: não estão no processo, mas tudo se passa como se estivessem, litigando do lado ativo ou do lado passivo da instância.
O condomínio é a capa processual dos condóminos, uma capa que visa facilitar a identificação das partes, evitar que os condóminos, um por um, tenham de ser referidos na petição inicial ou na contestação (…).
(…) A pessoa meramente judiciária não se distingue, no processo, das pessoas que se encontram por detrás dela. Daí que, naturalmente, o caso julgado atinja, plenamente estas pessoas.
Por tudo isto, deve entender-se que o condomínio não goza de nenhuma legitimidade extraordinária, uma vez que os interesses que defende são, afinal, os interesses dos próprios condóminos e a distinção entre estes e o condomínio é absolutamente artificial.”
E. Com base nesta linha de pensamento, a doutrina e a jurisprudência têm entendido que a sentença proferida contra um condomínio vincula os condóminos, podendo ser executada contra estes.
F. A esse respeito, Sandra Passinhas refere o seguinte: “…da qualidade do administrador como representante do condomínio resulta que a sentença de condenação emitida contra o administrador constitui título válido para a execução contra os condóminos singulares, ainda que os nomes dos condóminos não venham nelas individualizados.”
G. Parece-nos, salvo melhor opinião, que o referido pensamento vale igualmente para as execuções baseadas em títulos, nomeadamente, cheques mesmo como meros quirógrafos, como é o caso nos presentes autos.
H. Com um entendimento diferente do aqui plasmado estar-se-ia a admitir a possibilidade de as dívidas dos condóminos serem incobráveis, pois, o condomínio não é detentor de bens penhoráveis, antes administrador de partes comuns em bens (telhados, escadas, elevadores, terraços, varandas, portas, clarabóias, halls e corredores…) que estão adstritos ao funcionamento e funcionalidade dos bens privados (as frações autónomas) de cada condómino.
I. A título de exemplo, o Tribunal da Relação do Porto, em Acórdão de 14/5/2013, decidiu que, “…sendo os elevadores componentes da essencialidade do imóvel, não é possível a respetiva execução mobiliária ou penhora, separada do imóvel que integram…”.
J. Com efeito, estar-se-ia a promover que os condóminos, sob a capa de um qualquer condomínio, fizessem obras parra depois não as pagarem, empurrando assim para cenários de insolvência empresas honestas.
K. O regime jurídico substantivo da propriedade horizontal também aponta para a interpretação aqui plasmada, note-se que o artigo 1424º nº 1 do Código Civil, dispõe que salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas frações.”
L. Assim, um cheque emitido pelo condomínio vincula os condóminos, podendo a ação executiva correr contra estes. Porém, cada condómino só responde até ao valor das suas frações autónomas (aplicação do valor da permilagem ao valor da dívida para cálculo da quota parte de responsabilidade de cada condómino).
M. A aplicação do artigo 53º do Código de Processo Civil, nos termos e no sentido da interpretação efetuada pelo tribunal a quo, padece de manifesta inconstitucionalidade, por ofender de forma gritante, nomeadamente, o acesso a uma tutela jurisdicional efetiva (artigo 20º CRP), o que se invoca para os devidos efeitos legais.
Termina entendendo dever ser revogado o despacho do tribunal recorrido e substituído por outro que ordene a prossecução da execução contra todos os executados/condóminos.
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Não foi apresentada resposta.
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C) Foram colhidos os vistos legais.
D) A questão a decidir neste recurso é a de saber se deverá manter-se a decisão de indeferimento liminar.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
A) Os factos a considerar são os que constam do relatório que antecede.
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B) O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, não podendo o tribunal conhecer de outras questões, que não tenham sido suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras (artigos 608º nº 2, 635º nº 2 e 3 e 639º nº 1 e 2, todos do NCPC).
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C) Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva (artigos 45º nº 1 do Código de Processo Civil e 10º nº 5 NCPC).
Conforme refere o Dr. Lebre de Freitas “A Ação Executiva, 2ª Edição, página 56, “o título executivo extrajudicial ou judicial impróprio é um documento que constitui prova legal para fins executivos e que a declaração nele representada tem por objeto o facto constitutivo do direito de crédito ou é, ela própria, este mesmo facto”.
Conforme se refere no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 05/05/2009, disponível na Base de Dados do Ministério da Justiça no endereço www.dgsi.pt, “o título executivo é condição necessária e suficiente da ação.
Necessária porque não há execução sem título.
Suficiente porque, perante ele, deve ser dispensada qualquer indagação prévia sobre a real existência ou subsistência do direito a que se refere.
Efetivamente a obrigação exequenda tem de constar no título o qual, como documento que é, prova a existência de tal obrigação.
O título executivo é um pressuposto da ação executiva na medida em que confere ao direito à prestação invocada um grau de certeza e exigibilidade que a lei reputa de suficientes para a admissibilidade de tal ação.
Na verdade «…a relevância especial dos títulos executivos que resulta da lei deriva da segurança, tida por suficiente, da existência do direito substantivo cuja reparação se pretende efetivar por via da ação executiva.
O fundamento substantivo da ação executiva… é a própria obrigação exequenda, sendo que o título executivo é o seu instrumento documental legal de demonstração, ou seja, constitui a condição daquela ação e a prova legal da existência do direito de crédito nas suas vertentes fáctico-jurídicas» - Ac. do STJ de 18.10.2007, www.dgsi.pt, p.07B3616.
Sendo certo que as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são suportadas pelos condóminos em proporção do valor das suas frações, salvo disposição em contrário, conforme se estabelece no artigo 1424º nº 1 do Código Civil, para que possa executar-se tal obrigação, torna-se necessário que haja um título de onde resulte tal obrigação.
Refere a apelante que a doutrina e a jurisprudência têm entendido que a sentença proferida contra um condomínio vincula os condóminos podendo ser executada contra estes, entendendo ainda que o mesmo vale para as execuções baseadas em títulos de crédito, nomeadamente cheques, mesmo como meros quirógrafos, como é o caso dos presentes autos.
Sucede, porém, que o título executivo em causa nestes autos não é uma sentença mas, antes, os cheques cujas cópias constam de fls. 26 a 27, e dos mesmos resulta que o sacador e obrigado é, apenas, o Condomínio do Dr. JGM e, como acima se referiu, é o título executivo que determina o fim e os limites da ação executiva.
E, no caso de um cheque (título de crédito), que serve de título executivo, não é a relação subjacente que fundamenta, diretamente, a execução, para efeitos de se determinar a legitimidade das partes, embora, em determinadas circunstâncias se possa discutir a referida relação subjacente.
Como refere o Dr. Lebre de Freitas, ibidem, páginas 103 e seg., “a legitimidade das partes determina-se na ação executiva, com muito maior simplicidade do que na ação declarativa.
Enquanto nesta há que indagar da posição das partes, em face da pretensão, o que implica averiguar a titularidade real, ou meramente afirmada pelo autor, da relação ou outra situação jurídica material em que ela se funda e dá por vezes lugar a dificuldades de distinção perante a questão de mérito, na ação executiva a indagação a fazer resolve-se no confronto entre as partes e o título executivo: têm legitimidade como exequente e executado, respetivamente, quem no título figura como credor e como devedor.”
Não se pode, assim, pretender que uma sentença condenatória que condene um condomínio a pagar uma determinada quantia a um credor, seja equiparável à situação de um cheque cuja sacador e obrigado é um condomínio e que serve de base a uma execução, uma vez que naquela situação, a sentença proferida contra o condomínio vincula os condóminos, podendo ser executada contra estes, isto é, a sentença que condene o condomínio a pagar determinada quantia vale, enquanto título executivo, contra todos os condóminos (cfr., neste mesmo sentido, o Acórdão da Relação de Coimbra de 15/10/2013, relatado pelo Desembargador José Avelino Gonçalves, in www.dgsi.pt), enquanto no caso de o título executivo ser um cheque, os executados serão apenas os obrigados cambiários.
Já no que se refere ao título executivo cheque, o executado tem de ser a pessoa que no título figura como obrigado, isto é, no caso dos autos, o sacador do cheque, independentemente de a obrigação subjacente, poder vincular outrem – sendo certo que podem ainda ser demandados outros obrigados cambiários que, no título estejam juridicamente sujeitos a tal posição, como poderá suceder com os endossantes.
Se o credor pretende valer-se da obrigação dos condóminos, então teria de prescindir do título executivo – cheque – e intentar uma ação declarativa contra – neste caso – o condomínio, para poder dispor de um título executivo contra os condóminos, pelo que não se pode aplicar analogicamente o regime das execuções baseadas em sentenças que condenem o condomínio a pagar uma quantia a um credor, às situações em que o credor de um condomínio executa cheques em que o sacador e obrigado é apenas o condomínio, dado que neste caso a execução não pode ser dirigida também contra os condóminos por força da natureza do título executivo.
Dai que não exista qualquer inconstitucionalidade do artigo 53º do Código de Processo Civil.
Trata-se, antes, da adequação da escolha dos meios jurisdicionais à tutela do interesse dos credores, que compete a estes, dado que havendo uma desadequada escolha dos mesmos, sibi imputet.
Por todo o exposto resulta que bem andou o tribunal recorrido em julgar parte ilegítima os executados RAGV, AMRP, MLP, MRQC, AMSF, ABR, CCFR, AGP, DDCB, AMCC, MCLMC, ICC, MGCG, ACS, ACPS, ASP, CCSP, BCL, MLFCS, CAPC, MOFAC, CJSF, RCFS, EA, SIJNAC, EFAC, CGD, S.A., HRB, MFFAB, JPPA, ZJSA, JFLR, MLPR, JMCB, MABL, MJC, MOC, MJFS, MHCRS, NTM, MADAM, MGNAR, MFBAF, JMAF, MFCPS, MFPG, MSF, MISAF, MJPF, ICGR, RJBC, SVG, MTCCG, TBC, VMCC, MLCMC e Município de PC.
Assim sendo, resulta que a apelação terá de improceder e confirmar-se a douta decisão recorrida.
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D) Em conclusão:
1) Na ação executiva a questão da legitimidade resolve-se no confronto entre as partes e o título executivo: têm legitimidade como exequente e executado, respetivamente, quem no título figura como credor e como devedor;
2) Uma sentença que condene um condomínio a pagar uma determinada quantia a um credor, vale como título executivo contra todos os condóminos.
3) No caso de o título executivo ser um cheque, os executados serão apenas os obrigados cambiários.
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III. DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se julgar a apelação improcedente e confirmar-se a douta sentença recorrida.
Custas pela apelante.
Notifique.
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Guimarães, 28/01/2016
Relator: António Figueiredo de Almeida
1ª Adjunta: Desembargadora Maria Purificação Carvalho
2ª Adjunta: Desembargadora Maria Cristina Cerdeira