Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
47/16.5T8VPC.G1
Relator: JOAQUIM ESPINHEIRA BALTAR
Descritores: ACÇÃO DE PREFERÊNCIA
PROVA DA SIMULAÇÃO
ENTRE SIMULADORES
DOCUMENTO
PRINCÍPIO DE PROVA
PROVA TESTEMUNHAL
DECLARAÇÕES DE PARTE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/09/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Considerou-se a possibilidade de prova de facto que envolvia matéria de simulação do preço na compra de um imóvel rústico, por haver princípio de prova em documentos juntos aos autos, que foi complementada com prova testemunhal e declarações de parte de réu (não se violando o disposto no artigo 394 n.º 1 e 2 do C.Civil).
Decisão Texto Integral:
Acordam em Conferência na Secção Cível da Relação de Guimarães

A. T. e mulher M. S., intentaram a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra:

-R. R., e
-J. M. e mulher A. P., pedindo, a final:

- Que lhes seja reconhecido o direito de preferência, havendo para si a proporção do prédio, inscrito na matriz predial da freguesia de ... sob o artigo nº ..., identificado no ponto 1 da P.I. que foi adquirida pelos segundos réus pelo preço de 1.200,00 € (mil e duzentos euros) por meio de contrato de compra e venda referida no ponto 3.º.
- Que se ordene o cancelamento de todos e quaisquer registos feitos pelos segundos réus adquirentes, ou terceiros e que hajam tomado por base a aludida compra e venda, ou outras posteriores.

Alegam os Autores, para tanto e em síntese, que se encontra inscrito na matriz predial da freguesia de ..., concelho de ... sob o artigo n.º ... um prédio rústico com a superfície inscrita e registada de 18.680 metros quadrados, que pertence na proporção de metade indivisa aos autores por o terem adquirido por meio de contrato de compra e venda reduzido a escritura pública.

A outra metade do prédio foi propriedade da corré R. R., que o vendeu por meio de escritura de compra e venda, outorgada no dia 24 de novembro de 2015 no Cartório Notarial de H. S. em ..., aos corréus J. M. e mulher A. P..

Sucede que o referido contrato de compra e venda entre os réus foi celebrado entre eles sem que alguma vez tenham comunicado seus termos aos autores, apesar de saberem do seu interesse na aquisição do prédio, pelo que pretendem estes exercer o seu direito de preferência.

Regularmente citados, os Réus contestaram.
Alegaram que a primeira Ré fez saber aos Autores da sua intenção de vender o imóvel em causa nos autos, sendo que a partir de setembro de 2015 estes assistiram aos trabalhos que os segundos Réus desenvolveram no imóvel e nada disseram.

Alegaram ainda que os terrenos estão divididos e autonomizados há mais de vinte, trinta e quarenta anos, sendo que o negócio foi celebrado pelo preço real de € 25.000 (vinte e cinco mil euros) e terminam pedindo que a ação seja julgada totalmente improcedente.

Os segundos Réus deduziram ainda reconvenção contra os Autores / Reconvindos, alegando que realizaram profundas alterações e melhoramentos no prédio rústico, no valor global de € 7.178,62.

E pediram, subsidiariamente, que os Autores sejam condenados no pagamento, aos segundos Réus/reconvintes, da importância de € 32.178,62, correspondentes ao valor real do contrato, benfeitorias, despesas e IMT, acrescidas de juros à taxa legal.

Os Autores / Reconvindos replicaram, pedindo que a reconvenção seja julgada improcedente.

Foi proferido despacho saneador e fixados o objeto do litígio e os temas da prova.

Procedeu-se ao julgamento com observância do legal formalismo, conforme da ata melhor consta.

Foi proferida sentença que decidiu da seguinte forma:

“Nos termos expostos, julgo a presente acção totalmente improcedente e, em consequência, decido:

- Absolver os Réus, na íntegra, dos pedidos formulados pelos Autores.
- Julgar prejudicada a reconvenção formulada pelos Réus / Reconvindos, não se conhecendo da mesma.
- Condenar os Autores no pagamento das custas da presente acção.”

Inconformados com o decidido, os autores interpuseram recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:

A) Os Recorrentes impugnam no presente recurso quer a matéria de facto, pondo em causa os factos dados como provados constantes dos Pontos 10, 11 e 12, quer a matéria de direito.
B) Quanto ao Ponto 10 da matéria de facto, deve o mesmo ser alterado, passando a ter a seguinte redação: A primeira Ré e o segundo Réu subscreveram, em data não concretamente apurada, o documento designado “Contrato Promessa de Compra e Venda”, pelo qual a primeira prometeu vender ao segundo a metade do prédio referido em 3 pelo valor de € 25.000.
C) De facto, inexiste qualquer elemento de prova, seja documental, seja testemunhal, que suporte que aquele documento tenha sido subscrito na data que nele se encontra aposta.
D) Pelo contrário, parece-nos claro que se trata de um documento elaborado em momento posterior à citação dos Recorridos para os presentes autos, com o propósito de instruir a ação, tendo sido apresentado por conveniência dos Recorridos quando processualmente lhes foi útil.
E) Quanto ao Ponto 11 da matéria de facto, deve o mesmo ser alterado, passando a ter a seguinte redação: Os Réus subscreveram, já após a citação deste processo, o documento designado “Rectificação” datado de 3 de maio de 2016, onde declararam ter havido erro na declaração do preço na escritura referida em 3, tendo alterado o preço para € 25.000 (vinte e cinco mil euros);
F) Não nos parece que esta alteração ofereça dúvidas, uma vez que resulta provada documentalmente pelo confronto entre a data da retificação e as datas das citações dos Recorridos.
G) Quanto a Ponto 12 da matéria de facto, deve o mesmo ser alterado, passando a ter a seguinte redação: O preço real do negócio referido em 3 foi de € 12.500,00 (doze mil e quinhentos euros), tendo tal valor sido pago integralmente pelos segundos Réus à Ré R. R..
H) Os Recorridos declararam um preço aquando da realização da escritura de compra e venda, que foi de € 1.200,00 (mil e duzentos euros). Vieram, posteriormente, em sede de contestação/reconvenção, referenciar um valor distinto e superior ao preço declarado, equivalente a € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros). Depois, em sede de audiência de discussão e julgamento, o Recorrido comprador, J. M., disse que o preço real era afinal de € 25.000,00, afirmando que declarou um preço distinto na escritura com intenção de poupar impostos e pagar menos custos de escritura e registo.
I) A tese da simulação relativa (artigo 241.º do Código de Processo Civil) foi, portanto, trazida aos autos pelo Recorrido comprador J. M., que assumiu, de forma clara e explícita, em plena audiência de julgamento, ter declarado um preço bastante inferior ao preço real no sentido de pagar menos impostos (Cfr. declarações de parte do Recorrido comprador, J. M., acima transcritas);
J) Não podem, portanto, os Recorridos, por força do disposto no artigo 394.º, n.º s 1 e 2 do Código Civil, que lhes veda essa possibilidade, provar testemunhalmente sobre os contornos do negócio na medida em que este foi comprovadamente simulado, tal como resulta das declarações de parte do Recorrido comprador em sede de audiência de julgamento. Deverá, em consequência, ser anulada toda a prova testemunhal;
K) Torna-se ainda relevante destacar a coincidência entre o valor do prédio apurado em sede da avaliação realizada pelo senhor perito e o valor correspondente às transferências bancárias efetuadas pelos Recorridos compradores à Recorrida vendedora.
L) Apesar da avaliação pericial do prédio correspondente a € 13.050,00 (treze mil e cinquenta euros) e as transferências bancárias efetuadas entre os Recorridos de € 12.500,00 (doze mil e quinhentos euros), a verdade é que o Tribunal a quo quis acreditar que o preço foi de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros), coisa absolutamente impensável;
M) O único valor que ficou efetivamente comprovado foi o valor de € 12.500,00 (doze mil e quinhentos euros), mediante a junção, aos presentes autos, dos comprovativos das transferências bancárias efetuadas entre os Recorridos, que correspondem a esse valor e de uma declaração da Recorrida vendedora onde confirma ter recebido esse valor dos Recorridos compradores. Nada mais se provou, no caso em apreço, para além do pagamento deste valor, correspondendo, portanto, ao preço real da venda;
N) Quanto à matéria de direito, o Tribunal a quo concluiu, no caso concreto, que se encontram preenchidos todos os pressupostos exigidos pelos artigos 1409.º, n.º 1 e 1410.º, n.º 1 do Código Civil para que possa ser reconhecido aos Autores, aqui Recorrentes, o direito de preferência na compra e venda realizada entre os Réus, aqui Recorridos, relativamente ao prédio rústico objeto dessa compra e venda;
O) Os Recorrentes conseguiram provar e demonstrar todos os pressupostos de que dependia o exercício do seu direito de preferência sobre o prédio em discussão: exerceram o seu direito tempestivamente; efetuaram o depósito do único preço de que tiveram conhecimento, que foi o preço declarado na escritura de compra e venda, dentro do prazo legal exigido, preço esse que corresponde a uma declaração livre, clara e consciente, por parte dos Recorridos.
P) Não obstante, julgou a presente ação improcedente, pelo facto de ter chegado à conclusão, de forma absolutamente injustificável, que o preço real da venda foi de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros), sendo que os Recorrentes não efetuaram o depósito dessa quantia dentro do prazo legal, conduzindo à caducidade do direito e à improcedência do pedido;
Q) Nos casos em que se apura que o preço real é verdadeiramente superior ao preço declarado e tendo o preferente apenas efetuado o depósito do valor do preço declarado, tal não determina, só por si, a caducidade do direito de preferência. Nestes casos, justifica-se a concessão de um prazo ao preferente, dentro do qual este deverá depositar o remanescente. Neste sentido, vide: Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08-09-2016, Processo n.º 1022/12.4TBCNT.C1. S1, Relatora: Fernanda Isabel Pereira; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01-04-2004, Processo n.º 854/07.0TBLMG.P1. S1, Relator: Hélder Roque.
R) Deveria, assim, a sentença recorrida ter fixado um prazo, contado a partir do trânsito em julgado da sentença, onde indicava o preço real e o prazo dentro do qual os Autores (Recorrentes) devessem efetuar o depósito da diferença entre os valores do preço declarado e do preço real. Mas, em vez disso, o Tribunal limitou-se a decidir pela caducidade do direito de preferência de forma totalmente errada.

Pelas apontadas razões deverá ser determinada a alteração à matéria de facto constante dos Pontos 10, 11 e 12 nos termos acima referidos e deve a douta sentença recorrida ser revogada, procedendo a ação nos precisos termos em que foi proposta, concedendo aos Recorrentes o direito de aquisição do prédio, assim se fazendo JUSTIÇA.

Houve contra-alegações em que foi suscitada a ampliação do recurso e litigância de má fé dos recorrentes.

Das conclusões do recurso ressaltam as seguintes questões:

1. Alteração das respostas positivas aos pontos de facto 10, 11 e 12 da matéria de facto provada nos termos seguintes:

10. A primeira Ré e o segundo Réu subscreveram, em data não concretamente apurada, o documento designado “Contrato Promessa de Compra e Venda”, pelo qual a primeira prometeu vender ao segundo a metade do prédio referido em 3 pelo valor de € 25.000.
11. Os Réus subscreveram, já após a citação deste processo, o documento designado “Retificação” datado de 3 de maio de 2016, onde declararam ter havido erro na declaração do preço na escritura referida em 3, tendo alterado o preço para € 25.000 (vinte e cinco mil euros);
12. O preço real do negócio referido em 3 foi de € 12.500,00 (doze mil e quinhentos euros), tendo tal valor sido pago integralmente pelos segundos Réus à Ré R. R..
2. Se em face da alteração das respostas de facto questionadas, nos termos propostos, se deve ser revogada a sentença e reconhecido o direito de preferência aos autores.
3. Se é de fixar um prazo dentro do qual os preferentes podem depositar o preço real provado em audiência de julgamento.
4. Se é de julgar parcialmente procedente a reconvenção deduzida, caso o recurso seja procedente, condenando-se os autores a pagar aos réus reconvintes a quantia de 8.554,62€.
5. Se os autores recorrentes, ao questionarem a decisão recorrida litigam de má-fé, devendo ser condenados em multa e indemnização aos recorridos no montante de 600€.

Vamos conhecer das questões enunciadas.

1. Alteração das respostas positivas aos pontos de facto 10, 11 e 12 da matéria de facto provada nos termos seguintes:

10. A primeira Ré e o segundo Réu subscreveram, em data não concretamente apurada, o documento designado “Contrato Promessa de Compra e Venda”, pelo qual a primeira prometeu vender ao segundo a metade do prédio referido em 3 pelo valor de € 25.000.
11. Os Réus subscreveram, já após a citação deste processo, o documento designado “Retificação” datado de 3 de maio de 2016, onde declararam ter havido erro na declaração do preço na escritura referida em 3, tendo alterado o preço para € 25.000 (vinte e cinco mil euros);
12. O preço real do negócio referido em 3 foi de € 12.500,00 (doze mil e quinhentos euros), tendo tal valor sido pago integralmente pelos segundos Réus à Ré R. R..

Os apelantes questionam a data aposta no contrato promessa de compra e venda do prédio rústico por considerarem que não foi feita prova convincente na medida em que a convicção do tribunal foi apenas formada no depoimento do apelado marido, o que é insuficiente, tendo em conta que o documento podia ser elaborado a qualquer altura, para justificar o preço de 25.000€ no sentido da retificação que fora feita à escritura de compra e venda quanto ao preço, que passou de 1.200€ para 25.000€. Daí que tenham proposto a alteração da sua resposta eliminando-se a data.

Os apelantes não impugnaram as assinaturas do contrato em causa. Apenas colocaram em crise o seu conteúdo. Se é certo que o documento poderia ter sido elaborado em qualquer data, posteriormente à citação, inclusive, para instruir a contestação, o certo é que há elementos de facto inalteráveis, como as datas que constam dos documentos que provam as transferências bancárias entre a conta dos 2ºs réus para a da 1ª ré, que se situam entre 22/10/2015 (2.500€), 20/11/2015 (5.000€) e 24/11/2015 (5.000€). E estes factos estão em consonância com o teor do contrato promessa, quanto ao pagamento do preço, que deveria estar concretizado até ao ato da escritura de compra e venda, que ocorreu a 24/11/2015. Daí que conjugando estes elementos de prova, que não foram impugnados, com as declarações de parte do 2º réu, que se revelaram credíveis, face à forma como as prestou, é verosímil que o contrato promessa tenha sido outorgado a 15/9/2015, pelo que é de manter a sua resposta.

No que concerne ao ponto de facto 11, em que os apelantes propuseram a sua alteração no sentido de que nele deve ficar a constar que a retificação ao contrato de compra e venda foi realizada depois da citação, face a todos os elementos de prova constantes dos autos (a retificação à escritura ocorreu a 3/05/2016, a citação dos 2.ºs réus e da 1ª ré verificaram-se, respetivamente, a 16/03/2016 e 16/04/2016) é de concluir, sem margem para dúvidas, que a retificação se concretizou após a citação dos réus. Sendo um facto instrumental e alegado pelos apelantes na sua resposta, é de o incluir na resposta ao ponto de facto questionado cuja resposta deve ser alterada nos termos propostos.

No que tange ao ponto 12, os apelantes propuseram a sua alteração no sentido de que no contrato promessa conste o montante de 12.500€, como o preço do imóvel que foi pago pelos 2ºs réus à 1ª ré.

Em abono da sua proposta suscitam a violação do artigo 394 do C. Civil por parte do tribunal recorrido, que não permite que a simulação, neste caso do preço (de 1.200€ que consta da escritura de compra e venda para 25.000€ aposto na retificação), possa ser provada por testemunhas e pelas declarações dos simuladores, como consta da motivação.

Além disso, o valor apontado para a alteração aproxima-se do laudo pericial que considerou o valor 13.050€, tendo em linha de conta a capacidade construtiva do imóvel, o que não corresponde ao PDM.

Por outro lado, os depoimentos testemunhais e as declarações de parte do 2º réu marido não são credíveis, face ao montante de 25.000€ e ao valor real do prédio, pelo que também não são de atender, para além de que não se fez prova de que foram pagos 12.500€ no ato da subscrição do contrato promessa de compra e venda, através dos meios formais de pagamento (cheque, transferência bancária…) não sendo crível que tenha sido em dinheiro.

Atualmente é pacífico na doutrina e na jurisprudência que a simulação entre os simuladores pode ser provada por testemunhas desde que haja um começo de prova patente em documento ou documentos, funcionando como uma exceção ao princípio geral consagrado no artigo 394 n.º 1 e 2 do C. Civil, porque deixa de haver o perigo inerente à falibilidade da prova testemunhal. O julgador irá formar a sua convicção em elementos probatórios fiáveis conjugando-os com menos fiáveis, como seja a prova testemunhal e as declarações de parte, atualmente permitidas (Conf Ac. STJ 16/06/2003, www.dgsi.pt ; Mota Pinto CJ. 1985, Tomo III, pag. 13; Vaz Serra, BMJ. 112/219; RLJ Ano 107, pag. 311, Ano 110, pag. 311; Carvalho Fernandes, O Direito, Ano 124, pag. 615).

No caso em apreço temos a destacar o contrato promessa de compra e venda outorgado a 15 de setembro de 2015 (fls. 57), os registos de transferências bancárias da conta dos promitentes compradores para a conta da promitente vendedora ( fls. 101,102,103, onde no último referiu que o montante de 5.000€ era para “compra de um terreno) que se revelam documentos credíveis sobre o percurso para a realização do contrato de compra e venda outorgado a 24/11/2015. E a complementar estes meios de prova documental temos as declarações de parte do 2º Réu, que assumiu a simulação do preço do negócio por razões de fuga ao fisco, e os depoimentos das testemunhas A. B., que ofereceu à ré vendedora, a quantia de 25.000€, pela aquisição do prédio em causa, que só não concretizou o negócio porque o filho se desinteressou, tendo ido viver para a Póvoa do Varzim, donde era natural a sua esposa e o L. M., que foi Presidente da Junta durante 8 anos, que referiu que o montante de 25.000€ era um preço adequado, que o prédio tinha potencialidades para cultivo da oliveira, vinha e amendoeiras. Revelou ter um conhecimento do valor dos prédios daquela zona, onde, apesar de a procura ter diminuído, ainda existe.

Em face destes elementos de prova, em que os documentos se apresentam como meios de prova inicial credíveis, que revelam que foi outorgado um contrato promessa de compra e venda de metade de um prédio rústico, pelo preço de 25.000€, pago uma parte no momento da formalização do contrato, e a outra em três prestações através de transferências bancárias, e a complementar estes meios de prova temos os depoimento das duas testemunhas que, de forma indireta, se referiram ao preço real do contrato, leva-nos a concluir que é possível fazer a prova da simulação do preço sem violar o disposto no artigo 394 n.º 1 e 2 do C. Civil.

Os apelantes consideram que o preço real do contrato é o que consta da escritura de 24/11/2015 (1.200€) e não o da retificação (25.000€). O certo é que seria incompatível com o declarado no contrato promessa de compra e venda e os documentos juntos aos autos que provam o pagamento, por transferência bancária, que ronda os 12.500€.

O laudo pericial, apesar de se distanciar do valor de 25.000€, não significa que o preço não tenha sido o que consta dos documentos e pago pelos 2ºs réus. É sabido que as perícias avaliativas têm critérios divergentes dos interessados na aquisição e venda. Daí que não tenham o valor absoluto que os apelantes pretendem conferir-lhes. São ponderadas em conjugação com toda a prova produzida.

Tendo em conta o depoimento da testemunha A. B., que chegou a oferecer 25.000€ para a compra do prédio que esteve à venda, sendo do conhecimento geral da comunidade local, que só não avançou para a sua concretização porque o seu filho desistiu de ficar ali, e ir para a terra da esposa, Póvoa do Varzim, e o depoimento da testemunha L. C., que revelou conhecer os prédio da localidade e o seu valor em função das suas caraterísticas, é de concluir que o preço que consta do contrato promessa e da escritura de retificação corresponde ao preço real e não está desfasado dos preços correntes no local, isto é, não é um preço especulativo, como o aludem os apelantes. Assim, perante uma perspetiva de prova relativa e não absoluta é de manter a resposta ao ponto 12 da matéria de facto provada.

Vamos fixar a matéria de facto considerada provada, tendo em conta a alteração ao ponto 11 da matéria de facto provada:

1. Encontra-se inscrito na matriz predial da freguesia de ..., concelho de ... sob o artigo n.º ..., no lugar do …, ou …, o prédio rústico com a superfície inscrita e registada de 18.680 metros quadrados, a confrontar no seu todo pelo norte e poente com …, do sul com … e do nascente com caminho público.
2. O prédio referido em 1 pertence na proporção de metade indivisa aos autores por o terem adquirido por meio de contrato de compra e venda reduzido a escritura pública, outorgada no Cartório Notarial de ... no dia 7 de Agosto de 1984, a … e mulher ….
3. A outra metade do prédio referido em 1 foi propriedade da ré R. R., que o vendeu por meio de escritura de compra e venda, outorgada no dia 24 de Novembro de 2015 no Cartório Notarial de H. S. em ..., aos réus J. M. e mulher A. P., tendo aí sido declarado o preço de € 1.200 (mil e duzentos euros).
4. O prédio referido em 1 encontra-se registado a favor dos autores na proporção de metade e igual proporção dos segundos réus conforme decorre da descrição predial existente na CRP de ... com o nº …/20100122.
5. Os réus sabiam que a metade indivisa do prédio pertence aos autores.
6. O prédio referido em 1 é de sequeiro destinado a cultura arvense e tem superfície inferior à respectiva unidade de cultura.
7. Os Autores vivem em França durante vários meses do ano.
8. Os terrenos referidos em 1 e 3 estão divididos desde data não concretamente apurada.
9. Encontra-se inscrito na matriz predial rústica a favor do Réu J. M. o prédio rústico inscrito na matriz sob o art. …, sito no …, na freguesia de ..., com a área de 4550 m2, composto por terra de cultivo e souto, o qual confronta, matricialmente, pelo norte, com A. B., pelo sul, com …, pelo nascente, com … e, pelo poente, com A. B..
10. A primeira Ré e o segundo Réu subscreveram o documento designado “Contrato Promessa de Compra e Venda”, datado de 15 de Setembro de 2015, pelo qual a primeira prometeu vender ao segundo a metade do prédio referido em 3 pelo valor de € 25.000.
11. Os Réus subscreveram, já após a citação deste processo, o documento designado “Rectificação” datado de 3 de Maio de 2016, onde declararam ter havido erro na declaração do preço na escritura referida em 3, tendo alterado o preço para € 25.000 (vinte e cinco mil euros).
12. O preço real do negócio referido em 3 foi de € 25.000 (vinte e cinco mil euros), tendo tal valor sido pago integralmente pelos segundos Réus à Ré R. R..
13. Os segundos Réus após a celebração do negócio referido em 3 procederam à limpeza do terreno adquirido, retiraram a vinha velha ali existente e árvores secas, retiraram pedras, arranjaram e limparam os acessos e vedaram/delimitaram a terra, com a construção de um muro.
14. Os segundos Réus despenderam com o manobrador e a contratação de uma máquina retroescavadora a importância de € 1.435 (€ 35/hora X 41 horas), para a realização do alicerce do muro de vedação, arranque das cepas e cavar a terra.
15. Os segundos Réus compraram e colocaram no imóvel um portão em ferro e malha galvanizado, que teve um custo de € 615 (seiscentos e quinze euros).
16. Em mão de obra, com a construção do muro de vedação, despenderam a importância de € 1.599 (mil quinhentos e noventa e nove euros).
17. Com a aquisição de materiais (cimento, ferro, madeira de cofragem, areão, areia, vigas, blocos, fechadura, latão, estacas, latão união, latão joelho, latão casquilho duplo) despenderam a importância de € 1.398,90 (mil trezentos e noventa e oito euros e noventa cêntimos),
18. O valor das benfeitorias introduzidas no imóvel pelos segundos Réus é de € 6.741,40 (seis mil setecentos e quarenta e um euros e quarenta cêntimos),
19. Os Réus despenderam com as escrituras o montante de € 190,29 (escritura inicial) e € 112,93 (escritura de rectificação).
20. Os Réus liquidaram IMT no montante de € 1.310 (mil trezentos e dez euros) e Imposto de Selo no valor de € 200 (duzentos euros).
21. A 12 de Maio de 2016 a Ré R. R. e G. C. subscreveram o documento designado “Compra e Venda”, pelo qual a primeira vendeu ao segundo pelo preço de € 2.000 (dois mil euros) metade indivisa do prédio rústico inscrito na respectiva matriz da freguesia de ... sob o artigo 2013.”

2 Se em face da alteração das respostas de facto questionadas, nos termos propostos, se deve ser revogada a sentença e reconhecido o direito de preferência aos autores.

O tribunal recorrido julgou improcedente a ação, absolvendo os réus dos pedidos formulados, porque os autores não pretenderam exercer o seu direito de preferência pelo preço real do prédio em discussão, porque apenas manifestaram intenção de o fazer, primeiramente até ao montante de 10.000€ e, posteriormente, pelo valor emergente do laudo pericial (13.050€), o que não corresponde ao preço devido que é de 25.000€, conforme foi provado.

A alteração ao ponto de 11 da matéria de facto não é suficiente para modificar o sentido da decisão, na medida em que não influencia o essencial, que se traduz no valor do prédio. Daí que não haja fundamento para revogar a decisão recorrida.

3. Se é de fixar um prazo dentro do qual os preferentes podem depositar o preço real provado em audiência de julgamento.

Os autores/apelantes foram notificados para virem aos autos dizerem se estão disponíveis a exercerem o seu direito de preferência pelo preço que consta da escritura de retificação (25.000€), como resulta do despacho de fls. 109.

Em face deste despacho os autores disponibilizaram-se a exercer o seu direito de preferência até ao valor de 10.000€. Mais tarde, depois de notificados do laudo pericial, apresentaram um requerimento, a 25/10/2017, em que declaram aceitar pagar o montante de 13.050€, corresponde ao laudo pericial (fls. 171 verso).

Perante tudo isto julgamos que os autores já tomaram a sua posição ao longo do processo, que não estavam disponíveis a pagar mais do que 13.050€, pelo que não se justifica a notificação dos autores para o mesmo efeito.

4. Se é de julgar parcialmente procedente a reconvenção deduzida, caso o recurso seja procedente, condenando-se os autores a pagar aos réus reconvintes a quantia de 8.554,62€.

Face ao decidido em 1 e 2 fica prejudicado o conhecimento desta questão.

5. Se os autores recorrentes, ao questionarem a decisão recorrida litigam de má-fé, devendo ser condenados em multa e indemnização aos recorridos no montante de 600€.

O recurso dos autores/apelantes incide, essencialmente, sobre matéria de facto, mais concretamente, com a impugnação dos pontos 10, 11 e 12 da matéria de facto provada cuja reversão teria influência decisiva sobre a decisão recorrida na vertente do direito.

O resultado da impugnação da matéria de facto é de grande imprevisibilidade, uma vez que implica a reanálise da prova. E quando envolve prova testemunhal mais imprevisível é. E a matéria fáctica, objeto do recurso, implica a reanálise da prova, incluindo depoimentos testemunhais e declaração de parte do 2º réu marido, e até uma apreciação de admissibilidade de prova de um facto simulado por testemunhas e declaração de parte.

Por tudo isto julgamos que não se verificam os pressupostos do artigo 542 n.º 1 e 2 do CPC,, na medida em que não se revela ignorância ou falta de fundamentação, nem estão a usar o recurso como forma de entorpecer ou protelar a justiça. Julgamos que estão a exercer um direito, que é o de recorrer para um tribunal de recurso, com vista a reverter e decisão do tribunal recorrido, apresentando fundamentos que, na sua perspetiva, são viáveis e discutíveis no seio da jurisprudência, citando decisões de tribunais superiores.

Em face do exposto julgamos improcedente a pretensão deduzida.

Concluindo: 1. Considerou-se a possibilidade de prova do ponto de facto 12, que envolvia matéria de simulação do preço na compra de um imóvel rústico porque há princípio de prova em documentos juntos aos autos, que foi complementada com prova testemunhal e declarações de parte do 2.º réu marido, não se violando o disposto no artigo 394 n.º 1 e 2 do C.Civil, como defende a maioria da doutrina e jurisprudência.

Decisão

Pelo exposto acordam os juízes da Relação em julgar improcedente a apelação e o pedido de litigância de má fé suscitada pelos réus apelados e, consequentemente, confirmam a decisão recorrida e indeferem a pretensão de litigância de má fé.

Custas a cargo dos apelantes e apelados na proporção de decaimento.
Guimarães,

Joaquim Luis Espinheira Baltar
Eva Almeida
Maria Amália Santos