Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2159/09.2TBBRG.G1
Relator: EVA ALMEIDA
Descritores: CONTRATO-PROMESSA
DEFEITO DA OBRA
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
RESTITUIÇÃO DE IMÓVEL
RESTITUIÇÃO DO SINAL
MORA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/30/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I - Face ao disposto no artº 410º do Código Civil são aplicáveis ao contrato promessa as regras do contrato prometido, aí não exceptuadas (princípio da equiparação). Tendo a entrega da fracção ocorrido em consequência da celebração do contrato promessa e verificando o promitente-comprador que a coisa entregue não está conforme ao que foi prometido vender, este pode recusar a celebração do contrato prometido enquanto a fracção não for reparada e tornada apta ao fim a que se destina.
II- Como a autora não diligenciou pela eliminação dos defeitos de construção, era lícito ao réu, após sucessivas interpelações e recusas motivadas em celebrar o contrato prometido, resolver o contrato promessa, em cuja celebração perdeu objectivamente o interesse.
III - Por força do disposto nos artºs 433º, 289º e 290º do Código Civil, na obrigação de restituir decorrente da resolução do contrato, as prestações são simultâneas, sendo aplicável o disposto no artº 428º do mesmo Código (excepção do não cumprimento). Não há mora por parte do réu na restituição do imóvel até ao oferecimento simultâneo, por parte da autora, da restituição da quantia que aquele lhe entregara, por força do contrato resolvido e cuja devolução lhe exigira.
IV – Inexistindo mora na obrigação de restituir, não assiste à autora o direito a ser indemnizada pela privação do uso da fracção.
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I - RELATÓRIO
“I.., Lda.” intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum sob a forma ordinária, contra M.., pedindo:
a) Se declare o incumprimento definitivo do contrato promessa de compra e venda por parte do réu, reconhecendo-se à autora o direito de fazer seu o sinal entregue, no valor de €7.500,00
c) Se condene o réu a pagar-lhe a quantia mensal de €650,00 desde o dia 13 de Setembro de 2005 até entrega da fracção, a título de indemnização pelos prejuízos sofridos pela autora com a utilização do imóvel, e que ascendia a €27.950,00
Para fundamentar tal pretensão alega, em síntese, que a 16 de Setembro de 2005 celebrou com o réu um contrato promessa de compra e venda, que teve por objecto a fracção autónoma tipo T2 designada pela letra "AD", no 4.º piso de um prédio sito na Maia, pelo preço de €147.146,00, tendo o réu de imediato entregue à autora, a título de sinal e princípio de pagamento, a quantia de €7.500. O restante valor seria liquidado aquando da outorga da escritura pública de compra e venda, que previsivelmente seria realizada durante o mês de Outubro de 2005. A autora entregou a fracção ao réu a 13 de Setembro de 2005, autorizando a sua utilização. Até ao presente não foi realizada a escritura, pois que, apesar de sucessivamente notificado, o réu não compareceu no cartório notarial para esse efeito, nomeadamente nos dias 12.10.2007 e 17.10.2007. Mediante carta registada com a.r. enviada ao réu a 8.01.2008, a autora fixou um prazo de 15 dias para que se pronunciasse sobre a sua intenção, advertindo-o de que caso nada dissesse considerava o contrato definitivamente incumprido, fazendo seu o sinal e exigindo a devolução da fracção. Apesar disso o réu manteve-se inerte, não se coibindo de habitar a fracção, que se vai desvalorizando pelo uso e que poderia ser arrendada por €650 mensais
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Citado, o réu contestou alegando, em suma, que desde que o seu filho foi habitar para a dita fracção, em Setembro de 2005, tentou pagar o IMT com vista à realização da escritura pública, por três vezes, sem sucesso, uma vez que a sociedade autora constava com dívidas fiscais, o que impossibilitou a realização daquela; entretanto, outras fracções contíguas do edifício começaram a ser habitadas o que permitiu verificar, que, ao nível do isolamento acústico, a fracção padecia de defeito, ouvindo-se todos os ruídos e barulhos, o que determinou que o seu filho deixasse de ocupar o quarto de dormir, passando para o efeito a utilizar a sala da fracção; depois de feita uma abertura na parede divisória entre esta fracção e a do vizinho M.., verificou-se que inexiste correspondência entre a obra executada e o teor da ficha técnica do projecto do edifício pois a parede em questão tem uma espessura inferior ao previsto. Quer o réu quer o proprietário da aludida fracção contígua exigiram que a autora resolvesse esta questão o que esta não fez, pelo que sem a eliminação desse defeito assiste ao réu o direito de se recusar a assinar a escritura pública, como fez nos dias 12 e 17 de Outubro de 2007. Face ao arrastar da situação e à recusa da autora em reparar os defeitos, a 13 de Março de 2008, o seu mandatário, enviou àquela uma carta a informar a resolução do contrato promessa, pois a fracção não dispõe de condições de habitabilidade.
O réu deduziu reconvenção, pedindo que se lhe reconheça o direito de recusar a sua prestação enquanto a autora não reparar a fracção ou, se assim não se entender, que tem direito à resolução do contrato, por perda de interesse, pois a fracção não cumpre o fim a que se destina, condenando-se ainda a autora a restituir-lhe o sinal entregue.
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A autora replicou, alegando que o réu não pode socorrer-se da excepção de não cumprimento do contrato porque não há simultaneidade de prestações, desde logo porque a autora já entregou a fracção ao réu, obrigação principal que para ela decorre do contrato. Nunca se recusou a reparar qualquer eventual problema manifestado na fracção, tendo sido o réu quem recusou a entrega da chave ou o acesso da autora à mesma para verificação/vistoria. Mais alega, não ser legítimo ao réu invocar a perda de interesse na compra da fracção, por falta de condições de habitabilidade, quando primeiro invoca a excepção de não cumprimento, fazendo depender a celebração da escritura da eliminação dos problemas acústicos da fracção, quando além do mais a fracção sempre foi habitada pelo filho daquele.
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Designada data para uma tentativa de conciliação, solicitaram as partes a suspensão da instância, período findo o qual, por ausência de acordo, se proferiu o despacho saneador. Seguidamente procedeu-se à selecção dos factos assentes e da matéria controvertida.
Realizou-se a audiência de julgamento com observância do formalismo legal.
Produzida a prova, respondeu-se à base instrutória por despacho que não foi objecto de reclamação.
As partes acordaram de imediato na discussão oral do aspecto jurídico da causa.
O Tribunal proferiu sentença em que decidiu:
Pelo exposto, o Tribunal julga parcialmente procedente a acção e a reconvenção, declarando resolvido o contrato-promessa celebrado entre as partes, por incumprimento definitivo da autora e, em consequência, condena:
- a autora a devolver ao réu o valor entregue de sinal de 7.500,00 Eur. (sete mil e quinhentos euros);
- o réu a pagar à autora, a título de indemnização pela ocupação da fracção entre Abril de 2008 e Outubro de 2012, o valor de 24.300,00 Eur. (vinte e quatro mil e trezentos euros).
Sobre as aludidas quantias incidem ainda juros de mora à taxa civil a contar do trânsito da presente decisão.
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Inconformado, o réu interpôs o presente recurso, instruído com as pertinentes alegações, em que formula as seguintes conclusões:
1 – A mui douta sentença, ora recorrida, viola, interpreta incorrectamente ou aplica deficientemente, o estabelecido, entre outros, nos artigos 483º, 499º a 510º, 563º e 1.032º e segs, todos do C.C.
2 – A mui douta decisão ora em recurso, na parte em que condenou o Réu a pagar à Autora, a título de indemnização pela ocupação da fracção entre Abril de 2008 e Outubro de 2012, o valor de € 24.300,00, carece de fundamentação factual e legal e está até em oposição com o anteriormente decidido.
3 – Refere o meritíssimo Juiz a quo que a resolução do contrato promessa se operou validamente em Março de 2008, mediante a carta que o mandatário do Réu enviou à Autora.
4 - E que a partir dessa data se constituiu o Réu em mora quanto à entrega/devolução da fracção à Autora.
5 - Todavia a Autora nunca aceitou essa resolução, tal como resulta, além do mais, do teor da presente acção e dos pedidos que a própria Autora nela formula.
6 - Também a Autora nunca mostrou qualquer disponibilidade para devolver ao Réu os quantitativos recebidos a título de sinal.
7 - Nem para receber de volta o imóvel.
8 - Por outro lado, assistia sempre ao Réu, como reconhecido na presente acção, o direito a receber da Autora as quantias que lhe haviam sido entregues a título de sinal e princípio de pagamento.
9 - Por isso, o Réu não violou ilícita e culposamente o direito de propriedade da Autora.
10 - Não se verificando, neste caso, os necessários pressupostos da ilicitude e da culpa por parte do Réu.
11 - Por outro lado, como já referido, deu-se como provado, entre outros factos que: Na dita fracção não é possível manter uma conversa ao telefone sem ser ouvido pelos vizinhos; Não é possível estabelecer um diálogo com outra pessoa sem ser ouvido pelos vizinhos; Não é possível auferir de alguma privacidade, nomeadamente, para a prática de actos correntes e típicos na vida de um casal.
12 - Ou seja, a fracção em causa nos presentes autos não reunia as condições mínimas de habitabilidade.
13 - Apresentava vícios que lhe não permitiam realizar cabalmente o fim a que era destinada.
14 - Mesmo a terem-se verificado os ditos pressupostos da ilicitude e da culpa por parte do Réu, o que não se concede, tais vícios teriam sempre que exonerar o Réu de pagar à Autora qualquer quantia (Cfr. artigo 1032º do CC).
15 - E muito menos ainda o quantitativo total que a mui douta sentença fixou, ou seja, os € 450,00/mês.
16 - Este valor só poderia ser devido pelo Réu à Autora no caso de a fracção não apresentar quaisquer vícios e ser capaz de realizar cabalmente o fim a que era destinada.
17 - O que também nunca aconteceu. Ou, se assim se não entender,
18 - Sempre deverá a dita quantia ser substancialmente reduzida, face aos apontados vícios que a fracção apresentava e que a impediam de realizar cabalmente o fim a que era destinada.
19 - Tal quantia nunca deveria ser fixada em quantia superior a uma quarta parte do quantitativo fixado, ou seja, em quantia superior a € 6.075.00.
20 - O Réu não retirou qualquer vantagem da situação criada pela Autora.
21 – A Autora foi e é a única responsável pela situação criada com a fracção em causa.
22 - A mui douta sentença, na parte ora em recurso, por essa razão, está ferida de nulidade porque os seus fundamentos de facto estão em oposição com a decisão.
23 – Assim sendo deverá a mui douta sentença ora em recurso ser alterada na parte em que condena o Réu a pagar à Autora a quantia de € 24.300,00 a título de indemnização pela ocupação da fracção, absolvendo o Réu do pagamento dessa quantia, ou, se assim se não entender, fixando o valor a pagar pelo Réu à Autora em quantia nunca superior a € 6.075,00.
TERMOS em que, nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento de V. Ex.cias, deve a decisão recorrida, na parte em que é objecto do presente recurso, ser revogada e substituída por outra que julgue o pedido de indemnização formulado pela Autora totalmente improcedente, dele absolvendo, consequentemente o Réu, ou se assim se não entender, alterar a decisão ora em recurso fixando-se em quantia nunca superior a € 6.075,00 o valor da indemnização a pagar pelo Réu à Autora.
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A autora, além de contra-alegar, interpôs recurso subordinado, formulando, quanto a este, as seguintes conclusões:
(…)
III. Discorda, no entanto, a Autora, da quantificação da indemnização a pagar pelo Réu à Autora, bem como da parte da decisão em que o Mmo. Juiz a quo considera o contrato resolvido por incumprimento definitivo da Autora, bem como na parte onde condena a Autora a entregar o valor entregue pelo Réu a título de sinal, pelo que interpõe recurso subordinado relativo a essa parte da decisão.
IV. De facto, mediante contrato promessa outorgado no dia 16 de Setembro de 2005, a Autora prometeu vender ao Réu fração autónoma, do tipo T2, identificada pelas letras “AD”, sita na Rua.., com um duplo lugar de aparcamento e um arrumo, ambos identificados pelo n.º 29, localizados na cave, com entrada pelo n.º 93 da mesma rua, descrita na conservatória do registo predial da Maia sob o número .., e inscrita na matriz predial urbana sob artigo .. na competente repartição de finanças.
V. No mesmo contrato acordaram Autora e Réu que, pela prometida venda, este pagaria àquela o preço global de € 147.146,00 (cento e quarenta e sete mil cento e quarenta e seis euros), sendo certo que o Réu entregou à Autora, na data de celebração do supra referido contrato, a quantia de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros) a título de sinal e princípio de pagamento, tendo sido dada quitação do respetivo valor, tendo a Autora transferido para o Réu a detenção sobre a aludida fração, tendo-o autorizado a utilizar o imóvel sem qualquer limitação.
VI. A restante quantia, no valor de € 139.646,99 (cento e trinta e nove mil e seiscentos e quarenta e seis euros) seria liquidada pelo réu aquando da outorga da respetiva escritura pública de compra e venda, que deveria ser outorgada previsivelmente durante o mês de Outubro de 2005.
VII. Por carta registada com aviso de receção para a respetiva morada a Autora notificou o Réu, para comparecer no Cartório Notarial de Braga no dia 12 de Outubro de 2007, a fim de ser outorgada a escritura definitiva de compra e venda.
VIII. Em resposta, o Réu, escusou-se a comparecer, pelo que a Autora, por fax datado de 11 de Outubro de 2007, aprazou nova data para a outorga da supra referida escritura, fixando para o efeito, o dia 17 de Outubro de 2007 pelas 10:00horas, no intuito de, finalmente, ser cumprido o contratualmente estipulado, sendo certo que o aqui Réu não compareceu nem se fez representar na diligência, tendo tal facto sido declarado e certificado pelo notário.
IX. Apesar das sucessivas insistências da Autora junto do Réu no sentido de ver cumprido o contrato promessa em mérito, o Réu recusa-se a celebrar o contrato prometido, alegando a existência de suposta deficiências na moradia prometida comprar e vender.
X. Apesar disso, não se abstinha o Réu de habitar essa mesma moradia, o que demonstra claramente que a fração prometida comprar e vender está apta a ser utilizada para o fim a que se destina, pois que a utiliza como sua residência, habitando-a e tirando dela todas as suas utilidades.
XI. E a verdade é que, para além de se recusar a celebrar a escritura pública de compra e venda, recusa-se também o Réu a devolver à Autora a habitação em causa, que utiliza há quatro anos como sua habitação, às custas e a expensas da Autora.
XII. Assim, e pelo que se constata, o Réu furtou-se ao cumprimento das obrigações que assumiu com a assinatura do contrato promessa junto à presente.
XIII. E a verdade é que a Autora sempre tentou resolver os problemas existentes no imóvel, nomeadamente apresentando por diversas vezes a sua disponibilidade em apurar o problema do isolamento acústico indicado pelo Réu, e este é que sempre adotou uma postura passiva, pois que sempre se mostrou mais interessado em dificultar a prestação da Autora, do que propriamente, em auxiliar na resolução do problema.
XIV. Primeiro, levanta a questão de lhe ter sido recusado o pagamento do IMT na repartição de finanças pelo facto de em nome da A. constarem dívidas fiscais, e que por isso não pôde outorgar a escritura pública na data aprazada pela Autora, não obstante ter conhecimento de que nenhuma repartição de finanças pode recusar o pagamento do IMT a um comprador de imóvel por verificar que o vendedor detém processos de execução fiscal em seu nome.
XV. De seguida, imputa a responsabilidade da não outorga da escritura pública à Autora, baseando-se na existência de supostos defeitos na fração prometida comprar e vender.
XVI. E apesar da total disponibilidade da Autora para efetuar inspeção à fração o Réu, em momento algum, disponibilizou a fração ou a chave da fração à Autora, para vistoria.
XVII. Está assente nos presentes autos que a Autora já efetuou a prestação típica e principal que lhe competia, tendo procedido à entrega do bem.
XVIII. Uma vez que é o Réu que, de má-fé, recusa cumprir a sua prestação principal – celebração da escritura com pagamento do preço devido alegando, para tanto, os incumprimentos de um dever secundário por parte da Autora.
XIX. Dispõe o n.º 1 do artigo 441º do CC que “No contrato promessa de compra e venda presume-se que tem carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente- comprador ao promitente-vendedor, ainda que a titulo de antecipação ou principio de pagamento.”
XX. Ainda assim, postula o n.º 1 do artigo 442.º do mesmo diploma que “Quando haja sinal, a coisa entregue deve ser imputada na prestação devida, ou restituída quando a imputação não for possível.”, acrescentando o n.º 2 do mesmo normativo que “se quem constitui o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente a faculdade de fazer sua a coisa entregue”.
XXI. Sem prejuízo do disposto no artigo 808.º do CC: “Se o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação, ou esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, considera-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação.”.
XXII. Ora, pelo exposto não há dúvidas que assiste à Autora o direito de socorrer-se do mecanismo previsto no artigo 442.º nº 1 e 2, fazendo seu o sinal entregue, em virtude do incumprimento culposo do Réu.
XXIII. Além disso, dispõe o art. 798.º que “o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor”.
XXIV. Assim, para além da perda do sinal entregue, deve o Réu ser condenado a pagar à Autora os prejuízos resultantes do seu comportamento inadimplente.
XXV. Do mesmo modo, desde logo, constitui arreigada convicção da Autora de que, no caso em apreço, o Réu não se possa recorrer do instituto da exceptio non adimpleti contratus.
XXVI. Tendo em conta os factos expostos e os argumentos de Direito, impõe-se alteração à, aliás douta, sentença proferida pelo tribunal a quo.
XXVII. De facto, tendo a Autora cumprido, desde a data de outorga do contrato promessa de compra e venda, a sua obrigação principal (entrega da coisa), teria o Réu obrigatoriamente de, ao ser interpelado para o efeito, cumprir a sua prestação principal, procedendo à assinatura da escritura de compra e venda e ao pagamento do preço.
XXVIII. Na verdade, muito paciente foi a Autora, ao interpelar por diversas vezes o Réu para que cumprisse as suas obrigações.
XXIX. E o certo é que, tendo alegado vários problemas para se escusar ao cumprimento, a Autora ainda assim sempre se mostrou disposta a vistoriar a fração em causa, para que pudesse proceder às reparações necessárias para que a habitação ficasse com todas as condições de privacidade.
XXX. No entanto, é também verdade que isso só não sucedeu devido a uma recusa reiterada por parte do Réu em fornecer as chaves à Autora ou em agendar uma data para que a Autora pudesse proceder à referida vistoria.
XXXI. Nesse sentido, mais não pôde a Autora fazer se não proceder à resolução do contrato, por existir incumprimento definitivo do Réu que, não obstante o prazo fixado pela Autora nos termos do artigo 808.º do C.C., para que procedesse à outorga da escritura, nada fez para solucionar a situação.
XXXII. Discorda ainda a Autora da quantificação atribuída pelo Mmo. Juiz a quo no que diz respeito ao prejuízo diário que a Autora tem com a fração prometida vender.
XXXIII. De facto, pode ler-se no ponto 35 da matéria de facto dada como provada: Cada mês de utilização do Tipo T2, com a localização e características da fracção prometida vender, são arrendadas pela quantia média mensal de € 450,00 (quatrocentos e cinquenta euros).
XXXIV. Ora, a Autora não pode concordar com o valor atribuído.
XXXV. De facto, tendo em conta que a renda mensal praticada nos imóveis com características semelhantes, com idêntica localização e idade é de € 650,00 (seiscentos e cinquenta euros), não compreende a Autora por que razão foi atribuída à fração em causa o valor de € 450,00 (quatrocentos e cinquenta euros).
XXXVI. Do mesmo modo consideraram os Senhores Peritos que, em resposta aos quesitos da Autora, referiram: Tendo em conta a privação do uso da fracção autónoma, a imobilização do investimento, a não comercialização e a impossibilidade de dar de arrendamento a fracção autónoma prometida comprar e vender causam à Autora um prejuízo de € 650,00 por mês? Usando como base o valor mensal provável para arrendamento de um imóvel com as características, localização e idade do vistoriado, assume-se que o valor de € 650,00 mensais será um valor justo para o arrendamento do mesmo, pelo que quando a Autora se vê impossibilitada de efectuar esse mesmo arrendamento, admite-se que a mesma incorra num prejuízo mensal de €650,00. As fracções do Tipo T2, com a localização e características da fracção prometida vender, são arrendadas pela quantia média mensal de € 650,00? Respondido no quesito anterior.
XXXVII. Nessa conformidade, impõe-se uma alteração no valor da indemnização a pagar pelo Réu à Autora, que deve ter por base o valor de € 650,00 (seiscentos e cinquenta euros) mensais, sendo, assim, a indemnização de € 35.100,00 (trinta e cinco mil e cem euros) e não € 24.300,00 (vinte e quatro mil e trezentos euros).
XXXVIII. Impõe-se ainda uma alteração na decisão, no que diz respeito ao incumprimento definitivo do contrato, pois que a resolução do contrato promessa de compra e venda operou em virtude do incumprimento definitivo do Réu,
XXXIX. Sendo certo que, assim sendo, se impõe a alteração da decisão na parte em que condena a Autora a entregar ao Réu a quantia prestada a título de sinal, atentas as imposições do artigo 442.º do C.C.
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O recurso foi admitido como apelação, a subir de imediato, nos próprios autos e com efeito devolutivo, igualmente se admitindo o recurso subordinado. Os autos foram remetidos a este Tribunal da Relação e o recurso admitido sob a forma, modo de subida e efeito atribuídos pela 1ª instância, assim como o recurso subordinado.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO E QUESTÕES A DECIDIR.
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente, tal como decorre das disposições legais dos artºs 684º nº3 e 690º do CPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões “salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras” (artº 660º nº2 do CPC). E, de entre estas questões, excepto no tocante àquelas que o tribunal conhece ex officio, o tribunal de 2ª instância apenas poderá tomar conhecimento das questões já trazidas aos autos pelas partes, nos termos dos artºs 664º e 264º do CPC, não podendo a parte nas alegações de recurso e respectivas conclusões vir suscitar e requerer a apreciação de questões ou excepções novas.
As questões a apreciar são as constantes das conclusões que acima reproduzimos.
III - FUNDAMENTOS DE FACTO
Factos assentes:
1. Mediante contrato promessa outorgado no dia 16.09.2005, a Autora prometeu vender ao Réu fracção autónoma, do tipo T2, identificada pelas letras “AD”, sita na Rua .., com um duplo lugar de aparcamento e um arrumo, ambos identificados pelo n.º 29, localizados na cave, com entrada pelo n.º 93 da mesma rua, descrita na C.R.Predial da Maia sob o n.º .., e inscrita na matriz predial urbana sob artigo ...
2. No mesmo contrato acordaram Autora e Réu que, pela prometida venda, este pagaria àquela o preço global de € 147.146,00 (cento e quarenta e sete mil cento e quarenta e seis euros).
3. Nos termos contratuais, o Réu entregou à Autora, na data de celebração do supra referido contrato, a quantia de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros) a título de sinal e princípio de pagamento, tendo sido dada quitação do respectivo valor.
4. A restante quantia, no valor de € 139.646,00 (cento e trinta e nove mil e seiscentos e quarenta e seis euros) seria liquidada pelo réu aquando da outorga da respectiva escritura pública de compra e venda.
5. Que deveria ser outorgada previsivelmente durante o mês de Outubro de 2005.
6. A 13 de Setembro de 2005 a Autora transmitiu para o Réu a detenção sobre a aludida fracção, tendo-o autorizado, a partir dessa data a utilizar o imóvel sem qualquer limitação, designadamente para a sua habitação.
7. Bem como autorizou o Réu a requisitar o contador para fornecimento de água e gás próprios.
8. Desde o dia 13 de Setembro um filho do Réu vem utilizando a fracção. (alíneas A) a H) da matéria assente)
9. Na data referida em 8. nenhuma das fracções contíguas era habitada.
10. Nessa fase o Réu tentou pagar o IMT da fracção.
11. Mas o pagamento foi recusado em virtude de a Autora, como foi verbalmente informado, constar com dívidas fiscais.
12. Entretanto as fracções contíguas começaram a ser habitadas.
13. Verificou-se, então, que muitos ruídos e barulhos passavam de umas para as outras fracções.
14. A partir dessa data, o filho do Réu deixou de utilizar o quarto de dormir e, no seu lugar, passou a utilizar a sala.
15. Poucos dias depois de o vizinho mais próximo, o senhor M.., começar a utilizar a sua fracção, foi avisado por este para ter mais cuidado com as conversas ao telefone porque era possível ouvir no seu apartamento tudo o que ele dizia quando falava ao telefone.
16. Referiu, ainda, que se ouviam também os diálogos que o filho do Réu mantinha com o amigo com quem estudava. (resposta aos quesitos 1.º a 8.º da base instrutória)
17. Foi então feita uma abertura na parede divisória das duas fracções.
18. Verificou-se, então, não haver correspondência entre a obra executada e o teor da respectiva ficha técnica, já que segundo esta a parede deveria ter 1,5 cm de reboco + 11 cm de tijolo + 6 cm de isolamento e caixa de ar totalmente preenchido com lã de rocha + 11 cm de tijolo + 1,5 cm de reboco, ou seja, a dimensão total de 31 cm.
19. Essa parede tem 2 cm de reboco + 11 cm de tijolo do lado do apartamento que foi ocupado pelo réu, + 3 cm de caixa de ar, sem qualquer preenchimento, + 9 cm de tijolo + 2 cm de reboco, do lado do apartamento de M.., ou seja, tem a dimensão de 27 cm.
20. O Réu exigiu à Autora, de imediato, a resolução desse problema. (resposta aos quesitos 9.º a 12.º da base instrutória)
21. Por carta registada com aviso de recepção para a respectiva morada a Autora notificou o Réu, para comparecer no Cartório Notarial de Braga no dia 12 de Outubro de 2007, a fim de ser outorgada a escritura definitiva de compra e venda, com a advertência de que, na hipótese de o Réu não comparecer perderia todo o interesse na celebração da escritura, e passaria a considerar o contrato definitivamente incumprido.
22. Em resposta, o Réu, escusou-se a comparecer nos termos da carta junta como documento n.º 9 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
23. A Autora, por fax datado de 11 de Outubro de 2007, aprazou nova data para a outorga da supra referida escritura, fixando para o efeito, o dia 17 de Outubro de 2007 pelas 10.00 horas.
24. Na data referida compareceu no cartório em causa o procurador da Autora, mas o Réu não compareceu nem se fez representar na diligência, tendo tal facto sido declarado e certificado pelo notário.
25. A Autora, mediante carta registada com aviso de recepção datada de 8.01.2008, fixou ao Réu um prazo de 15 (quinze) dias para que se pronunciasse sobre a sua real intenção quanto ao que havia sido estipulado contratualmente, advertindo para as consequências da sua inércia, mormente a perda do interesse e o incumprimento definitivo do contrato em que incorria.
26. O Réu continuou a recusar celebrar a escritura pública definitiva.
27. O Réu devolveu a fracção à autora a 16 de Outubro de 2012, e até aí não pagou à autora qualquer renda ou qualquer quantitativo pela sua utilização. (alíneas I) a O) da matéria assente, esta última alterada face à confissão feita no início da audiência de 20.3.2013, informando as partes por acordo que a fracção foi entregue voluntariamente pelo réu à autora naquela data)
28. Como a Autora não resolveu o problema do isolamento acústico da fracção prometida, o Réu agiu como descrito em 22. e 24..
29. A 13 de Março de 2008 o mandatário do Réu enviou-lhe a carta registada junta como doc. 7 de fls. 63 e 64, cujo teor se dá aqui por reproduzido.
30. A Autora sabia que a fracção se destinava a ser utilizada pelo filho do Réu, enquanto estudante. (resposta aos quesitos 13.º a 15.º da base instrutória)
31. Na fracção não é possível manter uma conversa ao telefone sem ser ouvido pelos vizinhos.
32. Não é possível estabelecer um diálogo com outra pessoa sem ser ouvido pelos vizinhos.
33. Não é possível auferir de alguma privacidade, nomeadamente, para a prática de actos correntes e típicos na vida de um casal.
34. Cada mês de utilização da fracção pelo Réu causa à Autora uma perda equivalente a € 450,00 (quatrocentos e cinquenta euros).
35. As fracções do Tipo T2, com a localização e características da fracção prometida vender, são arrendadas pela quantia média mensal de € 450,00 (quatrocentos e cinquenta euros). (resposta aos quesitos 19.º a 23.º da base instrutória)
IV – FUNDAMENTOS DE DIREITO
A) Recurso principal
O réu discorda da sentença na parte em que o condenou a pagar a quantia de € 24.300,00, a título de indemnização pela ocupação da fracção autónoma, entre Abril de 2008 e Outubro de 2012.
Na sentença recorrida considerou-se que o réu tinha fundamento para resolver o contrato que celebrou com a autora. A este propósito conclui-se na sentença: Não sendo os defeitos insignificantes e não providenciando a promitente vendedora pela sua eliminação, é conforme à boa fé, adequada e justificada a recusa dos promitentes compradores de celebrar a escritura até que os defeitos sejam reparados, por se destinar a garantir o seu direito de aquisição das fracções, isentas de defeitos. E se os vícios da coisa prestada se afastam de tal modo da prestação convencionada, mostrando-se insusceptível de satisfazer o interesse do credor, apreciado objectivamente, é pacífica a doutrina e jurisprudência em fazer equivaler o cumprimento defeituoso ao puro incumprimento com as consequências que lhe são próprias. Assim, nos termos do art. 808.º do CC a resolução do contrato-promessa comunicada pela carta datada de 13/03/2008 é válida e eficaz, pois mostra-se fundamentada pela perda de interesse do réu na aquisição da fracção, em consequência do arrastar da inacção da autora.
A sentença recorrida prossegue, considerando que (…) inexistindo o fundamento resolutivo invocado pela autora não pode a mesma fazer seu o valor do sinal, o que implica a improcedência do seu primeiro pedido e a procedência da reconvenção na parte em que reclama a devolução do mesmo valor, pois a fracção já foi voluntariamente devolvida à posse da autora.
No entanto, porque o réu não entregou (restituiu) a fracção na data em que resolveu o contrato, considerou-se ilícita a ocupação da dita fracção desde a data da resolução até à entrega (restituição). Daí ter sido o réu condenado no pagamento da aludida quantia, correspondente ao prejuízo sofrido pela autora pela privação do uso da sua fracção autónoma, desde a data da resolução, que na sentença se entende ser o momento em que deveria ter sido operada a restituição, até à entrega, que já ocorreu na pendência da acção (entre Abril de 2008 e Outubro de 2012).
Sustenta o réu apelante que a autora nunca aceitou essa resolução, tal como resulta, além do mais, do teor da presente acção e dos pedidos que a própria autora nela formula e nunca mostrou qualquer disponibilidade para devolver ao réu o quantitativo recebido a título de sinal.
Apreciando:
Estabelece o artº 433º do Código Civil (CC) que a resolução do contrato é equiparada à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico, salvo o disposto no artigo seguinte.
Por seu turno o artº 289º do CC a propósito dos efeitos da declaração de nulidade e da anulação estabelece a retroactividade, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado.
Sobre o momento da restituição rege o artº 290º, no qual se determina que as obrigações recíprocas de restituição que incumbem às partes por força da nulidade ou anulação do negócio devem ser cumpridas simultaneamente, sendo extensivas ao caso, na parte aplicável, as normas relativas à excepção do não cumprimento, isto é, o disposto no artº 428º do CC.
No caso em apreço a resolução do contrato promessa implicava a restituição do que por força dele foi prestado.
Por força do contrato em questão, a autora entregou ao réu a fracção autónoma e o réu entregou-lhe a quantia de €7.500.
Na carta de Março de 2008, interpretada como declaração de resolução do contrato, o réu exigiu a devolução da quantia entregue a título de sinal (doc. nº 7 da contestação).
Nunca a autora propôs a restituição da quantia entregue ou a recusou com base na não restituição da fracção.
Antes, como ilustram a instauração da presente acção e o recurso subordinado, a autora sempre entendeu existir incumprimento por parte do réu e que lhe assistia o direito de fazer seu o sinal entregue.
Consequentemente e como decorre claramente das supracitadas normas, não há mora na restituição da fracção entregue por força do contrato resolvido. Só existiria se a autora tivesse oferecido a sua prestação (restituição da quantia recebida a título de sinal e princípio de pagamento) e o réu recusasse a entrega/restituição da fracção – o que nunca sucedeu.
Ora, só em caso de mora na obrigação de restituir, como aliás se refere na sentença, assistiria à autora o direito a ser indemnizada pela privação do uso da fracção.
No tocante à obrigação de restituir que emerge da resolução do contrato, as prestações são simultâneas e é aplicável o disposto no artº 428º do CC, pelo que o réu tinha o direito de recusar-se a entregar a fracção enquanto a autora não oferecesse o cumprimento simultâneo da sua prestação, que era a devolução do “sinal”, que ainda agora recusa.
Cremos assim que, neste ponto, a ser válida a resolução operada pelo réu, procedem as conclusões da apelação principal.
Com efeito, na sentença recorrida, funda-se a condenação, dita obrigação de indemnizar, na responsabilidade civil extracontratual com base em facto ilícito (ocupação que carecia de título e por isso ilegítima, após a resolução).
Não se funda em responsabilidade contratual, que era a causa de pedir de tal indemnização, pois se entendeu que não existia incumprimento contratual por banda do réu.
Nem sequer no disposto nos artºs 1270º e 1271º do CC, que poderiam ser aplicáveis, fosse caso disso, ex vi artº 289º nº 3.
Ora como vimos, aplicando-se à obrigação de restituir o disposto no artº 428º do CC, não há mora por parte do réu na restituição do imóvel, que poderia retardar até ao oferecimento simultâneo, por parte da autora, da restituição da quantia que lhe entregara e cuja devolução lhe exigira.
Assim, não se pode concluir que era ilegítima e ilícita a ocupação, ou “retenção” da fracção.
Do mesmo modo e no que tange ao disposto nos citados artºs 289º nº 3, 1270º e 1271º do CC (restituição dos frutos que a coisa produziu, no caso rendas), também não podemos concluir que a partir da resolução do contrato cessou a boa-fé do réu (possuidor) pois só estaria a lesar, com a sua posse, o direito da autora, se esta se oferecesse para cumprir a prestação a que estava adstrita (devolução da quantia entregue), que lhe fora exigida e que recusa.
Pelo exposto e como acima referimos, a ser válida a resolução operada por declaração do réu à autora, através da carta de Março de 2008, dela decorre apenas para autora e réu as obrigações de restituírem o que foi prestado por força do contrato resolvido.
B) Apelação subordinada
A autora discorda da sentença, na parte que agora importa, por a ter condenado a restituir o valor entregue pelo Réu a título de sinal.
Sustenta a autora que o réu se furtou ao cumprimento das obrigações que assumiu com a assinatura do contrato promessa, recusando-se sucessivamente a celebrar a escritura do contrato definitivo e que, por seu turno, a autora sempre tentou resolver os problemas existentes no imóvel. Assim uma vez que foi o réu que, de má-fé, recusou cumprir a sua prestação principal – celebração da escritura com pagamento do preço devido – alegando, para tanto, os incumprimentos de um dever secundário por parte da autora, o réu não podia socorrer-se da exceptio non adimpleti contratus e a autora tem direito a fazer seu o sinal – 441º nº 1 e 442º nºs 1. Acrescenta que, com fundamento no disposto no artº 798º do CC deve ainda o réu ser condenado a pagar-lhe os prejuízos resultantes do seu incumprimento.
Como se refere na sentença recorrida, que discorre longamente sobre a questão: «(…) O réu invocou ainda a existência de vícios na coisa prometida comprar, que lhe determinaram a perda de interesse na celebração do contrato definitivo, pelo que o litígio passou a centrar-se ao nível da obrigação de vender coisa sem vícios. E tal deslocação é admitida, uma vez que, como se pode ler no Ac. do STJ de 03- 06-2003 (processo 03A1284, acessível em www.dgsi) “Estando o contrato-promessa funcionalmente ligado ao contrato prometido, relativamente ao qual se apresenta com função instrumental, o princípio da equiparação consagrado no n.º 1 do art. 410.º, deve submetê-lo à mesma disciplina, pois que não se vêem motivos que, por sua razão de ser, o excluam. Goza o comprador do direito à anulação e à convalescença do contrato, como direito ao exacto cumprimento, mediante a eliminação dos ónus ou limitações.”. Em idêntico sentido se pronunciou o STJ a 29-6-2010 (processo 258/2002.G1.S1, acessível em www.dgsi), onde se pode ler: “O art. 410º nº 1 estabelece que ao contrato-promessa são aplicáveis as disposições legais relativas ao contrato prometido, exceptuadas as relativas à forma e as que, pela sua razão de ser, não se devam considerar extensivas ao contrato-promessa. Estabelece-se aqui o princípio da equiparação, afastando-se as regras relativas à forma e as que pela sua razão de ser, não se devam considerar extensivas ao contrato-promessa. Para o presente caso, interessa-nos esta segunda excepção a tal princípio de equiparação. Como o estabelecido no art. 410º nº 1 “não distingue, na sua aplicação, entre os requisitos de formação e os efeitos do negócio, são aplicáveis à promessa de venda, com as necessárias adaptações, as regras que na compra e venda se referem à determinação e a redução do preço, à venda de bens alheios, de coisa defeituosa, de bens onerados etc”. Quer dizer, nos termos do art. 410.º, n.º 1 e porque este não distingue entre os requisitos de formação e os efeitos do negócio, face ao dito princípio da equiparação, deve aplicar-se à situação vertente as regras atinentes à venda de coisa defeituosa. O cumprimento defeituoso da prestação, nos termos sobreditos, a não eliminação das desconformidades apontadas até à devolução da fracção à autora, apesar da denúncia e reclamações efectuadas pelo réu, nas suas missivas, à luz do homem médio que celebra um contrato-promessa com vista a adquirir uma fracção, para fins habitacionais, sendo que naquela não é possível auferir de um mínimo de privacidade, constitui ainda motivo razoável para a invocada perda de interesse na celebração do contrato prometido. Não sendo os defeitos insignificantes e não providenciando a promitente vendedora pela sua eliminação, é conforme à boa fé, adequada e justificada a recusa dos promitentes compradores de celebrar a escritura até que os defeitos sejam reparados, por se destinar a garantir o seu direito de aquisição das fracções, isentas de defeitos. E se os vícios da coisa prestada se afastam de tal modo da prestação convencionada, mostrando-se insusceptível de satisfazer o interesse do credor, apreciado objectivamente, é pacífica a doutrina e jurisprudência em fazer equivaler o cumprimento defeituoso ao puro incumprimento com as consequências que lhe são próprias. Assim, nos termos do art. 808.º do CC a resolução do contrato-promessa comunicada pela carta datada de 13/03/2008 é válida e eficaz, pois mostra-se fundamentada pela perda de interesse do réu na aquisição da fracção, em consequência do arrastar da inacção da autora.»
Efectivamente, o réu não só invocou como provou, que na fracção prometida vender não é possível manter uma conversa ao telefone sem ser ouvido pelos vizinhos, não é possível estabelecer um diálogo com outra pessoa sem ser ouvido pelos vizinhos, não é possível auferir de alguma privacidade, nomeadamente, para a prática de actos correntes e típicos na vida de um casal. Muitos ruídos e barulhos passavam de umas fracções para as outras. Por isso, a partir da data em que as outras fracções passaram a ser habitadas, o filho do réu deixou de utilizar o quarto de dormir e, no seu lugar, passou a utilizar a sala. Provou ainda que não existe correspondência entre a obra executada e o teor da respectiva ficha técnica.
Também se provou, que o réu exigiu à autora, de imediato, a resolução desse problema. Como a autora não resolveu o problema do isolamento acústico da fracção prometida, o réu escusou-se a comparecer à celebração da escritura, nas datas marcadas pela autora para esse efeito.
O réu interpelou por diversas vezes a autora para proceder à eliminação dos vícios de construção, referentes ao isolamento acústico (docs. nºs 1, 3, 4), alegando, que, enquanto não o fizesse não celebraria a escritura. A autora não o fez, nem diligenciou nesse sentido.
É certo que as obrigações emergentes do contrato promessa são as de celebração do contrato prometido. Mas, como se refere no trecho da sentença acima transcrito e nos acórdãos onde foi beber, face ao disposto no artº 410º do CC, são-lhe aplicáveis as regras do contrato prometido. Goza o comprador do direito à anulação e à convalescença do contrato, bem o como direito ao exacto cumprimento, mediante a eliminação dos ónus ou limitações.
Tendo a entrega da fracção ocorrido em consequência da celebração do contrato promessa, antes da celebração do contrato prometido e verificando o promitente-comprador que a coisa entregue não está conforme ao que foi prometido vender, pois apresenta vícios que impedem a sua aptidão ao fim a que se destina (a habitação pressupõe um local onde se possa viver com privacidade e repousar) por não ter sido construída conforme à respectiva ficha técnica, é legítimo ao promitente-comprador recusar a celebração do contrato prometido enquanto a fracção não for reparada e tornada apta ao fim a que se destina.
Não tendo a autora diligenciado minimamente pela dita reparação, arrastando-se a questão anos, era lícito ao réu, após sucessivas interpelações e recusas motivadas em celebrar o contrato prometido, resolver o contrato celebrado, no qual aliás, como demonstrou, deixou objectivamente de ter interesse.
Assim, o facto do réu não ter comparecido nas datas marcadas para a celebração da escritura está justificado e não traduz incumprimento do contrato promessa, pelo que a autora não tem o direito de fazer seu o sinal, nem a qualquer indemnização com fundamento em responsabilidade contratual.
*
Consequentemente improcedem as conclusões do recurso subordinado e procede a apelação.
V - DELIBERAÇÃO
Pelo exposto acordam os juízes desta Relação em:
A) Julgar procedente a apelação principal, revogando a sentença recorrida na parte em que julgou parcialmente procedente a acção e condenou o réu a pagar à autora, a título de indemnização pela ocupação da fracção entre Abril de 2008 e Outubro de 2012, o valor de €24.300,00, que assim julgamos totalmente improcedente, absolvendo o réu dos pedidos.
B) Julgar improcedente a apelação subordinada.
As custas da acção e apelações são da responsabilidade da autora/apelada.
Notifique
Guimarães, 30-01-2014
Eva Almeida
António Beça Pereira
Manuela Fialho