Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
34/09.0TTVRL.G1
Relator: VERA SOTTOMAYOR
Descritores: FUNDO DE ACIDENTES DE TRABALHO
CASO JULGADO
REMIÇÃO PARCIAL DA PENSÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/05/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I – Atendendo ao teor dos artigos 39.º, n.º 1, da Lei 100/97, de 13/09 (LAT) e 1.º do D.L. nº 142/99 de 30/04, o FAT é responsável pelo pagamento das prestações por incapacidade permanente ou morte e das indemnizações por incapacidade temporária estabelecidas na lei que não possam ser pagas pela entidade responsável por motivo de incapacidade económica objetivamente caracterizada em processo judicial de falência ou equivalente, ou seja, tais prestações serão assumidas e suportadas pelo referido fundo.
II – O FAT ao intervir nos autos para proceder ao pagamento das prestações devidas da responsabilidade do empregador, pode discutir quer o valor das prestações, quer o cálculo do capital de remição, quer a inadmissibilidade da remição da pensão do sinistrado no que se refere apenas à quota-parte da pensão da responsabilidade da entidade empregadora, uma vez que figurando como terceiro em relação a decisão que decidiu o incidente de remição, não está abrangido pelo caso julgado que se formou relativamente a tal decisão, que apenas vincula as partes.
III – O carácter unitário das pensões por acidente de trabalho devidas ao sinistrado ou aos seus beneficiários, ainda que a responsabilidade pelo seu pagamento seja imputável a duas entidades – seguradora e empregador -, não permite uma apreciação individualizada de cada quota parte da pensão devida por cada um dos responsáveis pelo seu pagamento. Ou seja sendo a pensão uma só para saber se é remível obrigatoriamente ou facultativamente tem de se considerar como um todo único, independentemente de serem duas ou mais entidades responsáveis pelo seu pagamento.
IV - A remição facultativa de uma pensão com quota-parte da responsabilidade de diversas entidades incide na respectiva proporção, sobre as várias quotas da pensão. Entendimento contrário conduziria à impossibilidade da outra entidade responsável exercer na amplitude legalmente admissível o seu direito a remir a pensão

Vera Sottomayor
Decisão Texto Integral:
APELANTE: FUNDO DE ACIDENTES DE TRABALHO.
APELADOS: F. S.
MINISTÉRIO PÚBLICO
Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real, Juízo do Trabalho de Vila Real – Juiz 1

I – RELATÓRIO

Na sequência do chamamento do FUNDO DE ACIDENTES DE TRABALHO gerido pela AUTORIDADE DE SUPERVISÃO DE SEGUROS E FUNDOS DE PENSÃO (ASF) para pagar o capital de remição referente à pensão da responsabilidade do empregador devida ao sinistrado F. S., veio aquele em 27/01/2020, por requerimento, questionar da insusceptibilidade da remição total da pensão atribuída ao sinistrado, designadamente no que respeita ao facto da remição incidir apenas na quota-parte da responsabilidade da entidade empregadora.

Foi aberta vista ao Ministério Público, tendo este promovido o seguinte:

Relativamente ao requerimento do Fundo de Acidentes de Trabalho, promovo se indefira o requerido relativamente, à remição, uma vez que esta foi determinada por despacho datado de 18/05/2011, do qual não houve recurso e por isso transitou em julgado, devendo em consequência cumprir-se o aí ordenado.”

Seguidamente pela Juiz a quo foi proferido o seguinte despacho:
“A fls. 267 veio o FAT deduzir oposição ao pedido de remição da pensão fixada a cargo do demandado entidade empregadora nos presentes autos e que se prendem com o grau de incapacidade fixado ao aqui demandante.
O Min. Púb. pronunciou-se, tal como antecede, no sentido desta pretensão ser indeferida dado que a decisão que incidiu sobre o pedido de remição ter já transitado em julgado.
Cumpre, pois, apreciar e decidir.
Compulsados os autos verifica-se que o aqui sinistrado requereu – cfr. fls. 255 a remição da pensão anual e vitalícia fixada a cargo da sua entidade empregadora, relativamente à qual se determinou agora a intervenção do FAT face à insolvência da primeira. Este requerimento foi deferido por despacho de fls. 256, o qual estando datado de 18/05/2011 há muito transitou em julgado, pelo que não se pode deixar de concluir que assiste inteira razão ao Min. Púb. quando pugna pelo seu indeferimento.
Mas, mesmo que assim não fosse o entendimento expresso pelo FAT no sentido de que a pensão atribuída por acidente de trabalho é una e a remição não pode incidir sobre quota-parte dessa pensão, dado que nos presentes autos estamos perante duas pensões anuais e vitalícias que incindindo sobre responsáveis distintos e tendo limites de valor distintos, seguem regras distintas no que à sua remição diz respeito (sublinhado nosso).
Pelo exposto, indefere-se a pretensão do FAT quanto à remição já ordenada nos autos.
Notifique.”

Inconformado com tal decisão veio o FAT gerido pela Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensão (ASF) interpor recurso de apelação, no qual formulou as seguintes conclusões que passamos a transcrever:

“1 – A pensão do sinistrado não é suscetível de remição, muito menos pode tal remição incidir apenas sobre a quota-parte da responsabilidade da entidade empregadora.
2 – A entidade empregadora foi condenada no pagamento ao sinistrado da pensão anual e vitalícia no montante de 744,80€, relativa à quota-parte da sua responsabilidade.
3 - Tal pensão foi objeto de remição total, tendo sido calculado um capital de remição no montante de 11.701,55€.
4 - O sinistrado ficou portador de uma incapacidade permanente parcial de 95%, com incapacidade absoluta para o trabalho habitual, pelo que a pensão que lhe foi fixada nunca poderia ser objeto de remição total obrigatória, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 56º do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de abril.
5 - O valor total da pensão fixada ao sinistrado (6.290,86€), sendo superior a seis vezes a retribuição mínima mensal garantida à data da fixação da pensão (485,00€ x 6 = 2.910,00€), também não permite a remição obrigatória, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 56º do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de abril.
6 - A pensão atribuída ao sinistrado não podia ser remida obrigatoriamente, por não estarem preenchidos os requisitos legais necessários a tal remição.
7 - A pensão podia ser sujeita remição parcial. No entanto, a aferição das condições estabelecidas nas alíneas do n.º 2 do artigo 56º do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de abril deve ser efetuada em função do valor unitário e global da pensão, mantendo-se a distribuição das responsabilidades na proporção inicialmente fixada.
8 - A remição apenas incidiu sobre a quota-parte da pensão da responsabilidade a entidade empregadora.
9 – A pensão fixada ao sinistrado é só uma, sendo duas as entidades responsáveis pelo seu pagamento: a seguradora e a entidade empregadora.
10 - É entendimento uniforme da Jurisprudência que o caráter unitário das pensões devidas por acidente de trabalho, ainda que por duas entidades, não permite uma apreciação individualizada de cada quota-parte da pensão devida por cada um dos obrigados ao seu pagamento para efeitos remição.
11 – As condições de remição das pensões definidas têm de ser aferidas em função da dimensão unitária da pensão devida ao sinistrado.
12 - O despacho proferido em 18-05-2011 o qual deferiu a remição da pensão apenas faz julgado relativamente às partes que intervieram no processo e não em relação ao FAT.
13 - A intervenção do FAT ocorre em momento posterior, pelo que este Fundo figura como terceiro em relação àquele despacho, motivo pelo qual o mesmo não faz, quanto a si, caso julgado.
14 - Só com a prolação do despacho datado de 09-01-2020 a ordenar a intervenção deste Fundo nos autos nasce a obrigação do FAT, bem como a possibilidade de se pronunciar sobre a decisão que admitiu a remição da pensão.
15 - Afigura-se, pois, legítimo ao FAT invocar a inadmissibilidade da remição da pensão do sinistrado no que se refere apenas à quota-parte da pensão da responsabilidade da entidade empregadora.

Nestes termos e nos melhores de Direito aplicáveis, deve ser concedido provimento ao presente recurso nos seguintes termos:

a) Revogando-se o despacho proferido em 09-01-2020 no sentido de ser indeferida a remição da pensão na quota-parte da responsabilidade da entidade empregadora, por não estarem preenchidos os requisitos legais necessários a tal remição;
b) Revogando-se o despacho recorrido na parte em que indefere pretensão do recorrente quanto à remição já ordenada nos autos.
Assim decidindo, farão V. Exas. JUSTIÇA.”

O Ministério Público apresentou as suas contra alegações, concluindo pela improcedência do recurso.
O recurso foi admitido como apelação a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Após a remessa dos autos à 1ª instância para se proceder à fixação do valor da causa e nada obstando ao conhecimento do recurso, foram colhidos os vistos legais.
Cumpre agora apreciar e decidir.
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II OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões da Recorrente (artigos 635.º, nº 4, 637.º n.º 2 e 639.º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 87.º n.º 1 do CPT), as questões que cumpre decidir são as seguintes:
- do caso julgado do despacho que determinou a remição da pensão relativamente ao FAT;
- da admissibilidade da remição total da pensão a cargo do empregador.
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III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os que constam do relatório a que acrescem os seguintes:
- Em 25/01/2011, foi proferida sentença homologatória do acordo documentado no auto de conciliação de fls. 236 a 241 dos autos.
- Do Auto de conciliação acima referido consta o seguinte:

AUTO DE CONCILIAÇÃO

Aos 18 de Janeiro de 2011 pelas 10.15 horas, nos Serviços do Ministério Publico neste Tribunal, onde se encontrava o Exm.º Senhor Procurador da Republica A. M., comigo J. P., Técnico de Justiça Auxiliar, sendo feita a chamada das pessoas convocadas para este acto, nos autos de Acidente de Trabalho com o nº 34/09.0TTVRL, verificou-se que estavam presentes:

A/O SINISTRADA/O: F. S., NIF ………, nascido em -/11/1970, filho de J. S. e de M. G., natural de …, residente no Lugar ….-

A/X - COMPANHIA DE SEGUROS SA. ,representada pela Srª. H. M., com procuração arquivada neste Tribunal.

ENTIDADE EMPREGADORA: J. A., nascido em -/04/1949, filho de J. D. e de G. G., portador do BI ……, NIF ………, Seg. Social ………, residente no Lugar de ….-
Após se ter certificado da identidade dos presentes e da sua capacidade e legitimidade para intervirem neste acto, passou aquele Magistrado a ouvir os intervenientes que declararam:

Apura-se dos autos que o (a) sinistrado acima identificado (a) foi vitima de um acidente no local e tempo de trabalho no dia 24 de Janeiro de 2008, pelas 10.45 horas, em …, quando prestava o seu serviço de Encarregado para a sua entidade empregadora J. A., residente no Lugar …, o qual consistiu na circunstância de " conduzia um tractor que caíu por uma ribanceira arrastando-o na queda, resultando traumatismo craniano"

À data do acidente o sinistrado auferia a remuneração de 443,50 € x 14 meses, + 2,99 € x 22 dias x 11 meses de subsidio de alimentação, perfazendo a retribuição anual de 7.863,58 €.-

Porém ás relações de trabalho entre o sinistrado e a entidade empregadora aplicava-se o CCT celebrado entre a Associação dos Industrias de Madeira e Mobiliário de Portugal e outras e o SETACCOP - Sindicato da Construção Obras Publicas e serviços afins e outra, publicado no BTE nº. 41 de 08/11 de 2008, pag. 4396 a 4430, que, para a Categoria de Encarregado que era a do sinistrado prevê o salário mensal de 510,00.-

Em consequência do acidente ficou afectado de IT's constantes dos autos e, em exame médico realizado neste tribunal o perito reconheceu encontrar-se o sinistrado actualmente afectado de uma IPA (incapaz para toda e qualquer profissão) de 95,00 % a partir de 12/01/2010 data da alta, cujo resultado, declarou neste acto ACEITAR.
A entidade Empregadora tinha a sua responsabilidade acidente de trabalho transferida para a X - Companhia de Seguros SA, pelo salário de 443,50 € x 14 meses + 2,99 € x 22 dias x 11 meses.-

O sinistrado encontra-se pago por parte da seguradora da totalidade das indemnizações relativas as incapacidades temporárias, desde o dia seguinte ao do acidente até á data da alta, mas não da entidade empregadora.

Mais declarou que vem recebendo pensão provisória, com base no art.º. 17º..5, da Lei nº. 100/97 de 13/09, e art.º. 47º., do DL nº. 143/99 de 30/04.

Com base neste nestes pressupostos de facto e de Direito, o magistrado do Ministério Público propôs as partes o seguinte acordo:

ACORDO:

A X - Companhia de Seguros SA pagará:

a) ao sinistrado uma pensão anual e vitalícia de 5.546,06 € ( cinco mil quinhentos e quarenta e seis euros e seis cêntimos) a partir de 13/01/2010 inclusive, calculados nos termos do art.º. 17º. nº.1 da al. a) da Lei 100/97 de 13/09.

b) um subsidio por elevada incapacidade permanente de 5.112,00 €, nos termos do artº. 17º. nº1 al. a) da Lei 100/97 de 13/09.

c) prestação complementar mensal para pagamento a terceira pessoa no valor de 475,00, a partir de 13/01/2010, nos termos do artº. 19º. nº1 da Lei 100/97 de 13/09.

d) de transportes na importância de 20 €, nos termos do artº. 15º.da Lei 100/97 de 13/09.

A Entidade Empregadora pagará:

a) ao sinistrado uma pensão anual e vitalícia de 744,80 €( setecentos e quarenta e quatro euros e oitenta cêntimos) a partir de 13/01/2010 inclusive, calculados nos termos do art.º. 17º. nº.1 da al. a) da Lei 100/97 de 13/09.

b) indemnização por 365 dias de ITA, no valor de 931,00€ (novecentos e trinta e um euros).-

Dada a palavra ao representante do sinistrado por ele foi dito que ACEITA os elementos fácticos exarados na proposta de acordo do Ministério Público, nos precisos termos em que se encontra exarado a IPP de 95%, atribuída pelo perito medico do tribunal, pelo que SE CONCILIA.

Dada a palavra ao representante da Companhia de Seguros, por ela foi dito que ACEITA os elementos fácticos exarados na proposta de acordo do Ministério Público, aceitando a existência e caracterização do acidente como de trabalho, o nexo de causalidade entre as lesões sofridas e o acidente, o salário transferido de 443,50 € x 14 meses + 2,99 € x 22 dias x 11 meses de subsidio de alimentação e a IPP de 100,00 %, pelo que SE CONCILIA.

Dada a palavra ao representante da Entidade Empregadora, por ele foi dito que ACEITA os elementos fácticos exarados na proposta de acordo do Ministério Público, aceitando a existência e caracterização do acidente como de trabalho, o nexo de causalidade entre as lesões sofridas e o acidente, o salário que pagava ao sinistrado de 443,50 € x 14 meses + 2,99 € x 22 dias x 11 meses, mas que uma vez que se aplicava o CCT celebrado entre a Associação dos Industrias de Madeira e Mobiliário de Portugal e outras e o SETACCOP - Sindicato da Construção Obras Publicas e serviços afins e outra, publicado no BTE nº. 41 de 08/11 de 2008, pág. 4396 a 4430, que para a categoria de Encarregado que era a do sinistrado prevê o salário mensal de 510,00 €, aceitando pagar a pensão correspondente à diferença, ou seja 66,50 € x 14 meses, pelo que se CONCILIA.-
***

Seguidamente pelo magistrado do Ministério Público foi proferido o seguinte:
DESPACHO

Face á posição assumida pelas partes dou a presente diligência por encerrada, com as mesmas CONCILADAS.
Notifique e oportunamente remeta os autos ao Mmº. Juiz para homologação e condenação em custas a que eventualmente haja lugar.
Do presente despacho proferido pelo Exmº Procurador da Republica foram notificados todos os presentes que disseram ficar cientes.
(…)”
- Em 11-04-2011 veio o sinistrado requerer ao abrigo do disposto no n.º 2 do art.º 75.º da Lei n.º 98/2009 de 4/09 que se proceda à remição da pensão anual e vitalícia, no montante de €744,80, devida a partir de 13/01/2010, a cargo do empregador que há data nada havia ainda liquidado.
- O Ministério Público tendo em conta o disposto no art.º 56.º n.º 2 als. a) e b) do DL n.º 143/99, de 30 de Abril, nada opôs ao requerido.
- Por despacho proferido em 17/05/2011, foi deferida a pretensão do sinistrado, tendo sido determinado que se procedesse ao cálculo do capital de remição.
- Em 7-01-2020, o Ministério Público (na pendência dos autos de execução instaurados contra o empregador tendo em vista a obtenção do pagamento do capital de remição) em face da declaração de insolvência do empregador, requereu a intervenção do FAT, para que procedesse ao pagamento da quantia em divida ao sinistrado.
- Por despacho proferido em 09-01-2020, foi determinada a notificação do FAT para assegurar o pagamento ao sinistrado do capital de remição da responsabilidade do empregador.

IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO

- Do caso julgado do despacho que determinou a remição da pensão relativamente ao FAT
Antes de mais cumpre-nos desde já deixar consignado que atenta a data em que ocorreu o acidente a que os autos se reportam - 24-01-2008 - os direitos decorrentes da ocorrência de tal acidente são os definidos pelo regime jurídico resultante da Lei n.º 100/97 de 13/09 e respectivo regulamente DL n.º 143/99, de 30/04, que na altura vigoravam (cfr. art.º 187.º n.º 1 da Lei n.º 98/09, de 4/09).
Resulta dos autos, que em face da insuficiência económica do empregador foi chamado a intervir o FAT, razão pela qual também é aplicável o DL n.º 142/99 de 30/04.
Importa salientar que o Fundo foi criado, na sequência do disposto no art.º 39.º da Lei n.º 100/97, de 13/09 com a denominação de FAT (Fundo de Acidentes de Trabalho), pelo Decreto-Lei nº 142/99, de 30 de abril, diploma que sofreu alteração pelo Decreto-Lei nº 185/2007, de 10-05.

Dispõe o artigo 1º do Decreto-Lei nº 142/99 de 30 de Abril, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 185/07, de 10 de maio, sob a epígrafe “Criação e competências do Fundo de Acidentes de Trabalho”:

1 - É criado o Fundo de Acidentes de Trabalho, dotado de personalidade judiciária e de autonomia administrativa e financeira, adiante designado abreviadamente por FAT, ao qual compete:
a) Garantir o pagamento das prestações que forem devidas por acidentes de trabalho sempre que, por motivo de incapacidade económica objectivamente caracterizada em processo judicial de falência ou processo equivalente, ou processo de recuperação de empresa, ou por motivo de ausência, desaparecimento ou impossibilidade de identificação, não possam ser pagas pela entidade responsável;”.
O FAT foi assim criado para garantir o pagamento das prestações por incapacidade permanente ou morte e das indemnizações por incapacidade temporária estabelecidas na lei sempre que ocorram as situações supra citadas, que correspondem exclusivamente às previstas no artigo 296.º do C.T. de 2003, não contemplando indemnizações por danos não patrimoniais nem os demais casos previstos nos seus nºs 5 a 7, na redação que lhe foi dada pelo DL. n.º 185/2007 de 10/05.
Em suma, o FAT é o responsável pelas prestações devidas por acidente de trabalho estabelecidas na lei que não possam ser pagas pela entidade responsável por motivo de incapacidade económica objetivamente caracterizada em processo judicial de falência ou equivalente, ou seja, tais prestações serão assumidas e suportadas pelo referido fundo.
Daqui também resulta que o FAT pode questionar se as prestações a cargo do empregador respeitam àquelas cujo pagamento lhe compete garantir, mas não lhe cabe questionar a decisão que fixou a responsabilidade a cargo do empregador, uma vez que só é chamado a intervir após ter sido determinada a responsabilidade pelo pagamento das prestações devidas, só respondendo nos termos previstos nos citados preceitos legais.
Pretende-se agora apurar se o FAT pode questionar a decisão que pôs termo ao incidente de remição de pensão, proferida pelo tribunal a quo, sem que viole o caso julgado, uma vez que tal decisão há muito que havia transitado em julgado.
Na verdade, o FAT só interveio no processo depois de determinados os responsáveis pelo pagamento das prestações devidas e após ter sido constatada a impossibilidade económica do empregador liquidar tais prestações. Ou seja o FAT não é parte no processo, sendo certo que a sua obrigação surge apenas quando é chamado nos casos previstos nas citadas disposições legais.
Como nos parece óbvio a decisão que pôs termo ao incidente de remição não foi nem podia ter sido notificada ao FAT, por este não ser parte no processo.
Nesta fase em que surge o incidente de remição de pensão, que se destina apenas a verificar os requisitos e a determinar o pagamento da pensão devida ou de parte desta, sob a forma de um capital único, o FAT não tinha tido qualquer intervenção nos autos, razão pela qual sufragamos, ao contrário do defendido pelo tribunal a quo, que a decisão que decidiu o incidente de remição não constitui caso julgado relativamente ao FAT, que por não ser parte no processo, para estes efeitos não pode deixar de ser considerado terceiro.
Como se lê no acórdão do STJ de 11.12.2013, proferido no proc. 631/03.7TTGDM-A.P1.S1, in www.dgsi.pt, “(…) não tendo o FAT tido qualquer intervenção na ação de acidente de trabalho (…), não está abrangido pelo caso julgado que se formou quanto aos valores das pensões que foram reconhecidas às beneficiárias, pois este formou-se apenas entre as partes que nela intervieram.
E por outro lado, a posição do FAT, quando chamado a intervir para garantia dos direitos dos sinistrados ou seus beneficiários, pode não ser a mesma da entidade responsável, pois do confronto com a evolução legislativa respeitante à sua responsabilidade, resulta inequivocamente que nem sempre esta terá que coincidir com os direitos que tenham sido atribuídos aos sinistrados ou aos seus beneficiários, mesmo que estejam cobertos pelo caso julgado.”
Dai que seja legítimo ao FAT questionar a remição da pensão perante o tribunal a quo, tal como sucedeu no caso dos autos, pois ainda que não exista qualquer fundamento legal para voltar a discutir qual entidade responsável pela reparação do acidente, pois tal implicaria a violação do caso julgado, atenta a qualidade de garante subsidiário no cumprimento da obrigação do empregador. Por outro lado, a posição do FAT ao ser chamado a intervir para assegurar os direitos dos sinistrados ou seus beneficiários pode não ser coincidente com a da entidade responsável, já que nem sempre coincidem os direitos atribuídos aos sinistrados ou aos seus beneficiários. Por fim, incumbe referir que o FAT apenas teve intervenção nos autos quando foi notificado para pagar o capital de remição e demais prestações que deveriam de ter sido liquidadas pelo empregador, sendo por isso manifesto que não teve oportunidade de defender os seus interesses, que podem naturalmente colidir, no todo ou em parte, com os da parte vencedora sendo um terceiro nesta acção.

A propósito de idêntica questão já nos havíamos pronunciado no Acórdão de 30-03-2017, proc. n.º 453/05.0TTBCL-H.G1 consultável in www.dgsi.pt referindo o seguinte:
“Dos citados normativos legais podemos concluir que o FAT poderá questionar se as prestações a cargo da entidade patronal cabem dentro das aí previstas, ou seja, se respeitam àquelas cujo pagamento lhe compete garantir, já que só intervém no processo depois de ter sido determinado quem é o responsável pelo pagamento das prestações devidas, não é parte no processo e só é chamado ao processo nos casos acima enunciados sendo apenas nessa altura que nasce a sua obrigação.
Como se refere no Ac. da RC de 19-04-2007 proferido no Rec. n.º 63/04.0TTAVR.C1, disponível na Colectânea de Jurisprudência, ano 2007, Tº. II, pág. 57, cuja posição subscrevemos na integra“… a obrigação do F.A.T. de pagar as pensões ao sinistrado só surge com o despacho do Tribunal do Trabalho de Aveiro a ordenar o pagamento das prestações da responsabilidade da R. “M. F., Ldª”
A reacção é, pois a esse despacho e visou, em termos práticos, significar que a obrigação legal do F.A.T. não tem a dimensão, a extensão de cobertura, coincidente com os termos da sentença que condenou a R. patronal.
É nessa perspectiva que tem de ser entendida.
E sendo legalmente cometida ao FAT a obrigação de garantir o pagamento das prestações que forem devidas por acidente de trabalho sempre que não possam ser pagas pela entidade responsável, (art. 1º, a), do DL n.º 142/99, de 30 de Abril, na sequência do anunciado no n.º 1 do art. 39º da LAT), não pode ignorar-se que a medida da responsabilidade do FUNDO é a resultante da Lei… que pode não ser de todo coincidente - … e não é, no caso – com os termos da condenação do responsável patronal.”
Em suma o FAT não pode “questionar” a decisão que fixou a responsabilidade a cargo da entidade patronal, pois a ele não lhe respeita, mas ao intervir no processo para proceder ao pagamento das prestações devidas, nada obsta a que as questione e que se insurja quanto a tais prestações, uma vez que não está abrangido pelo caso julgado que se formou quanto aos valores das pensões que foram atribuídas aos beneficiários, pois este apenas se formou entre as partes que intervieram na acção.
Não estando o FAT abrangido pelo caso julgado relativamente aos valores fixados na sentença, podendo por isso insurgir-se quanto aos mesmos, parece-nos evidente que também terá legitimidade para requerer a rectificação de erros materiais, como sucede no caso em apreço.
Em face do exposto e ainda que se tenha formado caso julgado relativamente ao pedido de rectificação de valores formulado pelo empregador, o mesmo apenas vincula as partes na acção, sendo certo que a legitimidade e oportunidade do FAT para reagir à sentença, nomeadamente pedindo a sua retificação de erros materiais ou a reforma da sentença, se for caso disso, só ocorre com a sua intervenção no processo.
Como é óbvio a sentença proferida nos autos fixou as prestações que se entendeu serem as devidas a cargo de quem é parte no processo, ou seja, o empregador, não tendo como acima já deixamos expresso, o FAT sido notificado daquela precisamente por não ser parte no processo e não sendo parte no processo a decisão proferida nos presentes autos, efetivamente, não constitui caso julgado relativamente ao FAT, um terceiro.”

Neste mesmo sentido se decidiu nos acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 2-02-2015, proferido no proc. n.º 204/07.5TTLRS.L2-4, do Tribunal da Relação do Porto de 17-11-2014, proferido no proc.º n.º 433/10.4TTVNG-B.P1 e muito recentemente do Tribunal da Relação de Coimbra de 11-09-2020, proferido no proc. n.º 1755/15.3T8CTB-D.C1, do qual consta o seguinte sumário:

“I – Partindo do dado assente que o FAT não teve qualquer intervenção no processo de acidente de trabalho até ao momento em que foi proferida a sentença que definiu os termos da responsabilidade emergente do acidente de trabalho para a entidade empregadora, sendo terceiro relativamente a tal decisão, a jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores tem sido uniforme no sentido de que em situações desse jaez, o FAT pode discutir, no incidente próprio que visa transferir para si a responsabilidade da entidade empregadora fixada naquela decisão, os concretos termos em que essa transferência deve ocorrer, designadamente se o âmbito e termos de responsabilização da entidade empregadora excedem ou não os termos e limites de responsabilização do FAT legalmente impostos pelo diploma legal que o criou (DL 142/99, de 30/4, com as alterações introduzidas pelos DL´s 382-A/99, de 22/09, 185/2007, de 10/05, e 18/2016, de 13/04).
Resumindo, o FAT ao intervir nos autos para proceder ao pagamento das prestações devidas da responsabilidade do empregador, pode discutir quer o valor das prestações, quer o cálculo do capital de remição, quer a inadmissibilidade da remição da pensão do sinistrado no que se refere apenas à quota-parte da pensão da responsabilidade da entidade empregadora, uma vez que figurando como terceiro em relação à decisão que decidiu o incidente de remição, não está abrangido pelo caso julgado que se formou relativamente a tal decisão, que apenas vincula as partes.
Procedem assim, as conclusões 12ª a 15ª da apelação.

- Da admissibilidade da remição total da pensão a cargo do empregador.
Cumpre agora apreciar se a pensão remível pode incidir apenas em relação a um dos seus responsáveis, ainda que seja efectuada dentro dos limites legais impostos pelo art.º 56.º n.º 2 do DL n.º 143/99 de 30/04, ou se deve ser repartida pelas duas entidades responsáveis na medida das suas quotas-partes de responsabilidade, como defende a Recorrente.
O sinistrado requereu a remição total da quota-parte da pensão a cargo do empregador, o que foi deferido pelo tribunal a quo, que veio a concluir na decisão recorrida que, no caso estávamos perante duas pensões anuais e vitalícias, com responsáveis distintos e com limites de valor distintos, que seguem regras distintas no que à sua remição diz respeito.
Ora, salvo o devido respeito, por opinião em contrário, não podemos concordar com a posição assumida pelo Tribunal a quo, já que o sinistrado sofreu um único acidente, tendo por isso desde que verificados os respectivos requisitos legais, direito a uma única pensão a suportar pela entidade ou entidades responsáveis consoante o valor da sua retribuição real ou devida estivesse ou não transferida totalmente para uma entidade legalmente autorizada a realizar seguro de acidentes de trabalho.
No caso o valor da retribuição auferida pelo sinistrado à data do acidente estava totalmente transferida para a Ré Seguradora, mas por tal retribuição se ter revelado inferior àquela que deveria auferir, o empregador reconheceu tal facto e aceitou responsabilizar-se pela diferença encontrada. Ou seja o valor da pensão é uno, ainda que no auto de tentativa de conciliação se tenha consignado apenas os valores parcelares da responsabilidade de cada uma das entidades e com base neles se ter procedido ao cálculo da pensão fazendo logo recair sobre cada uma das entidades responsáveis a sua quota-parte.
Com efeito, o carácter unitário das pensões por acidente de trabalho devidas ao sinistrado ou aos seus beneficiários, ainda que a responsabilidade pelo seu pagamento seja imputável a duas entidades – seguradora e empregador -, não permite uma apreciação individualizada de cada quota parte da pensão devida por cada um dos responsáveis pelo seu pagamento. Ou seja sendo a pensão uma só para saber se é remível obrigatoriamente ou facultativamente tem de se considerar como um todo único, independentemente de serem duas ou mais entidades responsáveis pelo seu pagamento.
Em suma, a identidade da pensão como um todo único em nada interfere com a responsabilidade pelo seu pagamento (um ou mais responsáveis).
Como é consabido a reparação do dano resultante de acidente de trabalho pode ser efectuado através do pagamento de uma pensão anual e vitalícia ou com o pagamento do capital de remição, podendo a remição ser obrigatória ou facultativa.
Não restando qualquer dúvida de que estamos perante uma única pensão importa apurar se o tribunal a quo podia ter determinado a remição total da quota-parte da pensão cuja responsabilidade pelo pagamento incumbia ao empregador.
Resulta do disposto no art.º 37.º n.º 2 da Lei 00/97, de 13/09 (doravante LAT) que “Quando a retribuição declarada para efeito do prémio de seguro for inferior à real, a entidade seguradora só é responsável em relação àquela retribuição. A entidade empregadora responderá, neste caso, pela diferença e pelas despesas efectuadas com a hospitalização, assistência clínica e transporte, na respectiva proporção.”.
Tal como resulta do acima exposto foi precisamente ao abrigo do prescrito na citada disposição legal que ao sinistrado foi atribuída uma pensão anual e vitalícia, única, cuja responsabilidade pelo pagamento foi conjunta e proporcionalmente atribuída à seguradora no montante de €5.546,06 e ao empregador no montante de €744,80.
Assim a seguradora e o empregador são responsáveis conjuntos por uma pensão de €6.290,86 cabendo à primeira uma quota de responsabilidade de 88,17% e ao segundo uma quota correspondente aos remanescentes 11,83%.
Como iremos ver e tem sido defendido maioritariamente pela doutrina e pela jurisprudência o carácter unitário da pensão devida ao sinistrado, ainda que por mais de uma entidade, não permite que se faça uma apreciação individualizada de cada quota-parte da pensão devida por cada um dos responsáveis para efeitos de se apurar se a pensão é ou não remível.
Decorre do disposto no art.º 33.º do DL n.º 143/99 de 30/04 e do disposto no art.º 17.º n.º 1 al. d) da LAT que são obrigatoriamente remíveis as pensões «devidas a sinistrados e a beneficiários legais de pensões vitalícias que não sejam superiores a seis vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada à data da fixação da pensão» e as «devidas a sinistrados, independentemente do valor da pensão anual, por incapacidade permanente e parcial inferior a 30%».

E por outro lado prescreve o art.º 56.º do DL n.º 143/99, de 30/06 sob a epigrafe “Condições de remição” que:
«1 - São obrigatoriamente remidas as pensões anuais:
a) Devidas a sinistrados e a beneficiários legais de pensões vitalícias que não sejam superiores a seis vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada à data da fixação da pensão;
b) Devidas a sinistrados, independentemente do valor da pensão anual, por incapacidade permanente e parcial inferior a 30%.
2 - Podem ser parcialmente remidas, a requerimento dos pensionistas ou das entidades responsáveis e com autorização do tribunal competente, as pensões anuais vitalícias correspondentes a incapacidade igual ou superior a 30% ou as pensões anuais vitalícias de beneficiários em caso de morte, desde que cumulativamente respeitem os seguintes limites:
a) A pensão sobrante não pode ser inferior a seis vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada;
b) O capital de remição não pode ser superior ao que resultaria de uma pensão calculada com base numa incapacidade de 30%.»

Das citadas disposições legais resulta que a lei consagra um regime de remição obrigatória e um regime de remição facultativa sendo esta última sempre parcial, já que não pode atingir a totalidade da pensão e incide sobre pensões por incapacidade igual ou superior a 30% e sobre pensões anuais e vitalícias de beneficiários em caso de morte, desde que a parte não remida, ou seja a parte sobrante, não seja inferior a «seis vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada» e desde que «o capital de remição» recebido pelo sinistrado ou beneficiário, não seja «superior ao que resultaria de uma pensão calculada com base numa incapacidade de 30%
A remição pode ser requerida pelos pensionistas, ou pelas entidades responsáveis, e está sempre sujeita a autorização do tribunal competente.

No caso em apreço tendo em atenção o facto de o sinistrado ter ficado incapaz para todo e qualquer trabalho, bem como o valor o global da pensão fixado em €6.290,86, teremos de concluir que esta pensão só poderia ser facultativa remível.
Mas será que é possível remir parcialmente a pensão, nos termos do n.º 2 do art.º 56 do DL nº 143/99, de 30/04, imputando a parte remir apenas na quota-parte da responsabilidade da empregadora quando a responsabilidade pelo pagamento da pensão está a cargo da seguradora e da empregadora, como decidiu o tribunal a quo?
A esta questão teremos de responder de forma negativa.
Na verdade, foi devido ao facto do empregador não ter a sua responsabilidade totalmente transferida para a Ré seguradora, que foi fixada ao sinistrado, desde 13.01.2010, uma pensão anual e vitalícia de €6.290,86, sendo €5.546,06 da responsabilidade da seguradora e €744,80 da responsabilidade da entidade empregadora e não duas pensões.
Ora, este carácter unitário da pensão devida ao sinistrado não nos permite fazer uma apreciação individualizada da cada quota-parte da pensão devida por cada um dos responsáveis para efeitos de se apurar se a pensão é ou não remível e em que condições, sob pena de poder ficar preterido o direito de remir a pensão daquela que não o exerceu.
Como se fez consignar a este propósito no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19/12/05, proferido no âmbito do processo JTRP00038627, “…sendo a pensão uma só, mas sendo duas ou mais as entidades responsáveis pelo seu pagamento, a remição, sendo uma forma de extinção da obrigação, impõe a intervenção conjunta dos sujeitos passivos ou, pelo menos, que se trate o interesse de cada um deles na mesma proporção em que aceitaram - ou foram condenados a - pagar a pensão.
Tal significa que, como no caso em apreço, não é possível remir a totalidade da quota da pensão - parcial - da responsabilidade de uma entidade com o argumento de que a parte remível da pensão - global - é superior. Na verdade, como refere o Tribunal a quo no despacho de sustentação, tal entendimento levaria a impossibilitar a outra entidade – a seguradora – de exercer o seu direito a remir, pelo menos na amplitude legalmente admissível.
(…)
Assim, sendo a quota da pensão da responsabilidade da entidade empregadora do montante de …, ela poderia – na tese dela – ser remida na totalidade.
Mas não é assim.
Estabelecida na proporção a responsabilidade das entidades - seguradora e patronal - na formação da pensão, igual proporção tem de ser observada na remição [extinção] dela, sob pena de se poder postergar o direito de remir daquela que – ainda – não exerceu o direito correspondente.”.
Seguindo idêntico entendimento tem o Tribunal da Relação do Porto vindo a defender, que a remição como forma de extinção da obrigação impõe a intervenção conjunta dos sujeitos passivos na mesma proporção em que foram condenados a pagar a pensão, designadamente nos Acórdãos de 19/12/2005 proferido no Proc. n.º 0544117 e de 4/11/2019, proferido no proc. n.º 2602/17.7T8AVR.1P1.
Neste mesmo sentido se pronuncia José Augusto Cruz de Carvalho, “Acidentes de trabalho e doenças profissionais” 1980, p. 223, ao escrever: “As pensões constituem um todo único ainda que a responsabilidade pelo seu pagamento esteja distribuída por mais de uma pessoa ou entidade. Só no caso do seu montante global não exceder o limite fixado neste artigo, a sua remição será possível.
É lícita a remição de pensões dentro dos limites estabelecidos na lei. No caso de uma pensão exceder os limites ali fixados, embora a responsabilidade pelo seu quantitativo esteja repartida por mais de uma pessoa não é possível a remição das fracções (Parecer Inspector Jud., Henrique Parreira, in Bol. INTP, X, págs. 12 e 375).

Por fim, importa ainda referir que este é também o entendimento perfilhado pelo Supremo Tribunal, no Ac. de 10-12-2015, proferido no proc.º nº 996/04.3TTLSB-C.L1.S1, 4ª SECÇÃO, relator Conselheiro Leones Dantas, como decorre do que se sintetizou, no seu sumário:
“1 – As condições estabelecidas nas alíneas do n.º 2 do artigo 56.º do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de abril, relativamente a remição parcial de pensões aferem-se em função da pensão fixada ao sinistrado, globalmente considerada, independentemente da divisão da responsabilidade pelo respetivo pagamento por várias entidades.
2 – O equilíbrio de interesses subjacente à remição parcial de pensões estabelecido no dispositivo referido no número anterior impede a imputação na quota de um dos co-obrigados pelo pagamento da pensão do capital da remição parcial e a imputação na quota do outro, ou outros, da pensão sobrante.”.

De tudo isto resulta, que não sendo admissível a remição, apenas da totalidade da quota-parte da pensão de um dos responsáveis, a decisão a este propósito proferida pelo tribunal a quo não se pode manter já que as condições estabelecidas no n.º 2 do art.º 56.º do DL n.º 143/99, de 30/04 terão de ser aferidas em função do valor anual da pensão fixada ao sinistrado devendo, quer na determinação do capital de remição, quer da pensão sobrante ser aferido em função da distribuição de responsabilidades na proporção inicialmente fixada.
Com efeito, as condições da remição facultativa terão de ser aferidas em função da pensão globalmente considerada, independentemente da divisão da responsabilidade pelo respetivo pagamento, razão pela qual a remição parcial de uma pensão com pagamento dividido por vários responsáveis tem de incidir sobre as várias quotas da pensão, na proporção respectiva.
Em suma a remição facultativa de uma pensão com quotas-partes de responsabilidade de diversas entidades incide na respectiva proporção, sobre as várias quotas da pensão. Entendimento contrário conduziria à impossibilidade da outra entidade responsável exercer na amplitude legalmente admissível o seu direito a remir a pensão.
Em face do exposto procede o recurso com a consequente revogação da decisão recorrida, devendo assim o FAT ser responsabilizado pelo pagamento da quota-parte da pensão anual, vitalícia e actualizável a cargo do empregador, devida desde 13/01/2010, sem prejuízo de qualquer uma das partes, caso assim o entenda, vir a instaurar o incidente de remição facultativa da pensão (cfr. art.º 148.º do CPT e art.º 56.º n.º 2 do DL n.º 143/99, de 30/04).

V – DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação, revogando a decisão recorrida, devendo o FAT ser responsabilizado pelo pagamento da quota parte da pensão anual, vitalícia e actualizável a cargo do empregador, devida desde 13/01/2010.
Sem custas.
Notifique.
5, de Novembro de 2020

Vera Maria Sottomayor (relatora)
Maria Leonor Barroso
Antero Dinis Ramos Veiga