Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
180/13.5CGMR.G1
Relator: JORGE BISPO
Descritores: AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
AUSÊNCIA ARGUIDO
LAPSO ESCRITA NA NOTIFICAÇÃO
ARTºS 333º
NºS 1 E 2 E 119ª
C) DO CPP
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/27/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I) A possibilidade de realização do julgamento na ausência do arguido pressupõe que este tenha sido regular e devidamente notificado, só podendo o julgamento realizar-se na sua ausência quando haja sido notificado para comparecer e não compareça, sob pena de verificação da nulidade insanável prevista no art. 119º, al. c), do Código de Processo Penal.

II) Se, por evidente lapso de escrita, o arguido foi notificado para comparecer no tribunal no dia 18-10-2018, a fim de ser ouvido em audiência de julgamento, e, em caso de adiamento, no dia 25-09-2018, deve-se considerá-lo regularmente notificado para esta última data, podendo nela dar-se início ao julgamento na sua ausência ao abrigo do disposto no art. 333º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Penal, sem que ocorra a referida nulidade insanável.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

1. No processo comum, com intervenção de tribunal singular, que com o NUIPC 180/13.5GCGMR corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, no Juízo Local Criminal de Guimarães – Juiz 4, foi proferida sentença a condenar o arguido A. S., pela prática de um crime de abuso de confiança agravado, previsto e punido pelo art. 205º, n.ºs 1 e 4, al. a), do Código Penal, na pena de 01 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão, suspensa pelo mesmo período.

2. Inconformado, o arguido interpôs o presente recurso, concluindo a respetiva motivação nos seguintes termos (transcrição[1]):
«CONCLUSÕES:

A) O arguido / recorrente, prestou TIR no processo dos autos a 20.12.2017, e nele deu como morada de notificação, a Calçada ..., S/n, ..., Felgueiras;
B) Por comunicação emergente da secretaria do tribunal e processo em causa, recebeu notificação por depósito na sua caixa de correio, “ Para comparecer neste Tribunal, no próximo dia 18-10-2018, às 10:00 horas, a fim de ser ouvido em audiência de julgamento, nos autos acima referenciados, sendo advertido de que faltando, esta poderá ter lugar na sua ausência, sendo representado para todos os efeitos possíveis pelo seu defensor; em caso de adiamento, fica desde já designado o dia 25-09-2018, às 14:00 horas”.
C) Tanto assim, que, tendo constituído mandatário com procuração, este veio juntar aos autos a mesma, por requerimento com entrada via Citius de 11.10.2018, pelas 20h, Requerimento para audiência na ausência do arguido, exatamente com uma semana de antecedência, face à data comunicada ao arguido para audiência de julgamento;
D) Sucede que, afinal, a primeira sessão de julgamento foi realizada a 18.09.2018, e nesta, face à ausência do arguido, constatou o tribunal, ter havido irregularidade na notificação da data para julgamento ao arguido,
E) De tal despacho, não foi dado conhecimento ao arguido, quer por comunicação via postal simples para a morada indicada, nem por qualquer outra via;
F) E adiou a sessão para a segunda data, a de 25.09.2018, onde o arguido esteve também ausente, mas que desta vez, o tribunal considerou regularmente notificado, e por ter entendido não imprescindível a sua presença em audiência, condenou o arguido como faltoso na multa de 2 UC’s, e deu início à audiência de julgamento.
G) Da data da sessão posterior, de 02.10.2018, bem como da de 12.10.2018, esta para a leitura de sentença, não foram, também, notificadas ao arguido /recorrente.
H) Entende o Recorrente que o tribunal considerou, erradamente, a 2ª data como válida para o adiamento da audiência, quando refere, no mesmo despacho “não restando ao tribunal mais do que adiar a audiência de julgamento para a 2.ª data já agendada nos autos, a saber, 25 de Setembro de 2018, pelas 14:00 horas.”; Isto é considerou que o arguido estava devida e regularmente notificado para a 2ª data, - 25.09.2018 - em caso de adiamento da 1ª data,
I) Mas para o arguido, e como se retira do texto da notificação, a primeira data marcada era a de 18 de Outubro de 2018, e só no caso de adiamento é que existiria a segunda, esta seria, como resulta do texto, adiada, para data posterior à 1ª data, i.é, para depois daquele dia 18 de Outubro 2018,

J) E nunca, antecipada – para a data de 25.09.2018 - como refere a notificação, que o arguido entendeu, como qualquer homem comum, um verdadeiro lapso de escrita, em vez de 09, devia ler-se 10.
K) Ora porque não foram regularmente notificadas as datas da audiência de julgamento ao arguido, o tribunal, ao fazer a audiência de julgamento e produzindo sentença condenatória, na ausência deste, violou princípios básicos de processo penal, sendo tal atuação cominada de nulidade insanável nos termos do Artº 119.º, nº1, al. c) do CPP.
L) Como refere a jurisprudência de forma unânime, Ac.TR Guimarães de 18.12.2012, “a ausência do arguido a que se refere o artigo 119.º, nº1, al. c) do CPP não se reporta apenas à mera ausência física, mas também à ausência do ato ou diligência processual (notificação) que coarte ao arguido a possibilidade de escolha de estar ou não presente em julgamento”
M) E ainda o Ac. desse mesmo TR de Guimarães, de 05.06.2017. “ constitui nulidade insanável, nos termos da al. c) do artigo 119.º do Código de Processo Penal, a ausência do arguido nos casos em que a lei determinar a sua obrigatoriedade. (…) Por conseguinte, nos termos do artigo 122.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, importa declarar essa nulidade que foi arguida pelo recorrente, mas pode ser oficiosamente declarada em qualquer fase do procedimento, conforme disposto no n.º 1 do artigo 120.º do Código de Processo Penal, que torna inválida a diligência de leitura da sentença realizada nos autos, bem como a própria sentença (por depender do ato nulo), ordenando-se, consequentemente, a repetição dos atos viciados.

Termos em que se pede que seja julgado procedente e provido o presente recurso, seja declarada a nulidade nos termos da al. c) do artigo 119.º do Código de Processo Penal, para os efeitos do Artº 122º do mesmo diploma.»

3. O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto da primeira instância respondeu à motivação do recorrente, entendendo que deverá ser negado provimento ao recurso, pelas razões que sintetizou nos seguintes termos (transcrição):
«Conclusões

1. Em 21/12/2017, cessou os efeitos da contumácia, com a apresentação do recorrente a juízo, tendo prestado TIR.
2. O recorrente foi notificado, na morada indicada no TIR, da primeira data e da segunda data designada para a audiência e discussão de julgamento.
3. Na audiência do dia 18/09/2019, foi julgada procedente a irregularidade da notificação quanto à primeira data, pelo lapso de escrita constante da mesma, mantendo-se a segunda data, 25/09/2018, esta regularmente notificada ao recorrente.
4. O recorrente, regularmente notificado, faltou injustificadamente à audiência de julgamento designada para a segunda data, tendo sido condenado em multa processual.
5. Foram encetadas todas as diligências junto à morada indicada no TIR, para que o mesmo fosse notificado para a audiência do dia 2 de Outubro de 2018, as mesmas foram infrutíferas.
6. A realização da audiência sem a presença do arguido, constitui nulidade insanável, se aquele não se encontrar devidamente notificado.
7. A notificação foi feita na morada indicada no TIR do recorrente, padecendo, contudo, de um lapso de escrita que consubstanciou uma irregularidade.
8. A mesma foi declarada na sessão da audiência de julgamento do dia 18/09/2018, mantendo-se a 2.ª data designada para a audiência, facto do conhecimento do recorrente, aquando da receção.
9. A douta sentença não violou qualquer preceito legal e nela se decidiu conforme a lei e o direito.»
4. Neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da não verificação da invocada nulidade, porquanto, em suma, «[i]nequivocamente, o recorrente fora regularmente notificado da data em que se realizou efetivamente o julgamento, aliás nos moldes legais ─ cf. art.º 333.º, n.ºs 1 e 2 ─, tendo-lhe sido assegurados todos os direitos de defesa ─ art.ºs 20.º, n.º 4, e 32.º, n.ºs 1 e 5, ambos da Constituição da República Portuguesa ─ pois, esteve representado por defensora e veio a ser notificado, pessoalmente, da sentença, sendo que não havia apresentado contestação, nem arrolado testemunhas.
Uma vez que a audiência se encerraria em 25-09-2018 e que o Tribunal “a quo”, a requerimento da defensora do arguido, designou nova data para que ao mesmo fossem, eventualmente, tomadas declarações, se ele as quisesse prestar, data em relação à qual se goraram todas as diligências tendentes a assegurar a sua comparência, estando ele já numa situação de falta injustificada, nada mais havia que exigir do Tribunal “a quo” para fazer terminar o julgamento, não se podendo desconsiderar que os factos remontam ao ano de 2013 e que o recorrente já havia determinado a imobilização dos autos, durante cerca de ano e meio, devido à situação de contumaz em que se envolveu.»
5. Não tendo sido apresentada resposta a esse parecer, foram colhidos os vistos e o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, de harmonia com o preceituado no art. 419º, n.º 3, al. c), do citado código.

II. FUNDAMENTAÇÃO

1. Sendo o âmbito do recurso definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso[2], no caso vertente, a questão submetida à apreciação deste Tribunal é uma só, qual seja, saber se ocorre a nulidade insanável prevista no art. 119º, al. c), do Código de Processo Penal, com fundamento em o arguido não ter sido regularmente notificado para a audiência de julgamento.

2. Para a apreciação dessa questão, importa ter presentes os seguintes elementos e ocorrências processuais, que se retiram dos autos:

- Por despacho de 29-01-2018, foi designado para realização da audiência de julgamento o dia 18-09-2018, pelas 10h, e, em caso de adiamento nos termos previstos no art. 333º, n.º 1, do Código de Processo Penal, ou para audição do arguido a requerimento do respetivo advogado ou defensor, o dia 25-09-2018, pelas 14h (referência eletrónica 156618052).
- Todavia, na carta enviada ao arguido, por via postal com prova de depósito, para a morada por ele indicada no termo de identidade de residência (Calçada ..., s/n.º, ..., Felgueiras), depositada no recetáculo postal em 16-04-2018, ficou a constar o seguinte:
«Fica notificado, na qualidade de Arguido, nos termos e para os efeitos a seguir mencionados:
Para comparecer neste Tribunal, no próximo dia 18-10-2018, às 10:00 horas, a fim de ser ouvido em audiência de julgamento, nos autos acima referenciados, sendo advertido de que faltando, esta poderá ter lugar na sua ausência, sendo representado para todos os efeitos possíveis pelo seu defensor; em caso de adiamento, fica desde já designado o dia 25-09-2018, às 14:00 horas, nos termos do art.º 312º, n.º 2 do C.P.P., podendo nesta data ter lugar a sua audição, a requerimento do seu advogado ou defensor nomeado, ao abrigo do disposto no art.º 333º, n.º 3 do mesmo diploma legal. (…)» (referência 157796405 e fls. 259 do processo físico).
- No dia 18-09-2018, iniciada a audiência de julgamento, na presença da defensora do arguido, tendo sido constatado que este não se encontrava devidamente notificado para comparecer nessa data, foi proferido despacho a adiar a audiência para a segunda data já designada, ou seja, 25-09-2018, pelas 14h (ata com a referência 159798727).
- O arguido não compareceu nesta data, tendo o tribunal, por não considerar imprescindível a sua presença desde o início da audiência de julgamento, determinado que a mesma prosseguisse nos termos do disposto nos arts. 333º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Penal, sendo representado pela sua defensora (ata com a referência 159926371).
- Finda essa sessão, a Exma. defensora do arguido declarou não prescindir do “depoimento” deste e requereu a notificação do mesmo para a data que viesse a ser designada para continuação da audiência de julgamento, o que foi deferido pelo tribunal, designando para o efeito o dia 02-10-2018 e determinando a emissão de mandados de condução do arguido nessa data, por haver faltado injustificadamente (ata com a referência 159926371).
- Esses mandados foram devolvidos sem cumprimento, com a certificação de que o arguido não foi encontrado na sua morada, indicada no termo de identidade e residência, tendo o órgão de polícia criminal recolhido a informação, junto de uma irmã do arguido, que não mantém contacto com ele, de que o mesmo já não habita nessa residência há vários anos, encontrando-se esta abandonada, mais tendo apurado, junto de uma outra irmã, que o arguido trabalha na área dos transportes internacionais, que não possui residência em Portugal, onde apenas se desloca ocasionalmente, desconhecendo onde pernoita e já não o vendo há sensivelmente três meses (referência 7632694).
- No dia 02-10-2018 a Exma. defensora do arguido, notificada do teor da referida certidão negativa, declarou nada ter a requerer, tendo tido lugar a continuação da audiência de julgamento, sem a presença do arguido, com produção das alegações orais, sendo designado o dia 12-10-2018 para leitura da sentença, o que não foi notificado ao arguido (ata com a referência 160045611).
- No dia 11-10-2018 o arguido juntou aos autos procuração, datada de 30 de agosto de 2018, a constituir mandatário, bem como requerimento, assinado por este último, com o seguinte teor:
«O arguido é motorista profissional e encontra-se há mais de quatro anos a trabalhar na Alemanha, nessa função.
Mesmo que, esporadicamente, tenha que fazer transporte para Portugal, não tem datas previstas para o fazer para este país, que coincidam com alguma das datas para o julgamento agendado, e assim pode estar presente.
Pelo que, se encontra impossibilitado de estar presente na audiência de julgamento.
Assim, requer a V. Exa. que o julgamento tenha lugar na sua ausência – manifestando o seu consentimento para o efeito.» (referência 30355259).
- No dia 12-10-2018, o Mm.º Juiz proferiu despacho a indeferir esse requerimento, por não ter sido junta qualquer prova do alegado, após o que procedeu à leitura da sentença, na presença da Exma. defensora oficiosa do arguido, declarando que as funções desta apenas cessariam após essa leitura, uma vez que o Exmo. mandatário constituído não estava presente (ata com a referência 160211524).
- No âmbito das diligências efetuadas, apurou-se uma nova morada do arguido, sita na Rua …, Lixa, na qual o mesmo foi notificado do ter da sentença, por contacto pessoal, em 09-06-2019 (fls. 303 do processo físico e referência 8797123).
- Nessa sequência, o arguido interpôs o presente recurso, em 09-07-2019 (referência 32950145).

3. Invoca o recorrente a nulidade insanável prevista na al. c) do art. 119º do Código de Processo Penal, compêndio legal a que pertencem os artigos doravante citados sem menção do diploma a que respeitam, sustentando que não estava devida e regularmente notificado para comparecer em tribunal no dia 25 de setembro de 2019, data em que teve início a audiência de julgamento, na sua ausência.

3.1 - Sob a epígrafe “Nulidades insanáveis”, dispõe o citado artigo:

“Constituem nulidades insanáveis, que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento, (…):
c) A ausência do arguido ou do seu defensor, nos casos em que a lei exigir a respetiva comparência;
(…)”.

Por seu lado, preceitua o art. 332º, n.º 1:

É obrigatória a presença do arguido na audiência, sem prejuízo do disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 333.º e nos n.os 1 e 2 do artigo 334.º”.
Assim, a regra geral é a da obrigatoriedade da presença do arguido no julgamento, apenas sendo admitido, excecionalmente, o julgamento na ausência nos casos e nas circunstâncias expressamente previstas na lei.
Uma dessas exceções, a que agora importa, é a prevista no citado art. 333º, n.ºs 1 e 2, relativa à situação de o arguido, encontrando-se regularmente notificado, não comparecer na data e hora designadas para o início da audiência e de o tribunal considerar que esta pode começar sem a sua presença, sendo que, nesse caso, o arguido mantém o direito de prestar declarações até ao encerramento da audiência, nos termos n.º 3 do mesmo artigo, podendo o advogado constituído ou o defensor nomeado requerer que ele seja ouvido.
O que deve ser conjugado com o direito que, em especial, em qualquer fase do processo e salvas as exceções da lei, é reconhecido ao arguido pelo art. 61º, n.º 1, al. a), traduzido em estar presente aos atos processuais que diretamente lhe disserem respeito.
No quadro do direito a um processo justo e equitativo, previsto no art. 6º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e no art. 20º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, a presença perante o tribunal constitui um direito fundamental do arguido, muito particularmente no ato por excelência que é a audiência de julgamento, mormente quando se perspetiva a aplicação de uma pena de prisão.
Com efeito, o arguido é sujeito processual, de direitos e de deveres, sendo na audiência, mediante o exercício pleno do contraditório, ao ser confrontado com as provas, que pode e deve defender-se, já que a discussão da causa culminará com uma decisão que, em caso de condenação, terá reflexos notórios na sua vida pessoal e social, com a sujeição às consequências jurídicas do crime.
Em face do exposto, parece evidente que a realização do julgamento na ausência do arguido pressupõe que este tenha sido regular e devidamente notificado, só podendo o julgamento realizar-se na sua ausência quando haja sido notificado para comparecer e não compareça.
Da mesma forma que, segundo determinado entendimento, a efetividade dos referidos direitos pressupõe que o arguido seja notificado sempre que, iniciado o julgamento em data para que tenha sido notificado, este continue numa nova data[3].
Daí que, se o julgamento apenas se pode realizar na ausência do arguido estando este regularmente notificado para comparecer e se a presença do arguido em julgamento é obrigatória, salva a mencionada exceção, a falta de notificação e a sua ausência nessas condições integra efetivamente a nulidade insanável prevista no art. 119º, al. c).

Como refere Henriques Gaspar[4], "[a] nulidade da alínea c) - ausência do arguido ou do seu defensor «nos casos em que a lei exigir a respetiva comparência»- justifica-se pelo interesse público no asseguramento das condições de integridade do direito de defesa que justificam a necessidade da presença pessoal do arguido, garantido pelas consequências para a inobservância dos direitos consagrados nos artigos 61º, n.º 1, e 64º, n.º 1; atos de presença obrigatória do arguido são (…) a audiência (artigos 332º), embora com as exceções dos artigos 333º, n.º 2 e 334, n.ºs 1 e 2."
3.2 - No caso vertente, o dissídio do recorrente radica precisamente na alegação de que o tribunal a quo não poderia tê-lo considerado como regulamente notificado para comparecer em tribunal no dia 25-09-2018 e, consequentemente, ter dado início à audiência na sua ausência ao abrigo do art. 333º, n.ºs 1 e 2, o que, a comprovar-se, integra efetivamente a referida nulidade insanável, com a consequente invalidade de todos os atos processuais posteriores por ela afetados, ou seja, a realização do julgamento e a sentença proferida, que terão de ser repetidos (art. 122º, n.ºs 1 e 2).
Não está em causa a forma como essa notificação foi efetuada - por via postal simples, remetida para a morada indicada pelo arguido no termo de identidade e residência para efeitos de notificação.
Com efeito, de acordo com o disposto no art. 113º, n.º 1, al. c), as notificações efetuam-se mediante via postal simples, por meio de carta ou aviso, desde que tal esteja expressamente previsto.
Ora, o art. 313º, n.º 3, dispõe que quando o arguido tiver indicado a sua residência ou domicílio profissional à autoridade policial ou judiciária e nunca tiver comunicado a alteração da mesma através de carta registada, a notificação do despacho que designa dia para julgamento, que carece de ser efetuada ao próprio (art. 113º, n.º 10) é feita mediante via postal simples, nos termos da al. c) do n.º 1 do art. 113º.
Ora, conforme resulta da resenha dos desenvolvimentos processuais supra efetuada, o arguido prestou termo de identidade, indicando, para efeitos de ser notificado por via postal simples, nos termos da al. c) do n.º 1 do art. 113º, a sua residência, sita na Calçada ..., s/n, ..., Felgueiras, morada para a qual foi remetida a notificação do despacho que designou dia para a audiência, tendo sido depositada no recetáculo postal, pelo que tal notificação obedeceu ao formalismo legalmente previsto e permitido.
A questão suscitada pelo recorrente prende-se com os próprios termos da notificação, segundo os quais foi notificado para comparecer no tribunal no dia 18-10-2018, a fim de ser ouvido em audiência de julgamento, ficando desde logo designado, em caso de adiamento, o dia 25-09-2018.
É patente que o teor da carta enviada ao arguido padece de um lapso ou de uma incongruência no que concerne às datas, uma vez que a indicada em segundo lugar, para valer em caso de adiamento da audiência na primeira, é anterior a esta.
Agarrando-se à impossibilidade óbvia de o tribunal adiar a audiência para uma data anterior à do dia do próprio adiamento, o recorrente sustenta que não se pode considerar como válida a indicação desta última, a qual deverá ser interpretada corretivamente como sendo 25-10-2018 em vez de 25-09-2018, e que, consequentemente, não se pode ter como regularmente notificado para a mesma, o que constituía impedimento à realização da audiência na sua ausência.
Todavia, nada lhe permitia inferir com segurança que o lapso consistia no mês da data indicada em segundo lugar, pois poderia respeitar antes ao mês da data primeiramente indicada, que corretamente seria 18-09-2018 e não 18-10-2018, como efetivamente sucedeu.
Ambas as interpretações são igualmente legítimas.
Da mesma forma que também se poderia com toda a razoabilidade admitir a possibilidade de o erro consistir na indicação da ordem das datas, pretendendo-se indicar em primeiro lugar a que foi indicada em segundo e vice-versa.
Razão pela qual não cabia ao arguido equacionar essas várias interpretações possíveis e optar por uma delas.
É indiscutível que as notificações do tribunal aos sujeitos e intervenientes processuais não podem deixar de ser inequívocas, muito especialmente quando se destinam a dar-lhes conhecimento da data de realização de atos processuais em que a não comparência pode ter consequências relevantes.
Todavia, independentemente dos termos em que a carta em questão foi redigida e das várias possibilidades interpretativas, o certo é que o arguido foi notificado para comparecer em duas datas sobre cuja indicação não podem subsistir quaisquer dúvidas (18-10-2018 e 25-09-2018), datas essas, aliás existentes no calendário e correspondentes a dias de funcionamento dos tribunais.
Consequentemente, o cumprimento do dever cívico decorrente dessa notificação impunha-lhe que comparecesse em tribunal logo na data que, em termos de calendário, ocorresse em primeiro lugar, ou seja, 25-09-2018, independentemente de ser a indicada em segundo lugar na notificação e de aí se referir que apenas valeria em caso de adiamento da outra data, ainda que esta fosse posterior àquela.
Tendo o arguido optado por não diligenciar previamente junto do tribunal pelo esclarecimento do manifesto lapso, como seria expectável que fizesse, não estava desonerado de comparecer na data que cronologicamente ocorresse primeiro (25-09-2018), momento em que tal lapso seria esclarecido, ainda que tal pudesse implicar uma deslocação em vão ao tribunal, por ter havido erro na indicação desse dia, ao qual poderia, então, reagir da forma tida por conveniente.
O que o recorrente não pode de modo algum agora sustentar é que não estava regularmente notificado para comparecer no dia 25-09-2018, pois a notificação não oferece dúvidas quanto à indicação de qualquer uma das datas, ainda que a ordem das mesmas, indicada para efeitos de eventual adiamento da audiência de uma para a outra, não fosse coerente.
Significa isto que, conforme defende o Ministério Público em ambas as instâncias, o arguido encontrava-se regularmente notificado para comparecer no dia 25-09-2018.
O que, perante a não comparência do arguido e o entendimento do tribunal de que a audiência podia começar sem a presença dele, por não a considerar absolutamente indispensável para a descoberta da verdade material, legitimou o início da audiência nessa data, na ausência do arguido, ao abrigo do art. 333º, n.º 2, sem que, assim, tenha sido cometida a invocada nulidade.
Também em relação ao processado subsequente, não deixou de ser assegurado ao arguido o direito de comparência e de prestar declarações até ao encerramento da audiência.
Com efeito, no final da sessão que teve lugar no dia 25-09-2018, a sua defensora oficiosa requereu, ao abrigo do art. 333º, n.º 3, que ele fosse ouvido numa outra data, tendo o tribunal designado para o efeito o dia 02-10-2018 e determinado a emissão de mandados de detenção a fim de tentar obter a comparência coerciva do mesmo, com fundamento na falta injustificada à sessão do dia 25-09-2019 (art. 116º, n.º 2), o que tornou, obviamente, dispensável a notificação dessa data.
Tentativa essa que, porém, se frustrou, por o arguido não ter sido localizado pelo órgão de polícia criminal, mais tendo sido apurado, junto de familiares daquele, que o mesmo se ausentara da sua residência há vários meses, sendo desconhecido o seu paradeiro.
O que veio a ser confirmado pelo próprio arguido, quando, em 11-10-2018, comunicou ao processo que se encontrava há mais de quatro meses a trabalhar na Alemanha e que, por não se deslocar a Portugal, estava impossibilitado de estar presente na audiência de julgamento, requerendo que a mesma tivesse lugar na sua ausência.
Tal facto, aliado à ausência de comunicação ao processo de nova morada onde pudesse ser notificado, nos termos do art. 196º, n.º 3, al.s b), c) e d), legitimou a sua representação por defensor em todos os atos processuais nos quais tenha o direito ou o dever de estar presente e bem assim a realização da audiência na sua ausência, nos termos do art. 333º, como efetivamente sucedeu, pelo que, mesmo perfilhando o referido entendimento, a não notificação da data designada para a leitura da sentença (12-10-2018), naquele concreto circunstancialismo, também não consubstancia a invocada nulidade.

Em face do exposto, não foi cometida a nulidade processual prevista no artigo 119º, al. c), assim improcedendo o recurso, com a consequente manutenção da validade da audiência de julgamento realizada na ausência do arguido e da sentença proferida.

III. DISPOSITIVO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido, A. S..

Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça em quantia correspondente a quatro unidades de conta (arts. 513º, n.º 1, do Código de Processo Penal e 8º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais, e Tabela III anexa a este último diploma).
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(Texto elaborado pelo relator e revisto por ambos os signatários - art. 94º, n.º 2, do CPP)
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Guimarães, 27 de janeiro de 2020

(Jorge Bispo)
(Pedro Miguel Cunha Lopes)
(assinado eletronicamente, conforme assinaturas apostas no canto superior esquerdo da primeira página)

1. - Todas as transcrições efetuadas respeitam o respetivo original, salvo a correção de gralhas evidentes, a formatação do texto e a ortografia utilizada, que são da responsabilidade do ora relator.
2. - Cf. o acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 7/95 do STJ, de 19-10-1995, in Diário da República – I Série-A, de 28-12-1995.
3. - Cf., nesse sentido, o acórdão desta Relação de 05-06-2017 (processo n.º 512/15.1PBVCT.G1), onde são citados vários outros arestos, e, em sentido contrário, o acórdão do TRP de 13-06-2018 (processo n.º 786/15.8GAFLG.P1), todos disponíveis em http//www.dgsi.pt.
4. - In Código de Processo Penal comentado, 2014, Almedina, pág. 389.