Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | ANTÓNIO SOBRINHO | ||
Descritores: | ACÇÃO DE INTERDIÇÃO EXCEPÇÃO DILATÓRIA COLIGAÇÃO | ||
Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 01/10/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 1.ª SECÇÃO CÍVEL | ||
Sumário: | Sumário (do relator): I – Embora a acção de interdição se alicerce na invocada anomalia psíquica dos requeridos, são diferentes as causas de pedir e a procedência dos pedidos formulados - de decretamento da interdição de cada um dos requeridos - depende da apreciação de factos cuja materialidade é diversa em relação a cada um deles. Trata-se de factos pessoais de cada um dos requeridos, em suma, da específica incapacidade da pessoa a sujeitar a determinada interdição. II - Daí que a pretendida coligação passiva esteja vedada por lei nos termos do artº 36º, nº 2, ‘a contrario’, do CPC, relativamente à acção de interdição. III - Toda a tramitação processual do processo especial de interdição, de cariz eminentemente pessoal - como seja a realização de exame pericial ao interditando, o seu interrogatório, o conteúdo da sentença (com fixação do grau de incapacidade e data do começo desta), o registo da sentença, o relacionamento no próprio processo dos bens do interdito, após trânsito em julgado, a anulação de actos do interdito e o levantamento da interdição, por apenso - conflitua com a referida coligação passiva. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: I – Relatório; Apelante: MºPº (requerente) Apelados: S. C. S. M e J. A. S. M (requeridos); ***** Nos presentes autos de acção de interdição que o Digno Magistrado do Mº Pº requereu contra S. C. S. M e J. A. S. M foi proferida decisão judicial a julgar procedente a exceção dilatória de coligação ilegal de réus e, em consequência, absolveu estes da instância. Inconformado com tal decisão, o Mº Pº interpôs o presente recurso de apelação, de cujas alegações se extraem, em súmula, as seguintes conclusões: 1- A opção pela coligação de requeridos nesta acção especial de interdição/inabilitação não afecta a competência do Tribunal que continua a ser absolutamente competente para a apreciação de ambos os pedidos. 2- A forma de processo é idêntica para todos os pedidos formulados, sendo certo que, ainda que assim não fosse ou caso assim não viesse a ser, a sua tramitação nunca seria absolutamente incompatível. 3- Há interesse relevante na apreciação conjunta dos pedidos cumulados por assim se permitir uma visão global de uma mesma realidade familiar e de duas situações clinicas com géneses comuns, aquilatando-se da pertinência da nomeação daquele mesmo Conselho de Família indicado para ambos os irmãos. 4- O legislador previu no artigo 1932º do Código Civil que, sempre que possível, a tutela de dois irmãos deve pertencer a um só tutor. 5- A apreciação conjunta de ambos os pedidos corresponde ao primado da substância sobre a forma que perpassa o nosso ordenamento processual civil. 6- As normas jurídicas a aplicar são precisamente as mesmas e o legislador não limitou este critério apenas às situações em que estão em causa normas jurídicas de grande complexidade ou especificidade. 7- A natureza pessoal dos factos e a circunstância de estarmos no âmbito de uma acção sobre o estado das pessoas não implica necessariamente que a sentença tenha de dizer respeito a uma só pessoa. 8- A prova a produzir, seja ela pericial e/ou testemunhal, pode aproveitar a ambos os requeridos. 9- A coligação dos requeridos S. C. S. M. e J. A. S. M., não é uma coligação ilegal inexistindo, por isso, Pede que se revogue a decisão recorrida e se determine o prosseguimento dos autos relativamente a ambos os pedidos. Não houve contra-alegações. II – Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar; O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, nos termos do artº 639º, do Código de Processo Civil (doravante CPC). A questão a apreciar é a seguinte: a) Verifica-se ou não a excepção de coligação ilegal de réus; Colhidos os vistos, cumpre decidir: III – Fundamentos; 1. De facto; Têm-se em conta os elementos com incidência jurídico-processual constantes do relatório supra e a factualidade vertida na petição inicial, nos artigos 2 a 13, cujo teor se dá por reproduzido. 2. De direito a) Da excepção de coligação ilegal de réus; A única questão recursiva que importa analisar prende-se com a possibilidade ou não de coligação de réus interditandos. Segundo a decisão recorrida, tal coligação passiva é ilegal. Sufragamos tal posição. Com efeito, in casu, como emerge da petição inicial é requerida a interdição de S. C. S. M. e J. A. S. M., irmãos, por anomalia psíquica, mas com base em factos concretos distintos reveladores da psicopatia e incapacidade relativamente a cada um deles No caso do requerido J. A., por apresentar atraso psicomotor e epilepsia, ter marcada atrofia cerebral, microcefalia e estatura grande, hepatoesplenomegalia e trombocitopenia, embora ainda se encontre em estudo para definição do quadro neurológico, ainda que consiga alimentar-se, tratar sozinho da sua higiene pessoal e vestir-se embora necessite da ajuda da mãe para a escolha da roupa uma vez que não distingue a roupa própria para cada estação do ano (artigos 3º e 7º da petição). Quanto à requerida S. C., por apresentar antecedentes de debilidade intelectual e epilepsia, internada em Janeiro de 2014 por enfarte lacunar sensitivo-motor esquerdo de que resultou hemiparésia direita sequelar grau 4+/5 (MRC), ter antecedentes de seguimento em consulta se psiquiatria e apresenta distúrbio neuropsiquiátrico caracterizado por irritabilidade, ansiedade, baixa resistência à contrariedade, insónia e impulsividade, sendo que a mesma não é capaz de tratar da sua higiene pessoal sozinha, sendo tal tarefa assegurada pela sua mãe (artigos 4º, 5º e 8º da petição). Ora, o artº 891º, do CPC, preceitua que na petição em que se requeira a interdição, deve o autor mencionar os factos reveladores dos fundamentos invocados e do grau de incapacidade do interditando. Ou seja, é pressuposto deste processo especial que se individualizem os fundamentos específicos que servem de suporte ao pedido de interdição relativamente ao interditando. Contudo, como vimos, no caso em apreço, embora a acção de interdição se alicerce na invocada anomalia psíquica dos requeridos, são diferentes as causas de pedir e a procedência dos pedidos formulados - de decretamento da interdição de cada um requeridos - depende da apreciação de factos cuja materialidade é diversa em relação a cada um deles. Não são os mesmos factos, isto é, não são factos comuns. Trata-se de factos pessoais de cada um dos requeridos. Em suma, da específica incapacidade da pessoa a sujeitar a determinada interdição. Daí que a pretendida coligação passiva esteja vedada por lei nos termos do artº 36º, nº 2, ‘a contrario’, do CPC, relativamente à acção de interdição. Isto sem se descurar que toda a tramitação do processo especial de interdição, de cariz eminentemente pessoal - como seja a realização de exame pericial ao interditando, o seu interrogatório, o conteúdo da sentença (com fixação do grau de incapacidade e data do começo desta), o registo da sentença, o relacionamento no próprio processo dos bens do interdito, após trânsito em julgado, a anulação de actos do interdito e o levantamento da interdição, por apenso - conflitua com a referida coligação passiva. E a tal impedimento da coligação não obsta a circunstância de a tutela dos dois irmãos poder vir a pertencer ou não a um só tutor – artº 1932º do Código Civil. Acresce dizer que o alargamento do requisito substancial previsto no citado artº 36º, nº 2, do CPC, no tocante à procedência dos pedidos dependerem essencialmente da interpretação e aplicação das mesmas regras de direito não torna sem mais a coligação legal. Como refere o Prof. Alberto dos Reis, in CPC Anotado, vol. I, 3ª ed., pág. 102 “A palavra «essencialmente» está ali posta para significar o seguinte: quando a questão a resolver seja substancialmente de facto, é necessário que os factos sejam os mesmos; quando seja substancialmente de direito, é indispensável que a solução dependa da interpretação e aplicação da mesma regra de direito; quando dependa, na essência, da interpretação e aplicação das cláusulas contratuais, estas hão-de ser análogas”. No caso em análise, estamos perante acção de interdição por anomalia psíquica, cuja questão a resolver que é substancialmente de facto (e não de direito) e os factos em que se fundam os pedidos não são idênticos, como dito ficou. Logo, a identidade de regras de direito, que é secundária, não conduz à admissibilidade da invocada coligação passiva. Pelo que se deixa aduzido, não procede a apelação. Sintetizando: I – Embora a acção de interdição se alicerce na invocada anomalia psíquica dos requeridos, são diferentes as causas de pedir e a procedência dos pedidos formulados - de decretamento da interdição de cada um dos requeridos - depende da apreciação de factos cuja materialidade é diversa em relação a cada um deles. Trata-se de factos pessoais de cada um dos requeridos, em suma, da específica incapacidade da pessoa a sujeitar a determinada interdição. II - Daí que a pretendida coligação passiva esteja vedada por lei nos termos do artº 36º, nº 2, ‘a contrario’, do CPC, relativamente à acção de interdição. III - Toda a tramitação processual do processo especial de interdição, de cariz eminentemente pessoal - como seja a realização de exame pericial ao interditando, o seu interrogatório, o conteúdo da sentença (com fixação do grau de incapacidade e data do começo desta), o registo da sentença, o relacionamento no próprio processo dos bens do interdito, após trânsito em julgado, a anulação de actos do interdito e o levantamento da interdição, por apenso - conflitua com a referida coligação passiva. IV – Decisão: Em face do exposto, acordam os Juizes da 1ª Secção Cível deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida. Sem custas, por delas estar isento o Digno recorrente. Guimarães, 2019/01/10 António Júlio Costa Sobrinho Helena Gomes de Melo (dispensei os vistos) José Amaral |