Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1171/09.6TBPTL-A.G1
Relator: HELENA MELO
Descritores: TITULARIDADE
CONTRATO DE ABERTURA DE CONTA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/07/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: A questão da propriedade do dinheiro depositado é distinta e independente do regime de movimentação dos depósitos. A abertura de uma conta solidária confere a todos os titulares a faculdade de mobilizar os fundos depositados na conta, mas não pré-determina a propriedade dos activos contidos mesma, que poderão ser da exclusiva propriedade de um ou de alguns titulares da conta ou, inclusive, de um terceiro.
Para que tenha aplicação a presunção constante do artº 516º do CC, é necessário que se apure que duas ou mais pessoas são titulares de uma conta.
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Guimarães
I - Relatório
B. interessada nos autos de inventário a que se procedeu por óbito de C… e D… veio interpor recurso da decisão proferida pela Mma Juíza da 1º instância que decidiu o incidente de falta de relação de bens e que não ordenou o relacionamento do saldo da conta nº 25493 da CGD.
Apresentou as seguintes conclusões:
1ª- Para a decisão recorrida ter decretado que não deveria ser relacionado como bem integrando o acervo de D… metade da conta de depósitos à ordem nº 25493, fez, salvo o devido respeito, o raciocínio precisamente inverso ao rigoroso – tendo fez funcionar uma presunção inexistente em desfavor de uma presunção que efectivamente existe:
2ª- Da ficha de abertura da conta bancária em questão, constata-se que ela conta dois titulares, sendo o «1º titular» a sociedade «E…,, Lda.» e o «2º titular» como o inventariado D… – devendo pois ter-se como dado adquirido essa indiscutível realidade.
3ª- Como refere o art. 9º al. a) da Instrução n° 48/96 do Banco de Portugal (Condições Gerais de Abertura de Contas Bancárias) e Aviso 11/2005, (alterado pelo Aviso 2/2007), «fundamental para se aferir da titularidade de uma conta bancária, é a assinatura da respectiva ficha de abertura pelo seu titular» (cfr. tb. Ac.s STJ de 2011.03.31, in www.dgsi.pt, parcialmente citado nesta alegação e de 2014.02.27, Processo nº 244/1999).
4ª- Ninguém pôs nem põe em dúvida que a assinatura constante da ficha como «2º titular» é a do referido inventariado; e às chamadas «contas conjuntas» ou «contas colectivas», depósitos bancários titulados em nome de duas ou mais pessoas, são aplicáveis os princípios da solidariedade activa estatuídos nos artigos 513º e 516º do Código Civil, que estabelecem a presunção de comparticipação em partes iguais no crédito.
5ª- Ou seja, presume-se, salvo prova em contrário, que cada um dos depositantes é titular de metade da conta, como refere o Ac. STJ de 2003.11.13 (Proc. nº 03B3040): «Quando existam dois titulares da conta presume-se que comparticipam em partes iguais na conta de depósito» (no mesmo sentido: Ac. STJ de 17,06.99, CJSTJ, II, p. 152 e Ac. RG de 2009.06.01, Proc. nº 2757/08-1).
6ª- Tendo a conta bancária dois titulares, a mesma pode ser, como se referiu, solidária ou conjunta; mas quer seja uma coisa quer outra, os co-titulares são credores solidários do Banco, ou seja, presume-se que o respectivo saldo pertence em partes iguais a cada um deles [cfr. o Ac. RP de 2005.05.05, Processo nº 0531986, o Ac. RC de 2011.01.25 (Proc. nº 206/09) e o do STJ de 1999.06.17 (in CJSTJ, 1999, II, 152), ambos parcialmente citados nesta alegação].
7ª- Como refere o Ac. Trib. Relação do Porto de 2006.10.30 (Proc. nº 0655640): «Aquele que pretende afirmar a propriedade exclusiva de dinheiro depositado em contas bancárias solidárias, tem de ilidir a presunção constante do art. 516º do Código Civil, ou seja, que os valores pecuniários pertencem em partes iguais aos contitulares».
E a decisão recorrida partiu do princípio precisamente oposto.
8ª- No caso concreto, ninguém, mormente o cabeça-de-casal, afirmou que a conta fora constituída ou aprovisionada exclusivamente com dinheiro da 1ª titular; limitou-se a dizer que o inventariado era “considerado” um mero «movimentador».
9ª- Todavia, é absolutamente irrelevante que o cabeça-de-casal e/ou o Banco afirme que «considerava» o 2º titular tão-só como «movimentador»; o que ele ou o Banco «consideram» ou não é de todo irrisório e despiciendo face ao que consta do documento que titula a abertura da conta (imagine-se que o Banco passasse a dizer que «considerava» que determinada conta constituía um depósito “à ordem” quando o documento que a titulava traduzia tratar-se de um depósito “a prazo”… …).
10ª- Ou seja, as «informações» do Banco valeriam mais do que o que constasse dos documentos de abertura de contas que esse mesmo Banco emitira e fizeram preencher, o que se revela de um absoluto absurdo – as fichas de abertura de conta e documentos congéneres de nada valeriam e apara nada serviriam: pois se o Banco pode sempre emitir «informações» que as contrariassem…
Seria algo que nem por extremo de extravagância se concebe.
11ª- A presunção de compropriedade é ilidível, admitindo por isso a prova de que as quantias depositadas na conta afinal não pertencem a ambos os co-titulares, mas apenas a um deles; «Esse ónus probatório impende sobre quem se propõe demonstrar que, não obstante a existência de contas solidárias, o montante pecuniário nelas existentes é apenas propriedade de um dos seus titulares».
11ª- Como é exposto no Ac. Relação Lisboa, 30.04.98, BMJ, 476, p. 474), a presunção de compropriedade não é aplicável às contas bancárias individuais, constituídas em nome exclusivo de um titular, embora com permissão de terceiro a movimentar – mas não é manifestamente o caso, pois que da ficha de abertura de conta consta expressamente que esta tem um 1º titular e um 2º titular – que não um único titular e um “movimentador”.
12ª- Para indeferir a reclamação apresentada pelos recorrentes, a decisão recorrida afirmou em primeiro lugar que como meio de prova ter-se-ão apenas os documentos; e que esses documentos não seriam bastantes para permitir apurar a origem dos montantes depositados na conta.
Quando o raciocínio a ter é precisamente o inverso:
13ª- - Por um lado, o documento da ficha de abertura de conta faz presumir que o saldo da conta pertence em comum e em partes iguais a cada um dos titulares.
- Por outro, competiria ao cabeça-de-casal ilidir essa presunção, produzindo prova de que assim não seria.
- Por outro, a «informação» (?!) do Banco não tem a virtualidade de anular a validade da ficha de abertura da conta.
14ª- Em suma, na ausência de prova em contrário, deverá concluir-se que metade do saldo da dita conta, à data do óbito do referido inventariado, lhe pertencia e, como tal, integra o seu acervo a partilhar – e consequentemente deveria o cabeça-de-casal tê-lo apurado e relacionado.
15ª- A decisão recorrida cita em seu abono a «informação» do Banco – mas já se viu (supra, conclusões 9ª e 10ª) que o Banco não pode desdizer o que consta do documento que ele próprio emitiu aquando da abertura da conta e da subscrição da ficha respectiva, ou seja, que essa «informação» não pode subverter a natureza da conta bancária em questão quando ela foi constituída.
16ª- Por outro lado, nada na lei (!) impede que uma conta bancária seja co-titulada por uma pessoa colectiva e por uma pessoa singular – nem a decisão recorrida cita qualquer norma legal que o impedisse ou impeça.
17ª- Tão-pouco tal contraria as «regras da experiência», pois que não só se trata de situação que frequentemente se verifica, como basta não ser «contra-legem» nem atentar contra a ordem pública para se aceitar a mesma como admissível e boa – e tanto assim que o Banco a sancionou e permitiu!
18ª- Aliás, se a intenção dos co-titulares e/ou do Banco fosse a de que a pessoa que figura como segundo titular fosse apenas «movimentador», o Banco dispunha dos meios para que apenas assim fosse – v.g., fazê-lo constar como procurador.
19ª- Ao invés do que consta da decisão recorrida, a «ausência de qualquer outro elemento probatório» que não o da ficha de abertura da conta deveria ter conduzido à conclusão de que opera a favor do segundo titular da mesma a presunção legal que ele tinha a seu favor, segundo o regime geral das obrigações solidárias cujo regime está previsto nos art.s 512º e segs., maxime art. 516º, do Cód. Civil,
20ª- ou seja, de que o inventariado 2º titular da conta em causa era e é comproprietário das quantias depositadas na mesma, à data da sua morte, em partes iguais com a 1ª titular – pois que essa presunção não foi ilidida.
21ª- E que quem tiver a seu favor presunções legais, está dispensado de provar os factos que a elas conduzem (artigo 350º, n.º 1 do Cód. Civil).
22ª- Na decisão recorrida encontram-se interpretadas e aplicadas de forma inexacta as normas citadas nas precedentes conclusões, impondo-se por isso a sua revogação.
A parte contrária contra alegou, pugnando pela manutenção da decisão.
II – Objecto do recurso
Considerando que:
. o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso; e,
. os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu acto, em princípio delimitado pelo conteúdo do acto recorrido,
as questões a decidir são as seguintes:
. se a matéria de facto deve ser alterada e se, em consequência, deve ser relacionado como bem da herança metade do saldo da conta nº 000 da Caixa Geral de Depósitos da CGD deve ser relacionado.

III - Fundamentação
Na 1ª instância foram considerados provados os seguintes factos:
1) Os inventariados eram proprietários de: um tapete de arraiolos; duas
mísulas em madeira; duas bases de apaga-velas; quatro apaga-velas em prata; três jarras de porcelana; dois apliques em metal; uma estátua de Santo António em madeira policromada; uma cómoda em madeira estilo D. Maria; uma cadeira de braços revestida a couro; uma bacia, uma jarra e uma saboneteira em porcelana; um espelho com moldura em madeira; um cabide; um quadro em seda bordada; um quadro de Nossa Senhora; livros antigos; uma cadeira de espaldar; seis travessas, três terrinas, três jarras, sete pratos grandes, seis pratos pequenos e quatro malgas em porcelana; um candeeiro de tecto; uma cómoda em castanho e recheio de peças de louça; recheio de um armário embutido de peças de louça; uma cómoda e duas cadeiras; uma guarda-roupa; uma cómoda com espelho; uma mesa pequena com tampo de mármore; duas cómodas em madeira; duas mesas de cabeceira; um lavatório com tampa de madeira.
2) É titular da conta nº 000 da Caixa Geral de Depósitos a sociedade comercial E…, Lda.
3) A interessada F… procedeu a obras, não concretamente determinadas, na verba n.º 29 do activo, ainda em vida do inventariado e com autorização deste.
E foram considerados não provados os seguintes factos:
a) Que os montantes, ou parte deles, depositados na conta n.º 000 fossem pertença dos inventariados.
b) Que os inventariados fossem proprietários de uma balança e frascos de farmácia, uma mesa pequena em castanho, um tinteiro de prata, uma mesa ovalada de 5 metros, 4 apliques, e do recheio de um consultório médico.
c) Quais as obras a que é necessário proceder no prédio descrito na verba nº 29 e a respectiva causa.
d) Que a interessada F… deva à herança quantia não inferior a €100.000,00.

Da alteração da matéria de facto
Pretende a apelante que o Tribunal ordene a relação de metade do saldo da conta existente na CGD com o nº 000 por entender que se trata de uma conta solidária titulada por dois titulares, sendo um deles o inventariado, não tendo os apelados ilidido a presunção constante do artº 516º do CC.
A Mma. Juíza a quo apenas deu como provado que a sociedade E…, Lda. era titular da referida conta, mas não deu como provado que o inventariado também o fosse.
Lidas as alegações e as conclusões da apelante consta-se que esta nunca diz expressamente que pretende a alteração da matéria de facto.
No entanto, afigura-se-nos que embora não o afirmando expressamente, a apelante manifesta essa intenção.
Se atentarmos no ponto 4 da alegação, a apelante afirma que se deve dar como assente que a conta bancária tinha dois titulares, a sociedade E…,Lda. e o inventariado D…e fundamenta-se na ficha de abertura da conta bancária junta aos autos, pronunciando-se sobre o seu valor probatório.
Também na conclusão 2ª a apelante manifesta a mesma intenção, referindo que deve ter-se como dado adquirido que a conta bancária tem dois titulares, a sociedade E… Lda e o inventariado.
Assim, passaremos a conhecer da pretendida alteração da matéria de facto, relativamente ao ponto 2 dos factos provados e à alínea a) dos factos não provados que com aquele se interliga.
Vejamos:
A Mma. Juíza a quo apenas deu como provado que a sociedade E…, Lda. era titular da conta, mas não deu como provado que o inventariado também o fosse. E consignou a propósito que “Quanto ao dinheiro depositado em conta da sociedade comercial E…, Lda., e na ausência de qualquer outra prova a esse respeito, temos apenas os documentos juntos aos autos, que não são bastantes para permitir concluir pela origem dos montantes aí depositados. Pese embora a referência a 2 titulares na zona das assinaturas da ficha de abertura de conta, certo é que em nenhuma das informações prestadas pelo banco, se refere tratar-se de uma conta solidária. Pelo contrário, da informação constante de fls. 349 resulta tratar-se de uma conta cujo titular único é a referida sociedade comercial. Acresce que, tratando-se de uma sociedade comercial, contraria as regras da experiência a conclusão, sem nenhum outro elemento probatório, de que o dinheiro depositado em conta por si titulada não seja provento da respectiva actividade ou, quando muito, aí depositado pelos sócios respectivos, entre os quais não se encontravam os inventariados. “
Encontra-se junto aos autos uma ficha de assinaturas onde consta o seguinte:
Nome: E…, Lda.
Morada: Praça xxx
Código Postal 4990 Telefone 9xxx
1º titular: G…, com a profissão/cargo de gerente; e,
2º titular: D… Araújo Pimenta, com a profissão/cargo de gerente.
Encontra-se em branco a parte constante da ficha de assinaturas relativa a 3º titular e a procuradores autorizados.
A fls 349 dos autos principais encontra-se junta a seguinte informação prestada pela CGD, datada de 13.07.2010, dirigida a E…, Lda, com o assunto “titularidade e condições de movimentação de contas” e “conta nº 000”
Na mesma lê-se, designadamente:
“Para os efeitos convenientes e em satisfação do solicitado por V.Exas., vimos informar que, face aos elementos nesta data disponíveis por consulta neste Balcão, a conta supra referenciada tem as seguintes características:
Titular: E…, Lda. soc. comercial por quotas com o NUIPC 500xxx
Data da abertura: 08.09.1986.
Condições de Movimentação – é suficiente a aposição de uma única assinatura.
Assinaturas autorizadas:
G…;
H…;
I….

Histórico de assinaturas autorizadas para movimentação da conta:
Em 1986.09.08
G…;
D….
Em 2002.12.20
G…;
D…;
H….
Em 2006.02.16
G…;
D…;
H…
Em 2006.11.25
G…;
D…;
H…
Em 2006.11.29
G…;
H…;
I….
A presente informação é prestada com base nos elementos disponíveis neste Balcão, por confronto com documentos existentes e susceptíveis de consulta em original ou cópia, e por consulta aos dados informáticos carregados.”

Com base, nomeadamente, na informação que antecede, conforme resulta da motivação da decisão de facto, a Mma Juíza deu apenas como provado que a sociedade E…,Lda. era a única titular da conta.
A apelante insurge-se porque entende que a ficha de assinaturas não pode ser contrariada por um ofício da Caixa Geral de Depósitos.
Será assim?
O contrato de abertura de conta não se encontra, em si mesmo, tal como o de depósito bancário , especificamente regulado na lei. É um negócio jurídico que marca o início de uma relação bancária complexa entre o banqueiro e o cliente e traça o quadro básico de relacionamento entre tais entidades. Sendo a pessoa do cliente, em princípio, elemento essencial do respectivo contrato de crédito (cfr.se defende no Ac. do STJ de 31.03.2011, proferido no proc. 281/07.9TBSIV.C1.S1).
Sendo o contrato de depósito e a conta, esta, em si mesma, com natureza jurídica, realidades diferentes, que mantêm a sua individualidade. O contrato de abertura de conta conclui-se com o preenchimento de uma ficha, com assinatura/assinaturas e pela sua aposição num local bem definido. Tratando-se de um ponto importante, uma vez que tal assinatura passará a ser válida para todas as comunicações dirigidas ao banqueiro e para todas as ordens inerentes, maxime, para assinaturas de cheques que venham porventura a ser emitidos (cfr. se defende no citado Ac. do STJ).
A titularidade da conta afere-se pelo contrato de abertura de conta. A ficha de assinaturas é importante, não só para prova da titularidade da conta, como também para possibilitar o confronto de assinaturas, no caso em que se suscitem dúvidas sobre a legitimidade do titular que dá determinada ordem ao Banco.
Mas tal não pode significar que não possa ser demonstrado que apesar de alguém constar como titular da conta na ficha de assinaturas, não possa ser apenas mero autorizado a movimentá-la.
Ora, os apelados lograram demonstrá-lo. O ofício do Banco é claro no sentido de que todos inscritos na ficha de assinaturas eram meros autorizados a movimentar a conta. A titular da conta é a sociedade E…, Lda.
A pessoa singular que é representante de uma sociedade é uma pessoa diferente desta e afigura-se que no preenchimento da ficha junta aos autos não se teve tal em consideração, aparecendo como titulares, em 1986, o inventariado e o seu filho, este sócio gerente da sociedade, quando a titular era a sociedade, conforme resulta do cabeçalho da ficha de assinaturas onde expressamente consta e isoladamente a denominação social da sociedade.
A Mma. Juíza a quo não incorreu em qualquer erro de julgamento, tendo formulado um juízo de acordo com a prova produzida, e as regras da lógica e da experiência comum, pelo que se mantém inalterada a matéria de facto.

Do Direito
Pretende a apelante que o Tribunal ordene a relação de metade do saldo da conta existente na CGD por entender que se trata de uma conta solidária titulada por dois titulares, sendo um deles o inventariado.
Apenas se provou que a sociedade Manuel Pimenta, Lda. é titular da conta nº 000 da Caixa Geral de Depósitos .
A questão da propriedade do dinheiro depositado é distinta e independente do regime de movimentação dos depósitos(1). A abertura de uma conta solidária confere a todos os titulares a faculdade de mobilizar os fundos depositados na conta, mas não pré-determina a propriedade dos activos contidos mesma, que poderão ser da exclusiva propriedade de um ou de alguns titulares da conta ou, inclusive, de um terceiro(2).
Há que distinguir o plano da relações externas, perante terceiros e o plano das relações internas, entre os titulares da conta.
No domínio das relações externas, qualquer dos titulares pode levantar dinheiro da conta e aplicá-lo nos produtos que entender, não podendo o Banco recusá-lo. Por via da solidariedade entre credores, não pode o Banco, como devedor comum, opor-lhes que o montante do depósito não lhe pertence por inteiro (nº 1 do art. 512º CC).
No domínio das relações internas entre os credores, presume-se que os credores solidários participam no crédito em partes iguais (artº 516º do CC). Trata-se de uma presunção júris tantum. Esta presunção de que os credores detém partes iguais do capital, tem também assento no nº 2 do artº 861º do CPC, conforme foi posto em evidência no acórdão do STJ de 15.03.2012(3) , que preceitua para os casos de penhora de depósitos bancários com pluralidade de titulares, que “Sendo vários os titulares do depósito, a penhora incide sobre a quota-parte do executado na conta comum, presumindo-se que as quotas são iguais”.
A referida presunção pode ser afastada e, provando-se que algum dos credores obteve satisfação do seu direito para além do que lhe devia caber, segundo a titularidade do crédito nas relações internas entre os credores, então terá de satisfazer ao outro ou outros a parte que lhes pertence no crédito comum (art. 533º C. Civil). Como se refere no Ac. do STJ de 4/06/2013(4) “apesar de qualquer dos contitulares do depósito ter, perante o banco, o direito de dispor da totalidade do dinheiro que constitui o objecto do depósito, na respectiva esfera patrimonial só se radica um direito próprio sobre o numerário se, efectivamente, lhe couber, como proprietário, qualquer parte no saldo de depósito, e só dentro dos limites dessa parte.
Inconfundíveis e independentes, pois, a legitimidade para movimentação da conta, inerente à qualidade de contitular inscrito no contrato de depósito e dela directamente decorrente, e a legitimidade para dispor livremente das quantias que a integram, esta indissociável do direito de “propriedade” sobre as quantias depositadas (desconsidera-se aqui a natureza irregular do depósito bancário e o seu efeito de transferência para o depositário da propriedade do dinheiro.)
Uma coisa é a relação jurídica de obrigação que emerge da abertura da conta e outra diferente é a propriedade dos bens objecto do depósito(5).
A argumentação da apelante parte de um pressuposto de facto que não está demonstrado: que o inventariado era titular da conta. Não se tendo provado essa titularidade, não tem aplicação a presunção constante do artº 516º do CC, na qual, por entender que não foi ilidida, fundamenta o seu recurso.
Mantém-se assim a sentença recorrida.

Sumário:
A questão da propriedade do dinheiro depositado é distinta e independente do regime de movimentação dos depósitos. A abertura de uma conta solidária confere a todos os titulares a faculdade de mobilizar os fundos depositados na conta, mas não pré-determina a propriedade dos activos contidos mesma, que poderão ser da exclusiva propriedade de um ou de alguns titulares da conta ou, inclusive, de um terceiro.
Para que tenha aplicação a presunção constante do artº 516º do CC, é necessário que se apure que duas ou mais pessoas são titulares de uma conta.
IV - Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal a julgar improcedente a apelação e confirmam a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
Notifique.
Guimarães, 7 de Abril de 2016
(1) Cfr Acs do STJ de 15.03.2012, proferido no proc.492/07 e de 26.10.2004, proferido no proc. nº 04A3101, acessível em www.dgsi.pt, sítio onde poderão ser consultados todos os acórdãos que venham a ser citados, sem menção de outra fonte.
(2)Cfr se defende no Ac. do STJ de 12.02.2009, proferido no proc. STJ20090212037141.
(3) Proferido no proc.492/07.TBTNV.C2.S1.
(4) Proferido no proc. 226/11.
(5) Conf. se defende Ac. do STJ de 26.10.2004, proferido no proc. 04A3101.