Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | ARMANDO AZEVEDO | ||
Descritores: | REVOGAÇÃO SUSPENSÃO PENA INCUMPRIMENTO DE CONDIÇÕES AUDIÇÃO PRESENCIAL DO CONDENADO EFETIVAÇÃO CONTRADITÓRIO NULIDADE DO ARTº 119 AL. C) DO CPP | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 04/15/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | SECÇÃO PENAL | ||
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Sumário: | I- No incidente de revogação da suspensão da pena de prisão por incumprimento das condições da suspensão do nº1 al. a) do artigo 56º do CP, a lei não se basta com o mero cumprimento formal do contraditório, pois o nº 2 do artigo 495º, do CPP refere expressamente que o tribunal decide depois de recolhida a prova…ouvido o condenado. Isto significa que o tribunal, no momento em que decide, por imposição legal, ouvir presencialmente o condenado, deverá estar na posse de todos os elementos que lhe permitam decidir com segurança. II- As psicoses alcoólicas podem determinar grave comprometimento das capacidades intelectuais e volitivas do indivíduo. E a ausência de tratamento deteriora esse estado. No caso, o perito do INML considerou que o arguido sofre de debilidade intelectual e, face à sua dependência do álcool, tem capacidade de avaliação da ilicitude, mas a capacidade de autodeterminação encontra-se diminuída, justificando-se, por isso, uma redução da imputabilidade. III- Em sede de execução do PRS (Pano de Reinserção Social) foi considerado pelos técnicos essencial à ressocialização do condenado a realização de tratamento de desintoxicação resultante do consumo de álcool com internamento em comunidade terapêutica, o que ele declarou aceitar. Porém, tendo o condenado posteriormente manifestado um comportamento ambivalente e contraditório relativamente à sua concretização, ora comparecendo ora faltando às entrevistas designadas com essa finalidade, impunha-se, antes de ocorrer pronúncia sobre a revogação da suspensão da pena promovida pelo M.P., a realização de perícia médico-legal. Esta com o com o propósito de apurar se o condenado possuía o discernimento necessário para avaliar, na sua plenitude, o sentido e alcance do consentimento para realizar o preconizado tratamento em comunidade terapêutica e para se autodeterminar de acordo com essa avaliação. IV- Após o que, haveria que ser cumprido o contraditório, com audição pessoal e presencial do condenado na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão da pena, em conformidade com o disposto no artigo 495º, nº 2 do CPP. V- Como tal não sucedeu, somos levados a concluir ter sido cometida a nulidade prevista na al. c) do artigo 119º do CPP, donde decorre a nulidade do despacho que procedeu à revogação da suspensão da pena, em conformidade com o disposto no nº1 do artigo 122º do CPP. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I- RELATÓRIO 1. No processo comum, com intervenção de tribunal singular nº 63/17.0GDVVD, do Tribunal Judicial a Comarca de Braga, Juízo Local Criminal de Vila Verde, em que é arguido S. S., com os demais sinais nos autos, por despacho datado de 04.10.2019, foi decido não proceder a novo interrogatório judicial do arguido e revogar a suspensão da execução da pena de dois anos e dois meses de prisão em que o mesmo havia sido condenado. 2. O arguido reclamou do mencionado despacho na parte em que indeferiu a realização de novo interrogatório judicial do arguido, suscitando a sua nulidade, nos termos do disposto no artigo 119º al. c) do CPP, a qual foi indeferida por despacho de 05.11.2019. 3. Não se conformando com as sobreditas decisões, delas interpôs recurso o arguido, extraindo da respetiva motivação, as seguintes conclusões [transcrição]: A) Vem o presente Recurso interposto do Despacho de fls...., proferido em 04/10/2019 que determinou a revogação da suspensão da pena de prisão de 2 anos e 2 meses em que, por Sentença transitada em Julgado em 23/07/2018, foi condenado o Arguido ora Recorrente, bem assim como do Despacho proferido em 05/11/2019 que julgou improcedente a nulidade prevista no art. 119º, alínea c) do Código de Processo Penal, arguida contra aquele Despacho. B) Aquando do exercício do direito do contraditório sobre a Promoção de 12/08/2019 na qual a mui Digna Representante do Ministério Público pugnava pela revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao condenado/Recorrente, o defensor oficioso, sem que houvesse logrado contactar com aquele, requereu, ainda assim, e além do mais, “a notificação do CRI para, de forma fundamentada, esclarecer as questões elencadas no item 4. supra.” (Cfr. Requerimento ref. citius 3323526q1, de 28/08/2019). C) Aquando do exercício do contraditório sobre os documentos juntos aos autos a partir de 03/07/2019, m.i. no item nº 2 da Motivação que antecede, notificados em 30/08/2019 ao defensor oficioso, este, sem que houvesse logrado estabelecer contacto com o condenado, ingloriamente requereu ao douto Tribunal a quo, além do mais, que se dignasse proceder ao agendamento de nova audição daquele. D) No requerimento junto aos autos em 26/10/2019, em que o condenado arguiu a nulidade do Despacho proferido em 04/10/2019, mais uma vez é requerida ao douto Tribunal a designação de “dia para a audição do Arguido, nomeadamente sobre a factualidade vertida na Promoção sub iudicio bem como sobre o teor dos cinco supracitados documentos em que a mesma se encontra alicerçada.” E) De tudo quanto requerido foi, apenas obteve deferimento, como, de resto, não poderia deixar de ser, o pedido ínsito no 1º parágrafo do petitório formulado a final no Requerimento com a ref. citius 33235261, de 26/08/2019, consistente na notificação ao defensor oficioso dos documentos referenciados no item 2. da Motivação que antecede. F) Tudo o mais requerido foi ilegalmente indeferido. G) Os autos contêm informação de que a partir da data em que, desde fevereiro de 2019, a mãe do condenado/Recorrente faleceu, o seu irmão, Ofendido, deixou de residir na casa que com este partilhava, passando a residir com outro familiar em local que dista cerca de 1.000 metros do da residência do Recorrente, sendo absolutamente pacífica a relação entre ambos. H) Nenhuma informação atual, nomeadamente posterior à data do Interrogatório do condenado de 18/06/2019, consta dos autos que indicie continuar o mesmo a prevaricar e, designadamente, a incorrer na prática do crime de violência doméstica ou de outra de diferente tipo. I) As anacrónicas informações, nomeadamente referentes ao alegado alarme social causado pelo Recorrente, aliás não demonstradas nem provadas, com base nas quais a Mmª Juiz a quo proferiu o Despacho recorrido de 04/10/2019, referem-se ao que se encontra vertido no Relatório de Execução elaborado pela Sra. Técnica da D.G.R.S.P., datado de 17/05/2019, e J) Consequentemente, no humilde entendimento do Recorrente, não podem valer para fundamentar a Decisão vertida no citado Despacho, tanto mais que aquela factualidade, apesar de veementemente negada pelo condenado, e indemonstrada e não provada com o rigor e a certeza jurídica que o Processo Penal e a descoberta da verdade material impõem, é substancialmente diversa da que consta dos documentos juntos aos autos a partir de 03/07/2019, identificados no item 2 da Motivação que antecede. K) Sobre a factualidade constante dos sobreditos documentos, não foi o Recorrente admitido a oferecer ao douto Tribunal recorrido, pessoal e presencialmente, a sua concreta e real versão dos mesmos. L) Tão-pouco foi dada ao Recorrente a oportunidade de, em sede da pugnada, porém indeferida audição/Interrogatório, infirmar no todo ou em parte tal factualidade, bem assim como, aí requerer a produção dos meios de (contra)prova que na circunstância houvessem sido tidos por necessários e convenientes para a defesa do condenado. M) Na fundamentação do Despacho recorrido proferido em 04/10/2019, a Mmª Juiz a quo faz referência ao “acompanhamento psiquiátrico determinado como condição suspensiva da execução da pena de prisão”. N) Contudo, o documento junto aos autos em 18/07/2019 pelo Médico Assistente do Recorrente refere expressamente que i) “o referido doente teve alta porque: 1. Já estava acompanhado no CRI em consulta especializada de Alcoolismo com proposta para integrar no Projecto Homem, comunidade terapêutica adequada à situação e com acordos com o CRI; ii) 2. a duplicação de consultas não faria sentido e seria prejudicial para o doente.” O) Salvo o devido respeito, são diversas as incongruências e contradições constantes da Fundamentação da Decisão vertida no Despacho de 04/10/2019, nomeadamente: i) “O arguido adota uma postura educada e cordial“, “compareceu sóbrio nos serviços de ação social da Câmara”; “O Sr. S. S. é muito educado, muito cordial, mas depois falha.“, o que, salvo melhor entendimento, contrasta com: “com o seu comportamento causa alarme na comunidade, assustando as pessoas”; b) “Os seus consumos abusivos de bebidas alcoólicas causam alarme na comunidade, o que não é de estranhar uma vez que o condenado assume comportamentos violentos quando está alcoolizado“; “manifestando mais uma vez ser pessoa despojada de princípios básicos de convivência familiar e social.”; ii) “O condenado recusa fazer qualquer tratamento“ e “não apresenta a documentação necessária, não faz os exames necessários, recusa submeter-se a tratamento”, o que contrasta com “A Sra. Terapeuta do Centro de Respostas Integradas de Braga informou que o arguido esteve presente em consulta nos dias 11 e 26 de julho de 2019 e aceitou fazer tratamento de internamento“, “Efetuou os exames médicos prescritos, com apoio dos Serviços de Ação Social local” (cfr. fls. 4/4 do Relatório de Execução de 17/05/2019). P) Salvo erro ou omissão, nenhum sinal ou ténue evidência existe nos autos, a partir da data do Interrogatório de 18/06/2019, nomeadamente autos de notícia elaborados pelos agentes da Autoridade, ou denúncias feitas por quem quer que seja, ainda que anónimas, que permitam concluir com certeza e segurança jurídicas, como concluiu a Mmª Juiz a quo, que o condenado “com o seu comportamento causa alarme social na comunidade, assustando as pessoas”, “os seus consumos abusivos de bebidas alcoólicas causam alarme na comunidade, o que não é de estranhar uma vez que o condenado assume comportamentos violentos quando está alcoolizado”, “manifestando mais uma vez ser pessoa despojada de princípios básicos de convivência familiar e social”. Q) A factualidade supra transcrita e a demais constante da Fundamentação da Promoção de fls...., de 12/08/2019, da Exma. Senhora Procuradora-Adjunta e da Decisão de revogação da suspensão de execução da pena de prisão, bem assim como a dos documentos identificados no item nº 2 da Motivação que antecede, impunham, em obediência ao Constitucional, impostergável e inderrogável direito de defesa e de exercício do contraditório a audição presencial do condenado/Recorrente. R) In casu, não se verificam os pressupostos de que depende a revogação da suspensão de execução da pena de prisão aplicada ao condenado, sendo a factualidade constante dos documentos juntos aos autos a partir de 03/07/2019, identificados no item nº 2 da Motivação que antecede, substancialmente diversa e muito menos gravosa do que a que, apesar de indemonstrada e não provada, se encontra vertida no Relatório de Execução de 17/05/2019 que subjazeu à realização do Interrogatório do condenado, de 18/06/2019. S) O condenado continua disponível e totalmente recetivo ao prosseguimento das dinâmicas terapêuticas de acordo com as leges artis adequadas em prol da sua total recuperação do vício do alcoolismo e, se para tanto necessário for, aceita o seu internamento em estabelecimento adequado, nomeadamente hospitalar ou a afim. T) A nova factualidade carreada para os autos a partir de 03/07/2019 não só impõe e exige a audição presencial do condenado pelo douto Tribunal a quo, como impõe a realização de novo e atual Relatório Social, o que não foi feito. U) Só em sede de audição/Interrogatório do condenado será plenamente concedido ao mesmo o legal e Constitucional direito de defesa e de exercício do contraditório aí podendo, se tanto se mostrar necessário, requerer a produção dos meios de prova que houver por necessários e convenientes para infirmar o que contra si se encontra alegado na Promoção elaborada pela mui Digna Representante do Ministério Público, de 12/08/2019 e ora expressamente se impugna. V) Pese embora a eventual ocorrência dos pontuais incidentes a que aludem os supracitados documentos juntos aos autos a partir de 03/07/2019, identificados no item nº 2 da Motivação que antecede, os quais não se encontram sustentados por Relatório Social atual, crê o recorrente que se lhe houvesse sido concedido o legítimo direito a ser presencialmente ouvido pelo douto Tribunal recorrido, e atento o seu empenho, interesse e contributo sobejamente demonstrados em prol da sua recuperação do vício de alcoolismo, reconduzir-se-ia aquele douto Tribunal ao proferimento de uma advertência, jamais à desproporcionada, ilegal e inconstitucional revogação da suspensão de execução da pena de prisão. W) Sendo substancialmente diversa a factualidade que, percute-se, apesar de não demonstrada e não provada, consta do Relatório de Execução de 17/05/2019, no confronto com a factualidade que, ainda que absolutamente verdadeir afosse, mas muito menos gravosa, consta dos documentos identificados no item 2. da Motivação que antecede, não pode o douto Tribunal a quo, com base naquele anacrónico e desatualizado Relatório, postergando, além do mais, o legítimo e Constitucional direito do condenado a ser presencialmente ouvido, decretar a revogação da suspensão de execução da pena de prisão de 2 anos e 2 meses em que foi condenado. X) Tal Decisão, resultante da errada apreciação dos factos e da incorreta interpretação e aplicação do Direito, é nula nos termos, inter alia, das disposições conjugadas dos arts. 56º, nº 1, alínea a), do Código Penal, 495º, nº 2, 61º, nº 1, alínea b), 119º, alínea c), 122º, nº 1, e 127º, todos do Código de Processo Penal, e inconstitucional porque violadora dos preceitos Constitucionais ínsitos nos arts. 18º, nº 2, parte final, 32º, nrs. 1, 6 e 7, 20º, nrs. 1, 4 e 5, e 205º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa. Y) Nulidade e inconstitucionalidade que ora expressamente se invocam com as legais consequências. Z) Ainda que, porventura, não houvesse de proceder a arguida nulidade, o que não se concede, sempre haveria de ser revogado in totum o Despacho recorrido de 04/10/2019 atenta a flagrante e clamorosa violação do Constitucional princípio da proporcionalidade e da proibição do excesso com assento no art. 18º, nº 2, parte final, da Constituição da República. Termos em que, Deve ser concedido total provimento ao presente Recurso e, em consequência, declarada a nulidade do Despacho proferido em 04/10/2019 ou, caso assim não se entenda, deverá ser o mesmo revogado in totum, com as legais consequências. Decidindo nesta conformidade, farão Vossas Excelências, VENERANDOS DESEMBARGADORES, a costumada e sã JUSTIÇA! 4. O M.P., na primeira instância, respondeu ao recurso interposto pelo arguido, tendo defendido que deverá ser negado provimento ao recurso. 5. Nesta instância, o Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no mesmo sentido em que o M.P., na primeira instância, respondeu ao recurso. 6. Foi cumprido o disposto no artigo 417º nº2 do CPP e não foi apresentada qualquer resposta. 7. Após ter sido efetuado exame preliminar, foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência. Cumpre apreciar e decidir. II- FUNDAMENTAÇÃO 1- Objeto do recurso O âmbito do recurso, conforme jurisprudência corrente, é delimitado pelas suas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, sem prejuízo naturalmente das questões de conhecimento oficioso(1) do tribunal. O nº 1 do artigo 412º do C.P.P. estabelece que “A motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido”. Assim, considerando as razões da discordância do recorrente sintetizadas nas conclusões do recurso interposto, as questões a decidir consistem em saber: - Se o despacho recorrido em que se procedeu à revogação da suspensão da pena está ferido de nulidade pelo facto de o arguido não ter sido ouvido, em conformidade com o disposto no artigo 495º, nº2 do CPP, 32º, nº 1 da CRP e artigo 119º, nº 1 al. c) do CPP; e, em caso negativo, - Se a revogação da suspensão da execução da pena de prisão efetuada pelo despacho recorrido deverá ser mantida pelo facto de o arguido não ter cumprido o plano de reinserção social a que ficou subordinada a suspensão, em conformidade com o disposto no artigo 56º, nº 1 al. a) do CP. 2. Os despachos em discussão 2. Nos presentes autos foram proferidos dois despachos em discussão no presente recurso, a saber: o despacho que decidiu não levar a cabo novo interrogatório judicial do arguido e procedeu à revogação da suspensão da pena de prisão em que o arguido foi condenado; e o despacho que indeferiu a nulidade invocada pela defesa do arguido decorrente de não ter sido efetuado novo interrogatório judicial do arguido. 2. 1. O primeiro dos aludidos despachos tem o seguinte teor [transcrição]: Por sentença transitada em julgado a 23/7/2018 foi o arguido S. S. condenado pela prática de um crime de violência doméstica na pena de 2 anos e 2 meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos e 2 meses, sujeita a regime de prova e sob condição de se submeter a acompanhamento psiquiátrico. Em maio de 2019 a médica de família do condenado informa que o mesmo se mostra pouco recetivo ao envio de tratamento de desintoxicação, tendo inclusivamente faltada à consulta agendada para esse dia e que, por sua iniciativa, não se encontra a tomar qualquer medicação. No relatório de execução da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais de 17-5-2019 consta que o arguido mantém os hábitos de ingestão abusiva de bebidas alcoólicas e quando se encontra alcoolizado adota condutas desadequadas, e por vezes, agressivas para com alguns vizinhos, circula na via pública desnudado, etc., sendo manifesto sentimentos de insegurança da comunidade, relativamente à sua conduta. «Assim, em articulação com os serviços de Acção Social do Município de …, o condenado foi encaminhado para consulta no Centro de Reposta Integradas – ET de Braga em 22/01/2019, onde também poderia ser acompanhado em consulta de psiquiatria, caso se concluísse pela intervenção com duplo diagnóstico (dependência etílica/perturbação do foro psiquiátrico). S. S. esteve presente na primeira consulta de avaliação no CRI- ET de Braga em 13/02/2019. Após avaliação concluíram que, atento o historial etílico do condenado seria mais adequado a sua integração em programa de tratamento estruturado com internamento em Comunidade Terapêutica, possibilidade que o condenado rejeitou. S. S. compareceu às consultas com a médica de família/PLA, tendo a ultima ocorrido em 23/04/2019, mas tinha consulta agendada para 06/05/2019, à qual faltou. Efetuou os exames médicos prescritos, com apoio dos Serviços de Acção Social local, mas, até ao presente, não os foi mostrar à médica de família. Entretanto, uma vez que o condenado já foi utente do Serviço de Psiquiatria do Hospital de Braga em 2017, altura em que esteve internado para desabituação etílica, solicitamos remarcação de consulta nesse serviço e aguarda o arguido a indicação de data. Importa salientar que toda a intervenção técnica, junto do condenado se encontra fortemente condicionada pela manutenção da ingestão abusiva de álcool. S. S. encontra-se numa situação de extrema precaridade, sem rendimentos próprios, mas beneficia de apoio alimentar da cantina social local. Foi entretanto proposto para RSI, mas um dos critérios para a atribuição desse benefício seria a sua integração em Comunidade Terapêutica, pelo que, face a rejeição do mesmo, o RSI foi indeferido. Foi ainda indicado para um Contrato Emprego inserção Mais (CEI+) para Câmara Municipal ..., mas continua a aguardar apreciação da candidatura, sendo que a manutenção da ingestão abusiva de bebidas alcoólicos, poderá inviabilizar a sua integração. Do exposto, consideramos que a manutenção por parte do condenado da ingestão abusiva e continuada de bebidas alcoólicas e um comportamento que traduz manifestas dificuldades em aderir a tratamento estruturado à problemática aditiva (ao qual está vinculado no Plano de Reinserção Social homologado e, assim, em incumprimento), se constitui como relevante fator de risco no seu contexto sociofamiliar.». Em sede de interrogatório judicial ocorrido em junho, o arguido alega ser tudo mentira, ou seja nega despir-se ou embriagar-se, dizendo que os vizinhos não gostam de si. Na sua opinião não necessita de fazer tratamento e desconhece se faltou a alguma consulta em maio. A Sra. Técnica de Reinserção Social informou que colheu as informações fornecidas junto do Sr. Presidente da Junta de Freguesia e moradores, sendo que os seus irmãos estão distanciados e desgastados. O arguido adota uma postura educada e cordial quando confrontado (tal como o fez hoje), diz que cumpre as diretivas que lhe são dadas, mas no momento de passar à ação, nada faz. O serviço social da Câmara Municipal é incansável na ajuda que presta ao arguido, designadamente ao nível de transportes e deslocações. O arguido não consegue superar a dependência de álcool, com o seu comportamento causa alarme na comunidade, assustando as pessoas. Desde que recebeu a convocatória do Tribunal já mostrou mais interesse, e compareceu sóbrio nos serviços de ação social da Câmara. Segundo a Sra. Técnica, caso o arguido tenha uma remuneração, receia pelo modo como se estruturará com acesso a dinheiro, designadamente ao fim do dia e ao fim de semana. O arguido já esgotou todas as possibilidades de tratamento, restando apenas a possibilidade de integração em comunidade, em regime fechado. Na consulta de psiquiatria foi decidido encaminhar o arguido para o CRI, para evitar duplicação de consultas. A Sra. Terapeuta do Centro de Respostas Integradas de Braga informou que o arguido esteve presente em consulta nos dias 11 e 26 de julho de 2019 e aceitou fazer tratamento de internamento, contudo apresentou-se bastante desorganizado e confuso, não cumpriu a abstinência de álcool, trouxe consigo o resultado de apenas alguns dos exames pedidos. Reagendaram consulta para o dia 5-8 à qual o arguido faltou, tal como faltara a entrevista agendada para o dia 26-7 na comunidade terapêutica. O Ministério Público pronunciou-se pugnando pela revogação da suspensão da execução da pena de prisão, emitindo o parecer de folhas 587 e 588. Notificado o condenado (conforme entendimento defendido na Decisão Sumária proferida a 3-4-2014 pelo Tribunal da Relação de Guimarães no processo n.º 378/10.8GAVVD-A.G1) veio o seu ilustre defensor informar que não logrou estabelecer contacto com o arguido, tecendo comentários variados sobre os elementos documentais juntos aos autos e equacionando hipóteses sobre o que poderia ter acontecido. Por fim, requer se designe data para nova audição do arguido para esclarecer a razão da falta às consultas de julho e agosto de 2019. O arguido já foi ouvido em interrogatório judicial sobre as faltas a consultas e sobre o seu reiterado incumprimento do regime de prova, pelo que se afigura inútil proceder a novo interrogatório. Cumpre apreciar. Dispõe o artigo 56.º do CP, sob a epígrafe “revogação da suspensão” que a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado: “a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano individual de readaptação social;” ou “b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas”. Por seu turno, determina o n.º 2 que a revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efetuado. Resulta, assim, dos normativos alinhados que a revogação de uma pena de prisão suspensa exige, por um lado, a verificação de um elemento objetivo (violação de deveres impostos e/ou o cometimento de crime pelo qual venha a ser condenado), ao que acresce, neste último caso, a necessidade de demonstração de que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas. Como referem SIMAS SANTOS e LEAL HENRIQUES, “as causas de revogação não devem, pois, ser entendidas com um critério formalista, mas antes como demonstrativas das falhas do condenado no decurso do período da suspensão. O arguido deve ter demonstrado com o seu comportamento que não se cumpriram as expectativas que motivaram a concessão da suspensão da pena” (cfr. Código Penal Anotado, Volume I, pág. 711). O condenado não tem cumprido o regime de prova, ou a condição fixada como suspensiva da execução da pena de prisão. Todas as informações, quer provenientes de médicos que acompanham o condenado, quer da Sra. Técnica de Reinserção Social que acompanha o processo, são convergentes no sentido da incapacidade do arguido para cumprir o regime de prova estabelecido. O problema de alcoolismo de que o condenado padece é grave, aliás apenas quando confinado em estabelecimento prisional o arguido fez um tratamento e foi capaz de manter abstinência alcoólica. O condenado teve várias oportunidades de cumprir o regime de prova ou, pelo menos, demonstrar vontade para tal, atendendo a que o plano foi homologada há quase um ano. O arguido beneficiou do apoio dos serviços sociais da Câmara Municipal ..., contudo há elementos e passos que só podem ser conseguidos com a anuência e vontade do condenado e, quando ocorre tal situação, o processo de recuperação do condenado para. Os seus consumos abusivos de bebidas alcoólicas causam alarme na comunidade, o que não é de estranhar uma vez que o condenado assume comportamentos violentos quando está alcoolizado. O condenado recusa fazer qualquer tratamento, sendo certo que o acompanhamento psiquiátrico foi determinado como condição suspensiva da execução da pena de prisão e o tratamento ao alcoolismo foi estabelecido como dever do regime de prova a cumprir pelo condenado. Fazendo um resumo do decurso destes onze meses de execução de regime de prova, resta que o condenado falta a consultas, não apresenta a documentação necessária, não faz os exames médicos necessários, recusa submeter-se a tratamento médico. O condenado, embora sendo ‘alvo’ da ‘ameaça’ de uma pena com execução suspensa, para cujas consequências foi advertido, não se demoveu de, mesmo assim, incumprir o judicialmente determinado, o que fez de modo ostensivo e reiterado. O processo de ressocialização do condenado em nada sairá beneficiado se a pena de prisão mantiver a sua execução suspensa, uma vez que o condenado demonstrou, claramente, através do seu comportamento que não cumpriu as expectativas que motivaram a concessão da suspensão da execução da pena, assumindo uma atitude de alheamento. A conduta do condenado é sistemática e não corresponde a qualquer percalço ou incidente fortuito, antes demonstrando a absoluta insensibilidade do arguido em relação à condenação destes autos e, outrossim, a indiferença e a leviandade com que encara o sofrimento infligido à vítima. É, pois, manifesto, que o condenado atuou com manifesta inconsideração pela solene advertência que lhe foi dirigida, donde estão ausentes as cautelas aconselhadas pela previsão mais elementar que devem ser observadas nos atos da vida, que consistem no facto de não ter atuado com especial vinculação ao Direito, como se esperaria de quem se encontra com uma pena suspensa. Optou, antes, por desperdiçar a oportunidade que lhe foi dada, ignorar a advertência que lhe havia sido dirigida, manifestando mais uma vez ser pessoa despojada de princípios básicos de convivência familiar e social. Daí que, nesta ambiência, é de perguntar se tal conduta permite antever que as finalidades das penas se alcançaram. E, mais uma vez, entendemos que não. Com efeito, a prevenção geral positiva ou de integração, traduzida na manutenção da consciência jurídica comum, “na prevenção estabilizadora da consciência jurídica geral”, no dizer de ROXIN, de modo algum foi alcançada. Já no que tange à reintegração do condenado na sociedade, tal conduta atesta, objetivamente, que não houve por parte do mesmo um real esforço no sentido de cumprir a condição fixada na sentença ou o regime de prova estabelecido. Inexiste uma genuína interiorização do desvalor da conduta praticada. O condenado mostrou total indiferença pelos factos ou até pela pena aplicada. Assim, e pelas razões aduzidas, impõe-se a revogação da suspensão da pena aplicada ao arguido e, nos termos do artigo 56.º n.º 1 a) e n.º 2, do Código Penal, deverá o arguido cumprir a pena de dois anos e dois meses de prisão determinada nos presentes autos. Esta é a derradeira hipótese de afastar o condenado de um estilo de vida que o prejudica e destrói, tal como sucedeu quando o arguido foi sujeito a interrogatório judicial de arguido detido. Em sede de primeiro interrogatório judicial foi aplicada ao arguido a medida de afastamento da vítima, cerca de seis meses volvidos foi alterada a medida de coação passando a estar obrigado a permanecer em instituição de acolhimento e, em janeiro de 2018, foi-lhe aplicada a medida de prisão preventiva que, até março de 2018 foi substituída por internamento preventivo em hospital psiquiátrico. Esta medida de coação cessou com a leitura de sentença. Efetivamente, só quando coercivamente internado é que o condenado foi tratado e se manteve abstinente de bebidas alcoólicas. É patente a sua incapacidade de adotar um comportamento normativo adequado, não obstante todos os esforços dos serviços sociais e médicos que fizerem o acompanhamento da situação. Pelo exposto, decido revogar a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao condenado nos presentes autos e, consequentemente, determino que S. S. cumpra a pena de dois anos e dois meses de prisão em que foi condenado no âmbito destes autos. Notifique. Após trânsito, remeta boletim ao registo criminal. Vila Verde, 4-10-2019. * 2.2. O segundo dos mencionados despachos tem o seguinte teor:O arguido invoca a nulidade do despacho de 4-10-2019 que indeferiu o novo interrogatório do arguido, por via da aplicação do disposto no artigo 119.º c) do Código de Processo Penal. O Ministério Público pugna pela inexistência de nulidade do despacho em causa. Nos termos do artigo 119.º c) do Código de Processo Penal constitui nulidade insanável a ausência do arguido, nos casos em que a lei exigir a respetiva comparência. O despacho em causa indeferiu, por desnecessária, a segunda audição do arguido. Efetivamente o arguido foi ouvido presencialmente quanto à possibilidade de revogação da suspensão da execução da pena de prisão e confrontado com todos os elementos existentes nos autos. Finda a audição, foram requeridas diligências pelo Ministério Público, sendo que o arguido nada mais requereu. O arguido foi notificado (folhas 604) de todos os documentos juntos ao processo, para se pronunciar, o que fez. Nesta sequência, o Tribunal julgou desnecessário interrogar novamente o arguido para esclarecer a razão das faltas às consultas de julho e agosto de 2019, o que aliás, caso fosse do seu interesse, poderia ter feito por escrito, uma vez que já tinha ocorrido o seu interrogatório judicial, mas optou por não o fazer. Pelo exposto, julgo improcedente a nulidade invocada. Custas a cargo do arguido, fixando-se a taxa de justiça em uma U.C. – artigo 7.º n.º 4 do Regulamento das Custas Processuais – sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia. Notifique. Vila Verde, 5-11-2019. * 3. Com relevância para a decisão, resulta dos autos que:3. 1- O arguido S. S. foi condenado, por sentença transitada em julgado em 23/7/2018, pela prática de um crime de violência doméstica sobre o irmão M. F., p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea d), do Código Penal, na pena de dois anos e dois meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova, e sob condição de se submeter a acompanhamento psiquiátrico. O regime de prova consta do plano de reinserção social de fls. 532 a 534, homologado pelo Tribunal por despacho de fls. 536, resultando do mesmo as seguintes obrigações para o condenado: a) aderir a tratamento/acompanhamento em consulta de psiquiatria nos moldes que vierem a ser definidos pelos serviços de saúde da área de residência e de especialidade de psiquiatria; cumprir o tratamento clínico que for determinado, comparecendo às consultas, sujeitando-se aos exames clínicos e efetuando rigorosamente a medicação prescrita; b) aderir a tratamento estruturado ao alcoolismo nos moldes que vierem a ser definidos pelo seu médico de família (Centro de Saúde de …) e posteriormente pelo serviço de saúde especializado para que vier a ser encaminhado; cumprir o tratamento clínico que for determinado, comparecendo às consultas, sujeitando-se aos exames clínicos e cumprindo a medicação prescrita; c) comparecer e colaborar em entrevistas com o técnico de reinserção social, refletindo sobre consequências pessoais familiares e sociais da conduta criminal. 3.2- O ponto 15 dos factos provados da sentença referida condenatória tem a seguinte redação: “15- À data dos factos o arguido apresentava antecedentes de um padrão de abuso de álcool, pelo que a sua capacidade de se autodeterminar de acordo com a avaliação da ilicitude dos factos encontrava-se diminuída” 3.3- No relatório médico-legal de psiquiatria forense constante dos autos principais em que a aludida sentença de baseou pode ler-se, nomeadamente, que “…o perito é de parecer que à data dos factos o Examinando era capaz de avaliar a ilicitude dos factos ciente das consequências da sua conduta, embora a sua capacidade de se autodeterminar de acordo com essa avaliação se encontrasse diminuída dada a sua situação de dependência alcoólica…” 3.4- Em sede de fundamentação da matéria de facto da sobredita sentença foi referido que o Sr. Perito que subscreveu o mencionado relatório médico-legal, o qual foi ouvido em audiência de julgamento, relativamente ao arguido notou debilidade intelectual, tinha capacidade de avaliação da ilicitude, mas a capacidade de autodeterminação estava diminuída. 3.5- No âmbito da execução do regime de prova imposto ao arguido, verificou-se que: a) A médica de família do arguido informou que: - O arguido, que tem comparecido às consultas, faltou à consulta que estava marcada para 06.05.2019, a qual se destinava a o arguido exibir os exames médicos que tinha efetuado; - O arguido mostra-se pouco recetivo ao seu envio para tratamento de desintoxicação do consumo de álcool, com internamento em comunidade terapêutica; b) A DGRS informou, em síntese, que: - O arguido mantém os hábitos de ingestão abusiva de bebidas alcoólicas e quando se encontra alcoolizado adota condutas desadequadas e, por vezes, agressivas para com alguns vizinhos, circulando na via pública desnudado. - O CRI, onde o arguido esteve presente em consulta, informou que atento o historial etílico do condenado seria mais adequado a sua integração em programa de tratamento estruturado com internamento em Comunidade Terapêutica, possibilidade que o condenado rejeitou; - O arguido tem comparecido às consultas na médica de família, com exceção da última, que esteve marcada para 06.05.2019, com o propósito de exibição de exames efetuados; - Toda a intervenção técnica junto do condenado encontra-se fortemente condicionada pela manutenção da ingestão abusiva de álcool. 3.6- Em consequência do informado supra pela médica de família e pela DGRS, em 18.06.2019, o arguido foi ouvido pelo Tribunal em declarações, tendo, nomeadamente, sido esclarecido da importância que representava a realização de tratamento ao consumo de álcool através do seu internamento em comunidade terapêutica, bem assim que da sua não realização poderia resultar ter de cumprir a pena prisão em que havia sido condenado. Em face do que o arguido disse aceitar fazer o aludido tratamento. Tendo presente a posição assumida pelo arguido, o Tribunal solicitou ao CRI a marcação de consulta ao arguido, com vista a ser diligenciado pelo preconizado tratamento. 3.7- No prosseguimento, em 11.07.2019, o arguido compareceu a uma consulta no CRI, na qual declarou aceitar o tratamento de desintoxicação resultante do consumo de álcool, a realizar através de internamento em comunidade terapêutica. 3.8- No dia 26.07.2019, o arguido compareceu a consulta no CRI, na qual apresentou apenas parte dos exames que lhe haviam sido solicitados, apresentando-se confuso, desorganizado e sob o efeito de álcool; 3.9- No dia 26.07.2019, o arguido não compareceu à entrevista que havia sido marcada na comunidade terapêutica. 3.10- No dia 05.08.2019, o arguido não compareceu à consulta no CRI , tendo sido marcada nova consulta para 23.08.2019, desconhecendo-se se o arguido compareceu. 3.11- Em função dos elementos acima descritos, o M.P. promoveu a revogação da suspensão da pena. 3.12- A defesa do arguido, na pessoa do seu defensor, foi notificada da promoção do M.P., tendo requerido, além do mais, a tomada de declarações ao arguido, o que foi indeferido e revogada a suspensão da pena. 4- Apreciação do recurso Vejamos, então, as questões colocadas no presente recurso. 1. O recorrente invocou a nulidade decorrente do não exercício do contraditório em virtude da não audição presencial do arguido previamente ao despacho que procedeu à revogação da suspensão da pena de prisão em que foi condenado, por via do disposto, nomeadamente, nos artigos 495º, nº 2, 61º, nº 1 al. b) e 119º, al. c), do CPP e artigo 32º da CRP. Nos termos do disposto no artigo 495º, nº1 e nº 2 do CPP “1 - Quaisquer autoridades e serviços aos quais seja pedido apoio ao condenado no cumprimento dos deveres, regras de conduta ou outras obrigações impostas comunicam ao tribunal a falta de cumprimento, por aquele, desses deveres, regras de conduta ou obrigações, para efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 51.º, no n.º 3 do artigo 52.º e nos artigos 55.º e 56.º do Código Penal. 2 - O tribunal decide por despacho, depois de recolhida a prova, obtido parecer do Ministério Público e ouvido o condenado na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão, bem como, sempre que necessário, ouvida a vítima, mesmo que não se tenha constituído assistente.” No caso vertente está em causa a violação, na sua forma mais grave, das condições da suspensão da pena de prisão, porquanto, com base em tal incumprimento, o Ministério Público promoveu a revogação da suspensão da pena. O nº2 do artigo 495º do CPP é claro no sentido de impor o exercício do contraditório constitucionalmente consagrado no artigo 32º, nº 5 da CRP na sua expressão máxima, que consiste na audição pessoal e presencial do condenado na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão da pena. Ao exercício do contraditório reporta-se também o artigo 61º, nº 1 al. b) do CPP, o qual refere como sendo direito do arguido ser ouvido pelo tribunal ou pelo juiz de instrução sempre que eles devem tomar qualquer decisão que pessoalmente o afete. O exercício do contraditório poderá ser exercido na sua expressão mínima, ou seja, através do defensor do arguido. O defensor exerce os direitos que a lei reconhece ao arguido, cfr. nº 1 do artigo 63º do CPP. O princípio do contraditório é uma das garantias de defesa que o processo penal deverá assegurar ao arguido, em conformidade com o disposto no artigo 32º, nº 1 e nº 5 da CRP. As penas de substituição, de que é exemplo a pena de suspensão da execução da pena de prisão, constituem penas autónomas, pelo que, estando em causa a revogação da suspensão da pena, dela decorrendo o cumprimento da pena de prisão estamos perante um ato que restringe um direito fundamental do arguido – o direito à liberdade – pelo que constitui obviamente uma decisão que pessoalmente o afeta. Atualmente é pacífico na jurisprudência (2) o entendimento segundo o qual a falta de audição pessoal e presencial do condenado em violação do disposto no artigo 495º, nº 2 do CPP inquina o despacho de revogação da suspensão da pena de nulidade insanável, em conformidade com o disposto no artigo 119º, al. c) do CPP. O princípio do contraditório impõe que seja concebido e integrado como princípio ou direito de audiência, dando a oportunidade ao arguido de influir, através da sua audição, na decisão que pessoalmente o afete. Nas palavras de Maria João Antunes, in Direito processual Penal, Almedina, 2016, pág. 74, o direito de audiência significa “uma forma de participação constitutiva na declaração do direito do caso quando o participante tenha o estatuto de sujeito processual”. Como é sabido, a jurisprudência do TEDH tem considerado o contraditório como elemento integrante do princípio do processo equitativo consagrado como direito fundamental no artigo 6§1º, da CEDH. No caso vertente, a lei não se basta com o mero cumprimento formal do contraditório, pois o nº 2 do artigo 495º, do CPP refere expressamente que o tribunal decide depois de recolhida a prova…ouvido o condenado. Isto significa que o tribunal, no momento em que decide, por imposição legal, cumprir o contraditório, deverá estar na posse de todos os elementos que lhe permitam decidir com segurança (3). Por isso, apenas nesse momento deverá proceder à audição presencial do condenado, por forma a confrontá-lo com essas provas e ele possa explicar as razões do imputado incumprimento grosseiro ou repetido das condições da suspensão, em conformidade com o disposto no artigo 56º, nº 1 al. a) do CP. Em consequência, a revogação da suspensão da pena nunca poderá constituir uma consequência automática do mero incumprimento objetivo das condições da suspensão da pena e /ou do plano de reinserção social, sob pena de violação do princípio da culpa. E daí que, logo à partida, se apresente como essencial a audição presencial do condenado. Acresce dizer que o exercício do contraditório na sua expressão máxima quando esteja em causa o cumprimento das condições da suspensão da pena e/ou regime de prova tem obviamente a sua razão de ser. Na verdade, estando em causa condições de cumprimento pessoal da pena, somente o condenado, e não qualquer terceiro, designadamente o seu defensor, poderá cabalmente explicar, por forma a habilitar o julgador a proferir a decisão mais justa, para a qual a imediação e a oralidade desempenham um papel importante. Outro sim, estando em causa a apreciação de uma conduta humana, o juiz deverá ter em conta não apenas os factos na sua dimensão objetiva, mas também na sua vertente subjetiva, ou seja, em tudo o que se relacione com a pessoa do agente, a sua personalidade, a sua capacidade de entender e querer, e as suas condições pessoais de vida. Com efeito, apenas procedendo deste modo, poderá ser averiguado se o condenado agiu com culpa grave, incumprindo as condições da suspensão da pena por forma grosseira. No caso em apreço, o condenado foi ouvido pela Exma. Senhora Juíza na presença do técnico da DGRS que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão. Esta diligência ocorreu, porque o condenado mantinha consumo de álcool e em estado de embriaguez, tinha condutas violentas para com vizinhos e desnudava-se; comparecia a consultas no seu médico de família, mas faltou à última consulta para mostrar exames médicos que tinha feito; e não aceitava fazer tratamento relativo ao consumo de álcool na modalidade de internamento em comunidade terapêutica (tratamento considerado pelos técnicos de saúde, o mais adequado face ao historial de consumos de álcool). O consumo de álcool por parte do condenado condicionava toda a sua vida, pondo em causa a sua reinserção social, pelo que o preconizado tratamento era essencial para que fossem alcançados os fins da suspensão da pena. No sobredito contexto, o condenado foi ouvido presencialmente pelo julgador e esclarecido, nomeadamente, sobre as consequências de não dar o seu consentimento para efetuar o tratamento de desintoxicação do consumo de álcool que lhe foi proposto e, de entre elas, a eventualidade de ter de cumprir a pena de prisão em que foi condenado. Em face disso, o condenado aceitou submeter-se ao referido tratamento, pelo que foi diligenciado pelo agendamento das consultas, entrevistas e realização dos exames julgados necessários. Assim, o condenado compareceu: - Em 11.07.2019, a uma consulta no CRI, na qual declarou aceitar o tratamento de desintoxicação resultando do consumo de álcool, a realizar através de internamento em comunidade terapêutica; e - No dia 26.07.2019, a consulta no CRI, na qual apresentou apenas parte dos exames que lhe haviam sido solicitados, apresentando-se confuso, desorganizado e sob o efeito de álcool; Mas não compareceu: - No dia 26.07.2019, à entrevista que havia sido marcada na comunidade terapêutica. - No dia 05.08.2019, à consulta no CRI, tendo sido marcada nova consulta para 23.08.2019, desconhecendo-se se o condenado compareceu. Perante os elementos acima descritos, o M.P. promoveu a revogação da suspensão da pena, tendo então sido exercido o contraditório na sua expressão mínima, ou seja, o contraditório foi exercido na pessoa do defensor do condenado. No entanto, existiam razões que deveriam ter levado a que o julgador tivesse ouvido presencialmente o condenado. Desde logo porque o incumprimento da obrigação de realização do tratamento em comunidade terapêutica – tratamento considerado no caso concreto essencial à ressocialização do arguido, sem o qual tudo o mais se mostra prejudicado - só ocorreu após o arguido ter aceite a sua realização, ou seja, após o arguido ter sido ouvido pelo tribunal. Por isso, relativamente ao incumprimento o condenado não chegou a ser ouvido, não lhe tendido sido dada a possibilidade de explicar os motivos de assim ter procedido. Por outro lado, o condenado tem um comportamento dúbio, ambivalente e, por isso, contraditório e incompreensível, segundo o padrão do homem comum. Efetivamente, pergunta-se, como se explica que o condenado, após ter sido ouvido em tribunal e num curto espaço de tempo, tenha-se deslocado duas vezes ao CRI, com o único propósito de dar andamento ao seu processo de internamento em comunidade terapêutica e depois tenha faltado à entrevista na comunidade terapêutica e a uma consulta no CRI, agendadas com a mesma finalidade. Ademais, é de salientar que, conforme foi considerado provado na sentença proferida, na data dos factos, o arguido apresentava um padrão de abuso de álcool, em que a sua capacidade de se autodeterminar de acordo com a avaliação da ilicitude dos factos encontrava-se diminuída. Aliás, no relatório médico legal junto ao processo principal é referido expressamente que face à dependência do álcool do arguido a sua capacidade de autodeterminação encontra-se diminuída, justificando, por isso, uma redução da imputabilidade. Acresce dizer que o Sr. Perito Médico que subscreveu o dito relatório, quando ouvido em audiência de julgamento, relativamente ao arguido, notou debilidade intelectual, tinha capacidade de avaliação da ilicitude, mas a capacidade de autodeterminação estava diminuída. Em função do padrão de abuso de álcool apresentado pelo condenado, o parecer do Sr. Perito é perfeitamente entendível e até expectável, porquanto, como é sabido, as psicoses alcoólicas podem determinar grave comprometimento das capacidades intelectuais e volitivas do indivíduo. E a ausência de tratamento deteriora esse estado. Por isso, e tendo em conta o descrito comportamento do condenado, era de questionar se ele possuía o discernimento necessário para avaliar, na sua plenitude, o sentido e alcance do consentimento para realizar o preconizado tratamento em comunidade terapêutica e para se autodeterminar de acordo com essa avaliação. Ademais, é intuitivo que este facto releva sobremaneira para aferir da verificação ou não do grau de culpa do condenado no incumprimento das condições da suspensão da pena e /ou do plano de reinserção social. Neste sentido, antes de ocorrer pronúncia sobre a revogação da suspensão da pena promovida pelo M.P., deveria ter sido solicitada a realização de perícia médico-legal, a efetuar, de preferência, pelo Sr. Perito que subscreveu o relatório médico-legal, no sentido de apurar se o arguido possuía o discernimento necessário para avaliar, na sua plenitude, o sentido e alcance do consentimento para realizar o preconizado tratamento em comunidade terapêutica. Após o que, haveria que ser cumprido o contraditório, com audição pessoal e presencial do condenado na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão da pena, em conformidade com o disposto no artigo 495º, nº 2 do CPP. Por conseguinte, somos levados a concluir ter sido cometida a nulidade prevista na al. c) do artigo 119º do CPP, donde decorre a nulidade do despacho que procedeu à revogação da suspensão da pena, em conformidade com o disposto no nº1 do artigo 122º do CPP. Em consequência, fica prejudicado o conhecimento da segunda questão colocada no presente recurso. III – DISPOSITIVO Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes que constituem a Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães em conceder provimento ao recurso nos seguintes termos: 1) Declarar nulo o despacho em que indeferiu a audição presencial do arguido e procedeu à revogação da suspensão da pena em conformidade com o disposto no artigo 495º, nº2 do CPP, 32º, nº 1 da CRP e artigo 119º, nº 1 al. c) do CPP. 2) Ordenar que o sobredito despacho seja substituído por outro que designe a realização de perícia médico-legal, a efetuar pelo INML, de preferência pelo mesmo perito que subscreveu o relatório médico-legal junto aos autos, com o seguinte objeto: saber se, em face do seu historial de consumo de álcool, o arguido possui o discernimento necessário para avaliar, na sua plenitude, o sentido e alcance do consentimento para realizar o preconizado tratamento de desintoxicação alcoólica em comunidade terapêutica e para se autodeterminar de acordo com essa avaliação; e 3) Após, proceder à audição presencial do arguido, na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão da pena, em ordem a ulteriormente, e se for caso disso, decidir-se se a suspensão da execução da pena deverá ou não ser revogada. Sem custas. Notifique. Guimarães, 15.04.2020 (Texto integralmente elaborado pelo relator e revisto por ambos os signatários - artigo 94º, nº 2 do C. P. Penal). (Armando da Rocha Azevedo - Relator) (Clarisse Machado S. Gonçalves - Adjunta) 1. Entre as questões de conhecimento oficioso do tribunal estão os vícios da sentença do nº 2 do artigo 410º do C.P.P., cfr. Ac. do STJ nº 7/95, de 19.10, in DR, I-A, de 28.12.1995, as nulidades da sentença do artigo 379º, nº 1 e nº 2 do CPP, irregularidades no caso no nº 2 do artigo 123º do CPP e as nulidades insanáveis do artigo 119º do C.P.P.. 2. Cfr. v.g. Ac RC de 05.11.2008, processo 335/01.5TBTNV-D.C1; Ac RL de 27.11.2018, processo 693/09.3TDLSB.L1-5; Ac RP de 07.02.2018, processo 24/16.6PGGDM-A.P1; Ac RC de 06-02-2019, processo 221/14.9SBGRD-A.C1; e Ac RG de 18.06.2018, processo 567/08.5GCVNF-B.G. 3. Como bem refere Lamas Leite, in Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, Estudo de Homenagem ao Prof. F. Dias, Coimbra Editora, 2009, Vol. II, pág. 620, relativamente ao incidente de revogação da suspensão da pena “…o juiz não pode, em matéria probatória, ser menos exigente que em qualquer outro incidente ou mesmo na aplicação da pena substitutiva. Somente assim se garantem os diretos do condenado ínsitos no artigo 32º da Constituição e se assegura que toda a aplicação da lei penal é jurisdicionalizada não meramente na forma, mas na substância, ou seja, não é este um qualquer procedimento administrativo ou para-administrativo face ao qual o grau de convencimento judicativo deva ser inferior”. |