Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
124/14.7TTVRL.G1
Relator: VERA SOTTOMAYOR
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
EXAME MÉDICO
EXAME POR JUNTA MÉDICA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/02/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I – O exame por junta médica constitui uma modalidade de prova pericial, estando sujeita à regra da livre apreciação pelo juiz (cfr. art. 389º do Código Civil e arts. 591º e 655º do CPC).
II - Apesar do juiz não estar adstrito às conclusões da perícia médica, certo é que, por falta de habilitação técnica para o efeito, apenas dela deverá discordar em casos devidamente fundamentados, nomeadamente baseados em outras opiniões científicas, ou em razões jurídico processuais que se afigurem ao legislador de relevantes.

III - Tendo-se apurado a ocorrência de evento adequado causar lesões tais como aquelas que a sinistrada apresentou nos dias imediatos ao da sua ocorrência, que curaram sem sequelas, bem andou o Tribunal a quo ao valorizar o exame médico singular, encontrando-se devida e suficientemente fundamentadas as razões que conduziram a juiz a quo a preterir o resultado da perícia colegial em prole do resultado da perícia singular.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães

APELANTE: COMPANHIA DE SEGUROS A, S.A.”
APELADA: A. A.

I – RELATÓRIO

No Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real, Juízo do Trabalho de Vila Real, – J1, A. A. intentou acção especial emergente de acidente de trabalho contra HIPERMERCADOS A, S.A. e COMPANHIA DE SEGUROS A, S.A. e outras pedindo que se condenem as RR. no pagamento das quantias por si peticionadas, na medida das suas responsabilidades.
Tal como alega a sentença recorrida, no dia 6/08/2013, pelas 18h30 a Autora, que exercia funções como operadora de frescos auferindo o vencimento mensal de €530,00 acrescido de subsídio de alimentação no valor de €6,00/ dia, quando efectuava o transporte de mercadorias, num carrinho próprio, entre a zona de armazém para a loja, ao subir uma rampa que ali se encontra de acesso ao armazém, enquanto suportava o peso do carrinho com o seu corpo, a A. colocou mal o seu pé direito no chão e sofreu de imediato muitas dores, tendo dificuldade em se movimentar. Foi assistida nas urgências do Centro Hospitalar, nesse mesmo dia e no dia seguinte, tendo-lhe sido diagnosticada uma lesão no pé direito, a qual lhe determinou 15 dias de ITA e 17 dias de ITP até 06/09/2013, data da respectiva alta clínica, tendo ficado curada sem qualquer desvalorização;
requerendo, por discordar da inexistência de IPP, a realização de exame por junta médica.
*
A Ré Seguradora contestou, não aceitando o sinistro invocado pela Autora, não atribuindo a dor por esta apresentada a qualquer lesão, concluindo, pela descaracterização do acidente, por inexistência de traumatismo que lhe tenha advindo no cumprimento das tarefas de que estava incumbida no seu posto de trabalho e pela sua consequente absolvição dos pedidos formulados pela Autora.
Foi proferido despacho saneador tabelar, selecionados os factos assentes e a base instrutória e foi determinado o desdobramento dos autos.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento com gravação da prova nela produzida.
Foi proferida sentença que absolveu da instância a Ré Hipermercados A, S.A. e julgou a ação procedente por provada relativamente aos demais Réus, tendo terminado com o seguinte dispositivo:
Tudo visto e nos termos expostos, julgam-se parcialmente procedentes por provados os pedidos formulados pela aqui A., condenando-se as RR. Companhia de Seguros A, S.A. e as demais intervenientes (na proporção entre todas consignadas no doc. de fls. 34) no pagamento da quantia de € 797,78 (setecentos e noventa e sete euros e setenta e oito cêntimos), acrescida dos respectivos juros de mora vencidos, à taxa legal, desde 06/09/2013 e dos vincendos até integral pagamento. Mais se condenam as RR. no pagamento da quantia a apurar em sede de execução de sentença e relativa ao período de incapacidade temporária sofrida pela A. entre 01/09/2013 e 06/09/2013.
Fixam-se aos autos o valor legal de €797,78 – cfr. art. 120º do C.P.T.
Custas pelas A. e RR. na proporção do respectivo decaimento, sem prejuízo da isenção de que demandante beneficia.
Registe e notifique.”
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A Ré Companhia de Seguros A, inconformada, interpôs recurso da sentença, formulando as seguintes conclusões:

- O presente recurso versa sobre a apreciação da matéria de facto, porquanto entende que erro de apreciação de prova produzida em sede audiência de julgamento e documentos juntos e consequente interpretação e aplicação da legislação aos factos apurados.
- A reapreciação da matéria de factos incide sobre a resposta dada aos pontos ou artigos 1º, 3º, 5º, 6º, 8º, 9º e 13º da douta base instrutória, pois que não ignorando o princípio da livre apreciação da prova, mas tal não se pode confundir com discricionariedade e arbitrariedade, antes exige uma profunda ponderação e reflexão de toda a prova produzida e a sua análise crítica.
- Salvo sempre o devido respeito, entendemos da análise de todos os elementos constantes dos autos, dos autos de exame por junta médica, esclarecimentos dos Srs. Peritos prestados em sede de audiência de julgamento, tais factos não podem ser dados como provados nos termos em que consta dos autos.
- A resposta ao quesito 1º da douta base instrutória que o Tribunal a quo respondeu “Artigo 1º – Provado”, terá de ser negativa, ou restritiva, pois apenas que:
No dia 06/08/2013, em hora não concretamente apurada, a Autora sentiu uma dor no seu local de trabalho, no Hipermercado A, S.A. de Chaves, e que se deslocou ao CMHTAD, em Chaves, para ser assistida.”
5ª- A Mª Juiz do Tribunal a quo fundamentou esta resposta no relatório médico-legal de fls 81 a 83, porém, salvo o devido respeito, este relatório foi elaborado apenas e só por um perito médico, que não especialista em ortopedia, como o são os três peritos em sede de Junta Médica, e foi contrariado por estes e três vezes:

- em 08.11.2016 em sede de Junta Médica,
- em 29.11.2016 em sede de Junta Médica para esclarecimentos (conforme Apenso de Fixação de Incapacidade) e
- em 18.04.2017 em sede de audiência de julgamento quando convocados pela Mª Juiz para prestar esclarecimentos.
- Aliás o próprio Sr Perito do IML elaborou “...fazendo fé na história do acidente relatada pelo examinada...”, e não em elementos objectivos e/ou documentais.
- Ao contrário, os Srs. Peritos fundamentam devidamente as respostas aos quesitos formulados a tal respeito, como do auto de exame por junta médica a fls 6 a 9 e a fls 17 a 19 do Apenso, e reiteraram em sede de audiência de julgamento realizada a 18/04/2017 e consta do registo fonográfico respectivo, designadamente como responderam por unanimidade ao quesito 2º da ora Ré, quer em 08.11.2016, quer em 08.11.2016 ao quesito 2º da autora.
- E o mesmo resulta da forma como responderam ao quesito 6 da mesma autora e ao quesito 3 da ora Ré e o reiteraram, explicaram e esclareceram em sede de audiência de julgamento na sessão de 18.04.17 a partir do minuto 04H20.
- Assim, salvo o devido respeito, com base nestes depoimentos técnicos não é possível considerar a dor que a autora sentiu como um acidente de trabalho.
10ª- De igual modo, o Tribunal a quo deu como “Provado” o artigo 3º da douta base instrutória, quando, salvo o devido respeito, não podia ter dado como provado o qualificativo de “imediato” e “imensas”, pois tal é meramente conclusivo e qualificativo.
11ª- Também nenhuma prova foi produzida, até porque ninguém assistiu, quando a “suportando com o peso do seu corpo, tendo colocado mal o seu pé direito no chão”, pelo que não poda tal ser dado como provado.
12ª- Por isso, salvo o devido respeito, não poderia ter sido tal resposta, mas apenas:
Artigo 3º) – No dia acima indicado no art. 1º supra, a A. deslocava-se do talho, sito na loja em referência, para o armazém, sentindo dores”.
13ª- O Tribunal a quo deu como provado o artigo 5º da B.I., quando tal não se provou, como resulta do depoimento da testemunha L. D., inquirida em sede de audiência de julgamento, no dia 17.01.2017, que negou tal alegação, como resulta do registo fonográfico com inicio às 11:51 do CD de gravação, sendo a autora que não se quis deslocar ao hospital e não lhe deu qualquer medicação.
14ª- Assim, salvo o devido respeito, manifestamente o teor da resposta ao quesito 5º terá de ser apenas que:
A Autora conclui o seu turno até ás 22H30m desse dia”.
15ª- Por sua vez ao quesito 6º, o Tribunal a quo respondeu “Provado”, quando nenhuma prova foi produzida e não resulta de qualquer documento junto que a Autora foi medicada, nem sequer a receita ou prescrição, não resulta de qualquer documento que deveria permanecer em repouso, nem sequer do próprio relatório de urgência.
16ª- E tal só poderia provar-se e decorrer da ficha de urgência ou outro documento, e por isso deveria ter a resposta restritiva de:
“Artigo 6º) – Quando saiu do serviço a A. deslocou-se ao CHTMAD em Chaves, onde foi assistida” .
17ª- Já a resposta ao quesito 8º deveria ter sido simplesmente de “Não provado”, pois, salvo o devido respeito, e como se referiu supra relativamente ao quesito ou artigo 1º e com base nos relatórios dos Srs. Peritos da Junta médica de fls 6 a 9 e de fls 17 a 19 e das declarações prestadas em sede de audiência de julgamento, teria de ter resposta necessariamente negativa.
18ª- Tal resulta das respostas dos Srs. Peritos, por unanimidade aos quesitos formulados quer pela autora, quer pela Ré a tal respeito, considerando que não foi qualquer acidente de trabalho e por isso não consideraram qualquer período de incapacidade.
19ª- Basta atentar na resposta que os Srs Peritos deram ao quesito 4 formulado pela ora Ré, e em sede de auto de exame por Junta Médica de 08.11.2016:
“Quesito 4 – Prejudicado
Nota: Uma vez que não houve acidente de trabalho, não é de considerar qualquer período de ITA ou ITP.”
18ª- Relativamente ao art. 9º a Mª Juiz considerou tal quesito como “provado”, quando pelos mesmos motivos supra expostos nos pontos 1º e 8º, que aqui para não sermos repetitivos, se teria de ter resposta negativa, ou seja “não provado “, face ao teor dos referidos relatórios e nas declarações prestadas em sede judicial, confirmando inteiramente que não ocorreram quaisquer lesões e por isso não poderia existir uma consolidação do que não existia.
19ª- Quanto ao artigo 13º) o tribunal a quo respondeu “Não provado” , quando salvo o devido respeito deveria ter respondido:
– A A. não sofreu qualquer traumatismo nem no dia 06/08/2013, nem nos dias seguintes, tendo naquele dia continuado a trabalhar, desempenhando normalmente as suas funções.
20ª- Tal resulta inequivocamente das respostas aos quesitos dos Srs. Peritos Médicos em sede de Junta Médica, em sede de Auto de Junta Médica Esclarecimentos, conforme Apenso e em sede de audiência de julgamento e do depoimento da testemunha L. D. e supra transcritos.
21ª- Como referem os Srs. Peritos e do relatório do episódio de urgência não resultou qualquer traumatismo, como consta da resposta ao quesito 1º apresentado pela autora e resulta também da resposta ao quesito 4 da Ré.
22ª- Por outro lado, ao contrário do alegado pela Mª Juiz do Tribunal a quo no seu douto despacho de fundamentação, a opinião dos peritos médicos intervenientes na junta médica não é um “próprio juízo subjectivo”, antes num juízo objectivo e de acordo com os seus conhecimentos técnicos e devidamente fundamentado como esclareceram em sede de audiência.
23ª- A existir subjectivismo é no relatório médico-legal, que se baseou na história do evento relatada pela própria sinistrada e em quem quis “fazer fé” e não com base nos dados documentais e técnicos.
24ª- Sendo até parte da fundamentação contraditória, pois não havendo diagnóstico de entorse nos elementos documentais, não pode haver de forma alguma traumatismo, e daí apenas “dor de carácter subjectivo” , como bem salientam, os três senhores Peritos Médicos .
25ª- Acresce que, a Sra Mª Juiz do Tribunal a quo não pode, só por si e sem sustentação técnica e científica, contrariar a opinião firmada e confirmada mais duas vezes por três peritos médicos, pois que o princípio da livre apreciação da prova não é ilimitado, nem discricionário como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 12.12.2011, Proc nº 589/10.6TTMAI.P1.
26ª- Sempre as respostas aos quesitos e até a própria douta sentença ora recorrida estão em contradição com a própria douta sentença proferida no Apenso de Fixação de Incapacidade para o trabalho, que doutamente decidiu:
“Deste modo, pelo exposto, e homologando, na íntegra, o resultado e conclusões da perícia médico-legal acima referida, declara-se que o sinistrado em apreço não apresenta lesões que possam ser relacionadas, com o indispensável nexo de causalidade, com qualquer evento traumático, nomeadamente o aqui indicado ocorrido em 06/08/2013.”
27ª- Desta forma, procedendo-se às alterações da matéria de facto nos termos supra expostos, como terá de ser, parece-nos, salvo o devido respeito, que a douta decisão proferida deve ser revogada e a acção ser julgada improcedente, pois que o evento – dor – que a autora sentiu não pode ser caracterizado como acidente de trabalho.
28ª- Como se tem entendido, o acidente de trabalho consiste num evento externo, súbito e violento que produz, directa ou indirectamente, lesão corporal, perturbação funcional ou doença – vidé Ac Tribunal da Relação de Évora de 27.03.2014 – Relator Acácio Proença, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30.05.2012 – Relator Gonçalves Rocha, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.04.2010 – relator Sousa Grandão .
29ª- Do evento em apreço não resultou inequivocamente como referem todos os Srs. Peritos Médicos, e de igual modo a redução da capacidade de ganho, seja temporária, seja definitiva, deve ser causada pela lesão corporal, perturbação funcional ou doença.
30ª- Não ocorreu in casu qualquer evento externo que produziu directamente ou indirectamente qualquer lesão ou perturbação, sendo a “a dor de carácter subjectivo” como referem os Srs. Peritos no auto de exame por junta médica de fls 17 a 19 e dos esclarecimentos em sede de audiência de julgamento, tal resultou muito provavelmente dos tumores benignos que a autora é portadora e que se manifestam geralmente a partir dos 10 anos de idade e por isso doença natural.
31ª - Assim, não se verificam os pressupostos previstos nos arts. 8º, 9º e 10 da LAT para considerar o evento ocorrido com a autora como acidente de trabalho, e têm de ser alegados e provados por quem reclama a respectiva reparação, dado tratar-se de factos constitutivos do direito que se arroga, além de necessário provado nexo de causalidade entre o evento e as lesões, e salvo o devido respeito, tal prova também não foi efectuada pela Autora.
32ª- Assim, salvo o devido respeito, a douta sentença recorrida fez uma errada apreciação da prova conjugada dos documentos juntos aos autos, doas autos de exame por junta médica e dos esclarecimentos prestados pelos Srs. Peritos em sede de audiência de julgamento, e de igual modo fez uma errada interpretação do disposto nos arts. 8º e 10º da LAT.”
Termina pedindo a revogação da sentença recorrida e a substituição por outra que julgue a acção totalmente improcedente e absolva as RR dos pedidos.
Não foram apresentadas contra alegações.
Foi proferido despacho que admitiu o recurso na espécie própria e com o adequado regime de subida e foram os autos remetidos a esta 2ª instância.
Foi determinado que se desse cumprimento ao disposto no artigo 87º n.º 3 do C.P.T., tendo o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitido douto parecer, no sentido da improcedência da apelação.
Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do nº 2 do artigo 657º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento.
Mostram-se colhidos os vistos dos senhores juízes adjuntos e cumpre decidir.

II - OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões da recorrente (artigos 635º, nº 4, 637º n.º 2 e 639º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Civil), não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nela não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, que aqui se não detetam, no recurso interposto pela Ré/Apelante sobre a sentença recorrida, colocam-se à apreciação deste Tribunal da Relação as seguintes questões:
- Da impugnação da matéria de facto
- Da impugnação da decisão de direito.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Em 1ª instância deram-se os seguintes factos como provados:
- A A. e o HIPERMERCADO A, S.A. celebraram contrato de trabalho, mediante o qual este admitiu a demandante para exercer funções correspondentes à categoria profissional de operadora de frescos, actualmente no estabelecimento de Chaves, com a retribuição mensal de € 500,00 x 12 meses + € 6,00 x 242 dias + € 1.063,94 (subsídio de férias e de Natal) anual + € 87,30 x 12 meses, num total de remuneração anual de € 9.563,54.
- À data do acidente aqui em apreço a entidade empregadora da A. tinha a sua responsabilidade infortunística transferida para as aqui demandadas seguradoras, mediante o contrato de seguro titulado pela apólice nº …, com o grau de repartição entre as mesmas indicado no art. 2º da contestação de fls. 147, o qual se dá aqui integralmente por reproduzido.
- A A. não se encontra ressarcida dos danos decorrentes dos períodos de incapacidade temporária decorrentes do sinistro em causa.
- No dia 06/08/2013 cerca das 18h30 horas a A. sofreu um acidente no seu local de trabalho, no Hipermercado A-Chaves, o que determinou a sua deslocação do CHTMAD, em Chaves para ser assistida.
- No decurso da sua actividade profissional a A. transporta produtos num carrinho próprio (porta paletes), deslocando-os do armazém para a loja e vice-versa, existindo nesse percurso uma rampa, com alguma inclinação, que implica esforço dado que o referido carrinho é pesado.
- No dia acima indicado, a A. deslocava-se do talho, sito na loja em referência, para o armazém, suportando o peso do carrinho com o seu corpo, tendo colocado mal o seu pé direito no chão, em consequência do peso, sofrendo de imediato imensas dores.
- A A. deslocou-se em seguida à permanência da loja, onde se encontrava L. D., que informando-a do que havia sucedido.
- Foi-lhe então dada medicação para as dores e dito para continuar a trabalhar, e apesar das dores a A. assim fez tendo concluído o seu turno cerca das 22h30 horas desse dia.
- Quando saiu do serviço a A. deslocou-se ao CHTMAD em Chaves, onde foi assistida, tendo sido medicada para as dores e indicado que deveria permanecer em repouso.
Como as dores persistissem a A. deslocou-se no dia seguinte ao mesmo serviço hospitalar, onde foi realizado um raio X.
Como consequência do acidente supra descrito a A. sofreu as lesões descritas no relatório médico-legal de fls. 81 a 83 (o qual se dá aqui integralmente por reproduzido), as quais lhe determinam um período de 15 dias de ITA (de 06/08/2013 a 20/08/2013) e 17 dias de ITP de 21/08/2013 a 06/09/2013.
A consolidação médico-legal das lesões acima descritas ocorreu em 06/09/2013, tendo a A. ficado curada sem qualquer desvalorização.
A A. liquidou a quantia de € 18,00 a título de taxa moderadora pelo episódio de urgência de 06/08/2013; bem como o valor de € 361,16 a título de despesas com assistência médica e € 65,00 a título de despesas com transportes e alimentação nas suas deslocações a Tribunal em virtude da pendência destes autos.
- A R. Companhia de Seguros A apenas recebeu a participação do sinistro em causa em 17/08/2013, tendo a A. descrito que quando se encontrava a circular entre o talho e os armazéns sentiu uma forte dor no peito do pé direito.

IV - APRECIAÇÃO DO RECURSO

1. Da impugnação da matéria de facto

O Recorrente insurge-se quanto à resposta à matéria de facto dada aos artigos 1.º, 3.º 5.º, 6.º, 8.º e 9.º da base instrutória defendendo que deve ser alterada a resposta dada a esses pontos de modo que fique a constar como não provada ou com uma outra redação, por si indicada, insurgindo-se também quanto à resposta de não provado, dada ao artigo 13.º da base instrutória, que deverá ser dado como provado.
A Ré/Recorrente pretende assim alteração da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova, designadamente dos depoimentos testemunhais gravados, pondo também em causa valorização efetuada pelo tribunal a quo da prova pericial singular e colegial (exame por junta médica).
Tendo sido dado cabal cumprimento ao ónus de impugnação da matéria de facto previsto no artigo 640.º n.ºs 1 e 2 do CPC passamos a conhecer de tal impugnação.
Vejamos se lhe assiste razão.
No art. 1º da douta base instrutória questionava-se:
“Art. 1º – No dia 6/08/2013, cerca das 18H30m a A. sofreu um acidente no seu local de trabalho, no Hipermercado A-Chaves, o que determinou a sua deslocação do CHTMAD, em Chaves, para ser assistida.”
O Tribunal a quo respondeu a este quesito 1º:
“Artigo 1º - Provado.”
No art. 3º da douta base instrutória questionava-se:
Artigo 3º) – No dia acima indicado no art. 1º supra, a A. deslocava-se do talho, sito na loja em referência, para o armazém, suportando o peso do carrinho com o seu corpo, tendo colocado mal o seu pé direito no chão, em consequência do peso, sofrendo de imediato imensas dores?”
O tribunal a quo respondeu a este quesito como “Provado”.
No artigo 5º da B.I. questionava-se:
“Artigo 5º) – Foi-lhe então dada medicação para as dores e dito para continuar a trabalhar, e apesar das dores a A. assim fez tendo concluído o seu turno cerca das 22h30 horas desse dia?”
O tribunal a quo deu também como “provado” tal quesito.
No quesito 6º questionava-se :
“Artigo 6º) – Quando saiu do serviço a A. deslocou-se ao CHTMAD em Chaves, onde foi assistida, tendo sido medicada para as dores e indicado que deveria permanecer em repouso?”
O tribunal respondeu a tal quesito de igual modo como “Provado”.
O tribunal a quo motivou a resposta a estes artigos da base instrutória da seguinte forma:
A ocorrência do sinistro, ou do evento traumático incumbe à sinistrada demonstrar, beneficiando da presunção decorrente do preceituado no art. 8º nº 1 e do art. 10º nº 1 ambos da LAT (Lei nº 98/2009 de 04/09). Ora, nos presentes autos, as testemunhas C. E., P. O., M. A. e F. T., foram unânimes em declarar que no dia e momento do sinistro se encontravam a trabalhar no mesmo estabelecimento comercial onde a A. exercia as suas funções e que nessa ocasião a viram queixar-se de dores no pé direito quando empurrava um carrinho com mercadoria por uma rampa de acesso ao dito estabelecimento.
A opinião dos peritos médicos intervenientes no exame por junta médica de que este evento não seria susceptível de lhe provocar lesões, não se mostra baseado senão no seu próprio juízo subjectivo e na apreciação do documento de fls. 60, que não foi elaborado pela sinistrada e que apenas relata as suas queixas quando procurou assistência hospitalar, sendo em absoluto contraditado pelo relatório médico-legal de fls. 83 a que acima se fez menção.
A testemunha C. E., que prestou à demandante serviços de reabilitação, logo imediatamente a seguir ao sinistro, Agosto de 2013, atestou que verificou não só as dores de que a mesma se queixava, mas igualmente edemas e hematomas no tornozelo direito da mesma, compatíveis com as lesões decorrentes do sinistro e aceites pelo perito médico-legal.
A omissão de um diagnóstico de entorse constante dos elementos clínicos hospitalares, não é, em nosso entender, suficiente para afastar a existência deste evento traumático, consiste com os meios de prova produzidos nos autos e acima referidos, sendo certo que o afastamento de qualquer grau de incapacidade decorrente do mesmo foi declarado pelo perito médico-legal e sufragado no âmbito do exame por junta médica, que atribuem as queixas actuais da demandante a doença natural e daí a resposta acima consignada a este propósito.
A própria presença da sinistrada nos serviços hospitalares, no dia da ocorrência do sinistro – cfr. doc. de fls. 60 – e as queixas que ali apresentou são igualmente indicativas de que efectivamente sofreu um traumatismo que a levou a procurar essa ajuda médica, tendo o clínico que subscreve este relatório de urgência feito menção, logo no respectivo cabeçalho “entorses e distensões do pé, localização não…”, tendo regressado no dia seguinte por manter as dores – cfr. doc. de fls. 104 – ali se referindo “Traumatismo indirecto do tornozelo direito.”.”
Defende a recorrente que o tribunal a quo não podia ter dado como provado a ocorrência de um acidente já que apenas se apurou que a autora no dia 6/08/2013, em hora não concretamente apurada sentiu uma dor no seu local de trabalho.
Ora, salvo o devido respeito por opinião em contrário não podemos sustentar tal posição, com efeito para além de nenhuma das testemunhas inquiridas ter descrito o sucedido como agora a recorrente pretende que se dê como provado, o certo é que da globalidade da prova produzida de forma convincente se afasta as declarações que se fizeram constar na ficha de urgência como tendo sido o narrado pela autora. Da globalidade da prova testemunhal produzida resulta que a autora quando se encontrava a fazer um esforço no trabalho, ou seja ao empurrar uma palete com caixas e carne, colocou mal o pé tendo sentido dores e do qual lhe veio a resultar um entorse, que lhe foi diagnosticado de alguma forma não só quando recorre à urgência hospitalar (ao constar da ficha de urgência “entorse” e ao consignarem que ”refere dor após traumatismo”), como também pelo enfermeiro que lhe ministrou os tratamentos de fisioterapia dois dias após o acidente ter ocorrido. Todos estes factos são ainda compatíveis com o relatório médico elaborado pelo Perito Médico singular, que sem saber se existiu ou não acidente (evento inesperado e imprevisto que cause dano físico ou perturbação funcional num individuo no exercício da sua profissão ou com ela relacionado), pois tal não compete aos peritos médicos apurar, procedeu à avaliação da sinistrada partindo da hipótese do mesmo ter ocorrido.
Em face do exposto quer porque não foi produzida qualquer prova convincente da qual pudéssemos concluir que a dor no pé da autora surgiu de forma súbita e inesperada desarredada de qualquer evento traumático, quer porque ao invés a globalidade da prova produzida nos permite concluir pela ocorrência de um evento traumático causador de lesão, bem andou o tribunal a quo ao dar como provado os factos que constam do artigo 1.º da base instrutória, que por isso são de manter inalterados.
Defende a recorrente que o tribunal a quo não podia ter dado como provado as expressões “imediato e “imensas” que constam do artigo 3.º da base instrutória por serem meramente conclusivas e qualificativas, acrescentando que também não podia ter sido dado como provada a dinâmica do acidente que consta do citado artigo, já que não foi produzida prova alguma, pois ninguém assistiu ao evento.
Sugere assim a recorrente que o artigo 3.º da base instrutória seja dado como provado com a seguinte redacção “No dia acima indicado no art.º 1.º supra, a A. deslocava-se do talho, sito em referência, para o armazém, sentindo dores”
Tendo procedido à audição de todas as testemunhas inquiridas em audiência, bem como aos esclarecimentos prestados pelos Peritos médicos e analisados todos os documentos juntos aos autos podemos afirmar com alguma segurança que ninguém presenciou o evento. No entanto, do depoimento prestado pelas testemunhas que em momento seguido ao evento se aproximaram da autora todas foram unânimes em relatar os factos da forma como os mesmos foram dados como provados, sendo certo que o depoimento do enfermeiro que dois dias após a ocorrência do acidente observou a sinistrada, ministrou-lhe tratamentos de fisioterapia e confirmou e afirmou que a autora havia sofrido um entorse, o que nos permite concluir, tal como conclui o Tribunal a quo pela veracidade da versão do evento que a autora relatou aos colegas de trabalho que a encontraram a seguir à ocorrência do mesmo.
O facto de na ficha de urgência se ter feito constar de forma pouco precisa uma versão não coincidente com a que a autora relatou aos colegas com quem se cruzou após o evento, por si só não põe em causa a versão relatada pela autora simplesmente nos permite concluir que aí se fez consignar de forma não pormenorizado o relato que a autora terá efectuado dos factos, sendo certo tal como resulta da motivação efectuada pelo tribunal a quo as queixas que ali apresentou são igualmente indicativas de que efectivamente sofreu um traumatismo, tendo o clinico que subscreveu o relatório de urgência feito menção no cabeçalho de “entorses e distensões do pé…”, sendo ainda certo que a omissão de um diagnóstico de entorse constante dos elementos clínicos hospitalares, não é suficiente para afastar a existência deste evento traumático, quando outros meios de prova produzidos nos permitem concluir nesse sentido.
Importa ter presente quer as dificuldades no diagnóstico, quer as dificuldades de entendimento entre o paciente e o médico, pois inúmeras vezes é de forma pouco rigorosa e com dificuldades de expressão que os eventos são relatados e por outro lado também existe alguma dificuldade na compreensão das queixas relatadas pelos pacientes sobretudo quando o médico nem sequer é português, como ao que tudo indica poderá ter sucedido no caso em apreço.
Relativamente às expressões qualificativas e conclusivas, que constam do artigo 3.º entendemos que as mesmas são de manter, pois efectivamente relatam o que as testemunhas transmitiram como tendo sido o que ocorreu, razão pela qual no contexto onde estão inseridas devem ser mantidas.
No que respeita à versão que a recorrente pretende que seja dada como provada apenas se nos afigura dizer que não foi produzida qualquer prova nesse sentido, nem dos documentos juntos aos autos nem da descrição dos factos efectuado por qualquer uma das testemunhas inquiridas nos permitem concluir que a “A. deslocava-se do talho, sito na loja, em referência, para o armazém, sentindo dores
Em nossa opinião, a prova produzida para além de ser homogénea, pois as versões apresentadas por todas as testemunhas são coincidentes e vão de encontro ao que se fez consignar no relatório clínico junto a fls. 104 dos autos, datado de 23/02/2015, onde se fez constar o seguinte: ”A utente acima referida deu entrada no serviço de urgência, no dia 6/08/2013, por dor no pé direito após traumatismo (…). Traumatismo indirecto do tornozelo direito”. Afigura-se-nos assim tal prova de suficientemente credível para dar tais factos como provados não se vislumbrando qualquer razão para proceder à sua alteração, revelando-se de manifestamente insuficiente para contrariar esta versão apenas o facto de se ter escrito na ficha de urgência “sem hx de traumatismo”.
No que respeita ao artigo 5.º da base instrutória defende a recorrente que o não se provou tal facto pois a testemunha L. D. negou tal alegação afirmando que foi a autora que não quis deslocar-se ao hospital e não lhe deu qualquer medicação, devendo passar a constar de tal artigo apenas o seguinte “A autora conclui o seu turno até às 22h30m desse dia”.
Ora, se é certo que do depoimento prestado pela testemunha L. D., operadora dos recursos humanos a quem a autora reportou o acidente, resulta que esta perguntou à autora se ela precisava de ser substituída, tendo a autora respondido que não. O certo é que houve outras testemunhas, designadamente mãe da autora, que testemunhou que foi a própria L. D. que lhe disse que tinha dado um comprimido para as dores continuando a autora a trabalhar até ao fim do seu turno. Por seu turno, a testemunha P. O. também afirmou que a direcção deu um comprimido à autora e disseram-lhe para continuar a trabalhar até às 22.30 (final do turno).
Do confronto destes depoimentos e tendo presente a relação de subordinação e dependência a que estava sujeita a funcionária L. D. bem como as dificuldades sobejamente conhecidas na substituição de forma súbita e inesperada de funcionários ao final do dia, afigura-se-nos que os factos relatados pela funcionária L. D. não nos oferecem credibilidade, sendo mais plausível a versão que de forma espontânea e desinteressada foi relatada pelas testemunhas M. E. e P. O. e que foi dada como provada pelo tribunal a quo.
Na verdade, ao contrário do afirmado pela Recorrente a versão dada como provada tem correspondência com outras provas produzidas em audiência de julgamento que não o depoimento prestado pela testemunha L. D., razão pela qual se mantém inalterada a resposta a este artigo 5.º da base instrutória.
No que respeita ao artigo 6.º da base instrutória defende a recorrente que não foi produzida qualquer prova da qual resulte que a autora foi medicada, pois não existe receita ou prescrição, como também não existe qualquer documento do qual resulte que a autora deveria permanecer em repouso, o que deveria decorrer da ficha de urgência. Assim a resposta a tal artigo devia ter sido restritiva e com o seguinte teor “Quando saiu do serviço a A. deslocou-se ao CHTMAD em Chaves, onde foi assistida”.
Com efeito é certo que não existe nos autos qualquer receita médica ou prescrição médica comprovativa de que a autora foi medicada, como também não existe qualquer documento médico do qual resulte que a autora deveria ficar em repouso, mas no entanto foram produzidas outras provas designadamente testemunhais (cfr. depoimentos de P. O. e M. E. que conjugadas com as regras da experiência nos permitem concluir que efectivamente a autora foi medicada, tal como foi afirmado por estas testemunhas, tendo a P. O. afirmado ter visto a receita). Relativamente ao repouso a testemunha M. E. foi peremptória ao afirmar de forma espontânea, sincera e desinteressada, que da 2ª vez que a autora se dirigiu às urgências a acompanhou, designadamente quando realizou o RX tendo-lhe sido dito pelo médico que tinha um entorse e que tinha de repousar, tendo por isso vindo a ser-lhe prescrita “baixa médica” pelo médico de família, porque precisamente não podia andar. Estão assim suficientemente provados os factos que constam do artigo 6.º da base instrutória que por isso se mantém inalterado, improcedendo assim o recurso nesta parte.
Nos quesitos 8º e 9.º questionava-se :
“Artigo 8º) – Como consequência do acidente supra descrito a A. sofreu as lesões descritas no relatório médico-legal de fls. 81 a 83 (o qual se dá aqui integralmente por reproduzido), as quais lhe determinam um período de 15 dias de ITA (de 06/08/2013 a 20/08/2013) e 17 dias de ITP de 21/08/2013 a 06/09/2013?
Artigo 9º) – A consolidação médico-legal das lesões acima descritas ocorreu em 06/09/2013, tendo a A. ficado curada sem qualquer desvalorização?”
O tribunal a quo deu tais quesitos como provados.
O tribunal a quo motivou a resposta a estes artigos da base instrutória da seguinte forma:
“ O Tribunal baseou a sua convicção no relatório médico-legal de fls. 81 a 83, o qual não foi contraditado pelo exame por junta médica realizado no âmbito dos autos apensos de fixação da incapacidade. Na verdade, no seu relatório de fls. 81 a 83 o perito médico-legal, tendo observado a sinistrada em 29/07/2014, cerca de 1 ano após o acidente e tendo consultado a documentação clínica referente à assistência médica prestada à mesma no Centro Hospitalar em Chaves, concluiu que “Os elementos disponíveis permitem, fazendo fé na história do acidente relatada pela examinada, admitir o nexo de causalidade entre o traumatismo e o dano atendendo a que: existe adequação entre a sede do traumatismo e a sede do dano corporal resultante, existe continuidade sintomatológica e adequação temporal entre o traumatismo e o dano corporal resultante, o tipo de lesões é adequado a uma etiologia traumática, o tipo de traumatismo é adequado a produzir este tipo de lesões, se exclui a existência de uma causa estranha ao traumatismo.”. Em sede de exame por junta médica – realizado em 08/11/2016 -, os peritos médicos ali intervenientes concluíram, em primeiro lugar, no auto de fls. 8 que “Não foi considerado acidente de trabalho, uma vez que não existiu traumatismo (segundo descrição de fls. 60)”.
Tendo o Tribunal considerado incorrectas e insuficientes estas respostas formuladas pelos peritos médicos, e no seguimento do despacho de fls. 11 a 12, neste sentido, os senhores peritos vieram aditar a fls. 17 que “A sinistrada não apresenta sequelas, refere dor da articulação tibiotársica direita anterior que clinicamente não é possível associar-se ao evento descrito a 06/08/2013.”. Posteriormente e em sede de audiência de julgamento, os mesmos peritos médicos reiteraram estas respostas, concluindo que inexistem sequelas do eventual traumatismo e que não lhes foi possível verificar se teria existido tal traumatismo da consulta dos elementos clínicos juntos aos autos.
Vejamos.
(…)
A opinião dos peritos médicos intervenientes no exame por junta médica de que este evento não seria susceptível de lhe provocar lesões, não se mostra baseado senão no seu próprio juízo subjectivo e na apreciação do documento de fls. 60, que não foi elaborado pela sinistrada e que apenas relata as suas queixas quando procurou assistência hospitalar, sendo em absoluto contraditado pelo relatório médico-legal de fls. 83 a que acima se fez menção. “
(…)
Assim, pese embora as conclusões dos peritos médicos intervenientes no exame por junta médica, o Tribunal formou a sua convicção no sentido de que ocorreu efectivamente um evento traumático, que provocou lesões à A. e das quais a mesma se encontra curada sem desvalorização.”
Insurge-se a recorrente pelo facto de o tribunal a quo ter relevado o relatório médico elaborado por um Perito Médico em detrimento do resultado do exame por junta médica da especialidade de Ortopedia que contraria tal relatório, devendo os artigos 8.º e 9.º serem dados como não provados, já que por unanimidade os Srs. Peritos Médicos que participaram no exame por junta médica consideraram não ter existido qualquer acidente de trabalho.
O exame por junta médica constitui uma modalidade de prova pericial, estando sujeita à regra da livre apreciação pelo juiz (cfr. art. 389º do Código Civil e arts. 489º e 607º, nº 5 do CPC).
Daí que, embora o tribunal aprecie livremente os elementos médicos constantes do processo, designadamente perícia singular, relatórios clínicos e exames complementares de diagnóstico, a par da própria observação do sinistrado, essa livre apreciação não é, todavia, sinónimo de arbitrariedade, razão pela qual aos peritos médicos que intervêm na junta médica impõem-se que indiquem os elementos em que basearam o seu juízo e que o fundamentem, para que o Tribunal, o sinistrado e a entidade responsável pela reparação do acidente o possam sindicar.
As perícias médicas não constituem decisão sob o grau de incapacidade a fixar, mas são somente um elemento de prova, tratando-se de uma prova que exige especiais conhecimentos na matéria, por isso o laudo pericial tem de conter os factos que serviram de base à atribuição de determinada incapacidade de modo a que o tribunal possa interpretar e compreender o raciocínio lógico realizado pelos Srs. Peritos Médicos de forma a poder valorá-lo.
Com efeito, apesar do juiz não estar adstrito às conclusões das perícias médicas, certo é que, por falta de habilitação técnica para o efeito, apenas dela deverá discordar em casos devidamente fundamentados e, daí também, a necessidade da cabal fundamentação do laudo pericial pois que, só assim, poderá o mesmo ser sindicado.
Assim, se as respostas aos quesitos ou o relatório forem deficientes, obscuros ou contraditórios ou se as conclusões ou respostas aos quesitos não se mostrarem fundamentadas, tal exame não deverá ser considerado pelo Tribunal.
Importa ainda referir que à perícia médica (exame singular ou exame por junta médica) compete a apreciação e determinação das lesões/sequelas que o sinistrado apresenta, bem como proceder à fixação da incapacidade para o trabalho decorrente das mesmas.
Importa anda salientar que resulta do disposto no artigo 140º do CPT. que a fixação da incapacidade para o trabalho decorre de decisão soberana do juiz, que evidentemente terá de ter em atenção a prova pericial produzida, que apesar estar sujeita à livre apreciação do julgador, atenta a natureza técnica e complexa associada a este tipo de perícia, na maioria dos casos a decisão proferida pelo juiz relativamente à fixação da incapacidade para o trabalho corresponde àquela que foi atribuída pelos peritos médicos que intervieram no processo em exame singular ou colegial, sendo este último presidido pelo juiz, o que lhe permite indagar e esclarecer, aquando da realização do exame, todas as suas dúvidas resultantes da complexidade e tecnicidade que normalmente decorre de uma perícia médico-legal.
Voltamos a frisar que apesar do juiz não estar adstrito às conclusões da perícia médica, certo é que, por falta de habilitação técnica para o efeito, apenas dela deverá discordar em casos devidamente fundamentados, nomeadamente baseados em outras opiniões científicas, ou em razões jurídico processuais que se afigurem ao legislador de relevantes, tal como sucedeu no caso em apreço.
Na verdade, os Srs. Peritos Médicos que participaram no exame de junta médica partiram do princípio que não existiu qualquer acidente de trabalho pela simples razão, de na sua opinião, não ter existido evento traumático, por não existir documentação clínica comprovativa do mesmo, sem atentarem que os presentes autos tinham precisamente como objecto apurar a ocorrência de um acidente sofrido pela sinistrada no dia em esta se dirigiu pela 1ª vez ao serviço de urgência.
Assim responderam aos quesitos que lhe foram formulados em conformidade com a convicção por si assumida de que a sinistrada não teria sofrido qualquer acidente. Ao serem confrontados com o pedido de esclarecimento formulado pelo tribunal a quo, no âmbito do qual foram alertados para o facto de ser matéria a provar a ocorrência do evento, que não lhe cabendo por isso concluir que o mesmo não existiu, voltaram a manter a mesma posição.
Por fim e tendo sido convocados para prestarem esclarecimentos em audiência de julgamento, voltaram a manter mesma posição de que não teria ocorrido qualquer evento traumático, por tal não se encontrar descrito nos elementos clínicos juntos aos autos, acrescentando que acham pouco provável que pudesse ocorrer um traumatismo ao subir com uma carga uma rampa sem que tivesse batido com o pé no carrinho ou colocado mal o pé, concluindo além do mais que mesmo que tivesse ocorrido traumatismo as lesões teriam curado sem sequelas, pois estas não foram constatadas nos exames realizados.
Perante este quadro e tendo-se apurado a ocorrência de evento adequado causar lesões tais como aquelas que a sinistrada apresentou nos dias imediatos ao da sua ocorrência, que curaram sem sequelas, bem andou o Tribunal a quo ao valorizar o exame médico singular, encontrando-se devida e suficientemente fundamentadas as razões que conduziram a juiz a quo a preterir o resultado da perícia colegial em prole do resultado da perícia singular.
Salvo o devido respeito por opinião em contrário das regras da experiência resulta que um entorse pode ocorrer quer em piso plano, quer em piso inclinado, quer em sentido descendente, quer em sentido ascendente basta que se coloque mal o pé ou que se tropece em qualquer obstáculo, sobretudo quando se está em situação de esforço, que é o que sucede quando se transportam objectos pesados. Por outro lado, nem sempre é fácil fazer um diagnóstico, daí que o facto de no relatório da urgência não se ter diagnosticado o entorse, se nos afigura de manifestamente insuficiente para podermos concluir pela sua inexistência principalmente quando toda a prova produzida em audiência de julgamento aponta precisamente no sentido de que a sinistrada sofreu um entorse, daí que se nos afigure dizer que o exame por junta médica sempre teria de ser valorizado com algumas reticências, tal como o fez o tribunal a quo, pois Srs. Peritos Médicos consideraram de forma subjectiva que não estando documentado clinicamente o traumatismo não ocorreu acidente.
Nos termos expostos mais não resta do que deixar consignado que também nesta parte improcede o recurso, mantendo-se inalteradas as respostas positivas dadas aos artigos 8.º e 9.º da base instrutória.
Por fim importa ainda esclarecer que não se vislumbra a apontada contradição entre a sentença recorrida e a decisão proferida no Apenso de Fixação de Incapacidade na qual se decidiu o seguinte: “Deste modo, pelo exposto, e homologando, na íntegra, o resultado e conclusões da perícia médico-legal acima referida, declara-se que o sinistrado em apreço não apresenta lesões que possam ser relacionadas, com o indispensável nexo de causalidade, com qualquer evento traumático, nomeadamente o aqui indicado ocorrido em 06/08/2013.”
Se atentarmos na resposta aos quesitos formulados aos Srs. Peritos em sede de exame por junta médica facilmente constatamos que o que se pretendeu consignar nesta decisão, tal como resulta da posição assumida pelos Srs. Peritos Médicos, é que não foram por estes peritos médicos constatadas no dia da realização do exame (7/11/2016) quaisquer sequelas resultantes de um eventual acidente ocorrido em 6/08/2013, sendo certo que nas respostas que foram dados aos vários quesitos formulados por mais do que uma vez afirmaram não existir sequelas e por não ter existido acidente não consideraram qualquer período de incapacidade temporária absoluta ou parcial.
Assim teremos e concluir que a decisão proferida no apenso de incapacidade apenas pode ser interpretada no sentido de que actualmente a sinistrada não é portadora de qualquer lesão/sequela resultante de um eventual acidente ocorrido em 6/08/2013, pois relativamente as lesões resultantes do evento e geradoras de períodos de ITA e de ITP os Srs. Peritos médicos não se pronunciaram.
Por seu turno no âmbito da realização do exame singular o Sr. Perito Médico colocando a hipótese de eventual ocorrência de acidente valorizou em conformidade com os elementos clínicos que dispunha nos autos a actual situação clínica da sinistrada atribuindo-lhe período de ITA e de IPT e considerando-a curada sem qualquer desvalorização, tendo esta posição vindo a ser acolhida pelo tribunal a quo, depois de se terem apurado factos suficientes que permitem concluir pela ocorrência do evento do qual vieram a resultar lesões, que a sinistrada curou sem sequelas, como foi defendido por todos os Peritos médicos que intervieram nos autos.
Em face do exposto e apesar de considerarmos não ser o mais correcto decidir o apenso de fixação de incapacidade, quando ainda se suscitam dúvidas e proferir-se sentença final no processo, sem que integrar tal decisão no processo principal para daí extrair as suas consequências, designadamente das razões porque não deve ser acolhida, não se vislumbra qualquer contradição nas decisões proferidas quer no processo principal, quer no apenso de fixação de incapacidade. No âmbito da perícia colegial, que veio a dar lugar à decisão proferida no apenso de incapacidade considerou-se que não tendo ocorrido acidente não existiam sequelas, o que se traduziu na decisão proferida no apenso de incapacidade no sentido de não se constatarem lesões/sequelas resultantes do evento ocorrido em 6/08/2013 e no âmbito dos autos principais por se ter apurado que ocorreu um acidente do qual resultaram lesões para a sinistrada, que curaram sem qualquer desvalorização foram considerados os períodos de ITA e de ITP apurados na perícia singular. Tais decisões não se contrariam, mas sim complementam-se, em face do facto de se ter apurado a ocorrência de um evento traumático.
Por fim no que respeita ao artigo 13.º da base instrutória no qual se questionava “– A A. não sofreu qualquer traumatismo nem no dia 06/08/2013, nem nos dias seguintes, tendo a mesma continuado a trabalhar, desempenhando normalmente as suas funções?”
O tribunal a quo respondeu “Não provado”, defendendo a recorrente que tal artigo deveria ter sido dado como provado, resultando tal quer das respostas aos quesitos dos Srs. Peritos Médicos em sede de Junta Médica e em sede de audiência de julgamento, quer do depoimento da testemunha L. D..
Em face dos restantes factos dados com provados designadamente das respostas positivas dadas aos artigos 1.º, 3.º e 5.º da base instrutória não poderia este facto ser dado como provado porque é contraditório com aqueles outros.
Acresce ainda dizer que o facto de não constar da parca documentação clínica a ocorrência de qualquer traumatismo sofrido pela autora não é impeditivo que esta logre provar que efectivamente no dia em questão sofreu um entorse, que a incapacitou temporariamente para o trabalho e isto quando se encontrava no seu local de trabalho desempenhar as funções para as quais havia sido contratada.
A posição assumida pelos Srs. Peritos Médicos decorre apenas dos factos que constam da documentação clínica junta aos autos, razão pela qual tendo-se apurado outros factos que contradizem estes, não se pode nem deve valorar as declarações dos Srs. Peritos Médicos da forma pretendida pela recorrente. Relativamente ao depoimento de L. D., para além do mesmo não oferecer grande credibilidade pelas razões acima expostas, o certo é que do depoimento da testemunha P. O. resulta que a autora após o acidente continuou a trabalhar por determinação da própria L. D., pelo que o seu depoimento sempre seria de insuficiente quer para provar a inexistência de traumatismo, quer para provar que a autora continuou a trabalhar normalmente.
É assim de manter inalterada a resposta ao artigo 13.º da base instrutória.
Improcedem assim as conclusões de recurso enumeradas de 1 a 27.

- Da impugnação da decisão de direito

Como resulta quer das alegações, quer das conclusões de recurso a Recorrente vem por em crise a subsunção jurídica que foi efectuada na sentença recorrida dos factos dados como provados.
A impugnação suscitada está alicerçada e tem como pressuposto a procedência da impugnação da matéria de facto com a alteração substancial e nuclear do quadro factual apurado pelo tribunal recorrido.
Ora, revelando-se de inalterada e intocada a factualidade fixada pelo tribunal a quo, teremos de concluir pela improcedência do recurso também nesta vertente da decisão quanto à matéria de direito, sem que antes se saliente que na sentença recorrida foi feita a correcta subsunção dos factos provados ao direito.
Em face do exposto improcedem as conclusões das alegações de recurso da Recorrente, mantendo-se a decisão recorrida.

V – DECISÃO

Pelo exposto, e ao abrigo do disposto nos artigos 87º do C.P.T. e 663º do C.P.C., acorda-se, neste Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso de apelação interposto por COMPANHIA DE SEGUROS A, S.A., confirmando-se na íntegra a decisão recorrida.
Custas a cargo da Recorrente.
Notifique.
Guimarães, 2 de Novembro de 2017

Vera Maria Sottomayor (relatora)
Antero Dinis Ramos Veiga
Alda Martins

Sumário – artigo 663º n.º 7 do C.P.C.

I – O exame por junta médica constitui uma modalidade de prova pericial, estando sujeita à regra da livre apreciação pelo juiz (cfr. art. 389º do Código Civil e arts. 591º e 655º do CPC).
II - Apesar do juiz não estar adstrito às conclusões da perícia médica, certo é que, por falta de habilitação técnica para o efeito, apenas dela deverá discordar em casos devidamente fundamentados, nomeadamente baseados em outras opiniões científicas, ou em razões jurídico processuais que se afigurem ao legislador de relevantes.

III - Tendo-se apurado a ocorrência de evento adequado causar lesões tais como aquelas que a sinistrada apresentou nos dias imediatos ao da sua ocorrência, que curaram sem sequelas, bem andou o Tribunal a quo ao valorizar o exame médico singular, encontrando-se devida e suficientemente fundamentadas as razões que conduziram a juiz a quo a preterir o resultado da perícia colegial em prole do resultado da perícia singular.

Vera Sottomayor