Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
97/14.6TAAMR.G2
Relator: DOLORES SILVA E SOUSA
Descritores: RECUSA
REQUERIMENTO
INTERVENÇÃO DE JUIZ NOUTRO PROCESSO
INDEFERIMENTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/17/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECUSA
Decisão: INDEFERIDA
Sumário: I) O regime dos impedimentos, recusa e escusa pretende garantir a imparcialidade do juiz num determinado processo em função da várias circunstâncias que podem, no caso concreto, colocar em causa a sua imparcialidade nesse processo.
II) Ao ser questionada a imparcialidade de um juiz, num determinado processo, os factos que sustentam tal questionamento têm que revestir uma dimensão séria e grave.
III) O simples facto de existir um processo cível em que foi suscitada a recusa de um juiz por motivos da sua intervenção nesse processo, sustentada em determinados factos, não é só por si motivo de recusa do mesmo juiz num outro processo, agora crime, que nada tem que ver com o anterior, não obstante o ali réu, ser aqui arguido e a ali autora ser aqui testemunha de acusação e ex-esposa do arguido.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães

I.Relatório.

No âmbito do processo comum singular n.º 97/14.6TAAMR, da Instância local de Amares, Secção de Competência Genérica, Juiz 1, foi deduzida acusação contra o arguido Manuel F., pela prática de 1 crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86º, n.º1 als. c) e d) da lei 5/2006, de 23.02.por referência ao art. 3º, n.ºs 2 al. l) e 4 al. a) da mesma Lei.
Enviados os autos à distribuição, foi proferido despacho de recebimento da acusação e designação de dia para julgamento pelo Mmº Juiz João C.
A primeira data para realização de julgamento designada foi o dia 14 de Setembro de 2015.
O arguido, a 13 de Julho de 2015, apresentou contestação dizendo que é totalmente alheio à arma de fogo apreendida nos presentes autos, pois que esta não era sua, e nunca a tinha visto nem manuseado. A presença da mesma no local constante dos autos de apreensão só pode explicar-se por ter sido propositadamente lá colocada, por terceiro, com intuito de incriminar o arguido.
E no dia 8 de Setembro de 2015, o arguido apresentou requerimento de recusa de intervenção do supra referido Mmº. Juiz que à audiência haveria de presidir com o seguinte teor:
«1. Dispõe o artigo 43.º, nº 1, do C.P.P., sob a epígrafe, “recusas e escusa”, que:
“1 — A intervenção de um juiz no processo pode ser recusada quando correr o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade “. (...)
2. Entende o Arguido nos autos que, nos presentes autos, se devem considerar preenchidos os pressupostos de aplicação do normativo supra-referido.
Porquanto:
3. Corre termos na Instância Local de Amares, do Tribunal da Comarca de Braga, o processo comum ordinário com o nº 40/14.2 TBAMR.
4. Nesse processo foi Autora a …, Lda, sociedade comercial com NIF …, cuja única sócia, e gerente, é Maria E., esposa do ora Arguido.
5. Nesse processo, o aqui Requerente, figura como Réu.
6. O mandatário da Autora nos referidos autos é o Ilustre Advogado, Dr. …, com domicílio profissional, na Av. …Braga.
7. O mandatário do, ali, Réu, foi o presente signatário, mandatário do Arguido nos presentes autos.
8. Os referidos autos foram distribuídos ao Ilustre Magistrado Sr. Dr. …, o qual presidiu aos mesmos em todo o seu decurso.
9. O comportamento do Ilustre Magistrado na audiência preliminar, nas audiências de julgamento, e na sentença proferida nos respectivos autos, conduziu a que o ali Réu tivesse apresentado o incidente de suspeição do referido Ilustre Magistrado, nos termos do disposto no art° 120°, n° 1, g), do Código de Processo Civil.
10. Tudo como, aliás, resulta de Doc.s, 1, 2, 3 e 4, que se juntam, respectivamente:
• Petição inicial, apresentada a 31-01-2014- Doe. 1;
• Contestação, apresentada a 2$ de Março de 2014 — Doc. 2;
• Sentença, proferida a 08-06-2015 — Doc. 3;
• Incidente de suspeição, deduzido a 23-06-20 15 — Doc. 4;
os quais se dão, por brevidade, como inteiramente reproduzidos.
11. O referido pedido de escusa teve como fundamento o disposto no art.º 120, alínea g) do CPC, concretamente: “(...) Se houver inimizade grave ou grande intimidade entre o juiz e alguma das partes ou seus mandatários (...)“, (quanto a isto, dá-se por expressamente reproduzido o teor do requerimento de suspeição, constante de doc. 4)
12. Nos supra-referidos autos, foi ainda apresentado recurso da sentença proferida para o Tribunal de Relação de Guimarães, quanto à condenação, quer do Réu, quer do seu mandatário (!!!), como litigantes de má-fé: “numa multa cujo montante se fixa em cem UCs, bem como nas despesas processuais da outra parte, nas quais se incluem os respectivos honorários aos respectivos mandatário, na proporção de 50%, cuja liquidação se relega para momento posterior “.
13. A este propósito, é de referir que o facto de o Ilustre Magistrado ter aplicado uma decisão absolutamente ilegal (nos termos do art.º 545º do CPC), foi o corolário do entendimento (completamente errado) do mesmo Ilustre Magistrado, que o mandatário do ali Réu, e presente signatário, teve nos referidos autos uma conduta condenável, mentirosa, e, em ultima análise, violadora das normas legais que regem a actividade de Advogado e o exercício do mandato judicial.
14. O que o presente signatário não admite, nem pode admitir.
15. Resulta do sucedido nos supra-referidos autos, à saciedade, a existência de uma “inimizade grave (...) entre o juiz e alguma das partes ou seus mandatários (...)“, cujas consequências estão bem expressas na própria decisão final.
16. Entende o ora Requerente que essa inimizade toldou o discernimento e a imparcialidade do ilustre magistrado, com consequências nas decisões proferidas no referido processo.
17. Tal constatação veio a ser alicerçada pelo teor da resposta apresentada pelo Ilustre Magistrado no incidente de suspeição (cf. Doc. 5, que se junta e se dá por inteiramente reproduzido), na qual o referido Ilustre Magistrado volta a produzir expressões violentas, injustificáveis, e, na óptica do ora requerente, perfeitamente inadmissíveis em processo judicial.
18. Nem os recursos supra referidos, nem o incidente de suspeição, conheceram, ainda, decisão, correndo os mesmos os seus termos.
Posto isto:
19. O aqui Requerente é o Réu nos autos de processo comum supra referidos;
20. Surgem como testemunhas de acusação a Maria E., gerente da Autora no processo supra identificado, e a Isabel M., que também foi ouvida na qualidade de testemunha nos referidos autos.
21. O, ali mandatário, é, aqui, defensor.
22. O magistrado é o mesmo.
23. Entende-se, atendendo a tudo o supra descrito, que existem motivos sérios, graves, e adequados, a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do ilustre magistrado nos presentes autos.
24. O Ilustre Magistrado que preside aos presentes autos julga (e desde já), quer o ora Requerente (e Arguido), quer o seu mandatário, como mentirosos.
25. Intervenientes processuais que usam de “mentira “, ‘falácia “, desenrasque “, “desacerto “, “ilógico “, “expertismo “, “embuste “, “ditação “, “intrujice “, “fraude” e “má-fé”. Tudo como decorre de Doc. 5, que se junta.
26. Perante estes prossupostos, não é crível que o Ilustre Magistrado que preside aos presentes autos, consiga apreciar com imparcialidade, quer a versão do Arguido quanto aos factos ora em causa, quer eventuais declarações que o mesmo venha a prestar em audiência de julgamento, quer mesmo, qualquer requerimento que se entenda apresentar nos autos, ao abrigo do disposto no art.º 340 do CPP, ou de qualquer outra norma legal.
27. Como se demostra supra, o Ilustre Magistrado em causa tem já a pré-noção que, quer o Arguido, quer o seu defensor, são mentirosos.
28. Ora, se é absolutamente necessária a imparcialidade de magistrado em qualquer processo judicial, cautelas suplementares (se possível fossem!) deverão ser observadas quando se trata de processo-crime, cuja natureza se refere aos valores mais importantes protegidos pela ordem jurídica.
29. Quando a Constituição da República estabelece que o processo penal deve assegurar todas as garantias de defesa do arguido (art.º 32º nº 1 da Constituição da República Portuguesa), é elementar concluir que não pode intervir em causa criminal Magistrado que, antes mesmo da realização da audiência de discussão e julgamento, considere desde logo o arguido (e o seu defensor) como pessoas incapazes de falar a verdade (ou, pelo menos, em juízo).
30. Entende o arguido que, para um julgamento imparcial e uma decisão justa, não pode haver, de antemão, qualquer desconfiança sobre a possibilidade do magistrado não poder decidir com imparcialidade e justiça.
31. Dito de outra forma: perante a inimizade anteriormente demonstrada (e reiterada!) pelo Ilustre Magistrado, para com a pessoa do ora Arguido e a pessoa do seu ora defensor, é inimaginável poder vir o mesmo a presidir aos presentes autos!
Nestes termos, se requer:
Seja o presente declarado procedente, por provado, e, consequentemente, ser recusado o ilustre magistrado, supra identificado.»
Juntou 5 documentos.
O Exmo. Sr. Juiz, Dr. …, respondeu em tempo oportuno, sendo a sua resposta do seguinte teor:
«Na sequência da notificação que me foi dirigida no âmbito dos presentes autos, por força do disposto no artigo 45.º, n.º 3, do C.P.P., apenas me apraz referir que a questão em apreço já foi devidamente apreciada e decidida pelo Exm.º Sr. Dr. Juiz Desembargador Presidente do V.T.R.G., no âmbito do incidente de suspeição de Juiz na ação comum n.º 40/14.2TBAMR, e no âmbito do incidente de recusa de Juiz no processo-crime n.º 388/13.3GAAMR. Ambas essas doutas decisões não deixam quaisquer dúvidas quanto à minha, “no mínimo, falta de cordialidade para com o causídico em causa – sic:- decisão do Exm.º Sr. Dr. Juiz Presidente do V.T.R.G.
Assim, em face do exposto, estou certo que V.ªs Ex.ªs farão a habitual justiça, o que se requer
Efectuado exame preliminar e colhidos os vistos, cumpre agora apreciar e decidir o incidente.
***
II - Apreciação
A apresentação do pedido de recusa está sujeito aos prazos do art. 44º, do Cód. Proc. Penal, onde se estatui que: “O requerimento de recusa e o pedido de escusa são admissíveis até ao início da audiência, até ao início da conferência nos recursos ou até ao início do debate instrutório. Só o são posteriormente, até à sentença, ou até à decisão instrutória, quando os factos invocados como fundamento tiverem tido lugar, ou tiverem sido conhecidos pelo invocante, após o início da audiência ou do debate.”
Assim, o requerimento em apreciação é tempestivo já que foi apresentado antes do início da audiência.
Vejamos, então.
Fazendo nossas as palavras do acórdão do TC n.º 227/97, acedido in www.tribunalconstitucional.pt.«A independência dos tribunais é especialmente garantida pela independência dos próprios juízes, exigindo este princípio de independência "não apenas a sua inamovibilidade e irresponsabilidade (art. 218º) mas também a sua liberdade perante quaisquer ordens ou instruções das demais autoridades, além de um regime adequado de designação, com garantias de isenção e imparcialidade que evitem o preenchimento dos quadros da magistratura de acordo com os interesses dos demais poderes do Estado, sobretudo do Governo e da Administração (cfr. arts. 219º e 220º) "(Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra, 1993, pág. 794).
A Constituição portuguesa impõe aos próprios órgãos e agentes administrativos que actuem, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade (art. 266º, nº 2). Se esta imposição se aplica a órgãos e agentes administrativos, fácil é de compreender que os juízes, titulares dos órgãos de soberania que são os tribunais, hão-de necessariamente agir subordinados ao dever de imparcialidade, visto que as suas funções de "dizer o direito" implicam naturalmente a sua independência e a sua imparcialidade (art. 205º, nºs. 1 e 2). Só assim se poderá assegurar o princípio de igualdade dos cidadãos perante a lei (art. 13º da Constituição)
A imparcialidade é, assim, uma condição e qualidade estrutural da função de julgar.
Visando a obtenção das máximas garantias de objectiva imparcialidade da jurisdição e, por outro lado, assegurar a confiança da comunidade relativamente à administração da justiça, a lei processual penal regula a problemática relativa à capacidade do juiz, no seu Título I, Capítulo VI, sob as formas de impedimentos, recusas e escusas.
O conceito de “tribunal imparcial” vem sendo associado pela doutrina e jurisprudência nacionais, na esteira do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, a uma dupla dimensão composta pela:
- imparcialidade subjectiva [depende de motivos pessoais e do foro íntimo do juiz, no fundo visa-se averiguar se o juiz esconde qualquer razão para favorecer uma das partes];
- imparcialidade objectiva [depende de circunstancias relacionais ou contextuais objectivas susceptíveis de gerar no interessado o receio da existência de ideia feita, prejuízo ou preconceito em concreto quanto à matéria em causa].
A imparcialidade do juiz na vertente subjectiva presume-se.
Com efeito, como se escreve no Acórdão do TRC de 01.04.2011, disponível in www.dgsi.pt., Rel. Mouraz Lopes, citando Thomas Weigend «Não podemos exigir que as decisões dos tribunais do Estado tenham força obrigatória se não presumirmos que os juízes servem unicamente a ideia de verdade e de justiça e não os seus interesses próprios ou interesses de outros».
Daí que o afastamento do juiz natural apenas possa ocorrer em casos excepcionais, para dar satisfação necessária e suficiente a outros princípios constitucionais, supra mencionados.
Em conformidade o art. 43º do Cód. Proc. Penal, prescreve:
1.A intervenção de um juiz no processo pode ser recusada quando correr o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade.
2.Pode constituir fundamento de recusa, nos termos do n.º1, a intervenção do juiz noutro processo ou em fases anteriores do mesmo processo fora dos casos do art. 40º.
Fundando-se o pedido formulado na primeira hipótese prevista no art. 43º, como é o caso, terão que ser alegados factos concretos susceptíveis de integrar motivo de especial gravidade adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do juiz.
E, não tendo o legislador densificado normativamente o que seja o tipificado “motivo grave e sério”, existe consenso jurisprudencial na afirmação que este há-de ser analisado casuisticamente, mediante a ponderação das concretas e objectivas circunstâncias invocadas, de harmonia com a normalidade do acontecer e segundo a perspectiva do homem médio suposto pela ordem jurídica.
Assim, a jurisprudência do STJ – vide Acórdãos do STJ, de 5 de Abril de 2000, CJ- STJ, Tomo II, pág. 244, e 13/04/2005, Proc. n.º 05P1138, Rel. Conselheiro Henriques Gaspar, in dgsi.pt. - vem sufragando que “a gravidade e a seriedade do motivo hão-de revelar-se, assim, por modo prospectivo e externo, e de tal sorte que um interessado - ou, mais rigorosamente, um homem médio colocado na posição do destinatário da decisão - possa razoavelmente pensar que a massa crítica das posições relativas do magistrado e da conformação concreta da situação, vista pelo lado do processo (intervenções anteriores), ou pelo lado dos sujeitos (relação de proximidade, de estreita confiança com interessados na decisão), seja de molde a suscitar dúvidas ou apreensões quanto à existência de algum prejuízo ou preconceito do juiz sobre a matéria da causa ou sobre a posição do destinatário da decisão”.
Com efeito, uma vez que “a demonstração da imparcialidade ou da parcialidade subjectiva (íntima) do juiz é de difícil alcance e demonstração” requer a mesma uma forte exigência e prudência na análise dos factores exteriores e pessoais, mas objectiváveis, que possam ou sejam susceptíveis de determinar a recusa; isto é, um apertado juízo prudencial na análise das manifestações pessoais sérias, anteriores ou contemporâneas, em relação a algum interessado ou a algum interesse discutido no processo e que podem justificar a recusa.
Deste modo e no que ao caso interessa, cumpre referir que embora se surpreenda alguma deselegância [porventura até algum excesso na linguagem] do Sr. Juiz, na pretérita audiência da acção comum que, estamos em crer, foi já alvo de aturada contrição, o certo é que pensamos que a tal não foi alheio o progressivo processo de formação da convicção [na referida e pretérita acção de processo comum]; processo de convicção que por magnificamente descrito por Hassemer, citado por Souto Moura, in “A questão da presunção de inocência do arguido”, Revista do Ministério Público n.º 42, pags. 31 e segs. aqui citamos: «tal como a crescente convicção sobre a culpabilidade do arguido, a crescente parcialidade do juiz é um fenómeno dinâmico. E quanto mais avança o discurso em direcção à condenação tanto mais o juiz será parcial. Este tipo de «parcialidade» não pode tomar-se como constituindo sem mais um motivo para afastamento do juiz, pois é uma consequência inevitável do processo de convicção. A imagem do juiz que esconde com «cara de poker» o seu crescente convencimento sobre a culpabilidade do acusado é uma imagem distorcida do ponto de vista técnico-comunicacional. O princípio da imparcialidade do juiz não pode ser entendido exclusivamente a partir dos elementos discursivos do processo, já que se estabelece nos limites entre instituição e discurso
Portanto, como já anteriormente referimos, o aludido excesso de linguagem foi resultado e excrescência do progressivo processo de formação da convicção, até pela sua veemência, nada mais se vislumbrando.
Resta, pois, a questão da invocada inimizade- sentimento hostil por alguém, na definição do Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa, Verbo - entre o Magistrado e o Mandatário do aqui arguido, que atento o que vem configurado no requerimento de recusa, nem se nos configura como inimizade, visto que como dissemos se não exteriorizou em quaisquer outras manifestações alheias ao processo de formação de convicção na referida acção, nem é jurisprudencialmente aceite como razão de suspeição e, por isso, de recusa do juiz julgador, veja-se, muito a propósito, o que se escreveu no já citado Acórdão do TC: «De facto, a par do direito de o arguido escolher o seu defensor (nº 3 do art. 32º da Constituição), constitui importante garantia para qualquer arguido a regra de que "nenhuma causa pode ser subtraída ao tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior" (nº 7 do mesmo artigo), na medida em que fica proibida a criação de tribunais ad hoc ou a atribuição de competência a um tribunal diferente daquele que detinha competência ex lege para julgar o acusado de qualquer crime, à data da prática do mesmo.
Poderia, assim, admitir-se que a aceitação de uma causa de suspeição decorrente da inimizade grave entre o juiz e o advogado possa facilitar uma actuação do arguido, através da escolha do advogado, tendente a levar ao afastamento do juiz que deveria julgar a causa, com o que se estaria, de algum modo, a pôr em causa o princípio do juiz legal.
Talvez que seja essa a razão por que tal hipótese não releva em regra, nos diferentes direitos do nosso círculo cultural, como causa de suspeição. De facto, ainda que exista inimizade entre o juiz e o defensor, tal situação, em regra, não leva a pôr automaticamente em causa a imparcialidade do juiz face ao próprio arguido. Ao menos no comum dos casos, a inimizade existente dificilmente implicará a ruptura das relações funcionais entre dois profissionais juristas, em termos de a comunidade recear que o juiz viole o dever de imparcialidade movido pela sua animosidade contra o defensor.»
Entendemos, portanto, que não está desenhada nos factos elencados pelo requerente uma situação de inimizade do seu mandatário com o Magistrado recusado e, muito menos se desenha essa situação, entre o requerente aqui arguido e aquele magistrado, e o excesso de linguagem que se surpreende nos factos alinhados não se nos afigura como susceptível de configurar aquela inimizade, cumprindo até referir que o arguido em processo crime não tem um dever de colaboração com o tribunal, atento o seu direito ao silêncio e o princípio da não auto incriminação – o nemo tenetur se ipsum accusare – sendo sempre sujeito processual e não objecto de prova, pelo que esta diversidade de posição do arguido torna irrelevantes os considerandos efectuados sobre a postura do arguido na sua relação com a verdade.
Além do mais, o regime dos impedimentos, recusa e escusa pretende garantir a imparcialidade do juiz num determinado processo em função das várias circunstâncias que podem, no caso concreto, colocar em causa a sua imparcialidade nesse processo.
Ao ser questionada a imparcialidade de um juiz, num determinado processo, os factos que sustentam tal questionamento têm que revestir uma dimensão séria e grave, como dissemos.
Ora, o simples facto de existir um processo cível em que foi suscitada a recusa de um juiz por motivos da sua intervenção nesse processo, sustentada em determinados factos, não é só por si motivo de recusa do mesmo juiz num outro processo, agora crime, que nada tem que ver com o anterior, não obstante o ali réu, ser aqui arguido e a ali autora ser aqui testemunha de acusação e ex-esposa do arguido.
Como decorre da anterior citação do Ac. do T.C. o presente incidente não pode servir para atingir outros interesses alheios ao processo.
A ser aceite a tese do recorrente isso bloquearia qualquer intervenção do juiz em todos os processos em que o arguido fosse sujeito processual, cível ou crime, levando, no limite, a um afastamento do juiz em causa sem uma razão séria e justificadas. Violando, assim claramente o princípio do juiz natural.
Não estando invocado qualquer facto onde possa sustentar-se um eventual pré-juízo do juiz em relação ao caso que irá julgar - o que não acontece pelo facto de o Tribunal ter intervindo num outro processo cível onde o requerente do incidente foi Réu - não há qualquer motivo para sustentar uma recusa de um juiz. Porque não está em causa, subjectiva e objectivamente o princípio da imparcialidade do Tribunal.
Daí que o pedido de recusa seja de improceder.
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III – Decisão.
Em conformidade com o exposto, acordam os juízes desta Relação, em indeferir o pedido de recusa do Mm.º Juiz Dr. ...
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Fixa-se a taxa de justiça em 3 Ucs.
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Notifique.