Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1025/19.8T8BRG.G1
Relator: ANTERO VEIGA
Descritores: DEVER DE OCUPAÇÃO EFECTIVA
CATEGORIA
COMISSÃO DE SERVIÇO
SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
EXERCÍCIO DE CARGO PÚBLICO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/20/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
A aceitação de cargo de natureza pública, eletivo ou não, não pode, no quadro da lei portuguesa e das garantias estabelecidas para um efetivo exercício do direito fundamental consagrado no artigo 50º, 1 da CRP, implicar qualquer prejuízo ao nível da relação laboral em curso, não implicando por si renúncia tácita a cargo que se exerça em comissão de serviço, no âmbito da relação laboral.
A aceitação por parte de trabalhador em exercer o cargo de vereador em regime de tempo inteiro, e a consequente requisição efetuada pelo Município, implica o exercício de um direito fundamental, com “garantia” constitucional estabelecida no nº 2 do artigo 50 da CRP, implicando não apenas uma garantia do estatuto profissional, mas ainda a garantia de que não ocorrerá qualquer prejuízo na colocação do trabalhador.
Tal exercício tem como consequência a suspensão do contrato de trabalho por facto imputável ao trabalhador, nos termos do artigo 296º, nº 5 do CT. Terminada a suspensão o trabalhador deve ser colocado a exercer funções correspondentes ao cargo que exercia em comissão de serviço, a menos que esta comissão haja terminado regular e legalmente.
A suspensão do contrato em tais condições não implica uma cristalização do regime comissional, cuja cessação pode ocorrer nos termos normais, desde que tal termo respeite o princípio da boa-fé, maxime, não seja motivado pelo facto de o trabalhador ter exercido aquele direito fundamental.
O termo da comissão de serviço devido a reestruturação da empresa, que eliminou o cargo a que a comissão se referia, ocorrida durante o período de suspensão do contrato, constitui motivo legítimo de cessação do regime comissional.
Não é de considerar, para efeitos indemnizatórios, como verificada a violação do direito de ocupação efetiva de um trabalhador que retorna após uma suspensão do contrato, se, inexistindo o cargo que anteriormente ocupava, fruto de uma reestruturação da empresa, e atenta a categoria profissional deste – que torna difícil encontrar funções compatíveis – é colocado na situação de inatividade, com dispensa de assiduidade, até se encontrar cargo compatível, se demonstrado for que a empregadora encetou diligências e efetuou propostas sérias no sentido da colocação do trabalhador.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães.

B. M., intentou a presente ação com processo comum emergente de contrato de trabalho contra “X – CORREIOS , S.A.”, pela qual pede a condenação da Ré a pagar-lhe:

a) a quantia de 34.200,00 €, a título de subsídios de chefia desde novembro de 2005 até setembro de 2016;
b) a quantia de 16.500,00 €, a título de danos não patrimoniais; e
c) juros de mora à taxa legal anual em vigor desde a citação até efetivo pagamento, relativamente a todas as quantias acima peticionadas.

Alegou que em 2003, quando exercia na ré funções de chefia, auferindo, designadamente, um subsídio mensal de chefia de € 225,00, iniciou funções como vereador, o que se manteve até 2005. Quando regressou não lhe foram atribuídas funções, contra sua vontade e foi-lhe retirado o aludido subsídio, a viatura e o plafond do telemóvel. A situação manteve-se até 2009. Em 2009 foi-lhe dito para se apresentar permanecendo contudo sem funções até 2016.
A ré negando a existência de qualquer direito indemnizatório do Autor, por não ter havido qualquer violação do seu direito à ocupação efetiva. Por outro lado, sustenta que é lícito o não pagamento do subsídio de chefia reclamado pelo Autor, na sequência da cessação do regime de comissão de serviço.
Realizado o julgamento foi proferida decisão absolvendo a ré dos pedidos.

Inconformado o autor interpôs recurso apresentando as seguintes conclusões:

QUANTO AOS FACTOS

1- … a resposta ao Ponto y) dos Factos Provados deve ser alterada de provado que “Foram realizadas reuniões com o Autor, no sentido de averiguar que postos de trabalho reuniam a sua preferência.” para provado que” Foi realizada com o Autor uma reunião no sentido de lhe proposto ser cedido à Payshop, empresa associada da Ré e uma outra reunião no sentido de o recolocar, na sequência da qual, foi recolocado nas ..., Vila Nova de Gaia”
2- … a resposta ao Ponto z) dos Factos Provados deve ser alterada de provado que “ Mas, como o Autor recusou as propostas de colocação feitas, foi decidido pela Ré que permaneceria em casa a aguardar colocação condizente com a sua carreira profissional, tendo ficado dispensado de comparecer ao serviço até se concretizarem as diligências para a sua colocação” para provado que “ Mas como Autor e Ré não chegaram a acordo quanto à possibilidade de colocação na Payshop, foi decidido pela Ré que permaneceria em casa a aguardar colocação condizente com a sua carreira profissional, tendo ficado dispensado de comparecer ao serviço até se concretizarem as diligências para a sua colocação”
3- … a resposta ao Ponto kk) dos Factos Provados deve ser alterada de provado que “Enquanto o A. esteve no GSCN-APE-( Gestão de Serviço ao Cliente Norte), no Edifício X, sito Rua ..., em Vila Nova de Gaia, a Ré atribuiu-lhe a tarefa de dar apoio executivo à Dr.ª. E. T., fazendo o que esta lhe pedia, nomeadamente preparando informações.” Para provado que “Enquanto o A. esteve no GSCN-APE-( Gestão de Serviço ao Cliente Norte), no Edifício X, sito Rua ..., em Vila Nova de Gaia, a Ré, por intermédio da Drª E. T., com carácter esporádico e residual solicitou-lhe a realização de tarefas relacionadas com a preparação de informação”
4- … deve ser dado como provado que “Já em Braga até setembro de 2016 a Ré atribuiu ao A., com caracter esporádico, algumas tarefas, permanecendo o A. sem funções”
5-… deve ser dado como provado que “Esta inatividade e a exposição da mesma, vexaram o A. ferindo-o no seu orgulho profissional.”
6- …deve ser dado como provado que “A inatividade forçada e o afastamento das funções que aí exercia, há muitos anos, abalou psicologicamente o A.”

QUANTO AO DIREITO

7-Na data imediatamente anterior aquela em que o A./Recorrente passou a exercer funções de Vereador em Regime de Tempo Inteiro na Câmara Municipal ..., vigorava entre o A./Recorrente e a Ré/Recorrida um contrato de trabalho na modalidade de comissão de serviço.
8-A requisição do A./Recorrente pela Câmara Municipal ... para o exercício de cargo público e político com funções de Vereador em Regime de Tempo Inteiro, a partir do dia 1 de Outubro de 2003, tratou-se, por aquele motivo, de um impedimento temporário por facto imputável ao A./Recorrente/trabalhador de prestar a sua atividade à Ré/Recorrida /Entidade patronal e não uma denúncia ou cessação definitiva por parte do A./Recorrente do contrato de trabalho existente entre eles à data da requisição.
9-Tal evento, traduziu-se, portanto, numa suspensão do contrato de trabalho entre A./Recorrente e Ré /Recorrida nos termos do art. 333 nº4 do CT em vigor à data (Lei n.º 99/2003 de 27 de agosto) atual nº 5 do art. 296 do CT.
10- O exercício das funções de Vereador a tempo inteiro numa Câmara Municipal é precisamente uma das situações de suspensão do contrato de trabalho previstas na lei- art. 22 nºs 1 e 3 da Lei n.º 29/87, de 30 de Junho (Estatuto dos Eleitos Locais).
11-Por isso, não tem rigor a sentença recorrida quando refere que “A comissão de serviço cessou por vontade do A./Recorrente”.
Pelo contrário, deveria ter referido “A comissão de serviço suspendeu-se por facto imputável ao A./Recorrente”. Melhor dizendo a relação de trabalho existente (aquele concreto contrato de trabalho naquela concreta modalidade de comissão de serviço) não cessou pelo facto de o A./Recorrente ter sido requisitado para exercer as funções de Vereador de uma Câmara, simplesmente suspendeu-se por aquele motivo imputável ao trabalhador.
12- A suspensão do contrato de trabalho por impedimento temporário por facto imputável ao trabalhador visa proteger direitos fundamentais (como é o caso do exercício direitos de participação politica) cujo exercício se mostra incompatível com a normal execução da prestação de trabalho ficando garantido ao trabalhador o “direito ao lugar” ficando o empregador a obrigação de “guardar o lugar”
13-Terminada a requisição na Câmara Municipal ..., isto é o período de suspensão do contrato de trabalho, deveria o A./Recorrente ter regressado às funções de Responsável de Atendimento e Distribuição (RAD) que desempenhava antes da requisição, pois era esse o seu lugar, ou a funções equivalentes com o inerente pagamento do subsídio de chefia.
14-Porém tal assim não aconteceu e a Ré/Recorrida decidiu manter o A./Recorrente na mais completa inatividade, retirando-lhe o subsídio de chefia.
15-Mal andou por isso a sentença recorrida quando julgou improcedente o pedido de condenação da Ré/Recorrente no pagamento do subsídio de chefia. Violou a sentença recorrida o disposto no art. s 333 nº4 e 334 do CT em vigor à data (Lei n.º 99/2003 de 27 de agosto) atual nº5 do art. 296 do CT. Sem prescindir.
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16- Por via do estatuto dos eleitos locais e dos direitos conferidos aos titulares de cargos públicos e políticos, sempre o A./Recorrente teria, no final da requisição e no regresso à atividade na Ré/Recorrida, direito a manter as regalias e direitos laborais de que usufruía à data da requisição e logo receber o subsídio de chefia. Na verdade,
17-O exercício das funções de Vereador a tempo inteiro em Câmara Municipal consubstancia o exercício de um cargo público e político (art.s 1º, nº2 al. f) da Lei 64/93 de 26.8).
18-Ao Vereador, enquanto titular de cargo político, são conferidos direitos, regalias e imunidades (cf. os artigos 117.º, n.º 2 da CRP), isto é, direitos subjetivos, os quais seria injusto postergar por causa da sua dedicação à causa pública sob pena de assim não ser, criar-se para quem desempenha tais cargos prejuízos gravosos ou uma situação de desigualdade em face dos restantes cidadãos.
19-Os direitos subjetivos conferidos aos Vereadores uma vez finda a sua atividade pública e politica estão consignados nos artigos 50º nº 2 da Constituição da República Portuguesa; 9º nº 5 do DL 87/92 de 14 de dezembro; 22 nº1 e 3 da Lei n.º 29/87, de 30 de junho; 31º nº1 da Portaria n.º 706/71 de 18 de dezembro e Cláusula 212ª nº 3 do AE entre os X – CORREIOS SA e o SNTCT e outros - Alteração Salarial e outras in BTE 1ª Série nº30, 15/08/2000.
20-Face a tais disposições legais, também por aqui, uma vez terminada a requisição na Câmara Municipal ..., isto é o período de suspensão do contrato de trabalho, deveria o A./Recorrente ter regressado às funções de Responsável de Atendimento e Distribuição (RAD) ou equivalentes que desempenhava antes da requisição, pois era esse o seu lugar, com o inerente pagamento do subsídio de chefia
21-Violou por isso a sentença recorrida estatuto dos eleitos locais enquanto titulares de cargos públicos e políticos previstos nos artigos 50º nº 2 da Constituição da República Portuguesa; 9º nº 5 do DL 87/92 de 14 de dezembro; 22 nº1e 3 da Lei n.º 29/87, de 30 de junho; 31º nº1 da Portaria n.º 706/71 de 18 de dezembro e Cláusula 212ª nº 3 do AE entre os X – CORREIOS SA e o SNTCT e outros - Alteração Salarial e outras in BTE 1ª Série nº30, 15/08/2000.
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22-Refere a sentença recorrida que o A./Recorrente ao aceitar ser remunerado pela Câmara Municipal denunciou tacitamente a comissão de serviço. Mas não tem razão.
23-Estipula o art.217°, n.°1, do C. Civil que a declaração negocial pode ser expressa ou tácita, sendo tácita quando se possa deduzir de factos que, com toda a probabilidade a revelem. Nos termos do art.236° do C.Civ. a declaração deve estar de acordo com a teoria da impressão do destinatário, ou seja, com o sentido que um declaratário normal colocado na posição do real declaratário, podia deduzir do comportamento do declarante, à luz dos ditames da boa fé e das circunstâncias atendíveis no caso.
24-A sentença recorrida elegeu os comportamentos descritos nos factos “o” a “t” dos Factos Provados, como sendo aqueles de onde, com toda a probabilidade, se pode retirar, em sede de declaração tácita, que o A./Recorrente denunciou a comissão de serviço
25-Acontece que, estes comportamentos não podem considerar-se, concludentes quanto à vontade do A./Recorrente de denunciar a comissão de serviço, de modo a – com toda a probabilidade –revelarem a referida vontade de por fim à comissão de serviço – ou seja tal factualidade não preenche o critério normativo de que depende, nos termos do nº1 do art. 217º do CC, a existência de uma declaração negocial tácita. Na verdade
26-A declaração tácita é admitida como modalidade de declaração negocial, a par da declaração expressa – “feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio direto de manifestação de vontade” -, definindo-a a lei como aquela que se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam” – art. 217º-2 C. Civil.
27-A declaração tácita será, então, constituída por um “comportamento do qual se deduza com toda a probabilidade a expressão ou a comunicação de algo, embora esse comportamento não tenha sido finalisticamente dirigido à expressão ou à comunicação daquele conteúdo.
28-Tal comportamento declarativo pode estar contido ou ser integrado por comunicações escritas, verbais ou por quaisquer atos significativos de uma manifestação de vontade, incorporem ou não uma outra declaração expressa. Há-de, porém, tratar-se de comportamentos positivos, compreendidos com um valor negocial e que neles se não vislumbre uma finalidade diretamente dirigida ao negócio jurídico em causa
29-A declaração negocial tácita é questão de direito, a resolver em sede de interpretação, segundo os critérios acolhidos pelo art. 236º C. Civil. Tratando-se de declaração receptícia, a declaração há-de valer com o sentido que um declaratário razoável (normalmente esclarecido e diligente), colocado na concreta posição do real destinatário, lhe atribuiria (impressão do destinatário).
30-Na determinação da concludência do comportamento em ordem a apurar o respetivo sentido, nomeadamente enquanto declaração negocial que dele deva deduzir-se com toda a probabilidade, é entendimento geralmente aceite que a inequivocidade dos factos concludentes não exige que a dedução, no sentido do autorregulamento tacitamente expresso seja forçosa ou necessária, bastando que, conforme os usos do ambiente social, ela possa ter lugar com toda a probabilidade, devendo ser aferida por um critério prático, baseada numa conduta suficientemente significativa e que não deixe nenhum fundamento razoável para duvidar do significado que dos factos se depreende.

Revertendo para os autos

31-No caso dos autos, os comportamentos tidos pelo Tribunal recorrido como concludentes da vontade do A./Recorrente em denunciar a comissão de serviço são manifestamente insuficientes para suportar tal conclusão, já que deles não resulta – segundo os critérios práticos e de razoabilidade que nesta sede têm de ser seguidos – que a A./Recorrente tivesse efetivamente querido denunciar a comissão de serviço alterando a modalidade de contrato de trabalho que o vinculava à Ré/Recorrida.
32-É que, excluindo a hipótese que o A./Recorrente, não estivesse no seu perfeito juízo, o que não era o caso, dificilmente se compreenderá que podendo o A./ Recorrente no regresso à atividade na Ré/X, uma vez finda a requisição, usufruir de um nível retributivo superior por via da comissão de serviço, tivesse por iniciativa sua, querido por fim a uma tal situação.

Acresce que,
33-Resulta da sentença recorrida que, durante o período da requisição, para o A./Recorrente existia a possibilidade de escolha, entre ser remunerado pela Ré/X ou pela Câmara Municipal ou até optar peja remuneração de origem nos X.
Porém o direito de opção pela entidade remunerante ou pela remuneração do lugar de origem não existia e até não faria qualquer sentido o A./Recorrente por um lado estar a trabalhar na Câmara Municipal e por outro estar a ser remunerado pela Ré/X.
34-Estatuto dos Eleitos Locais, aprovado pela Lei n.º 29/87, de 30 de junho, não contempla para estes titulares o direito de opção pela remuneração do lugar de origem, apenas nele se consagra o direito de opção pelo regime de segurança social da atividade profissional do eleito local (artigo 13.º, n.º 1)
35- No passado, o direito conferido aos eleitos locais de poderem optar pelo vencimento do cargo de origem foi institucionalizado pela alínea a) do nº 1 e n.° 2 do artigo 3.º da Lei n.º 9/81, de 26 de junho, diploma que fixou então as remunerações dos eleitos locais.
36-Porém, posteriormente, pela Lei n.º 29/87, de 30 de junho, foi aprovado o Estatuto dos Eleitos Locais que, não obstante ter mantido por mais algum tempo aquele direito, o mesmo veio a ser extinto com a revogação da Lei n.º 9/81, suprarreferida, levada a efeito pelo artigo 26. ° daquele Estatuto, salvaguardando, no entanto, a sua vigência até às eleições gerais autárquicas realizadas a 17 de dezembro de 1989.
37-Por isso quando o recorrente comunicou que pretendia ser remunerado pela Câmara Municipal, mais não afirmou do que aquilo que estava na lei. Dito isto,
38-O real declaratário Ré/X nas condições concretas em que se encontrava e tomando em conta os elementos que conheceu efetivamente, mais os que uma pessoa razoável, normalmente esclarecida, zelosa e sagaz, poderia conhecer, jamais interpretaria a aceitação por parte do A/Recorrente da nomeação para as funções de vereador ou a opção pela remuneração da Câmara Municipal, como uma denuncia da comissão de serviço.
39-É que não podemos esquecer que, nas comunicações expedidas à Ré/Recorrida dadas por provadas nas alíneas q) e s) dos factos provados, sempre foi referido que a requisição do A./Recorrente acontecia ao abrigo do Estatuto dos Eleitos Locais previsto da Lei 29/87 de 30 de junho
40-Não é crível que o” real declaratário X” com a estrutura e corpo jurídico de que todos sabemos que dispõe, não conhecesse os direitos conferidos aos titulares de cargos públicos e políticos neste caso dos eleitos locais, designadamente os de não podem ser prejudicados na respetiva colocação ou emprego permanente por virtude do desempenho dos seus mandatos.
41-Ao considerar que o comportamento do A./Recorrente configurou uma "denúncia tácita da comissão de serviço", a decisão recorrida aplicou erradamente não só o artº 217, n° 1, do Código Civil, na parte em que estabelece que a declaração negocial pode ser tácita quando "se deduz de factos que, com toda a probabilidade a revelam", como também o artº 236/1, por tal sentido não corresponder àquele que um declaratário normal lhe atribuiria.
42- É proibido ao empregador obstar injustificadamente à prestação efetiva de trabalho [art. 122º, b), CT/2003, e art. 129º, nº 1, b), CT/2009].
43-Vem sendo entendimento assente que o problema da ocupação efetiva do trabalhador não decorre de toda e qualquer situação de inatividade deste, mas apenas surge naquelas situações em que o empregador, de forma deliberada e independentemente de qualquer causa objetiva ligada às vicissitudes da atividade empresarial, nada lhe dá para fazer.
44-Resulta claramente que o A./Recorrente entre 2005 e 2009 esteve em situação de completa inatividade e depois entre 2009 e 2016 esteve em situação de vazio funcional em que, com carácter residual, cumpria apenas tarefas pontuais e esporádicas. De facto, só em setembro 2016 o A./Recorrente finalmente passou a exercer funções de quadro superior Especialista I (Pontos nn), oo) e pp) dos Factos Provados.
45-A este propósito não podemos deixar desde logo de assinalar uma evidente contradição na argumentação da sentença. É que, se como se diz na sentença, a comissão de serviço de RAD se extinguiu para o A./Recorrente quando ele foi requisitado para a Câmara Municipal, nenhum reflexo poderia ter a posterior extinção do cargo de RAD na inatividade do A./Recorrente quando regressou à empresa. De facto, a sentença recorrida
46-Para efeitos de não reconhecimento do direito ao subsídio de chefia, o tribunal recorrido concluiu que a comissão de serviço terminou quando o A./Recorrente aceitou as funções de Vereador
47-Mas já, para não reconhecer o direito a uma indemnização pela violação do dever de ocupação efetiva após o regresso do A./Recorrente e justificar a sua não ocupação, o Tribunal recorrido invoca” outras circunstâncias, designadamente relacionadas com uma restruturação da empresa que resultou na extinção do cargo de chefia RAD”
48-O tempo médio da carreira laboral de qualquer trabalhador é de cerca 40 anos e o A./Recorrente esteve 11 anos divididos entre inatividade e vazio funcional.
49./Nenhuma restruturação de empresa pode justificar que um trabalhador esteja cerca de um quarto da sua carreira profissional na prateleira inativo ou esvaziado de funções. O trabalho é um meio de realização pessoal e tendo em conta que deve ser respeitada a dignidade da pessoa do trabalhador, para a entidade empregadora surge um verdadeiro dever de ocupação efetiva que se traduz num dever de diligência de o conservar condignamente ocupado. Acresce que
50-Não tem rigor, dizer como o faz a sentença recorrida que o A./Recorrente se opôs às propostas de ocupação que a Ré lhe fez. Desde logo porque não foram “propostas” de ocupação, foi uma única proposta de ocupação no sentido de ceder o A./Recorrente a uma empresa associada- a Payshop.
51-O A./Recorrente não estava obrigado a aceitar e ir trabalhar para uma empresa associada que não lhe oferecia as garantias da Ré/X. Não pode, portanto, tal proposta ser considerada relevante para efeitos de imputar ao A./Recorrente responsabilidade ou coresponsabilidade na sua inatividade. Diferente seria se a Ré/Recorrida lhe tivesse apresentado uma proposta para o exercício das funções que vinha exercendo ou equivalentes dentro da própria empresa.
52-Ora, face ao exposto, é inquestionável que a Ré/Recorrida, ao não atribuir funções ao A./Recorrente violou o direito do A./Recorrente à ocupação efetiva. E se considerarmos que tal situação perdurou por mais de 11 anos, temos que concluir que se tratou de uma violação grave, como tal indemnizável face ao estatuído no art. 496º, nº 1 do CC.
53-Assim a sentença recorrida violou o disposto no art. 122º, b), CT/2003, 129º, nº 1, b), CT/2009 e 496º, nº 1 do CC.
54-Revogando a sentença recorrida, proferindo-se acórdão que acolha as conclusões precedentes e condene a Ré/Recorrida nos pedidos formulados na PI
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Em contra-alegações sustenta-se a manutenção do julgado.
Neste tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da procedência quanto à factualidade e improcedência quanto ao fundo da questão.
Colhidos os vistos das Ex.mas Sras. Adjuntas há que conhecer do recurso.
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Factualidade:

a) Nos termos do art. 3º nº 1 dos Estatutos da Ré esta tem por objeto:
- assegurar o estabelecimento, gestão e exploração das infraestruturas e do serviço público de correios;
- o exercício de quaisquer atividades que sejam complementares, subsidiárias ou acessórias das referidas na alínea anterior, bem como de comercialização de bens ou de prestação de serviços por conta própria ou de terceiros, desde que convenientes ou compatíveis com a normal exploração da rede pública de correios, designadamente a prestação de serviços da sociedade de informação, redes e serviços de comunicações eletrónicas, incluindo recursos e serviços conexos;
- a prestação de serviços financeiros, os quais incluirão a transferência de fundos através de contas correntes e que podem também vir a ser exploradas por um operador financeiro ou entidade parabancária a constituir na dependência desta sociedade.
b) No dia 9 de julho de 1981, o A. foi admitido verbalmente ao serviço da Ré com o nº Mec. ..., para, sob as suas ordens, direção e fiscalização lhe prestar o seu trabalho mediante uma retribuição mensal, cujo vencimento base é atualmente de € 2.115,93.
c) Na altura o A. foi contratado para exercer as funções inerentes ao grupo profissional/categoria de Técnico de Exploração Postal (TEX) na estação de correios de Vila do Conde.
d) Como Técnico de Exploração Postal (TEX), o A. executava todas as operações relativas à receção, expediente, conferência, tratamento e registo de correspondência, objetos e encomendas postais, recibos, títulos, cobranças, valores declarados e outros; procedia a todas as tarefas inerente à emissão, registo e pagamento de vales, certificados de aforro, Caixa … Postal, serviço da … e outros; procedia à aceitação, registo, transmissão, receção e cobrança de todo o serviço telegráfico e de comunicações telefónicas; efetuava serviço de filatelia e venda de selos e de outras formas de franquia; procedia à recolha transporte e entrega de fundos e ao delineamento e atualização dos itinerários de giros de distribuição postal. Executava tarefas de carácter administrativo, incluindo dactilografia, e apoio à exploração postal, bem como outras tarefas da mesma natureza, nomeadamente operações de contabilidade e mapas estatísticos, processamento de vencimentos e outros abonos e inventários de bens patrimoniais; colaborava no controle de serviços na elaboração de planos, programas, orçamentos e relatórios de atividade e instruía processos. Sempre que necessário, informava, aconselhava e esclarecia os utentes, no âmbito das suas tarefas, na salvaguarda da imagem da empresa
e) Em fevereiro de 1997, foi transferido para a Estação de Correios de … em Braga onde mudou de grupo profissional passando então a desempenhar funções no grupo profissional de Assistente de Gestão (ASG).
f) Como ASG, o A. exercia atividades que requeriam elevados conhecimentos técnicos no domínio da exploração postal, financeira, comercial e outras de natureza estratégica para a empresa, recebendo orientação e controlo sobre a aplicação dos métodos e precisão dos resultados. Colaborava com outros profissionais em matérias que exigiam conhecimentos técnicos no âmbito da sua especialização, participava em ações que visavam o desenvolvimento da organização e metodização do trabalho, designadamente na formação e coordenação técnico/funcional de outros trabalhadores ou supervisão de trabalho.
g) Após um curso/estágio ministrado pela R. no qual participaram outros colegas de trabalho do A., em 4 de novembro 1998 o Conselho de Administração da Ré nomeou o A., em comissão de serviço, para o cargo de chefia de Responsável de Atendimento e Distribuição (RAD).
h) Conforme constava da comunicação interna de recrutamento da R. as funções de RAD – que efetivamente o A. desempenhou – eram as seguintes:
- apoiar os Chefes de Estação e de CDP (Centro de Distribuição Postal) no desempenho e gestão destes, garantindo a qualidade de serviço, produtividade e rentabilidade de acordo com as orientações e objetivos definidos;
- fixar com os Chefes de Estação e de CDPs os objetivos a atingir nas vendas por produto e custos de exploração, bem como níveis de qualidade do atendimento das EC da sua área de competência;
- coordenar a atividade da distribuição efetuada por terceiros, garantindo o cumprimento dos contratos;
- promover as ações de informação e formação de todo o pessoal das Estações e CDPs;
- assegurar a implantação nas Estações e nos CDPs dos projetos de modernização e otimização da rede de distribuição, de novos métodos e processos de organização e gestão das Estações e dos CDPs e das novas metodologias de distribuição;
- assegurar uma correta articulação com as Estações de Correio, Centros de Tratamento de Correspondências e Transportes no sentido de melhorar a qualidade de serviço e diminuir os custos operativos, estabelecendo os protocolos e acordos necessários.
i) Na comunicação interna de recrutamento da Ré para o cargo de RAD, foram definidos como requisitos para o desempenho do cargo: pertencer a um grupo profissional que possua experiência significativa em funções de gestão direta de coordenação funcional ou de apoio técnico às operações realizadas na Distribuição; acentuada vocação para organização industrial; conhecimentos de informática na ótica do utilizador; carta de condução de veículos ligeiros.
j) À data em que o Autor assumiu o cargo do RAD, o cargo de chefia era remunerado de forma autónoma, e além dessa remuneração, podia ou não ser atribuído um subsídio de chefia.
k) Com a nomeação para o cargo de RAD:
- passou a ser remunerado pelo cargo;
- passou a auferir um subsídio mensal de chefia no montante de € 225,00;
- passou a ser avaliado como quadro superior dependendo hierarquicamente diretamente do Diretor da Ré;
- foi-lhe atribuída pela Ré uma viatura de serviços gerais (VSG), que o autorizou a utilizar aquele veículo da sua residência para o local de trabalho, e vice-versa, suportando os respetivos encargos com combustível, manutenção, reparações e seguros;
- foi-lhe atribuído pela Ré um telemóvel de serviço, que poderia utilizar na sua vida particular, com um plafond de € 50,00.
l) Em 2000, ainda no desempenho do cargo de RAD, o A. mudou de grupo profissional para Especialista Postal (EPT), continuando, no entanto, a desempenhar o cargo de RAD, como vinha acontecendo até aí.
m) Acontece que, na sequência das Eleições Autárquicas de 16 de dezembro de 2001, o A. foi eleito Vereador da Câmara Municipal ....
n) Porém não assumiu logo funções, continuando ao serviço da Ré.
o) Em 2003 o Executivo Municipal da Câmara da …, aprovou uma proposta no sentido de nomear o A. para o exercício de funções de Vereador em Regime de Tempo Inteiro, a partir do dia 1 de outubro de 2003.
p) O A. aceitou a nomeação.
q) Assim, no dia 3 de outubro de 2003, a Câmara Municipal ... expediu à Ré um fax, tendo por assunto “Requisição para o exercício de cargo político B. M., nº Mec. ...”, com o seguinte teor: “Comunica-se a Vª Exª que o Executivo Municipal aprovou uma Proposta do respetivo Presidente no sentido de nomear o Exmº Senhor B. M. para o exercício de funções de Vereador em Regime de Tempo Inteiro a partir do dia 1 de outubro de 2003. Assim uma vez que se trata de um funcionário vinculado à V. empresa vimos por este meio solicitar a V. Exªs se dignem autorizar a respetiva REQUISIÇÃO por força das disposições conjugadas dos artigos 1º, nº 2, al. F) e artigo 4º da Lei nº 64/93, de 26 de agosto e artigos 2º e 3º da Lei nº 29/87, de 30 de junho.”
r) Por fax de 06/10/2003, o Autor comunicou à Ré que pretendia:
- ser remunerado pela Câmara Municipal ...;
- manter a assistência pela PT/ACS;
- manter a quotização para o CDCR; e
- suspender a quotização para o sindicato.
s) Ainda, no dia 8 de outubro de 2003, a Câmara Municipal ... remeteu à Ré um fax, tendo por assunto “B. M. – Nº MEC....”, com o seguinte teor:
“Comunico a Vª Exª que o Sr. B. M., funcionário dessa Entidade, passou a exercer as funções de Vereador em Regime de Tempo Inteiro nesta Câmara Municipal desde 1 de outubro corrente, tendo optado pelo vencimento nesta autarquia a partir daquela data.
Informo ainda que o subsídio de Natal (para os eleitos Locais chamado de subsídio extraordinário) ser-lhe-á integralmente pago no mês de novembro por esta Câmara Municipal, conforme previsto no artigo 6º da Lei nº 29/87, de 30 de junho (Estatuto dos Eleitos Locais).”
t) No dia 20 de outubro de 2003, a Ré remeteu um fax à Câmara Municipal ..., tendo por assunto “Requisição do Sr. B. M. para o exercício das funções de Vereador na Câmara Municipal de …”, com o seguinte teor:
“Exmº Senhor,
Na sequência do fax de Vª Exª de 3.10.2003, relativamente ao assunto acima referenciado, incumbe-me o Conselho de Administração de informar que, nos termos do disposto nos diplomas legais ao caso aplicáveis, deliberou dar a sua anuência à requisição do trabalhador desta empresa, Sr. B. M. (nº mec....), para o exercício de funções de Vereador nessa Câmara Municipal, em Regime de tempo Inteiro, com efeitos a partir de 01 de outubro de 2003.”
u) No mês que precedeu (setembro de 2003) o início de funções do A. como Vereador da Câmara Municipal ..., entre outras remunerações e retribuições, auferiu ao serviço da Ré € 1.712,90, a título de vencimento base e € 225,00, a título de subsídio de chefia.
v) Pelo que, passou assim o A., a partir de 01 de outubro de 2003, a exercer as funções de Vereador, em Regime de Tempo Inteiro na Câmara Municipal ....
w) Aproximando-se o fim de mandato de Vereador na Câmara Municipal ..., em outubro de 2005 o A. solicitou à Ré, na pessoa dos seus diretores A. M. e A. B., que o informasse onde devia apresentar-se no dia 3 de outubro de 2005, data da cessação de funções na Câmara Municipal ....
x) Em outubro de 2005, as alterações à estrutura da Ré tinham eliminado a função de RAD/RN, tendo a Rede outro enquadramento.
Y – Alterado: “Foi realizada com o Autor uma reunião em meados de 2006, no sentido de lhe proposto ser cedido à Payshop, empresa associada da Ré, onde exerceria função compatível com a sua categoria profissional, como gestor de rede, e uma outra reunião em 2009, no sentido de o recolocar, na sequência da qual, foi recolocado nas ..., Vila Nova de Gaia”
z) – Alterado: Mas como Autor e Ré não chegaram a acordo quanto à possibilidade de colocação na Payshop, foi decidido pela Ré que permaneceria em casa a aguardar colocação condizente com a sua carreira profissional, tendo ficado dispensado de comparecer ao serviço até se concretizarem as diligências para a sua colocação”
aa) Através de comunicação escrita datada de 10.11.2005, a Ré comunicou ao A. que: “acusamos a receção de ofício em que a Câmara Municipal comunica a cessação de funções no dia 31 de outubro de 2005, considere-se, assim, apresentado ao serviço dos X - Correios SA, na sequência da cessação da requisição, com dispensa do dever de assiduidade, até que lhe seja enviada comunicação em contrário.”
bb) No regresso ao serviço da Ré, esta retirou-lhe a viatura, o telemóvel com o plafond de € 50,00 e o subsídio de chefia no montante de € 225,00 mensais.
cc) Subsídio e retribuições estas que o A. sempre recebeu entre o período de 1998 e 2003.
dd) Inconformado, o A. via e-mail, expedido ao Diretor da Ré A. M., em 21 de dezembro de 2005, referiu que o vencimento que lhe havia sido abonado não estava correto.
ee) Não obteve qualquer resposta por parte da Ré.
ff) Assim, entre 1 de novembro de 2005 e 2 de março de 2009 esteve dispensado pela R. do dever de assiduidade.
gg) Durante este período a Ré não atribuiu quaisquer tarefas ao A. permanecendo este sem funções, tarefas e/ou qualquer atividade distribuída pela Ré, não recebendo qualquer ordem, instrução, orientação, diretiva, tão-pouco produzindo qualquer trabalho, estudo, informação ou relatório.
hh) Durante este período os únicos contactos que o A. recebeu do R., foi no sentido da indicação dos respetivos períodos de férias.
ii) Até que, datada do dia 9 de fevereiro de 2009, o A. recebeu da Ré uma carta com o seguinte teor:
“Assunto: Novo enquadramento laboral.
No âmbito da otimização do potencial de trabalho, a empresa pretende contar, na sua força de trabalho, com todos os seus colaboradores.
Neste contexto, decidiu acionar o regresso ao ativo de todos os trabalhadores que ainda se encontram dispensados do dever de assiduidade, cumprimento do horário e prestação de trabalho.
Assim, vem a empresa X informar da revogação do acordo informal de suspensão do contrato de trabalho que mantém desde 2004.
Assim no dia 2 de março de 2009 às 9:30h deverá apresentar-se na GSCN-APE-Dr.ª E. T. no Edifício X, sito Rua ... nº … em Vila Nova de Gaia no com vista à retoma do exercício de funções inerentes à sua categoria profissional e à plenitude do seu vínculo contratual.”.
jj) No dia 2 de março de 2009 pelas 9,30 horas, apresentou-se na GSCN-APE (Gestão de Serviço ao Cliente Norte) no Edifício X, sito Rua ..., nº …, em Vila Nova de Gaia.
kk) Enquanto o A. esteve no GSCN-APE-( Gestão de Serviço ao Cliente Norte), no Edifício X, sito Rua ..., em Vila Nova de Gaia, a Ré atribuiu-lhe a tarefa de dar apoio executivo à Dr.ª. E. T., fazendo o que esta lhe pedia, nomeadamente preparando informações.
ll) Permanecia diariamente num gabinete, dispondo de computador pessoal e telefone.
mm) Em 2 de Novembro de 2009 a R. transferiu o A. para Braga ficando este na dependência da GSCN até se extinguir esta Direção, em 2013, que deu lugar à Coordenação Comercial Norte.
nn) Finalmente em setembro de 2016 o A. passou a integrar a Direção de Otimização e Suporte da Ré, na área das Receitas e Gastos.
oo) Desde essa altura, exerce funções de quadro superior Especialista I Grau de qualificação V.
pp) Como Especialista I, no âmbito da Responsabilidade, o trabalho é atribuído ao A. com especificações e enquadramentos técnicos de pormenor, a partir dos quais atua com relativa autonomia. É sujeito a supervisão técnica frequente por parte do responsável imediato. Encarrega-se, esporadicamente, de garantir as articulações interfuncionais. Pode por vezes coordenar tecnicamente profissionais de qualificação igual ou inferior à sua. No âmbito do Posicionamento estratégico o A. subordina o desenvolvimento dos seus trabalhos à observância dos enquadramentos de estratégia e de política empresarial que lhe são transmitidos, seguindo os planos e processos de atuação da sua unidade de colocação. Determina, com o responsável imediato, a sequência de atividades mais ajustada à consecução dos objetivos fixados, agindo numa perspetiva temporal de curto prazo, por norma decorrente do trabalho técnico especificamente atribuído. No âmbito da Excelência técnica o A. deteta, analisa e trata os detalhes técnicos necessários à elaboração dos seus estudos e pareceres, por norma respeitantes à resolução de problemas confinados à área funcional respetiva. Presta atenção a factos e tendências envolventes que possam influenciar o seu trabalho. Atende a ideias de inovação, que procura incorporar na atuação prática, e age sobretudo a nível da execução técnica especializada. Possui a noção clara de que as necessidades do cliente, para o qual se acha orientado, deverão ser satisfeitas de forma adequada.
qq) Entre novembro de 2005 e setembro de 2016 a Ré não pagou ao A. qualquer quantia a título de subsídio de chefia.
***
Conhecendo do recurso:

Nos termos dos artigos 635º, 4 e 639º do CPC, o âmbito do recurso encontra-se balizado pelas conclusões do recorrente.

Questões colocadas:
- Alteração da decisão relativa à matéria de facto.
- Deve ser alterado o teor dos pontos y), z), kk).

Devem ser aditados os factos; “Já em Braga até setembro de 2016 a Ré atribuiu ao A., com caracter esporádico, algumas tarefas, permanecendo o A. sem funções”; “Esta inatividade e a exposição da mesma, vexaram o A. ferindo-o no seu orgulho profissional”; e “A inatividade forçada e o afastamento das funções que aí exercia, há muitos anos, abalou psicologicamente o A.”
- Direito ao lugar de chefia ocupado em comissão de serviço aquando do regresso das funções exercidas no Município, em exercício de função politica, e respetivo subsídio.
- Direito a indemnização por dano patrimonial em virtude da situação de manutenção em inatividade.
***
- Alteração da decisão relativa à factualidade.
- Deve ser alterado o teor dos pontos y), z), kk).
Ponto y)
“Foram realizadas reuniões com o Autor, no sentido de averiguar que postos de trabalho reuniam a sua preferência.”

Pretende alteração para:
“Foi realizada com o Autor uma reunião no sentido de lhe proposto ser cedido à Payshop, empresa associada da Ré e uma outra reunião no sentido de o recolocar, na sequência da qual, foi recolocado nas ..., Vila Nova de Gaia”
z) Mas, como o Autor recusou as propostas de colocação feitas, foi decidido pela Ré que permaneceria em casa a aguardar colocação condizente com a sua carreira profissional, tendo ficado dispensado de comparecer ao serviço até se concretizarem as diligências para a sua colocação.

Pretende seja alterada para:
“Mas como Autor e Ré não chegaram a acordo quanto à possibilidade de colocação na Payshop, foi decidido pela Ré que permaneceria em casa a aguardar colocação condizente com a sua carreira profissional, tendo ficado dispensado de comparecer ao serviço até se concretizarem as diligências para a sua colocação”
Vejamos. A M. H. referiu que na altura, em 2009, estava nos recursos humanos sendo responsável pela recolocação de pessoal. Aludiu a que havia pessoal que estava com suspensão de prestação efetiva de funções por força quer da reestruturação da empresa quer de pessoal regressado de requisições. Refere uma reunião com o autor em 2008, aludindo à recolocação deste em março de 2009 na Gestão de Serviço ao cliente em Gaia. Referiu que qualquer trabalhador poderia procurar ser reintegrado em qualquer função de acordo com a sua qualificação. Referiu saber que em 2006 foi feita proposta ao autor no sentido de exercer funções na Payshop, que não se concretizou porque o autor terá posto condições que a empresa não poderia aceder para as funções a exercer.
O A. M. referiu o processo de racionalização havido na empresa, tendo as funções que o autor exercia como RAD sido centralizadas. Tais funções foram absorvidas pelos diretores de zona. Aquando do regressado do autor as direções de zona estavam todas preenchidas. Esclareceu que um RAD podia não ir ocupar o cargo de diretor de zona, embora tal tenha ocorrido com vários, porquanto as funções não eram correspondentes, dando ideia de maior abrangência e responsabilidade. Quando o autor regressou, disse, regressou para as funções correspondentes à sua categoria profissional, ficando em casa dispensado do dever de assiduidade, porque não era “fácil” arranjar trabalho tendo em conta a categoria. Esclareceu que não houve da parte do autor qualquer manifestação explícita da vontade de exercer funções efetivas. Em 2006 o depoente apresentou ao autor a possibilidade de ir trabalhar para a empresa Payshop, na altura totalmente detida pela ré, com cargo compatível, como gestor de rede, com condições que tinha na ré, designadamente subsídio de chefia equivalente. Referiu que o autor pôs condições que a empresa não podia aceitar.
O autor confirma as reuniões, o primeiro contacto em junho de 2006, confirmando que o cargo oferecido na Payshop era equivalente. Aludiu à mudança na estrutura da ré, referindo, contudo, que as funções os antigos Rads passaram para o diretor de zona (DZ). O depoimento e no que se refere às condições remuneratórias não é totalmente coincidente com o do depoente A. M.. Refere o contacto de fevereiro de 2009 e a colocação em Gaia, com a Drª E. T..
Da prova resulta apenas terem ocorrido os dois contactos referidos, podendo estes embora estar desdobrados em várias negociações. Resulta ainda, circunstância aliás não contestada, que o lugar oferecido na Payshop era compatível com a sua categoria profissional, tratando-se até de uma chefia.

Assim alteram-se os factos nos seguintes termos:

Y - “Foi realizada com o Autor uma reunião em meados de 2006, no sentido de lhe proposto ser cedido à Payshop, empresa associada da Ré, onde exerceria função compatível com a sua categoria profissional, como gestor de rede, e uma outra reunião em 2009, no sentido de o recolocar, na sequência da qual, foi recolocado nas ..., Vila Nova de Gaia”
z) - Mas como Autor e Ré não chegaram a acordo quanto à possibilidade de colocação na Payshop, foi decidido pela Ré que permaneceria em casa a aguardar colocação condizente com a sua carreira profissional, tendo ficado dispensado de comparecer ao serviço até se concretizarem as diligências para a sua colocação”
***
kk) Enquanto o A. esteve no GSCN-APE-( Gestão de Serviço ao Cliente Norte), no Edifício X, sito Rua ..., em Vila Nova de Gaia, a Ré atribuiu-lhe a tarefa de dar apoio executivo à Dr.ª. E. T., fazendo o que esta lhe pedia, nomeadamente preparando informações.

Pretende seja considerado:
“Enquanto o A. esteve no GSCN-APE- (Gestão de Serviço ao Cliente Norte), no Edifício X, sito Rua ..., em Vila Nova de Gaia, a Ré, por intermédio da Drª E. T., com carácter esporádico e residual solicitou-lhe a realização de tarefas relacionadas com a preparação de informação”.
Refere os depoimentos de A. R., F. L., A. P., M. F., P. M., E. T. e do autor.
Pretende ainda o autor seja considerado provado que “Já em Braga até setembro de 2016 a Ré atribuiu ao A., com caracter esporádico, algumas tarefas, permanecendo o A. sem funções”
Invoca os depoimentos de A. R., M. F., e do autor.
O depoimento do autor é conforme à sua posição assumida nos autos.
O depoente A. M., refere o regresso do autor em 2009, numa iniciativa abrangente por parte da ré para fazer regressa trabalhadores que se encontravam na mesma situação, tendo-lhe sido indicado um local de trabalho, em Gaia, na Gestão de serviços ao cliente norte, no órgão de apoio executivo à chefia, que era a Drª E. T.. Perguntado sobre se foram efetivamente atribuídas funções, remeteu a resposta para a Drª E. T. e o Drº P. M., que estariam em condições de responder.
A M. F., referiu que em Gaia as funções do autor eram de apoio executivo, não referindo pormenores.
A E. T. confirmou que dava trabalho aos colaboradores, designadamente ao autor, que procurava que as pessoas tivessem trabalho para fazer, embora, referiu, variando e podendo por vezes ocupar apenas algumas horas.
O A. R. refere achar que ele estava numa secretária sem fazer nada. O depoente não tem certezas quanto ao referido, contrariando o depoimento de E. T.. Manifestou pouco conhecimento daquilo que depoente faz mesmo atualmente, não se mostrando o depoimento suficientemente seguro e credível para contrariar o depoimento da Drª E. T. e de P. M., que confirmou a atribuição de funções, embora em matérias muito especificas e sem que ocupassem a totalidade do tempo.
O F. L., funcionário dos X, trabalhou junto com autor nas ..., em Gaia. Referiu não se lembrar “de ele ter assim grandes funções”. Referiu, contudo, que quem dava ordens era a Drª E. T. e que o autor fazia o que lhe mandavam fazer. Aludiu a que o depoente era apoio de diretores de área, tinha funções definidas, ele autor não tinha. Perguntado se o autor tinha computador, referiu que tinha. O depoimento, tendo em conta o que referiu a testemunha E. T., não é de molde a convencer no sentido de que ao autor não era distribuído serviço, nem o depoente o afirma, aliás.
A. P., igualmente colega do autor nas ..., referiu que aquando da vinda deste, não foi dada qualquer orientação para integrar o autor na equipa, que ele estava sentado à secretária sem nada atribuído. Referiu, sem certezas, que o autor demorou a ter telefone e computador atribuídos. A testemunha P. M. vai no mesmo sentido, referindo o caráter residual das funções do autor. O depoimento é algo diverso do que referiu o depoente F. L. e contrário ao da depoente E. T.. A circunstância de a ré ter tido a iniciativa de integrar o pessoal que se encontrava em casa sem funções, aponta mais no sentido do depoimento da depoente E. T., pois não teria sentido fazer a integração para a final continuar a não dar trabalho aos funcionários. O depoimento de E. T. mostra-se claro e convincente, demonstrando a mesma, atualmente já reformada, fazê-lo desinteressadamente e com verdade.
O P. M., esteve com autor quando do regresso. Na altura o depoente coordenava a direção de serviço ao cliente do Norte. O autor não dependia diretamente do depoente, mas sim da E. T., diretora de área. Foi colocado para esta equipa porque se encontrou enquadramento para categoria dele. Era a equipa de apoio executivo. Visava ajudar em questões muito especializadas. O autor trabalhava pontualmente em matérias muito especializadas, por exemplo na área da auditoria, não tinha uma ocupação diária “das 9 as 6 da tarde”, não era essa a lógica da incorporação dele. O depoimento vai no sentido de que as funções atribuídas não ocupavam todas as horas da semana, mas que na ré em certos níveis é normal ser assim, podendo os funcionários desenvolver projetos, dar contributos de forma “pró-ativa”.
Considerando a prova, resulta que embora não tendo uma função concreta e especifica atribuída, o autor exercia as funções que no apoio eram necessárias e solicitadas pela chefia, a Drª E. T.. É de manter a resposta dada.
*
Pretende o recorrente que seja considerado provado que “esta inatividade e a exposição da mesma, vexaram o A. ferindo-o no seu orgulho profissional.”
Refere os depoimentos das testemunhas A. R., A. P., e o seu próprio.
Que deve ser dado como provado que “a inatividade forçada e o afastamento das funções que aí exercia, há muitos anos, abalou psicologicamente o A.”
Refere depoimentos de A. R., A. P., F. L., e M. F..
O A. R. refere que o autor lhe dizia que se sentia em prisão domiciliária, questionando-se que “mal é que fez” para estar naquela situação. Refere acreditar que isso o abalou, dizendo,” senão não invocava o facto tantas vezes… embora seja uma pessoa bastante controlada”. Refere a frustração. Perguntado se ele se mostrava abatido, refere que “dependia dos dias”.
O F. L. refere a revolta do autor pela sua situação. O depoente A. P. refere que a disposição dele não era a melhor. A M. F. refere-se à situação em que esteve em casa, tendo sido referido pelo autor que as pessoas referiam que tinha sido despedido e “que tinha sido uma época de grande sofrimento para ele, isso ele referiu numa reunião”.
Da conjugação dos depoimentos entre si, um tanto titubeantes quanto à questão, e com o circunstancialismo provado, inexistindo qualquer foco de conflito ou tensão com a empregadora, qualquer queixa dirigida à ré; não resulta evidente os danos invocados, até por força de o autor ser pessoa de personalidade sólida e equilibrada, como se depreende o depoimento de A. R., sem embargos das naturais perturbações decorrentes das situações.
É de manter o decidido.
***
Direito ao lugar de chefia ocupado em comissão de serviço aquando do regresso das funções exercidas no Município, em exercício de função política, e respetivo subsídio.
O autor sustenta que terminada a requisição na Câmara Municipal deveria ter regressado às funções de responsável de atendimento e distribuição (RAD) ou equivalente, que desempenhava antes da requisição.
Sustenta não ocorrer denúncia tácita da comissão de serviços.
Na sentença recorrida considerou-se que a “comissão de serviço cessou por vontade do Autor e concordância da Ré, a partir do momento em que – depois de ter aceite tal nomeação – passou a exercer as funções de Vereador em Regime de Tempo Inteiro na Câmara Municipal”. Ou seja, a decisão recorrida faz equivaler o ato de aceitação da nomeação seguida de “fax do Autor endereçado à Ré a comunicar-lhe que pretendia ser remunerado pela Câmara Municipal”, como denúncia tácita da comissão de serviços.
Nos termos do artigo 217º, 1 do CC a declaração negocial pode ser expressa ou tácita, sendo tácita quando se possa deduzir de factos que, com toda a probabilidade a revelem. Por sua vez o artigo 236º do CC consagra a teoria da impressão do destinatário, nos termos da qual, a declaração vale com um sentido que um declaratário normal colocado na posição do real declaratário, podia deduzir do comportamento do declarante, à luz dos ditames da boa fé e das circunstâncias atendíveis no caso.
No caso, o raciocínio efetuado teria como implicação que o simples exercício do direito fundamental constitucionalmente consagrado de acesso a cargos públicos (artigo 50º da CRP) implicaria em sede de contrato de trabalho que esteja em vigor, uma renúncia ao cargo em que se esteja investido em comissão de serviço, o que não pode ser.
A decisão de aceitação do cargo implica o exercício de um direito fundamental, para cuja efetividade a lei consagra, como veremos, determinadas garantias, designadamente em sede de contrato de trabalho de que o cidadão em causa seja titular. A aceitação do cargo não pode, no quadro da lei portuguesa e das garantias estabelecidas para um efetivo exercício do direito consagrado no artigo 50º, 1 da CRP, implicar qualquer prejuízo ao nível da relação laboral em curso.
Não pode, pois, concluir-se dos elementos referenciados, por qualquer renúncia tácita, nem a mesma está conforme às regras da experiencia comum, não seria normal o autor renunciar a uma situação que lhe é favorável.
Quanto à referência de que pretendia ser remunerado pela Câmara, a mesma é inócua, pois por lei sempre assim seria – artigo 24º da L. 29/87 de 30/6 (Estatuto dos Eleitos locais), versão em vigor à data. A referida comunicação parece ser uma redundância do que a lei refere, tanto que à data e para os eleitos locais, nem sequer podiam optar pelo vencimento de origem conforme artigos 6º a 8º do referido diploma. A existência de opção existia apenas para o regime de segurança social, conforme artigo 13º. Ainda que houvesse tal opção, quem pagaria o vencimento, qualquer por que optasse, seria sempre a autarquia. Não ocorre qualquer declaração tácita no sentido de pôr termo à comissão de serviços por parte do autor.
***
Vejamos então. A aceitação por parte do autor em exercer o cargo de vereador em regime de tempo inteiro, e a consequente requisição efetuada pelo Município, implicaram a suspensão do contrato nos termos do artigo 3º, nº 4 do D.L. 398/83.

Referia o normativo:
(Causas e consequências da suspensão)
1 - Determina a suspensão do contrato de trabalho o impedimento temporário por facto não imputável ao trabalhador que se prolongue por mais de um mês, nomeadamente o serviço militar obrigatório ou serviço cívico substitutivo, doença ou acidente.
2 - O contrato considera-se suspenso mesmo antes de expirado o prazo de 1 mês a partir do momento em que haja a certeza ou se preveja com segurança que o impedimento terá duração superior àquele prazo.
3 - O contrato caduca no momento em que se torne certo que o impedimento é definitivo.
4 - O impedimento temporário por facto imputável ao trabalhador determina a suspensão do contrato de trabalho nos casos previstos na lei.

Já o artigo 2º deste diploma referia:
(Efeitos de redução ou suspensão)
1 - Durante a redução ou suspensão mantêm-se os direitos, deveres e garantias das partes, na medida em que não pressuponham a efetiva prestação de trabalho.
2 - O tempo de redução ou suspensão conta-se para efeitos de antiguidade.
(…)
O normativo prevê a suspensão quando o impedimento for imputável ao trabalhador, nos casos previstos na lei, o que se posteriormente foi consagrado no nº 4 do artigo 333º do CT 2003 e atualmente no nº 5 do 296º. Pretende esta norma do nº 4 abranger as situações que, embora criadas por vontade ou com concurso do trabalhador, correspondem a situações que outras normas preveem como causadoras da suspensão do contrato, designadamente o exercício de direitos fundamentais. É o caso da lei 29/87 que regula o Estatuto dos Eleitos Locais.
Sobre as consequências da cessação da suspensão do contrato de trabalho, a doutrina tem defendido que o trabalhador tem direito ao “lugar” que anteriormente ocupava. Pedro Romano Martinez, direito do trabalho in Direito do Trabalho, 2019, 9ª ed, Almedina, pág. 779 refere que, ”durante a suspensão, os direitos, deveres e garantias contratuais, que não pressuponham a efetiva realização do trabalho, subsistem (artº 295, nº 1 do CT) nomeadamente, mantêm-se os mútuos deveres de urbanidade e, em particular quanto ao trabalhador, o dever de lealdade, em relação ao empregador a obrigação de “guardar o lugar”. João Leal Amado,” Contrato de Trabalho, Noções Básicas, 2ª Ed., Almedina pág. 297, alude igualmente ao direito ao “lugar”, refere o autor: “Segundo o nº 5 do artº 296º do CT, o impedimento temporário por facto imputável ao trabalhador determina a suspensão do contrato de trabalho nos casos previstos na lei”.
Trata-se, nesta hipótese, da suspensão do contrato em virtude de um impedimento voluntário do trabalhador, através da qual se visa proteger outros direitos fundamentais cujo exercício se mostra incompatível com a normal execução da prestação de trabalho. Se o contrato não ficasse suspenso, com a inerente garantia do “direito ao lugar” tais direitos fundamentais só muito dificilmente poderiam ser exercidos pelo trabalhador- pense-se, desde logo, no desempenho de certos cargos públicos (como deputado, governante, autarca)…”
Bernardo da Gama Lobo Xavier, Curso do Direito do Trabalho, Verbo, pág. 440 e 441, refere a “preservação do direito ao lugar”. Alude a que se trata de situações que não pertencem ao normal desenvolvimento do contrato, mas à “patologia contratual”, sendo o objetivo da lei “contribuir para a estabilização da situação pela paralisação dos mecanismos desvinculativos: era o que correspondia na anterior legislação à preservação do «direito ao lugar»”.
O AE de 96 (BTE 21/96) referia na Clª 186ª, nº 3 que o trabalhador conservava o “direito ao lugar e demais regalias”.
Ainda que se entenda que a expressão “ direito ao lugar” não traduz mais que a sua significação comum, pretendendo essencialmente traduzir a ideia de que terminada a suspensão do contrato, este readquire a sua vitalidade, assistindo ao trabalhador o direito a exercer funções conformes ao seu estatuto profissional, e não propriamente direito ao mesmo posto de trabalho, ou até às mesmas funções, em sintonia com o poder de conformação da prestação laboral por parte do empregador, e dentro dos limites deste; ainda assim não pode descartar-se sem mais a comissão de serviços a que não tenha sido dado termo, ou por outra via tenha terminado, pois, como se refere na sentença recorrida, “a relação jurídica estabelecida mediante comissão de serviço tem, sem dúvida, natureza laboral”. Nas situações como a dos autos deve analisar-se a situação comissional no quadro da sua própria dinâmica.
O trabalhador deve por regra retomar a “atividade” que exercia anteriormente, não propriamente em termos de um concreto posto de trabalho, mas em termos de concretas funções exercidas. A suspensão ocorre em relação a situação laboral atual e concreta.
E se dúvidas podem suscita-se em relação às situações normais de suspensão do contrato, no concreto caso as normas próprias aplicáveis reforçam o entendimento.
Estamos face a uma suspensão cuja causa tem a ver com o exercício de um direito fundamental, constitucionalmente protegido, e com garantia constitucionalmente consagrada.
Como vimos, uma das causas imputáveis ao trabalhador que determina a suspensão do contrato de trabalho é a prevista na Lei 29/87.

Refere este diploma no artigo 22º da lei 29/87:
Garantia dos direitos adquiridos
1 - Os eleitos locais não podem ser prejudicados na respetiva colocação ou emprego permanente por virtude do desempenho dos seus mandatos.
2 - Os funcionários e agentes do Estado, de quaisquer pessoas coletivas de direito público e de empresas públicas ou nacionalizadas que exerçam as funções de presidente de câmara municipal ou de vereador em regime de permanência ou de meio tempo consideram-se em comissão extraordinária de serviço público.
3 - Durante o exercício do respetivo mandato não podem os eleitos locais ser prejudicados no que respeita a promoções, concursos, regalias, gratificações, benefícios sociais ou qualquer outro direito adquirido de carácter não pecuniário.
4 - O tempo de serviço prestado nas condições previstas na presente lei é contado como se tivesse sido prestado à entidade empregadora, salvo, no que respeita a remunerações, aquele que seja prestado por presidentes de câmara municipal e vereadores em regime de permanência ou de meio tempo.

Este normativo visa concretizar garantias quanto ao exercício do direito fundamental consagrado no artigo 50º da CRP, que no seu nº 1 refere que “todos os cidadãos têm o direito de acesso, em condições de igualdade e liberdade, aos cargos públicos”, e deve ser interpretado de acordo com a CRP. Como Refere Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 2ª ed., Almedina, Coimbra, 2001, pág 201, do principio da superioridade normativa da constituição extrai-se a “obrigatoriedade para os poderes estaduais de, ao aplicarem as leis, as interpretarem em conformidade com os direitos fundamentais”.
Este direito constitui um elemento, uma trave fundamental do sistema democrático consagrado no artigo 2º da CRP, assente no exercício democrático do poder, refletido no sufrágio universal - Artigo 10º -, no direito de participação na vida pública - artigo 48º da CRP -, sendo uma consagração do princípio da igualdade consagrada no artigo 13º da CRP, ao nível do exercício de certos cargos inerentes ao sistema democrático, sejam cargos de natureza políticos sejam outros cargos públicos, eletivos ou não.
A própria constituição no nº 2 do artigo 50º estabelece uma garantia, tendo em vista a efetividade do direito, prescrevendo que “ninguém pode ser prejudicado na sua colocação, no seu emprego, na sua carreira profissional ou nos benefícios sociais a que tenha direito, em virtude do exercício de direitos políticos ou do desempenho de cargos públicos”.
Pretende a norma que o cidadão que pretende exercer tais direitos não sofra qualquer tipo de inibição decorrente da possibilidade de qualquer prejuízo na sua profissão.
Assim é que a norma se refere a par da “carreira profissional “a “emprego” e “colocação”.
Sobre os princípios-garantia, embora referenciando outros, refere Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina, Coimbra, 6ª ed., pág 1153, que visam estabelecer direta e imediatamente uma garantia dos cidadãos, traduzindo-se em “princípios em forma de norma jurídica”, que vinculam estritamente o legislador.
Gomes Canotilho e Vitral Moreira na CRP anotada, em nota a este artigo 50º, pág. 677 da 4ª ed, referem:
“O direito a não ser prejudicado pelo exercício de cargos públicos (nº 2) implica, designadamente: (a) garantia de estabilidade de emprego, com a consequente proibição de discriminação ou favorecimento na colocação ou emprego; (b) garantia dos direitos adquiridos e, consequentemente, proibição da lesão das posições alcançadas (benefícios sociais, progressão na carreira, antiguidade); (c) direito a retomar as funções exercidas à data da posse para os cargos públicos (as quais, portanto, só podem ser providas a título interino enquanto durar o cargo público)” - realçado nosso. Logo de seguida continua-se: “Note-se que a garantia de dimensões prestacionais e estatutárias não significa imodificabilidade jurídica destas dimensões”.
Tenha-se ainda em atenção que, tratando-se de interpretar uma norma da constituição, importa convocar o princípio da máxima efetividade ou da interpretação efetiva, devendo atribuir-se à norma “o sentido que maior eficácia lhe dê”. Este principio é hoje sobretudo invocado “no âmbito dos direitos fundamentais” – Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina, cit., pág 1210. Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, p. 191, refere que o regime específico dos direitos, liberdades e garantias, reflete o intento de “proteger com especial intensidade aqueles direitos, garantindo-lhes um máximo de efetividade”.
Assim e num caso como o dos autos, a possibilidade de ao aceitar exercer cargo público, no caso um cargo de natureza política, não lhe ser garantido poder regressar ao cargo que exercia em comissão de serviço, poderia constituir uma inibição, uma limitação a tal aceitação, em violação do princípio da máxima efetividade dos direitos fundamentais em causa – tomar parte na vida política e acesso aos cargos públicos –.
O trabalhador tem o direito de “retomar as funções exercidas à data da posse para os cargos públicos”, como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira, isto ainda que tal cargo seja provido mediante comissão de serviço temporária.
Tal, contudo, não pode significar uma alteração da natureza da comissão em causa, cuja cessação poderá ocorrer após o regresso do trabalhador, nos termos normais, desde que não ocorra violação do princípio da boa-fé, e é, no que ao caso interessa, desde que tal termo não seja motivado pelo facto de o trabalhador ter exercido aquele direito fundamental; e poderá ter cessado por outros motivos.
Importa atentar na lógica e princípios norteadores do regime da comissão de serviços, cunhada com a flexibilidade, temporalidade, dependente da vontade unilateral das partes, tratando-se no que tange ao seu exercício de vínculo precário, que não confere direito a aquisição de categoria profissional nem expetativas de permanência no futuro.
Como se refere no Ac. da RL de 11/1/2012, processo nº 1041/07.2TTLSB.L1-4, que aprecia situação abrangida pelo D.L. n.º 404/91, tal como o caso dos autos, “O exercício de funções de chefia em regime de comissão de serviço é de carácter “precário”, não conferindo ao trabalhador o direito à aquisição da categoria profissional respetiva. Neste regime, a correlação estabelecida pela lei entre o exercício continuado de certas funções e a “aquisição” da categoria profissional a que elas se reportam, sofre um importante desvio, possibilitando a atribuição ao trabalhador de certas funções a título reversível, ou seja, sem que se produza o efeito estabilizador da aquisição da categoria em conformidade com o chamado princípio da irreversibilidade.
Com a comissão de serviço – cujas traves mestras são o exercício temporário de funções de direção e chefia e a reversibilidade da categoria profissional – visou-se subtrair aos aludidos princípios estruturantes aquele tipo específico de cargos. Os principais objetivos do Decreto-Lei n.º 404/91 foram precisamente os de, por um lado, garantir aos empregadores a possibilidade de recorrerem a uma figura que possibilite a temporalidade do exercício relativamente a um tipo específico de cargos e, por outro lado, afastar quaisquer dúvidas possíveis sobre a legitimidade da utilização da comissão de serviço no mundo laboral.”
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Como acima se referiu pode por outras razões ter terminado a comissão de serviços. Podem verificar-se ocorrências cuja verificação poderá implicar o termo da comissão, sem que isso represente uma violação daqueles direitos.
A comissão de serviços constitui um modo de desempenho de determinados cargos e funções, em virtude da especial relação de confiança entre empregador e trabalhador. Como refere Pedro R. Martinez, Direito do Trabalho, 9ª ed, almedina, pág. 698, essa confiança convoca uma “elevada e constante lealdade, dedicação e competência”.
Por virtude dessa especificidade tem como caraterística fundamental a sua natureza flexível, podendo cessar a todo o tempo, por iniciativa de qualquer parte, ainda que sujeita a aviso-prévio – artigo 3º, 2 do D.L. 404/91 então em vigor, dependendo atualmente ainda de comunicação escrita – atual artigo 163º do CT -. Assim, nas situações normais, como se deixou referido, se aquando do regresso do trabalhador a comissão de serviço ainda se encontra em vigor, a empregadora deve colocar o trabalhador nas funções a que a comissão de serviço se reporta.
Vejamos quanto à comissão em causa.
À data vigorava o D.L. 404/91, que veio enquadrar as comissões que alguns IRCT previam. O regime do AE era aplicável, de acordo com este regime, designadamente no que tange às normas imperativas deste. Veja-se Ac.. RL referido, onde se refere;
Antes da previsão legal do regime da comissão de serviço, era consensualmente aceite a validade dos acordos de comissão de serviço celebrados ao abrigo de instrumentos de regulamentação coletiva, nos precisos termos em que neles era regulada esta modalidade contratual.
Contudo, depois da vigência do Decreto-Lei n.º 404/91, que veio estabelecer um regime legal preciso e excecional, passou a atentar-se no princípio geral emergente do artigo 13º, n.º 1 do Decreto-Lei nº 49.408 de 24 de novembro de 1969 (LCT), nos termos do qual “[a]s fontes de direito superiores prevalecem sempre sobre as fontes inferiores, salvo na parte em que estas, sem oposição daquelas, estabelecem tratamento mais favorável ao trabalhador”.
Pelo que as comissões de serviço que, ulteriormente, vieram a constituir-se ao abrigo dos instrumentos de regulamentação coletiva passaram a estar submetidas ao regime jurídico deste diploma legal, sendo certo que mesmo as já constituídas passaram a reger-se pela disciplina nele estabelecida, como resulta claramente do disposto no seu artigo 7.º que, aludindo às comissões de serviço já constituídas, prescreve que o disposto nas alínea s b) e c) do seu artigo 4.º só se lhes “aplica decorridos 12 meses sobre a sua entrada em vigor”.

Referia o artigo 3º deste diploma:
Redução a escrito
1 - O acordo relativo ao exercício de cargos em regime de comissão de serviço está sujeito a forma escrita, devendo ser assinado por ambas as partes e conter as seguintes indicações:
a) Identificação dos outorgantes;
b) Cargo ou funções a desempenhar com menção expressa do regime de comissão de serviço;
c) Categoria ou funções exercidas pelo trabalhador ou, não estando este vinculado à entidade empregadora, a categoria em que se deverá considerar colocado na sequência da cessação da comissão de serviço, se for esse o caso.
2 - Na falta de redução a escrito da menção referida na alínea b) do número anterior, considera-se que o cargo ou as funções são exercidas com carácter permanente.
Nos termos do artigo 4º, qualquer das partes pode pôr termo à comissão, a todo o tempo, com pré-aviso (nº 2).

Quando à cessação referia o nº 3 do mesmo artigo:

Cessando a comissão de serviço, o trabalhador tem direito:
a) Ao regresso às funções correspondentes à categoria que antes detinha ou às funções que vinha exercendo quando estas confiram direito a categoria ou nível remuneratório previsto em convenção coletiva de trabalho aplicável, ou ainda à que, entretanto, tenha sido promovido ou, no caso de ter sido contratado para o efeito, à colocação na categoria constante do acordo, salvo se, neste, as partes tiverem convencionado a extinção do contrato com a cessação da comissão de serviço;
b) À rescisão do contrato nos 30 dias seguintes à decisão da entidade empregadora que ponha termo à comissão de serviço;
c) A uma indemnização correspondente a um mês da remuneração de base auferida no desempenho da comissão de serviço, por cada ano ou fração de antiguidade na empresa, no caso previsto na alínea anterior e na parte final da alínea a), salvo se a cessação ocorrer ao abrigo de processo disciplinar do qual resulte cessação do contrato de trabalho.
4 - O disposto nos n.os 2 e 3 não prejudica a aplicação de regimes mais favoráveis constantes de convenção coletiva ou de contrato individual de trabalho.

No AE em vigor à data (BTE 21/96 – alterações no BTE 28/99, 30/00 e 8/02), constava nas cláusulas 69º ss, que preveem o preenchimento de cargos de chefia e direção, referindo-se no nº 1 da cl. 69º que não fazem parte dos grupos profissionais, sendo exercidos em comissão de serviço. O seu preenchimento é da competência da empresa de acordo com o previsto no AE (nº2).
Nos termos da cl. 74º, nº 1, a comissão de serviço pode ser dada por finda por iniciativa da empresa ou titular do cargo. Em tal caso o trabalhador retoma as funções do seu grupo profissional (nº 2). Nos termos do nº 3, se a cessação for da iniciativa da empresa, tendo já decorrido um período de seis meses, o trabalhador mantém a remuneração que vinha auferindo até que, por via dos aumentos salariais ou progressão, atinja aquele valor.

No presente caso e se por outro motivo a comissão não tiver terminado, haveria que entender que a ré lhe pôs termo à data em que comunica ao autor que o considerava “apresentado ao serviço …, na sequência da cessação da requisição, com dispensa do dever de assiduidade, até que lhe seja enviada comunicação em contrário”, deixando de lhe pagar o subsídio de chefia. A pretensão do autor de vincular indefinidamente a ré à comissão de serviços vai ao arrepio dos comandos legais, quer do CT quer do AE. Importaria em tal caso saber da conformidade de tal decisão com as regras da boa-fé, designadamente se não foi determinada como reação ao exercício do direito fundamental.
A tal manifestação tácita não parece opor-se o D.L. 409/91, então em vigor, que no artigo 4º, quanto ao modo de cessação da comissão de serviços, não refere a necessidade de escrito, exigência introduzida pelo CT de 2003 no artigo 246º (atual artº 163º). Também o AE não fazia tal exigência referindo o nº 4 da Clª 74 que a cessação por iniciativa da empresa “deve ser efetuada previamente com indicação dos motivos que levaram à decisão”, não aludindo a exigência de forma escrita.
Ainda que se entenda a necessidade de escrito, a comunicação efetuada pela ré, no sentido de o considerar apresentado ao trabalho dispensando-o do dever de assiduidade, sempre daria cumprimento a tal exigência. Conforme resulta do nº 2 do artigo 217º do CC, o carácter formal da declaração não impede que ela seja emitida tacitamente, desde que a forma tenha sido observada quanto aos factos de que a declaração se deduz.
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Mas vejamos se a comissão de serviço não havia anteriormente cessado por outro motivo, designadamente decorrentes da reestruturação da empresa. Importará que não se trate de mera cosmética, pois que existindo cargo equivalente, com as mesmas funções, conquanto com outro nome, deve ser garantido ao trabalhador esse cargo, e em quando a comissão não for cessada. Só assim se dará cumprimento à garantia legal, no caso a do artigo 50º, 2 da CRP.
Resulta dos factos (x) que em outubro de 2005, as alterações à estrutura da Ré tinham eliminado a função de RAD/RN, tendo a Rede outro enquadramento, facto alegado em 5 da contestação e que o autor não contestou. Assim a comissão teve termo em data anterior ao fim da suspensão do contrato, por razões relativas à reestruturação da empresa, nos termos da qual, tendo em conta as funções do RAD, deixou de existir a chefia em causa. Consequentemente o autor tinha direito a ser colocado em funções compatíveis com a sua categoria profissional, nos termos do artigo 4º do D.L. 409/91, atual artigo 164ºdo CT, não tendo como pretende direito ao subsídio de chefia e outras regalias relativas ao cargo que exercia anteriormente em regime de comissão, dada aquela ocorrência. Assim é por estes fundamentos é de confirmar a decisão.
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Relativamente aos danos morais invocados.
Está em causa o direito do trabalhador a uma ocupação efetiva, e o consequente dever por parte da empregadora, com assento nos artigos 118.º, 126.º, 127.º, 129.º, 1, a) e b) do CT atual (anteriormente vejam-se os artigos 122º do CT/03 e 18º, 1 e 21º da LCT (aprovada pelo D.L. Decreto-Lei n.º 49408).
Da factualidade não se conclui pela existência de um dano, o autor não logrou provar o invocado sofrimento, vexames, abalo psíquico, e que se tenha tornado triste e taciturna, irritável e fechada, com reduzida autoestima, deixado de dormir de noite, passando a sofrer de insónias frequentes, que perdeu o apetite e foi acometido de depressão, invocados nos artigos 52 a 59. Não resulta igualmente da factualidade provada que a ré tenha tido propósito ilícito. Resulta de todo o circunstancialismo concreto que não houve no caso qualquer intento de prejudicar o autor ou de o pressionar para a tomada de qualquer decisão desejada pela ré.
A ré sofrera uma reestruturação deixando de existir a “chefia”, o posto, que o autor anteriormente detinha. Em 2006 tentou a ré colocar o autor, conquanto por cedência a outra empresa do grupo, em lugar compatível com a sua categoria e sem prejuízos remuneratórios para este, o que não foi possível. Em face de tal impossibilidade a ré decidiu que o autor permaneceria em casa a aguardar colocação condizente com a sua carreira profissional, tendo ficado dispensado de comparecer ao serviço até se concretizarem as diligências para a sua colocação. Em 2009 o autor acaba por ser recolocado em lugar compatível com a sua categoria profissional.

Concorda-se com a primeira instância. Refere-se na decisão recorrida:

“Face ao quadro fáctico supra descrito, temos de concluir que a inocupação do Autor não decorreu exclusivamente da vontade específica da Ré.
Apesar do que consta da alínea b) do artigo 129º do Código do Trabalho, só se poderá falar de ilícito patronal a este propósito quando a conduta do empresário que não permita a execução do trabalho, corresponda a uma quebra do dever de boa fé ou constitua abuso de direito.
O direito de ocupação efetiva, tal como está consagrado no Código do Trabalho é “direito que advém de um princípio geral de boa fé, sem nenhuma especialidade”
pelo que não apresenta particularidades relevantes face à interpretação que dele vinha sendo feita. Na verdade, sem prejuízo dos fundamentos e pressupostos diferentes das posições maioritárias defendidas anteriormente à aprovação do Código do Trabalho quanto à existência ou não do dever de ocupação efetiva ser diferente, todas elas se reconduzem, em última instância, à observância de um dever geral de boa fé.
Ao limitar-se a licitude do dever de ocupação efetiva pela “justificação ou não do ato do empregador, o mesmo surge como mais uma das várias materializações daquele princípio geral, anteriormente aplicável à relação laboral por força do artigo 762º do Código Civil e atualmente transposto para o ordenamento jus laboral no artigo 126º do Código do Trabalho. O correspetivo direito existirá, assim, apenas “na medida em que o empregador atue de má fé, frequentemente, numa atitude discriminatória”.

Quanto à concretização do limite negativo do direito à ocupação efetiva, MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO [Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, Almedina, Coimbra, 2006, pág. 345], sugere a adoção dos requisitos legalmente previstos para a faculdade do ius variandi, ou seja: a verificação cumulativa da transitoriedade da situação, do interesse objetivo da empresa na variação e da não modificação substancial da posição do trabalhador em resultado dessa mesma variação. E fundamenta esta aplicação no entendimento de a inatividade configurar uma das vicissitudes do contrato de trabalho, uma vez que “correspondendo a prestação de trabalho a uma atividade positiva, constitui um desvio à mesma tanto a exigência de uma outra atividade como a não exigência de atividade nenhuma.
Esta interpretação confere fatores necessários e razoáveis para aferir da verificação daquele limite e evita a incerteza jurídica decorrente da concretização do conceito indeterminado “injustificadamente” Assim, a apreciação desta situação redundaria sempre, em última instância, em saber se existia motivo ligado ao funcionamento da empresa que, como facto não imputável à Ré e alheio à sua vontade, justificasse a inatividade forçada daquele trabalhador durante aquele período de tempo, afastando a violação do dever geral de boa fé.

Ora, no caso dos autos, a modificação substancial da posição do Autor sem ocupação deve-se, não à vontade expressa da Ré em opor-se a que aquele exercesse outras funções, mas a outras circunstâncias, designadamente relacionadas com uma restruturação da empresa que resultou na extinção do cargo de chefia RAD, que o Autor exerceu, em comissão de serviço, antes de ser requisitado pela Câmara Municipal ..., tudo isso associado à oposição do trabalhador às propostas de ocupação que a Ré lhe fez, o que, aliás, redundou na decisão desta de o dispensar do dever de assiduidade durante cerca de quatro anos. Pensamos, pois, que existia aquele motivo objetivo justificador daquela inatividade do Autor. Além do mais, como referimos, a Ré não deixou de diligenciar no sentido de encontrar novas funções compatíveis com a categoria profissional do Autor.
Por isso, não podemos concluir, sem mais, que ao atuar como ficou provado, a Ré tivesse agido contra os ditames da boa fé no cumprimento das suas obrigações (artigo 126º, nº 1 do Código do Trabalho) …”
Sobre a violação do direito de ocupação efetiva, abordado na perspetiva alegada de assédio moral, alegada naquele processo, veja-se o Ac. deste tribunal nº 3984/18.9T8BRG.G1, disponível na net.
“ Correlacionado com o dever de ocupação efetiva, está o dever do empregador de proporcionar boas condições de trabalho ao trabalhador, do ponto de vista físico e moral, consagrado no artigo 127.º, n.º 1, alínea c), do CT, sendo certo que tal dever tem subjacente o princípio da igualdade dos trabalhadores da mesma empresa, a tutela da profissionalidade, a valorização e realização profissional e pessoal do trabalhador através da prestação de trabalho, impondo-o também o princípio geral da boa-fé que deverá presidir à execução contratual, quer no exercício dos direitos quer no cumprimento das obrigações conforme previsto no n.º 1 do artigo 126.º do CT e n.º 2 do art.º 762.º do Código Civil.
Neste sentido, importa ainda referir nº 2 do art.º 126.º do CT do mesmo artigo e nos termos do qual na execução do contrato de trabalho, devem as partes colaborar na obtenção da maior produtividade, bem como na promoção humana, profissional e social do trabalhador», sendo que «no cumprimento daquele dever, cabe ao empregador ocupar efetivamente os seus trabalhadores, atribuindo-lhes as funções para as quais foram contratados, dando-lhes a oportunidade de exercer efetivamente o seu trabalho de forma produtiva e proporcionar-lhes boas condições de trabalho do ponto de vista físico e moral.
Contudo, nem todas as situações de inatividade do trabalhador constituem uma violação do dever de ocupação efetiva pois só assim será quando não forem justificadas e constituam uma violação do aludido princípio da boa-fé ou integrem uma situação de abuso de direito, tendo assim que se distinguir os casos em que a situação de inocupação visa causar prejuízos ao trabalhador ou pressioná-lo em termos inaceitáveis, daqueles em que se justifica por resultar de um facto não imputável ao empregador, meramente esporádico e/ou inultrapassável.

Como refere Diogo Vaz Marecos, no Código de Trabalho anotado, 2ª edição, pág 318, em anotação ao art.º 129.º, “Não obstante a expressa previsão do dever de ocupação efetiva, este dever não significa que o trabalhador tenha de permanecer todo o tempo ativo. Na verdade, é desde logo interesse do empregador que o trabalhador se encontre ocupado, mais que não seja porquanto a retribuição, em princípio, terá de lhe ser paga independentemente das variações que incidam sobre a atividade da empresa. Contudo, em algumas situações pontuais pode ser interesse do empregador que o trabalhador permaneça temporariamente desocupado sem que tal configure uma ilicitude. Para tanto, a desocupação do trabalhador terá de mostrar-se objetivamente fundada, como sucederá, por exemplo, quando se verifique uma reestruturação da empresa, em que durante determinado período de tempo não foi possível conceber o posto de trabalho que será preenchido pelo trabalhador. Assim, o que a lei veda, é a desocupação que seja objetivamente infundada.”
E socorrendo-nos das palavras de Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 14.ª Edição, Almedina, 2009, pág. 299, a questão tem sido também aprofundada e colocada no plano da exigibilidade: “não se pode deixar de reconhecer como atendíveis as situações em que o empregador esteja objetivamente impedido de oferecer ocupação ao trabalhador, assim como aquelas em que se esteja em presença de interesses legítimos do mesmo empregador na colocação do trabalhador em estado de inatividade (por razões económicas, disciplinares ou outras).”
Em suma, o dever de ocupação efetiva deve ser encarado do ponto de vista da boa-fé, podendo ter como possível justificação, razões de ordem económico-empresarial. Ou, segundo as palavras de Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, 7.ª Edição, 2015, Almedina, Coimbra, página 524, “o dever de ocupação efetiva deriva do princípio geral da boa-fé na execução do contrato, existindo violação deste dever quando o empregador atue de má-fé.”
Como resulta do exposto podem existir situações de desocupação do trabalhador que sejam justificadas, cabendo ao empregador o ónus da prova do circunstancialismo em que se fundamenta, impondo que fique demonstrada a factualidade que evidencie uma atuação diligente da sua parte, com o propósito sério de assegurar ao trabalhador funções condignas, pois só assim fica demonstrado que agiu em conformidade aos ditames da boa-fé no cumprimento da relação laboral.
Importa agora verificar se a factualidade provada nos permite concluir que a recorrida agiu de forma deliberada e contrária à boa-fé, ao colocar o recorrente desde 9 de dezembro de 2016, dentro de uma sala, sem nada para fazer, o que só ocorrerá se a sua conduta não estiver justificada pois se estiver não se poderá afirmar a contrariedade à boa-fé…”
Não obstante o tempo em que o autor esteve sem ocupação, tal decorreu fora de um quadro conflituoso, podendo dizer-se que o autor tacitamente, pelo menos, aceitou e acordou na situação, até haver funções compatíveis com a sua categoria. Não resulta da factualidade e circunstancialismo que envolveu a situação, uma violação do princípio da boa-fé.
Consequentemente é de confirmar o decidido.
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DECISÃO:

Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação confirmando-se o decidido.
Custas pelo recorrente.
20 de Maio de 2021

Antero Veiga
Alda Martins
Vera Sottomayor