Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5541/21.3T8VNF.G1
Relator: ANTERO VEIGA
Descritores: DESPEDIMENTO COM JUSTA CAUSA
FACTO NOVO
DEVERES DO TRABALHADOR
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/02/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
Não pode falar-se de facto novo se não ocorre uma alteração em termos de grau, tempo e espaço, que implique a transformação do quadro factual num outro diverso, no que se refere aos seus elementos relevantes para a decisão a tomar. Uma simples explicitação da circunstanciação do facto invocado não implica facto novo.
Justifica-se o despedimento com justa causa, por quebra de confiança, no caso de incumprimento de regras e procedimentos internos relativos à testagem de composto destinado à manufatura do produto final (pneus), com potencial repercussão na qualidade deste e na segurança dos clientes da empregadora.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães.

AA, instaurou a presente ação declarativa sob a forma de processo especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento contra “C..., S.A.”.
A ré veio apresentar articulado de motivação do despedimento, pugnando pela licitude do mesmo, juntando o procedimento disciplinar.
O Autor contestou, suscitando a invalidade da decisão disciplinar e negando a prática dos factos que lhe são imputados, pedindo que seja declarada a ilicitude do despedimento, ordenando-se a sua reintegração e condenando-se a entidade patronal ao pagamento de todas as remunerações intercalares na liquidadas desde a decisão de despedimento.
Subsidiariamente, peticionou que se considere a sanção aplicada como excessiva e desproporcionada e a sua substituição por outra menos gravosa.
*
A Ré respondeu, pugnando pela licitude do despedimento e pela validade do processo disciplinar. Mais pugnou, para o caso de se concluir pela ilicitude do despedimento e reintegração do Autor, pela dedução aos salários intercalares de eventuais salários ou outras prestações retributivas ou compensatórias por trabalho ou serviços prestados pelo Autor entre a cessação do contrato e a data da prolação da decisão que transite em julgado; subsídios de desemprego que o Autor tenha auferido nesse mesmo período; e, ainda, a retribuição proporcional a quaisquer períodos em que o Autor tenha ficado em situação de isolamento ou quarentena obrigatórios, no âmbito das normas de combate à proliferação do vírus SARS CoV-2 (períodos durante os quais não é devido o pagamento de retribuição).

Realizado o julgamento foi proferida sentença nos seguintes termos:

“ Face ao exposto, julga-se improcedente o pedido formulado, e, em consequência, declara-se lícito o despedimento do Autor AA promovido pela Ré “C..., S.A.”…”
Inconformado o autor interpôs recurso apresentado as seguintes conclusões:


II. As questões que o Recorrente suscita são as seguintes:

- Verifica-se erro notório na apreciação das provas, que determinou incorreta decisão de facto e, consequentemente, do decisório, no que concerne aos Pontos B; D c); K; N; P; F; AA dos Factos Provados e 3; 6 e 7 dos Factos Não Provados:
- DA FALTA de preenchimento dos pressupostos para o despedimento com justa causa, conforme exigidos pelo O artigo 351.º n.º 1 do Código do Trabalho (CT)
III. Na douta sentença a quo - com o devido e merecido respeito que, ademais, é muito - andou muito mal o Digno Tribunal ao dar como provados os factos supra B; D c); K; N; P; F; W; AA e como não provados os factos 3; 6 e 7, em clara contradição com a prova produzida em sede de audiência de julgamento e a documental junta aos autos.
IV. Desde logo se acrescentando que há uma clara e notória contradição entre os pontos K e N com o HH dos factos provados e entre o ponto P e o EE, também dos factos provados, sendo contraditórios entre si!
V. Produzindo uma sentença incompreensível, justificando o despedimento de um trabalhador sem lhe imputar UM ÚNICO comportamento!
VI. Importa referir que a relação laboral entre recorrente e recorrida remonta ao ano de 2000 e não 2020 como incorretamente indicado no ponto B dos factos provados.
VII. Trata-se, seguramente, de um lapso de escrita pois o ano resulta cabalmente de todas as provas documentais juntas aos autos e do acordo entre as partes, pelo que importa retificar o ponto B, corrigindo o ano;
VIII. Resultando, assim, que a relação laboral se estendeu por mais de VINTE ANOS (20 anos)!
IX. Erro crucial, notório e incompreensível verifica-se na decisão de considerar como provado que uma das funções do trabalhador, enquanto “Online”, era “retirar amostras de borracha e reamostragens para serem efetuadas análises no laboratório” – ponto D, alínea c) dos factos provados.
X. Quem tinha a função de retirar amostras das paletes de borracha era o operador da maquina de “paletização”;
XI. A função do trabalhador/recorrente era recolher as amostras retiradas pelo operador e coloca-las na “máquina” de testes, designada por reómetro!
XII. Tal resulta inequívoco do depoimento das testemunhas BB, CC e DD funcionários da entidade patronal, com as mesmas funções do recorrente;
XIII. E mesmo do depoimento de EE, funcionário da entidade patronal, Supervisor dos “Onlines”.
XIV. Do depoimento de FF, funcionário da entidade patronal, exercendo funções de “operador”, obtém-se a confirmação de tudo quanto supra declarado pelas demais testemunhas, que são os operadores que retiram as amostras da borracha colocada nas paletes.
XV. Conclusão não pode ser outra que NÃO É FUNÇÃO DO TRABALHADOR retirar amostras de borracha e reamostragens para serem efetuadas análises de laboratório.
XVI. Logo, ainda que os resultados dos testes vertidos no ponto O, alíneas a) a d), sejam considerados anómalos, não é possível imputar ao trabalhador/recorrente qualquer comportamento conducente aos mesmos – porque não é tarefa dele recolher as amostras que vão ser testadas!
XVII. Ainda que, excecionalmente, os onlines – incluindo o trabalhador/recorrente - possam recolher amostras, NINGUÉM verificou/testemunhou que as amostras submetidas a análise com os resultados vertidos no Ponto O, alíneas a) a d) foram recolhidas pelo trabalhador/recorrente!
XVIII. Verifica-se, tal facto, do depoimento das testemunhas GG, HH, da testemunha EE e ainda da testemunha BB “online”.
XIX. Diga-se, em abono da verdade, se o trabalhador não retira as amostras, se as mesmas são retiradas pelos operadores, se não ficou provado quem retirou as amostras que resultaram no facto provado O e respetivas alíneas,
XX. NENHUM COMPORTAMENTO – LICÍTIO OU ILICITO – É APONTADO AO TRABALHADOR
XXI. Mais, só é possível concluir que, pelas regras da experiência e de acordo com as funções de cada trabalhador, que as amostras foram retiradas por um operador e, qualquer erro ou vício de procedimento tem de ser imputado a este e NUNCA ao trabalhador recorrente;
XXII. Que se limita a colocar no reómetro as amostras que lhe dão!!
XXIII. Quanto aos pontos K e N dos factos provados, o Tribunal “a quo”, baseou-se no depoimento das testemunhas HH, GG e EE.
XXIV. Nos dois pontos, o Tribunal estabelece que foram efetuados vários testes à mesma amostra.
XXV. Contudo, corretamente, no ponto HH, considera provado que a “amostra individual, após inserção na máquina de testagem, fica absolutamente inutilizada, não podendo voltar a ser utilizada para em novo teste”
XXVI. Ora, não pode, o Tribunal, considerar provado um facto e o seu oposto.
XXVII. Pelo que, inequivocamente, os pontos K e N têm de ser considerados não provados.
XXVIII. Efetivamente, “ex novo”, em sede de audiência e discussão de julgamento, pelas testemunhas HH e EE é trazido um facto novo nunca alegado, quer na nota de culpa, na decisão final de despedimento, quer na petição de motivação do despedimento – uma suposta amostra maior, tipo A4, da qual teriam sido retiradas diversas amostras.
XXIX. Nos termos do art.º 357.º, n.º 3, do Código do Trabalho, é estatuído que na decisão são ponderadas as circunstâncias do caso, nomeadamente as referidas no n.º 3 do artigo 351.º, a adequação do despedimento à culpabilidade do trabalhador e os pareceres dos representantes dos trabalhadores, não podendo ser invocados factos não constantes da nota de culpa ou da resposta do trabalhador, salvo se atenuarem a responsabilidade.
XXX. O que não estiver inicialmente descrito na nota de culpa, não poderá ser acrescentado depois.
XXXI. Em tribunal, terá de se repetir toda a prova e não produzir nova prova.
XXXII. A acrescer, em sede de decisão final do procedimento disciplinar, nos autos a fls..., é concluído – ponto 14 – que o trabalhador arguido, “(...) de modo continuado e premeditado, adulterava o processo de testagem, não efetuando os testes, mas registando os resultados como se os tivesse efetuado”
XXXIII. Ora, em sede de audiência de julgamento – quiçá pela produção de prova por inspeção no local ou reconhecimento da ausência de alicerces da “condenação” – a “tese” da entidade patronal é que, efetivamente, realizou os testes, mas sem cumprir os procedimentos ou – nova tese – que os realizou retirando uma amostra de maiores dimensões.
XXXIV. O processo judicial visa a validação do procedimento disciplinar e não produção de nova prova, alegação de nova tese ou descoberta de novos factos ausentes da nota de culpa ou da decisão final do procedimento.
XXXV. Assim, muito mal andou o Tribunal “a quo” em valorar factos “novos” para, inicialmente, dar como provados os pontos K e N e, ainda, motivar a sua decisão final.
XXXVI. Ferindo de nulidade a sentença ora em crise, o que expressamente se argui e cujo reconhecimento se requer.
XXXVII. Na verdade, dos depoimentos de GG e de II resulta que não sabe que comportamentos o trabalhador adotou ou não adotou que resultaram nos resultados dos testes obtidos
XXXVIII. O Tribunal “a quo”, em sede de motivação, repetidamente, indica a “opinião” das testemunhas para fundamentar os factos provados.
XXXIX. O próprio Tribunal “a quo”, não ignora que nenhuma prova há contra o trabalhador/recorrente, reconhecendo, em sede de motivação, que nenhuma testemunha viu o trabalhador a fazer o que quer que seja!
XL. Em defesa dos princípios da segurança jurídica, descoberta da verdade material e da boa decisão da causa, as decisões judiciais têm de ser devidamente fundamentadas e as suas conclusões têm de ser lógicas e claras para os recetores da mesma;
XLI. O Tribunal não pode decidir com base em “opiniões” ou “suposições” sem qualquer suporte de prova, sob pena de se subverter a verdade material e a busca pela Justiça.
XLII. Verificando-se o vício de falta de fundamentação da sentença, o que expressamente se invoca e cujo reconhecimento se requer.
XLIII. Quanto ao facto provado W - “O Autor, sem que tivesse colhido as amostras, quando os compostos que seriam para testagem estavam ainda em misturação/produção, tinha já inserido resultados de testes que não tinham ainda sido efetuados, e em hora em que já não estava na empresa.”
XLIV. Na verdade, o próprio trabalhador, reconhece que as retirou para terminar a linha e poder ir embora com o trabalho concluído, sem que ninguém o tivesse chamado à atenção ou comunicado qualquer anomalia.
XLV. Pelo que o facto W, terá de ser considerado não provado.
XLVI. De tudo supra exposto, forçosamente terá de se concluir que o ponto AA dos factos provados - que ocorreu quebra de confiança entre A. e Ré – não pode ser dado como provado, inexistindo qualquer facto conducente a essa conclusão!!
XLVII. Em direta relação, os factos 6 e 7 dos factos não provados, terão de ser considerados provados.
XLVIII. O trabalhador sempre foi pontual, assíduo, educado, respeitador e muito considerado pelos demais colegas;
XLIX. Dedicado, zeloso e cumpridor, sem qualquer registo disciplinar ou admoestação.
L. Tal facto decorre dos depoimentos do seu superior hierárquico, GG e, bem assim, do seu Colega BB.
LI. Relembra-se, o trabalhador recorrente, trabalha para a sociedade Ré há 22 anos, não tendo sido junto aos autos qualquer registo de sanção ou repreensão anterior, pelo facto de não existir!
LII. Não se podendo concluir de outro modo que não reconhecer a valia do trabalhador!
LIII. Finalmente, decidiu o Tribunal “a quo”, considerar não provado que:
“3 - Muitas vezes, chegados os trabalhadores com as amostras ao local de testagem, o trabalhador que procedeu à recolha das amostras não havia ainda inserido as referências no sistema para que se possa proceder à testagem, sendo necessário contactá-lo telefonicamente para que proceda à inserção, para efetivar a testagem”
LIV. Contudo, do depoimento do trabalhador recorrente resulta que tal situação sucedia com o mesmo com frequência
LV. Na verdade, o depoimento das demais testemunhas, claramente comprometidas, em virtude do vínculo laboral e com receio de repreensão, não admitiram tais condutas, mas confirmaram que tal procedimento é possível, a exemplo, o depoimento da testemunha FF.
LVI. Pelo que sempre terá de ser considerado como provado, com a seguinte redação:
“Muitas vezes, chegados o trabalhador com as amostras ao local de testagem, o trabalhador que procedeu à recolha das amostras não havia ainda inserido as referências no sistema para que se possa proceder à testagem, sendo necessário contactá-lo telefonicamente para que proceda à inserção, para efetivar a testagem”

DA INEXISTÊNCIA DE ACTO DOLOSO

LVII. A obrigação principal do Autor, enquanto funcionário com a função internamente denominada de “Online”, é recolher amostras já deixadas pelo Operador, não fazendo ou criando amostras, não sendo responsável pelo corte das mesmas, pela sua escolha ou, em geral, por qualquer ato que pudesse influenciar na criação da amostra que se destinava a ser testada.
LVIII. É imputado ao Autor a realização dolosa, em seis dias diferentes, de testes à mesma amostra, com o intuito de prejudicar a sua entidade patronal.
LIX. Imputação nova, não feita em sede de Procedimento Disciplinar, pelo que nula.
LX. Contudo, ema vez que não cabia ao autor criar as amostras, mas tão só recolher as amostras já criadas, as quais lhe eram entregues por outrem para realização dos competentes testes, coloca-se em crise a verificação de um ato voluntário do Autor, culposo, que consubstancie a justa causa do seu despedimento.
LXI. Conforme se retira do depoimento de parte do Autor, assim como das testemunhas BB, CC e DD, funcionários da Entidade Patronal que exercem as funções de “Online”, a tarefa de obter as amostras não pertence a quem, como o Autor, exerce as funções de “Online”, mas sim ao Operador, categoria profissional totalmente distinta do Autor e que exerce funções totalmente díspares deste.
LXII. Assim, a violação dos deveres contratuais laborais por parte do Autor teria de passar por, sem que o Operador se apercebesse, este lograr obter um lote de amostras sempre da mesma palete, em 6 dias diferentes, sem que o Operador se apercebesse.
LXIII. Assim como falsificar a emissão das etiquetas, as quais são obtidas numa máquina onde já se encontra o Operador a laborar.
LXIV. Tudo operações impossíveis de realizar,
LXV. Assim como impossível seria obter amostras da mesma palete pois tal ato imediatamente detetado por perceção da existência de corte anómalo na palete.
LXVI. Pelo que nenhum ato vem imputado ao autor nos termos e para os efeitos do preenchimento do requisito de “ato voluntário doloso”, como é referido no artigo 351. do Código do Trabalho,
LXVII. O único ato imputado ao Autor, a saber, a realização de teste em amostra, é licito, porquanto inserido nas suas responsabilidades contratuais laborais.
LXVIII. Não sendo sua responsabilidade a verificação da qualidade, duplicação ou falsificação das amostras que lhe são entregues para testagem,
LXIX. Esta responsabilidade recai no Operador, por ser quem se encontra obrigado contratualmente à obtenção da amostra e sua entrega ao Online para posterior realização do competente teste.
LXX. Não tendo a Entidade Patronal, muito estranhamente, movido qualquer processo disciplinar a um Operador que fosse,
LXXI. O Autor em nada pode influir na realização do teste, seja no tempo do mesmo, seja no seu resultado, uma vez que, colocando a amostra no reómetro, apenas lhe sai um resultado de FAIL ou PASS, sendo que o remanescente do teste de qualidade, assim como a sua homogeneidade ou não, não cabe ao AUTOR, não podendo o mesmo avisar dessa mesma homogeneidade, por a desconhecer.
LXXII. Ora, com todo o respeito por opinião diversa, não logra a Entidade Patronal, seja em sede de Procedimento Disciplinar, seja em sede de julgamento e mesmo com a inclusão (nula) de factos novos, demostrar qual o Ato ilícito praticado pelo TRABALHADOR / RECORENTE, com a amplitude de preencher o pressuposto essencial do Artigo 351.º n.º 1 do Código do Trabalho.
LXXIII. A Entidade Patronal logra antes sim provar que o Trabalhador / Recorrente levou a cabo unicamente os atos (lícitos e contratualmente obrigatórios) de testagem.
LXXIV. Assim como nenhum ato ilícito resultou da prova produzida, pelo que o facto AA dado como provado deverá ser considerado como não provado, por nenhum ato do Autor ter quebrado a confiança que lhe era depositada pela empresa Ré, o que se requer.

LXXX. Não existindo incumprimento, não se pode falar de consequências para a Entidade
Patronal.
LXXXI. sempre seria excessivo o despedimento do mesmo, como a Entidade Patronal promoveu, antes devendo a mesma ter procedido a procedimento disciplinar interno de todos os trabalhadores envolvidos na testagem ou, no máximo, proceder a repreensão escrita do Autor para que o mesmo passasse a controlar o trabalho dos Operadores (ainda que criando-se aqui novo método de trabalho), uma vez que é seu superior hierárquico.
LXXXII. Por conseguinte, a sentença do tribunal a quo fez uma errada apreciação – notória – da prova produzida.
LXXXIII. A sentença recorrida violou os artigos 258.º e 406.º do Código Civil e 260.º, 259.º e 252.º todos do Código das Sociedades Comerciais e 15.º do Código de Registo Comercial
Em contra-alegações sustenta-se o julgado.
Neste tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Colhidos os vistos dos Ex.mos Srs. Adjuntos há que conhecer do recurso.
***
Factualidade:

A. A Ré é uma sociedade comercial que se dedica ao fabrico e comercialização de pneus para veículos automóveis.
B. O Autor foi admitido como trabalhador da Ré no dia .../.../2000, desempenhando, aquando do seu despedimento, as funções de Técnico de Produção e Análise, categoria internamente denominada de “Online”, no Departamento de Misturação DP-1.
C. Enquanto Online, o Autor tinha como principal tarefa a de efetuar a testagem de compostos utilizados no fabrico do pneu, com vista a verificar se os mesmos tinham/reuniam as características previamente definidas.
D. Entre as funções que lhe estavam cometidas, competia ao Autor:
a) avaliar o composto através do instrumento de medição reómetro e viscosidade, tendo como finalidade aprovar ou reter o material a usar na Produção, garantindo, dessa forma, a conformidade do produto com os parâmetros de aprovação definidos;
b) após a avaliação, colocar as etiquetas de aprovação com o objetivo de evidenciar o estado de qualidade do composto ou preencher o competente formulário para inspeção técnica, no caso de o composto não cumprir com os parâmetros definidos;
c) retirar amostras de borracha e reamostragens para serem efetuadas análises no laboratório;
d) realizar a manutenção básica e calibragem dos reómetros e viscosímetro;
e) imprimir relatórios, quando necessário, com vista à realização de posterior análise e inspeção técnica.
E. À data da ocorrência dos factos que acabaram por motivar o seu despedimento, o Autor era responsável pela testagem de compostos produzidos na Sala de Misturação nº 2 e na Misturadora 4 (nesta, era o único responsável, durante o seu horário de trabalho) situada na Sala de Misturação nº1.
F. No cumprimento das suas funções, elencadas no ponto 7 precedente, competia ao Autor:
a) finalizada a paletização dos compostos, recolher as amostras do composto do Misturador #4 (produto da misturação);
b) levar essas amostras à sala de testes situada na Sala de Misturação nº2 (para o que tinha de percorrer uma distância, que de bicicleta – sendo possível ir a pé, mas com maior dispêndio de tempo - toma em média 2min30s);
c) cortar as amostras na dimensão que o método define;
d) inserir as amostras na máquina de testagem, realizar os testes e proceder à verificação da conformidade do composto com os parâmetros predefinidos (ficando automaticamente inseridos os resultados no sistema informático central, partilhado com todas as fábricas do grupo C...)
G. Procedimento que, no total, tomava, e toma, cerca de 12min30s, para cada 4 amostras, que representam uma palete de composto.
H. No dia 05/05/2021, o Chefe do Departamento de Industrialização de Materiais, GG, estava a analisar os resultados dos testes do composto JJ (efetuados durante o turno do Autor, e de amostras do composto de misturadoras que estavam sob a alçada do Autor), para os partilhar com a central, na ....
I. A certa altura, deparou-se com resultados tão homogéneos (com variação mínima) que seriam impossíveis de obter, mesmo num contexto laboratorial.
J. Alarmado com tal situação, que concluiu que seria fraudulenta, decidiu suspender a partilha da informação e remeteu, nesse mesmo dia, os resultados e seus comentários para a Eng.ª KK, Chefe do Departamento de Misturação e superiora hierárquica do Autor.
K. Após analisar a comunicação do GG, a Engª KK concluiu igualmente que o processo de testagem indiciava ter sido alvo de manipulação de resultados, já que os mesmos eram praticamente iguais, concluindo que os testes tinham sido feitos à mesma amostra e não a diversas amostras, retiradas das respetivas cargas.
L. Conclusão, essa, a que chegou por análise aos resultados dos testes efetuados no dia 05/05/2021, mas também aos que encontrou nas pesquisas que fez, relativamente aos testes efetuados pelo Autor nos dias 03/03/2021, 06/04/2021, 08/04/2021 e 07/05/2021.
M. Foi apurado que os testes realizados pelo Autor apresentavam resultados exageradamente homogéneos para serem dados verdadeiros, conclusão que se alcançava, não apenas pela experiência que ambos (GG e KK) tinham no tipo de função em causa, mas também e principalmente por comparação com os resultados obtidos pelos demais trabalhadores que tinham efetuado testagens ao mesmo composto.
N. Pelo menos nos dias 21/01/2021, 03/03/2021, 06/04/2021, 08/04/2021, 05/05/2021 e 07/05/2021, o Autor não cumpriu os procedimentos em vigor para a recolha de amostras e realização dos testes de conformidade, tendo, ao invés, efetuado vários testes à mesma amostra de composto.
O. Confrontada com tal situação, a Engª KK procedeu a uma consulta do sistema informático central, verificando, ainda, que muitos dos resultados dos testes dados como efetuados e registados pelo Autor tinham sido inseridos em sistema após decorrido um lapso temporal no qual era impossível ter sido cumprido o procedimento em vigor, o que aconteceu, pelo menos, nos seguintes dias:
a) 03/03/2021: M#_FMF T14363_cargas 21-24: composto paletizado às 03:44 horas e a hora de finalização do teste às 03:52 horas: o procedimento ficou concluído em 8 minutos;
b) 03/03/2021: M#_FMF T11347_cargas 9-12: composto paletizado às 06:18 horas e a hora de finalização do teste às 06:23 horas: o procedimento ficou concluído em 5 minutos;
c) 04/03/2021: M#4_FMF T15026_cargas 37-40: composto foi paletizado às 01:51 horas e a hora de finalização do teste às 01:54 horas: o procedimento ficou concluído em 3 minutos, quando toma, em média, mais de 12 minutos;
d) 07/05/2021: M#_FMF T15026_cargas 53-56: composto paletizado às 05:44 horas e a hora de finalização do teste às 05:44 horas: o procedimento ficou concluído em 1 minuto.
P. É inexequível para o Autor ou para quem quer que fosse obter os resultados dos testes em 1, 3 ou 5 minuto, já que, só a deslocação entre a Sala da Misturação (onde é recolhida a amostra do composto para teste) e a Sala de Testagem, toma cerca de 3 minutos (a que se somaria ainda o tempo
necessário para se proceder aos testes).
Q. Assim, constatada a situação, a superiora hierárquica do Autor reportou-as aos seus superiores hierárquicos e dispensou o Autor de prestar trabalho, e foi decidido proceder à sua suspensão preventiva no dia 10/05/2021.
R. O Autor, no dia 29/04/2021, pediu autorização à sua superiora hierárquica Engª KK para terminar o seu turno mais cedo, por motivo do falecimento da sua avó, o que foi concedido.
S. Ao invés de se ausentar do seu posto de trabalho às 15:00 horas (no dia em causa, o Autor estava a cumprir o horário de trabalho compreendido entre as 07:00 horas e as 15:00 horas), o Autor saiu das instalações da empresa quando eram 12:09 horas.
T. Para que os trabalhos de testagem continuassem a ser efetuados, foi solicitado ao trabalhador LL, que chegasse mais cedo à empresa, para desse modo substituir o Autor.
U. Pelas 12:00 horas, chegado ao posto de trabalho do arguido, o LL recebeu do operador da Misturadora 4, Marino, as amostras para testagem.
V. Quando o LL chegou à Sala de Testagem, verificou que os resultados dos testes que ia fazer estavam já inseridos no sistema informático.
W. O Autor, sem que tivesse colhido as amostras, quando os compostos que seriam para testagem estavam ainda em misturação/produção, tinha já inserido resultados de testes que não tinham ainda sido efetuados, e em hora em que já não estava na empresa.
X. O Autor sabia que devia cumprir com todos os procedimentos de controlo e testagem dos compostos, assim como que tais procedimentos eram, como são, de extrema importância no processo de fabricação do pneu, já que são esses testes que conferem a garantia à empresa que o pneu vai ser produzido com as garantias de resistência e fiabilidade exigidas.
Y. O Autor sabe que o pneu é dos órgãos mais importantes de um veículo automóvel, já que é o único componente que está em contacto direto e constante com o piso, sendo que, caso não garanta as necessárias condições de segurança e resistência, pode originar sinistros rodoviários, com relevo na segurança e na vida dos condutores e passageiros desses mesmos veículos.
Z. O Autor sabe, ou não pode ignorar, que a ocorrência de acidentes que se venham a concluir ter sido causados ou originados por pneus deficientemente produzidos tem repercussões para a empresa, Ré, pondo em causa o seu bom nome e reputação num mercado como o dos pneumáticos.
AA. O Autor quebrou a confiança que lhe havia sido depositada pela empresa Ré.
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BB. O trabalhador encarregue da recolha das amostras escolhe os locais de onde são retiradas, mais próximas ou mais afastadas umas das outras, tendo por referência o lote/palete.
CC. Posteriormente, a cada amostra individual é atribuída uma referência/etiqueta, que é inserida no sistema informático com conexão com a “cabine” de testagem.
DD. Não é o Autor quem insere as referências no sistema informático.
EE. O Autor e todos os colegas com iguais funções não fazem uma viagem a cada 4 amostras de um lote/palete, mas recolhem diversas amostras de diversos lotes/paletes, reduzindo o número de viagens, economizando tempo perdido e aumentando a produtividade.
FF. Chegadas as amostras ao local de testagem, é necessário que o trabalhador que as recolheu e que atribuiu uma referência/etiqueta, tenha inserido as referências/etiquetas no sistema informático para que o trabalhador arguido (e todos com as mesmas funções) possam proceder à inserção das amostras na máquina e, assim, realizar os testes.
GG. O trabalhador que faz a testagem – como o Autor – insere a amostra na máquina, respeitando a referência que foi atribuído pelo Colega na fase anterior do processo.
HH. Essa amostra individual, após inserção na máquina de testagem, fica absolutamente inutilizada, não podendo voltar a ser utilizada para em novo teste;
II. Após a inserção da amostra, o trabalhador que realiza os testes só ordena o início do teste, não controla o tempo de qualquer teste, nem tem acesso ou capacidade de alteração do software ou dos padrões definidos para cada teste.
***
Com interesse para a decisão da causa, NÃO SE PROVARAM quaisquer outros factos, designadamente que:

1. O Autor utiliza quase sempre uma bicicleta para realizar as deslocações, demorando cerca de 20 a 30 segundos a chegar de um ponto ao outro.
2. O Autor é o único que concluí as amostras na sua posse ao fim de cada turno, não acumulando para o trabalhador do turno seguinte.
3. Muitas vezes, chegados os trabalhadores com as amostras ao local de testagem, o trabalhador que procedeu à recolha das amostras não havia ainda inserido as referências no sistema para que se possa proceder à testagem, sendo necessário contactá-lo telefonicamente para que proceda à inserção, para efetivar a testagem.
4. O normal dos testes das 4 amostras de cada lote é serem muito semelhantes – e não dispares – sob pena de existir anomalias na produção daquele lote especifico.
5. Valores muito dispares equivalem a lote mal produzido.
6. O Autor é um trabalhador pontual, assíduo, educado, respeitador e muito considerado pelos demais colegas.
7. O Autor tem sido, desde a sua admissão, um trabalhador dedicada, zeloso e cumpridor, sem qualquer registo disciplinar ou admoestação.
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Conhecendo do recurso:

Nos termos dos artigos 635º, 4 e 639º do CPC, o âmbito do recurso encontra-se balizado pelas conclusões do recorrente.

Questões colocadas:
- Alteração da decisão relativa à matéria de facto:
- Pontos B; D c); K; N; P; F; AA dos Factos Provados e 3; 6 e 7 dos Factos Não Provados:
- Contradição entre os pontos K e N com o HH dos factos provados e entre o ponto P e o EE, também dos factos provados, sendo contraditórios entre si.
- Lapso no que respeita ao ano de admissão.
- Facto novo não constante da nota de culpa - uma suposta amostra maior, tipo A4, da qual teriam sido retiradas diversas amostras.
- Alteração da imputação - em sede de decisão final do procedimento disciplinar, nos autos a fls..., é concluído – ponto 14 – que o trabalhador arguido, “(...) de modo continuado e premeditado, adulterava o processo de testagem, não efetuando os testes, mas registando os resultados como se os tivesse efetuado”, e em sede de julgamento a tese para passa que, efetivamente, realizou os testes, sem cumprir os procedimentos, ou que os realizou retirando uma amostra de maiores dimensões.
- Nulidade da sentença por valorar factos novos para dar como provados os pontos K e N e, motivar a sua decisão final.
- Falta de falta de fundamentação da sentença.
- Inexistência de ato doloso/ilicitude do despedimento
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Comecemos pela nulidade da sentença e falta de fundamentação, concomitantemente com a invocação de que se considerou facto e tese nova, dada a ligação das questões, tal como colocadas pelo recorrente.
Refere o recorrente a nulidade da sentença, invocando que valora factos novos.
Alude a que “ex novo”, em sede de audiência e discussão de julgamento, pelas testemunhas HH e EE é trazido um facto novo nunca alegado, quer na nota de culpa, na decisão final de despedimento, quer na petição de motivação do despedimento – uma suposta amostra maior, tipo A4, da qual teriam sido retiradas diversas amostras. Refere o artigo 357.º nº 4, que “na decisão são ponderadas as circunstâncias do caso, nomeadamente as referidas no n.º 3 do artigo 351.º, a adequação do despedimento à culpabilidade do trabalhador e os pareceres dos representantes dos trabalhadores, não podendo ser invocados factos não constantes da nota de culpa ou da resposta do trabalhador, salvo se atenuarem a responsabilidade”.
Quanto à referencia a uma suposta amostra tipo A4, não se trata de facto novo, o facto em causa é a amostra a retirar, não o tamanho desta. A referencia é efetuada como eventual justificação para o facto de surgirem resultados muito semelhantes, o que no dizer da depoente HH, e EE, poe ter justificação no fato de terem sido introduzidas amostras individuais, advindas da mesma amostra, retirada de apenas uma carga e não como devia de várias cargas da mesma palete. A testemunha HH referiu ter encontrado uma amostra, com um tamanho aproximado de A4. Sendo certo que amostra inserida no reómetro fica inutilizada, contudo resulto esclarecido que da amostra retirada da palete, o técnico recorta a amostra para introduzir na maquina. No caso, refere-se, terá sido retirada uma amostra com dimensões maiores que permitia a retirada de várias amostras individuais, daí a homogeneidade dos resultados. Não se trata de facto novo, mas da circunstanciação de facto invocado.
Refere o recorrente que em sede de decisão final do procedimento disciplinar, é concluído – ponto 14 – que o trabalhador arguido, “(...) de modo continuado e premeditado, adulterava o processo de testagem, não efetuando os testes, mas registando os resultados como se os tivesse efetuado”, para em sede de julgamento a “tese” da entidade patronal é que, efetivamente, realizou os testes, mas sem cumprir os procedimentos ou – nova tese – que os realizou retirando uma amostra de maiores dimensões.

Do processo disciplinar resulta a imputação de que:

Ponto 8 da decisão:
“Do que foi possível apurar até à presente data, pelo menos nos dias 21/1/2021, 3/3/2021, 6/4/2021, 8/4/2021, 5/5/2021 e 7/5/2021 o arguido não cumpriu os procedimentos em vigor à recolha de amostras e à realização dos testes de conformidade, tendo, ao invés, efetuado vários testes à mesma amostra de composto.”

Ponto 14:
“no decurso desta averiguação… chegou-se à conclusão de que o arguido, de modo continuado e premeditado, adulterava o processo de testagem, não efetuando os testes, mas registando os resultados como se os tivesse efetuado”
O ponto 14, está na sequência do ponto 9, onde se referem resultados de testes, que, em virtude do lapso temporal entre a paletização do composto e a inserção do resultado do teste, torna impossível no entender da empregadora que os procedimentos tivessem sido cumpridos.
Os aludidos pontos constam da nota de culpa.
Como se vê dos pontos transcritos, não há qualquer alteração de tese. Saliente-se que o teor dos factos K e N constam da nota de culpa. O ponto 14 poderia levantar algumas dúvidas, contudo retira-se dele, dada a sua inserção, que no entender da ré, relativamente aos testes em causa, tendo em conta os períodos temporais, era impossível a sua realização.
Não incorre a sentença em qualquer nulidade.
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Refere o recorrente a falta de fundamentação, referindo que o tribunal não pode decidir com base em opiniões ou suposições.
O que o recorrente manifesta é discordância quanto ao decidido e relativamente à matéria de facto, salientando expressões das testemunhas como “ a opinião de que…”, “ficou com a opinião…” Não ter provas…”.
À fundamentação da matéria de facto aplica-se o disposto no artigo 607º, 4, do CPC. Quanto ao cumprimento ou não do dever de fundamentação importa ter em consideração o que dispõem os artigos 607º, 5 do C.P.C. e 396º do C.C., dos quais resulta que a apreciação da prova está sujeita ao princípio da livre apreciação (salvas as exceções expressamente consagradas), segundo prudente convicção do julgador. A fundamentação visa permitir além do mais o controlo da razoabilidade da convicção formada sobre o julgamento do facto.
A obrigação de fundamentação implica que o julgador indique quais os concretos meios probatórios considerados e quais as razões – objetivas e racionais -, pelas quais tais meios obtiveram no seu espírito credibilidade ou não. Nisto consiste a análise crítica da prova. Deve o julgador indicar a razão de credibilidade ou não credibilidade dos meios probatórios produzidos, deve indicar porque se deu crédito a determinada perícia, porque se acreditou numa testemunha e não noutra, - através designadamente da indicação de outros meios corroborantes ou não do testemunho, do modo como a testemunha depôs, reações, hesitações, interesse demonstrado perante o resultado do litigio… tudo o mais que na “imediação” possa servir para formar a convicção do julgador -.
Através da fundamentação deve compreender-se o “itinerário cognoscitivo” seguido para a consideração de determinado facto como provado ou não provado. A fundamentação é suficiente quando permite a perceção do itinerário seguido pelo julgador de facto, quando permite conhecer as razões por que ele decidiu como decidiu e não de outra forma. Isto independentemente de se concordar ou não com a análise efetuada, questão que se prende não já com a fundamentação, mas com a errada perceção dos meios de prova, a solicitar reação em sede do artigo 662º do CPC.
Quanto à falta de fundamentação, ou fundamentação insuficientemente, refere a al. d) do artigo 662º do CPC que a relação deve “determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados”.
No caso, resulta devidamente fundamentada a decisão relativa à matéria de facto, indicando-se relativamente a cada ponto os elementos de prova em que se sustentam. A referência descontextualizada a uma ou outra expressão proferidas pelas testemunhas não é de molde a ferir a fundamentação da decisão. Aliás, o mérito do depoimento é questão de erro do julgamento e não de vício de fundamentação.
Improcede o invocado vício.
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- Alteração da decisão relativa à matéria de facto:
- Pontos B; D c); K; N; P; F; AA dos Factos Provados e 3; 6 e 7 dos Factos Não Provados:
- Contradição entre os pontos K e N com o HH dos factos provados e entre o ponto P e o EE, também dos factos provados, sendo contraditórios entre si!
- Lapso no que respeita ao ano de admissão.
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(…)
Assim altera-se a resposta nos seguintes termos:
“c) recolher as amostras de borracha e reamostragens, normalmente retiradas no final da paletização pelo operador, para serem efetuadas análises no laboratório; sendo que para o efeito, recorta das ditas amostras os “discos” nas dimensões adequadas a serem introduzidas no reómetro.
F. a) finalizada a paletização dos compostos, recolher as amostras, retiradas do composto do Misturador #4 (produto da misturação) pelo operador;
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(…)
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- Da licitude ou não do despedimento e suas consequências.

Da ilicitude do despedimento:
Nos termos do artigo 351º do Cód. do Trabalho, "1- Constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.”
O nº 2 do mesmo artigo enumera alguns dos comportamentos que poderão ser tidos como justa causa de despedimento. Tal enumeração é exemplificativa, não dispensando a prova dos requisitos consagrados no nº 1 do normativo.
O comportamento deve assumir uma gravidada tal que seja impossível a manutenção da relação de trabalho, e é, que, segundo as regras da boa-fé, não seja exigível do empregador a manutenção da relação de trabalho, só devendo aplicar-se a pena máxima quando outra não baste para "sanar a crise contratual aberta pelo comportamento desviante do trabalhador".
A impossibilidade de subsistência da relação laboral há de resultar da repercussão do comportamento do trabalhador no futuro da relação.
Na apreciação da inexigibilidade da manutenção do vínculo laboral, deve atender-se ao comando do nº 3 do artigo 351º.
Apenas deve optar-se pelo despedimento quando num juízo de prognose sobre a viabilidade da manutenção do vínculo, ponderando-se todas as circunstâncias envolventes e os interesses em jogo, se concluir que a permanência do contrato constitui, de um ponto de vista objetivo, uma insuportável e injusta imposição ao empregador.

Refere-se na sentença recorrida:
“. No caso em apreço, a Ré imputou ao Autor a violação dos deveres previstos no artigo 128.º, n.º 1 alíneas c), e), f) e h) do Código de Trabalho.
Ora, da factualidade que vem dada como provada não restam dúvidas ao tribunal que o Autor, para além de não cumprir com diligência as tarefas inerentes ao seu cargo, colocou em causa os interesses patrimoniais da Ré, agindo livre e conscientemente, fazendo com que se quebrasse a confiança que a Ré tinha em si.
O artigo 128.º, n.º 1 alínea f) do Código do Trabalho, dispõe que “Sem prejuízo de outras obrigações, o trabalhador deve guardar lealdade ao empregador, nomeadamente não negociando por conta própria ou alheia em concorrência com ele, nem divulgando informações referentes à sua organização, métodos de produção ou negócios.”
Como ensina Monteiro Fernandes (in “Direito do Trabalho,” 16.ª edição, Almedina, Coimbra, 2012, págs. 199-201), «em geral, o dever de fidelidade, de lealdade ou de “execução leal” tem o sentido de garantir que a atividade pela qual o trabalhador cumpre a sua obrigação representa de facto a utilidade visada, vedando-lhe comportamentos que apontem para a neutralização dessa utilidade ou que, autonomamente, determinem situações de “perigo”(–) para o interesse do empregador ou para a organização técnico-laboral da empresa(–)», sendo que «o dever geral de lealdade tem uma faceta subjetiva que decorre da sua estreita relação com a permanência de confiança entre as partes (nos casos em que este elemento pode considerar-se suporte essencial de celebração do contrato e da continuidade das relações que nele se fundam)» e «apresenta também uma faceta objetiva, que se reconduz à necessidade do ajustamento da conduta do trabalhador ao princípio da boa fé no cumprimento das obrigações», sendo «o que resulta do art.º 126.º/1 CT, donde promana, no que especialmente respeita ao trabalhador, o imperativo de uma certa adequação funcional – razão pela qual se lhe atribui um cariz marcadamente objetivo – da sua conduta à realização do interesse do empregador, na medida em que esse interesse esteja “no contrato”, isto é, tenha a sua satisfação dependente do cumprimento (e do modo do cumprimento) da obrigação assumida pela contraparte».
Ora, atendendo à função exercida pelo Autor, e respetiva responsabilidade, o comportamento do Autor, mais do que as consequências que dele advieram, relevam na quebra da relação de confiança subjacente à natureza da relação laboral, e como consideramos que os seus comportamentos são claramente ilícitos, presumindo-se a culpa do trabalhador (artigo 799.º do Código Civil).
A questão que se coloca é, então, a de saber se tais comportamentos tornam impossível a manutenção da relação de trabalho com a Ré.
Afigura-se-nos que sim.
De facto, reitera-se que estamos perante um comportamento de tal forma grave que determinaram a perda da confiança do empregador no trabalhador, o que, por si só, põe naturalmente em causa, de forma irreversível, a base de confiança que se exige na execução das suas funções.
Facilmente se compreende que, depois deste comportamento do trabalhador, muito dificilmente a Ré poderia, no futuro, sentir a segurança necessária para que o trabalhador exercesse as suas funções no mesmo posto de trabalho.
Em face de todo o exposto, afigura-se-nos que o comportamento do Autor torna impossível a manutenção da relação de trabalho, não podendo a empregadora ser obrigada a manter um trabalhador que manipulou o resultado de testes, relevantes para o processo de fabricação do pneu, sendo a sanção disciplinar aplicada de despedimento com justa causa adequada e proporcional à gravidade da infração e à culpabilidade do trabalhador.”
Saliente-se a importância da atividade do autor no processo produtivo, com repercussão na qualidade do produto final, sobremaneira importante na atividade da ré, pois dessa qualidade em muito depende a segurança dos seus clientes. Qualquer problema a este nível tem potencial para ferir de forma relevante a boa imagem da ré no mercado, com repercussão nas vendas. Concorda-se com o juízo efetuado, sendo de confirmar a decisão.
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DECISÃO:

Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão.
Custas pelo recorrente.
2-3-23