Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
67/15.7GACBC.G1
Relator: PAULA ROBERTO
Descritores: INIBIÇÃO DE CONDUZIR VEÍCULOS MOTORIZADOS
SUSPENSÃO PROVISÓRIA DO PROCESSO
DESCONTO DO PERÍODO DE INIBIÇÃO CUMPRIDO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/06/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECUSO PENAL
Decisão: JULGADO IMPROCEDENTE
Sumário: Deve ser descontado na pena acessória de inibição de conduzir em que o arguido foi condenado o período em que o recorrente esteve inibido de conduzir em sede de suspensão provisória do processo.
Decisão Texto Integral: Acordam Relatora – Paula Maria Roberto
Adjunto – Fernando Pina, em conferência, na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:
I – Relatório
O arguido A. S., foi julgado em processo sumário, constando da respetiva sentença o seguinte dispositivo:
“Nos termos e pelos fundamentos expostos, o Tribunal decide:
a) Condenar o arguido A. S. pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.º 292.º, n.º 1, do Cód. Penal, na pena de 80 (oitenta dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), num total de 488,00 (quatrocentos e oitenta euros);
b) Condenar o arguido A. S., nos termos do artigo 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por um período de 8 (oito) meses;
c) Proceder ao desconto, na pena acessória de inibição de conduzir, do período temporal em que o arguido A. S. esteve já inibido de conduzir em sede de suspensão provisória do processo, que totalizou 8 (oito) meses e 15 (quinze) dias e, em consequência, declarar desde já extinta a pena acessória de inibição de conduzir, pelo cumprimento.
d) Condenar o arguido A. S. nas custas do processo, nos termos dos art.ºs 513.º, 514.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal e art.ºs 1.º, 2.º, 3.º , 5.º, 8.º, 13.º, e tabela III do Regulamento das Custas Processuais, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC´s, reduzida a metade em virtude da sua confissão – cfr. art.º 344.º, n.º 2, alínea c), do Cód. Proc. Penal.
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O Ministério Público, notificado desta sentença, veio interpor o presente recurso que concluiu da forma seguinte:
“ 1. No processo em epigrafe, foi o arguido audiência de julgamento condenado pela prática do referido crime na pena de oitenta dias de multa, à taxa diária de €6,00 (seis euros), num total de €480,00 (quatrocentos e oitenta euros) e condenado, nos termos do artigo 69º, nº1, alínea a ), do Código Penal, na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por um período de 8 (oito) meses;
2. Todavia, o Mmo Juiz a quo, mais decidiu, proceder ao desconto, na pena acessória de inibição de conduzir, do período temporal em que o arguido A. S. esteve já inibido de conduzir em sede de suspensão provisória do processo, que totalizou 8 (oito) meses e 15 (quinze) dias.
3. Todavia, salvo o devido respeito, não podemos acompanhar, nem nos conformamos com tal entendimento, na medida em que, desde logo, é flagrante a falta de fundamento legal para operar a um tal desconto.
4. Nos arts. 80.° a 82.° do Código Penal, não prevê qualquer desconto a aplicar na pena acessória de inibição de conduzir aplicada em sentença penal, no caso de incumprimento da suspensão provisória do processo.
5. Se o legislador pretendesse que se procedesse, no caso de prosseguimento do processo para julgamento, ao desconto, na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, do período de inibição de conduzir fixado na injunção, bastar-lhe-ia ter previsto isso mesmo. O que não fez.
6. o legislador tomou a sua posição ao dispor no nº 4 do art. 282.° do Código de Processo Penal que "o processo prossegue e as prestações feitas não podem ser repetidas", ou seja, o processo prossegue os seus trâmites habituais e tudo quanto o arguido cumpriu, não lhe pode ser devolvido.
7. Além de que, o arguido quando entregou a carta de condução fê-lo voluntariamente, no âmbito do cumprimento de uma injunção com que concordou e que visava a suspensão provisória do processo, nos termos do art. 281º do Cód. Proc. Penal. O Tribunal não coagiu o arguido a aceitar a aplicação da suspensão provisória do processo, o Tribunal apenas deu uma oportunidade ao arguido de se redimir da sua conduta ilícita, propondo-lhe o cumprimento de determinadas injunções, e este só anuiu, porque assim o quis.
8. o efeito de sanção que lhe está ligado assenta sempre na liberdade de decisão.
9. De acordo com o n.º 4, alínea a) do art. 282º do Cód. Proc. Penal, se o arguido não cumprir as injunções e regras de conduta o processo prossegue e as prestações feitas não podem ser repetidas.
10. Por prestações devem entender-se não apenas as dádivas ou doações pecuniárias mas também outras prestações, como a de abster-se de certas actividades (como a de conduzir) ou mesmo as de efectuar serviço de interesse público.
11. Por outro lado, a alteração introduzida no n.º 3, do art. 281.º, do CPP, pela Lei n.º 20/2013, de 21/2 não veio modificar a voluntariedade na aceitação dos deveres impostos na suspensão provisória do processo.
12. Ainda que o legislador tenha imposto a aplicação da injunção de proibição de conduzir veículos com motor, quando está em causa crime para o qual esteja legalmente prevista pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, tal não significa que não seja necessária a aceitação, de forma voluntária, por parte do arguido.
13. Não pode entender-se que a condenação, em julgamento, em pena acessória de inibição de conduzir, depois de ter sido cumprida a injunção de abstenção de conduzir, em suspensão provisória do processo, configura uma violação do princípio “ne bis in idem”, desde logo porque em termos técnicos não se pode falar nem em dois julgamentos, nem em duas penas em confronto.
14. A injunção a que o arguido se obrigou não lhe foi imposta, nem assumiu o carácter de pena ou sequer de sanção acessória.
15. A este propósito diz-se no “Código de Processo Penal Comentado” pelos Senhores Juízes Conselheiros António Henriques Gaspar, José António Santos Cabral, Eduardo Maia Costa, António de Oliveira Mendes, António Pereira Madeira e António Pires da Graça, Almedina, 2014: “ (..)Estas medidas não constituem obviamente sanções penais, caso contrário seria absolutamente inconstitucional, a sua imposição pelo Ministério Público (art. 202.º, n.º 1, da Constituição). Trata-se antes de medidas que impõem deveres (positivos ou negativos) ao arguido, como condição da suspensão, sendo a sua aceitação por parte deste necessária para a suspensão.”
16. Por todo o exposto, não nos parece, que seja admissível descontar o período de proibição de conduzir veículos motorizados que venha a ser aplicada ao arguido, na sentença penal, no caso de prosseguimento do processo, pelo que, em consequência, deverá a douta decisão ser revogada, não sendo de efectuar qualquer desconto na sanção acessória aplicada ao arguido e o mesmo cumprir os 8 (oito) meses de inibição, a que foi condenado .
V. Exas., porém, farão como for de JUSTICA!”
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O arguido apresentou resposta com as seguintes conclusões:
“(…) O que se evita com a suspensão provisória do processo é o julgamento, mas não a sanção acessória quando esta possa equivaler, materialmente, à imposição de uma injunção ou regra de conduta.
Aliás, se assim não fosse, estaríamos perante uma dupla punição, privando o arguido de conduzir veículos motorizados durante 16 meses e 15 dias, algo que extravasa claramente os limites de determinação da pena e de prevenção geral e especial que se exigem a este tipo de crime, por duas ordens de razões:
1. Atendendo aos antecedentes criminais do recorrido; e
2. Atendendo à taxa de álcool no sangue, a qual é muito próxima do limite mínimo que qualifica tal infracção como crime (1,37 g/l), não se vislumbra que ao mesmo fosse aplicada uma pena de 8 meses de inibição de condução, a título de pena acessória.
Pelo que, a vingar a tese do recorrente, o arguido, se bem que condenado em proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 8 meses, cumprirá efectivamente tal pena pelo período de 16 meses e 15 dias...
Pelo acima exposto, deve o recurso do Ministério Público improceder, mantendo-se a decisão proferida pelo Tribunal a quo.
Nesta conformidade, deverá o recurso ser julgado improcedente.
Fazendo, assim, V. EXAS, a habitual e necessária JUSTIÇA.”
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O Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu o douto parecer de fls. 191 e segs., no sentido de que deverá ser negado provimento ao recurso.
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Foi cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do C.P.P..
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Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos, foram os autos à conferência, cumprindo, agora, apreciar e decidir.
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II – Fundamentação
a) Matéria de facto provada constante da sentença recorrida:
1. No dia 15 de março de 2015, pelas 2h56m, na Rotunda da Boavista, Cabeceiras de Basto, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula …, com uma taxa de álcool no sangue de 1,37 g/l (após dedução do erro máximo admissível), que resultou da ingestão voluntária de bebidas alcoólicas.
2. O arguido sabia que não lhe era lícito conduzir alcoolizado, designadamente com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,20 g / l, e quis levar a cabo a conduta descrita.
3. Agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
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Mais se provou que:
4. O arguido é divorciado e reside com uma companheira em casa arrendada.
5. Exerce atividade profissional como motorista, auferindo vencimento mensal no valor de € 600,00.
6. A companheira exerce trabalhos ocasionais, recebendo um montante mensal inferior a € 250,00.
7. O arguido paga € 250,00 de renda de casa.
8. Paga, ainda, valor mensal médio de € 225,00 para os seus dois filhos.
9. Possui um veículo ligeiro de marca e modelo Seat Cordoba, de 1999.
10. Como habilitações literárias, possui a quarta classe.
11. Do certificado de registo criminal do arguido consta uma condenação no âmbito do proc. n.º 127/13.9GACBC, proferida pelo Tribunal Judicial de Cabeceiras de Basto, por sentença de 27/06/2013, transitada em julgado em 13/09/2013, pela prática de um crime de desobediência, praticado em 08/06/2013, tendo sido condenado numa pena de 60 dias de multa, bem como numa inibição de conduzir pelo período de 5 meses, tendo ambas as penas sido já julgadas extintas.
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b) - Discussão
De acordo com a jurisprudência fixada pelo acórdão do plenário das secções do STJ de 19/10/1995 (DR série I-A de 28/1271995) e conforme resulta do n.º 1, do artigo 412.º, do CPP, bem como, entre outros, do acórdão do STJ de 27/05/2010, disponível em www.dgsi.pt, o âmbito do recurso é delimitado pelas suas conclusões, com exceção das questões de conhecimento oficioso (artigo 410.º, do CPP).
Cumpre, então, apreciar a questão suscitada pelo recorrente, qual seja:
- Se o período em que o arguido esteve inibido de conduzir em sede de suspensão provisória do processo não deve ser descontado na pena acessória de inibição de conduzir em que o arguido foi condenado.
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Alega o recorrente que existe falta de fundamento legal para proceder ao desconto, na pena acessória de inibição de conduzir, do período temporal em que o arguido esteve inibido de conduzir em sede de suspensão provisória do processo; que o arguido ao entregar a carta de condução o fez voluntariamente, no cumprimento de uma injunção com a qual concordou; se o arguido não cumprir as injunções e regras de conduta o processo prossegue e as prestações feitas não podem ser repetidas, devendo entender-se como prestação a de abster-se de conduzir e, ainda, que a condenação em pena acessória de inibição de conduzir, depois de ter sido cumprida a injunção de abstenção de conduzir em suspensão provisória do processo, no configura uma violação do princípio “ne bis in idem” porque não se pode falar em dois julgamentos, nem em duas penas em confronto.
Vejamos, então, se lhe assiste razão.
A este propósito consta da sentença recorrida o seguinte:
Neste ponto, o arguido argumentou, em sede de contestação, que para efeitos de suspensão provisória do processo ficou inibido de conduzir durante 8 meses e 15 dias, devendo ser-lhe descontado tal período a sanção ora aplicada.
Vejamos.
Para efeitos de cumprimento da sanção acessória, o arguido entregou a sua carta de condução no dia 24 de Abril de 2015 (cfr. fls. 51).
Por seu turno, conforme consta de fls. 102, a carta de condução foi-lhe devolvida em 08/01/2016, o que perfaz um período total de oito meses e quinze dias.
A questão suscitada pelo arguido tem originado divergência jurisprudencial.
Na verdade, acórdãos há que propugnam que, tendo em conta as diversas naturezas da suspensão provisória e da pena efectiva, não deve haver lugar a desconto das injunções realizadas pelo arguido caso o mesmo venha a ser condenado – neste sentido vd, entre outros, os Acórdãos da Relação de Lisboa de 06/03/2012, proc. n.º 282/09.2SILSB.L1-5, e de 17/12/2014, proc. n.º 99/13.0GTCSC.L1.9, e da Relação do Porto, de 28/05/2014, proc. n.º 427/11.2PDPRT.P1, disponível in www.dgsi.pt.
Em sentido diverso, outra orientação jurisprudencial entende que a pena acessória deve ser objecto de desconto, já que, não obstante a diferente natureza e objectivos da aplicação de tal sanção em momentos processuais distintos, a sanção acessória aplicada em sede de suspensão provisória assume-se como uma verdadeira pena a aplicada ao arguido. Perfilhando esta posição vd, entre vários outros, os Acórdãos da Relação do Porto de 25/03/2015, proc. n.º 353/13.0PAVNF.G1.P1, da Relação de Guimarães de 22/09/2014, proc. n.º 7/13.8PTBRG.G1, e da Relação de Lisboa de 21/04/2016, proc. n.º 1855/13.4PULSB.L1-9, todos disponíveis in www.dgsi.pt.
Perfilhamos este segundo entendimento.
Na verdade, embora a suspensão provisória do processo tenha natureza voluntária, o legislador, no n.º 3 do art.º 281.º do Cód. Proc. Penal, estabeleceu a obrigatoriedade de aplicação da sanção acessória de inibição de conduzir nos casos em que o crime em causa prevê a condenação em tal sanção – por outras palavras, o legislador determinou que imperativamente fosse aplicada uma injunção a uma fase processual que se caracteriza pela sua voluntariedade e aceitação pelo arguido.
A aplicação imperativa da injunção de inibição de conduzir significa que tal injunção é, na verdade, uma verdadeira pena a ser cumprida. E, sendo uma pena, não se vislumbra qualquer diferença entre a sua natureza e a da sanção que venha a ser aplicada em sede de sentença.
Deste modo, o novo cumprimento, pelo arguido, da sanção acessória, levaria a uma violação do princípio “ne bis in idem”, razão pela qual deve proceder-se ao desconto do período de sanção acessória.
Assim, uma vez que o arguido foi condenado a oito meses de inibição de conduzir, e cumpriu já oito meses e quinze dias de inibição de conduzir como injunção de suspensão provisória do processo, consigna-se que tal pena já se mostra cumprida, pelo que se declara desde já extinta.”
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Apreciando a pretensão do recorrente:
Conforme resulta dos artigos 281.º e segs. do CPP, se o crime for punível com pena de prisão não superior a cinco anos ou com sanção diferente da prisão, o Ministério Público, oficiosamente ou a requerimento do arguido, determina, com a concordância do juiz de instrução, a suspensão do processo, mediante a imposição ao arguido de injunções e regras de conduta, sempre que se verificarem os pressupostos descritos no n.º1 do citado artigo 281.º.
Acresce que, são oponíveis ao arguido as injunções e regras de conduta previstas no n.º 2, do artigo 281.º, do CPP.
Por outro lado, <<sem prejuízo do disposto no número anterior, tratando-se de crime para o qual esteja legalmente prevista pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, é obrigatoriamente oponível ao arguido a aplicação de injunção de proibição de conduzir veículos com motor>> - n.º 3, do mesmo artigo 281.º.
Estamos perante o instituto da suspensão provisória do processo que constitui uma manifestação do princípio do consenso mas situada dentro dos limites da legalidade, posto que está sujeita aos pressupostos legalmente fixados, trata-se de “uma forma alternativa de processamento do inquérito, na sua fase final” Cfr. Conselheiro Maia Costa, CPP comentado, 2016, 2ª edição, Almedina, pág. 939..
As injunções e regras de conduta a que alude o artigo 281.º, do CPP, não são sanções penais, desde logo, porque impostas pelo Ministério Público. “Trata-se antes de medidas que impõem deveres (positivos ou negativos) ao arguido, como condição da suspensão, sendo a sua aceitação por parte deste necessária para a suspensão” Conselheiro Maia Costa, obra e página citadas., no entanto, é necessária a concordância do juiz.
Se o arguido não cumprir as injunções e regras de conduta ou, dentro do prazo de suspensão do processo cometer crime da mesma natureza pelo qual venha a ser condenado, o processo prossegue e as prestações feitas não podem ser repetidas – n.º 4, do artigo 282.º, do CPP.
Pois bem, face ao disposto nestes normativos, a questão em apreciação não tem merecido um tratamento uniforme por parte da jurisprudência.
Na verdade, uma corrente jurisprudencial tem entendido que a lei não permite que se proceda ao desconto do período de inibição de conduzir imposto em sede de suspensão provisória do processo, na pena acessória de proibição de conduzir imposta ao arguido por força do disposto no artigo 69.º, n.º 1, do CP, antes resultando do n.º 4, do citado artigo 282.º que o processo prossegue e as prestações feitas não podem ser repetidas.
Mais invocam a diferente natureza das injunções ou regras de conduta em sede de suspensão provisória do processo e das penas impostas por força do julgamento. Neste sentido, cfr., entre outros, os acórdãos da RL de 06/03/2012 e de 17/12/2014 e da RP de 28/05/2014, de 22/04/2015 e de 13/04/2016, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Já outra parte da jurisprudência, à qual aderimos, entende que deve proceder-se a tal desconto, apelando a um critério de justiça material, que atenda à equivalência de ambas as prestações numa perspetiva prática, substantiva e funcional.
Como se decidiu no acórdão da RP de 07/04/2016, disponível em www.dgsi.pt, que acompanhamos:
A injunção e a pena em causa decorrem da prática do mesmo crime. Tratando-se de uma proibição de condução de veículos motorizados, afectam de igual modo os direitos de circulação rodoviária do arguido.
Apesar da sua diferente natureza conceitual, têm funções de prevenção especial e geral equivalentes. A ausência do desconto em causa levaria a sancionar duplamente a mesma conduta (mesmo que não se considere, rigorosamente, que estamos perante uma violação do princípio ne bis inidem).
Invoca esta corrente, no que se refere à voluntariedade da injunção, por contraposição às penas, a redacção introduzida recentemente no n.º 3 do Art.º 281.º do Código de Processo Penal decorrente da Lei nº 2072013, de 21 de fevereiro: “…tratando-se de crime para o qual esteja legalmente prevista pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, é obrigatoriamente oponível ao arguido a aplicação de injunção de proibição de conduzir veículos com motor”.
Daqui decorre a obrigatoriedade desta injunção.
Quanto à regra decorrente do n.º 4 do Art.º 282.º do Código de Processo penal acima referida, entende esta corrente que o conceito de “repetição” tem o sentido que lhe é dado no direito civil e, por isso, dela decorre que não será possível reaver o que foi satisfeito (indemnizações já pagas ou contributos para instituições já entregues), mas não que prestações de facto (positivas ou negativas) já efectuadas tenham de ser efectuadas outra vez.
Em resposta à invocação da diferente natureza das injunções e das penas, invoca esta corrente jurisprudencial, por outro lado, que a inquestionavelmente diferente natureza da detenção e das medidas de coacção privativas da liberdade, por um lado, e das penas, por outro lado, não impede que o cumprimento daquelas seja descontado nestas, nos termos do Art.º 80.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal. E é assim, porque, apesar dessa diferença, há uma substancial equivalência entre elas. Substancial equivalência que também se verifica entre as injunções e as penas”.
Neste sentido, entre outros, os acórdãos desta RG de 22/09/2014, de 10/10/2016 e de 21/11/2016; da RP de 19/11/2014, de 25/03/2015, de 22/04/2015, de 16/12/2015, de 21/01/2016 e de 20/04/2016; da RL de 21/04/2016; da RC de 10/12/2014 e da RE de 11/07/2013.
Em suma, pese embora a diferente natureza da injunção de proibição de conduzir veículos com motor (n.º 3, do artigo 281.º, do CPP) e da sanção acessória de inibição de conduzir (artigo 69.º, n.º 1, do CP), uma vez que ambas emanam do mesmo crime e foram aplicadas ao arguido em fases distintas do mesmo processo e porque o desconto em causa se nos afigura mais justo e equitativo face à lei penal e aos princípios constitucionais consagrados nos artigos 29.º e 30.º, da CRP, impunha-se o desconto na pena acessória de 8 meses de proibição de conduzir em que o arguido foi condenado, do período de 8 meses e 15 dias da injunção de inibição de conduzir imposta ao arguido e já cumprida pelo mesmo em sede de suspensão provisória do processo, tal como consta da sentença recorrida.
Improcedem, assim, as conclusões do recorrente, impondo-se a manutenção da sentença recorrida em conformidade.
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III – DECISÃO
Nestes termos, sem outras considerações, acorda-se, em conferência, na improcedência do recurso, em manter a sentença recorrida
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Sem custas.
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* Guimarães, 2017/02/06

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(Paula Maria Roberto)

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(Fernando Pina)