Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
386/12.4TBVPA-A.G1
Relator: ESPINHEIRA BALTAR
Descritores: INJUNÇÃO
TÍTULO EXECUTIVO
ACRÉSCIMO DE JUROS
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
CITAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/16/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO - PRINCIPAL E SUBORDINADA
Decisão: APELAÇÕES IMPROCEDENTES
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- A injunção, como título executivo judicial impróprio, tem um regime jurídico específico, em que se inclui o acréscimo de juros de 5% ao ano, desde a aposição da fórmula executória.

II-A interrupção da prescrição do crédito de juros conta-se desde a citação e não dos cinco dias posteriores à propositura da ação executiva, porque a exequente tinha a possibilidade de requerer a citação prévia, não se aplicando o princípio geral do início da execução pela penhora, garantindo, assim, a interrupção da prescrição.
Decisão Texto Integral:
Acordam em Conferência na Secção Cível da Relação de Guimarães

Por apenso aos autos de execução comum n.º386/12.4TBVPA o Executado L. F. intentou contra a exequente Banco …, S.A. os presentes embargos de executado, alegando, em síntese, a deserção da instância por os autos se encontrarem sem impulso processual da Exequente há vários anos.
Alega também a prescrição dos juros para além dos últimos 5 anos.

Finalmente, alega que a sanção pecuniária reclamada nos autos apenas é devida desde a citação para os presentes autos executivos.
Concluiu pela procedência dos presentes embargos.

Após admissão liminar dos embargos oposição foi a exequente notificada, tendo apresentado contestação no sentido de ser alheia à demora do AE em proceder à citação do Executado sendo certo que a força executiva conferida à injunção apenas foi notificada ao exequente, na pessoa do advogado signatário, em 20/04/2012 e a execução embargada, foi instaurada aos 24 de Agosto de 2012.
Também alega que inexiste qualquer prescrição.

Por último alega que, nos termos do disposto no artigo 829º-A, nº 4 do Código Civil, a sobretaxa de 5% correspondente à sanção pecuniária compulsória é devida desde o trânsito em julgado da decisão dada à execução.
Concluiu pela improcedência da oposição à execução deduzida pelo executado.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento com observância do legal formalismo.

Foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos:

Pelo exposto, julgam-se parcialmente procedentes, por parcialmente provados, os presentes embargos de executado e, em consequência, determina-se o prosseguimento dos autos executivos para pagamento à Exequente da quantia exequenda, a qual será reduzida ao capital em dívida, acrescido dos acrescido dos juros vencidos e os vincendos, às taxas contratualmente fixadas, e ainda as demais despesas (com exclusão dos juros prescritos, nos termos supra decididos).
As custas serão suportadas pelo Executado/Embargante e pela Exequente/Embargada na proporção do decaimento.
Notifique e registe.”

Inconformado com o decido o embargante/executado interpôs recurso de apelação formulando as seguintes conclusões:

“1, º - Entende o recorrente ter sido incorrectamente julgados factos relevantes para a boa decisão, designadamente o facto 8. dos factos provados, tendo sido incorrectamente interpretadas e apreciadas as provas produzidas a seu respeito.
2.2 - Está o recorrente inconformado, ainda, pela decisão proferida pelo Tribunal a quo, que determinou que é devida sanção pecuniária compulsória desde a data da aposição de fórmula executória, ou seja, desde 16/04/2012, cfr. 3.2 parágrafo da penúltima folha da sentença.
3.2 - Inconformado, ainda, pelo facto de ter existido uma incorrecta interpretação e aplicação do direito.
4.2 - Entendemos que, ao contrário do Tribunal a quo, os autos estiveram parados ao longo de mais de 6 anos, sem o devido impulso processual, por negligência do exequente/agente de execução, com o consequente aumento do valor dos juros, sanção pecuniária compulsória e despesas e honorários com agente de execução, os quais, contabilizados, ascendem a vários milhares de euros, sendo o executado, eventual devedor de tais montantes, completamente alheio a esta "paragem processual".
5.º - Nem o Exequente, nem o Agente de Execução (adiante, AE) promoveram ao longo destes quase 6 anos, como lhe competiam, pelas efectivas diligências de penhora de bens, tendo, ao longo desse tempo, protelado o processo com actos, que não são actos processuais para efeitos de "impulso processual", originado a "paragem do processo" por mais de 6 meses, inúmeras vezes ...
A título exemplificativo,
6.2 - Em 10/12/2012 (ref. Citius 305765) o AE foi notificado pejo Serviço de Finanças de …, da existência de duas viaturas em nome do executado. Não promoveu pela penhora dos mesmos, nem nesta data, nem posteriormente.
7.2 - Em 23/08/2013, fez o Sr. AE com as actualizações estatísticas e consultas a base de dados (ref. Citius 317794 e 317794). Estas consultas não são "actos processais" que originem o impulso processo. Além do mais, apesar destas consultas, continuou sem promover pelas penhoras das duas viaturas referidas.
8.2 - Em 04/06/2014, efectuou duas consultas ao Registo Predial (ref. Citius 350578 e 350583), de um prédio sito na Freguesia da …, em Bragança, cujos titulares inscritos nenhuma ligação têm ao presente processo.
9.2 - Desde Maio de 2014 até 09/03/2016, ou seja, durante cerca de 22 meses, nenhum acto de pesquisa de bens foi efectuado nos autos, nem concretizada nenhuma penhora de bens e nenhum documento comprovativo existiu nos autos neste período com efectivo registo de penhoras de imóveis, móveis, créditos ou salariais. Apesar disso, e apesar de saber que em 10/12/2012 existiam duas viaturas em nome do executado Exequente e AE continuaram sem concretizar a penhora das duas viaturas referidas supra.
10.2 - Em 09/03/2016(ref. Citius 787312), o Sr. AE, efectuou consulta à base de dados da Segurança Social, onde obteve a informação sobre o montante do salário do executado, e, mais uma vez, não tendo promovido pela sua penhora, nem por qualquer outra sobre veículos.
11.2 - Na mesma data, 09/03/2016 /ref. Citius 787313), o Sr. AE efectuou consulta ao Serviço de Finanças, onde obteve a informação sobre a existência de herança, do qual o executado tenha o seu quinhão hereditário, e, uma vez mais, o AE não promoveu pelo respectiva penhora, nem por qualquer outra salarial ou sobre veículos, apesar de saber da sua existência ...
12.2 - Ao longo do ano de 2016, como facilmente se verifica ao longo dos actos praticados constantes no citius, o Sr. AE apenas actualizou estatisticamente o processo efectuou consultas à Segurança Social e Serviço de Finanças, continuando sem efectivar as penhoras, apesar das informações positivas sobre a existência de bens/salário do executado.
13.2 - Dos 4 actos praticados no ano de 2017 (ref. Citius 1230192, 1325378, 1400281 e 1492701), consultas à Seg.Sociaf e Serviço de Finanças, em todos apareceu a existência de bens/direitos/créditos penhoráveis, tais como veículos, quinhão hereditário, salário, .... E, mais uma vez, ao longo do ano de 2017, o Exequente e Sr. AE não efectivaram qualquer penhora sobre os mesmos, com o consequente avolumar do montante dos juros, e/ou sanção pecuniária e despesas e honorários com AE, eventualmente devidos pelo executado.
14.2 - Desde 30/05/2014 até 01/08/2015 (15 meses), e desde 01/08/2015 até 03/03/2016 (8 meses), conforme se pode verificar pela consulta no citius nas datas referidas, houve total omissão de prática de actos pelo exequente e AE.
14.º • Apenas no ano de 2018 é que o Sr. Agente de Execução/Exequente, promovem pela efectiva penhora de bens/salários e créditos, dos quais o executado apenas foi citado em Novembro de 2018.
15.2º- Desde o início do processo executivo (Dezembro de 2012), Exequente e AE poderiam ter efectivado penhora de bens e, como isso, prosseguirem os autos para a citação do executado, poupando ao mesmo vários milhares de euros que ao longo dos anos se foram acumulando, a título de juros e/ou sanção pecuniária e montante das despesas e honorários devidos a AE.
Ao invés,
16.º - Não praticaram actos processuais ao longo daqueles quase seis anos, mas apenas consultas a bases de dados, informações sobre estado do processo e informações estatísticas, conforme resulta do registo dos actos constantes no citius no âmbito do processo de que este é apenso, os quais, no nosso modesto entedimento, não são considerados actos processuais para fins de impulso processual.
17.º - O executado só em Novembro de 2018 foi citado para fins de oposição à execução, desconhecendo, até essa altura, que tinha sido movida uma execução contra ele, conforme resulta dos autos e também do depoimento da testemunha P. B., esposa do executado (depoimento se encontra gravado através do sistema de gravação digital, com início às 14:23:01 e fim às 14:32:38, conforme acta de julgamento do dia 14/05/2019), do minuto 03:40 ao minuto 06:00.
18.º - Uma correcta apreciação dos "actos" praticados pelo Exequente/AE ao longo dos anos de 2012 a 2018, concatenados com o depoimento da testemunha supra referida, implicaria o julgamento do facto 8. em crise como não provado e, consequentemente, deveria, a Meritíssima Juiz ter julgado deserta a instância, ao abrigo do disposto no artigo 281.º n.º 5 do CPC, com a consequente extinção da instância nos termos do disposto no artigo 277.º c) do cpc.
19.º• Decidiu, ainda, o Tribunal a quo, no 3.º parágrafo da penúltima folha da sentença que "( ... ) é devida a sanção pecuniária compulsória a que alude o nº 4 do art. 829.º do Código Civil desde o trânsito em julgado da sentença condenatória, ou seja, no caso concreto, desde a aposição de fórmula executória no requerimento executivo, a qual ocorreu em 16/04/2012, o que se decide."
20.º - Entendemos que o Tribunal a quo fez uma incorrecta aplicação e interpretação do direito, ao decidir nos moldes referidos no parágrafo antecedente.
21,º - Dispõe o artigo 21.º n.º 2 do DL 269/98 de 1 de Setembro que a execução fundada em injunção tem como limites as importâncias a que se refere a alínea d) do artigo 13.º do mesmo diploma legal, e esta alínea d) do n.º 1 do art,º 13. preceitua que o conteúdo da notificação deve conter "A indicação de que, na falta de pagamento da quantia pedida e da taxa de justiça paga pelo requerente, são ainda devidos juros de mora desde a data da apresentação do requerimento e juros à taxa de 5% ao ano a contar da data da aposição da fórmula executória".
22.º O requerimento de injunção (título executivo) é omisso no respeitante a este última parte do referido artigo, não contendo a alusão de que é também devida a taxa respeitante à sanção pecuniária compulsória, pelo que, no modesto entendimento do recorrente, não lhe pode ser exigido o pagamento do valor peticionado a esse título, desde a data da aposição da fórmula executória até 16/11/2018.

E ainda que assim se não entenda,
23.º - A ser devida qualquer quantia a título de sanção pecuniária compulsória, a mesma só é devida, desde a citação, ou seja, 16/11/2018, conforme é entendimento da mais ampla doutrina e jurisprudência.
24.º - É inexigível o valor peticionado pela exequente, a título de sanção pecuniária compulsória, desde a data da aposição da fórmula executória (16/04/2012) até à data da citação (16/11/2018).
25.2 - E nesse sentido, dispõe o acórdão do STJ de 16/02/2012 (Proc. 286/07.0TVLSB.Ll.S1 - 2.ª secção), no ponto XIX do seu sumário que: "Sendo pedida no requerimento executivo, o momento a partir da qual os juros de 5% ao ano são devidos é aquele a partir do qual o crédito do exequente fica definido: desde a data da citação para a execução ou, caso sejam deduzidos embargos, desde a data do trânsito em julgado da sentença que os julgou improcedentes."
26.º - Entendemos que a obrigação exequenda não é exigível e, sendo a exigibilidade um dos requisitos da exequibilidade do título executivo, o mesmo, não se verificando, estamos perante um título inexequível.
27.2 - Os embargos de executado fundam-se, também, na inexequibilidade do título executivo para o pedido deduzido e na inexigibilidade da dívida exequenda ao aqui executado/recorrente, nos termos do artigo 729.2, alínea a) e e) do CPC.
28.º - Errou, por isso o Tribunal a quo, na sua aplicação e interpretação do direito, pelo que a sentença, no que a esta questão diz respeito, deveria ter sido, no nosso modesto entendimento, e pelas supra alegadas razões, no sentido de julgar inexequível o título executivo e inexigível a dívida exequenda ou ser julgado devido o montante da sanção pecuniária compulsória apenas desde a data da citação (16/11/2018).
29.º Foram violados, directa e ou indirectamente, o disposto nos atigos 281.º n.º5 e 277.º C, ambos do CPC, artigo 5.º do CPC, artigo 21.º n.º 2 e 13.º n.º 1 d) do Dl 269/98 de 1 de Setembro, art.s 20.º da CRP, entre outros.

Nestes termos,
Nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento de V.ªs Ex.ªs, deve ser revogada a sentença em apreço, sendo substituída por acórdão onde se decida nos termos preditos.
Assim se fazendo a já costumada Justiça.”

A Exequente/embargada interpôs recurso subordinado, formulando as seguintes conclusões:

“1. Errou o Tribunal a quo ao entender que, no caso dos autos, o facto interruptivo da prescrição não é a insaturação da execução mas sim a citação do executado e, portanto, decidir declarar prescritos os juros referentes ao período decorrido desde 26/11/2011.
2. A decisão recorrida interpreta e aplica erradamente o disposto nos artigos 323º, nº 2 e 326º do Código Civil, subverte o fundamento substantivo do instituto da prescrição e, assim, penaliza injustamente o exequente que diligentemente fez o que podia fazer para cobrar o seu crédito privando-o dos juros que lhe são devidos com referência ao período decorrido desde 26/11/2011 até 16/11/2013.
3. O prazo de prescrição que teve início na data da notificação ao requerente da aposição da fórmula executória no requerimento de injunção que constitui o título executivo dos autos apensos interrompeu-se por mero efeito da instauração de processo de execução nos termos do artigo 323º, nº 2, do Código Civil.
4. Com efeito, o título executivo dos autos apensos - requerimento injuntivo ao qual foi aposta fórmula executória - determina que a execução siga a forma sumária.
5. Na execução apensa, apenas depois de concretizada a penhora se pode proceder à citação do executado.
6. Nenhum acto omissivo ou negligente pode ser imputado ao Exequente na tramitação dos autos principais de execução.
7. Assim, há que concluir, nos termos do artigo 323º, nº 2, do Código Civil, que o prazo de prescrição iniciado após a notificação ao mandatário do exequente da decisão de conferir força executiva ao requerimento de injunção, interrompeu-se logo que decorridos 5 dias após a instauração da referida execução, isto é em 24/08/2012 e que esse efeito interruptivo da prescrição manter-se-á enquanto não
for posto termo àquela instância ou não se verificar nenhum dos factos previstos no nº. 2 do artigo 327º Código Civil.
8. Portanto, a decisão recorrida não pode manter-se porquanto interpreta e aplica erradamente o disposto nos artigos 323º e326ºdo Código Civil devendo ser substituída por acórdão que reconheça inexistir a prescrição dos juros reclamados pelo exequente
Termos em que deve conceder-se provimento ao presente recurso, e, por via dele, revogar-se a sentença recorrida, substituindo-se a mesma por acórdão que reconheça inexistir a prescrição dos juros reclamados pelo exequente como é de inteira JUSTIÇA”

Das conclusões dos recursos ressaltam as seguintes questões:

A. Recurso do Embargante

1. Alteração da resposta positiva para negativa ao ponto 8º da matéria de facto provada.
2. Se em face da reversão da resposta ao ponto 8º da matéria de facto questionada é de julgar deserta a instância nos termos do artigo 285 n.º 5 e 277 al. c) do CPC.
3. Se é devida a sanção pecuniária compulsória ao abrigo do disposto no artigo 829-A n.º 4 do C. Civil.
4. Subsidiariamente, se os juros são apenas devidos a partir da citação – 16/11/2018.
5. Se o título é exequível.

B. Recurso subordinado da Exequente/Embargada

1. Se a prescrição dos juros se interrompeu 5 dias após a instauração da ação executiva – 24/08/2012 - e se a interrupção se manteve por não se verificar nenhum dos factos previstos no artigo 327 n.º 2 do C.Civil.

Vamos conhecer das questões enunciadas.

A1. Alteração da resposta positiva para negativa ao ponto 8º da matéria de facto provada.

O ponto de facto impugnado teve a seguinte resposta:

“Os autos executivos deram entrada em juízo em 24/08/2012 e, desde essa altura até Novembro de 2018, foram sempre efetuadas várias diligências de consulta de bens do executado e tentada a penhora de bens de sua pertença, incluindo penhora de bens móveis e vencimento, sendo certo que o AE, apenas na data mencionada em 6) logrou concretizar a penhora de bens do Executado.”

O embargante/apelante discorda desta resposta porque o AE teve conhecimento, a 10/12/2012, da existência de duas viaturas em seu nome e não as penhorou. E efetuou consulta à base de dados da Segurança Social, a 9/03/2016, onde obteve informação sobre o montante do salário do Executado/Embargante e não promoveu a sua penhora (Citius ref. 787312). Na mesma data consultou a base de dados das Finanças onde obteve informação da existência de herança onde o Executado tinha o seu quinhão e não promoveu a sua penhora. E no ano de 2017, de quatro consultas que fez às bases de dados da Segurança Social e Finanças apareceu a existência de bens penhoráveis e não promoveu a sua penhora (ref. 1230192, 1325378, 14000281 e 1492701). Teve períodos de tempo que não realizou qualquer ato com vista à descoberta de bens para penhora.

Indica como meio de prova a análise dos atos levados a cabo pelo AE no processo executivo e no depoimento da testemunha P. B..

O tribunal recorrido motivou esta resposta e as outras com o seguinte:

“ Os factos supra dados como provados resultam da documentação junta aos autos principais de execução e aos presentes autos de embargos, tendo-se em conta, designadamente, requerimento executivo de onde resulta a data da entrada em juízo da execução, o teor do título executivo (injunção à qual foi aposta fórmula executória no Balcão nacional de Injunção), a citação do Executado junto aos autos principais de execução e o aviso de receção assinado em 16/11/2018 (junto aos autos em 26/11/2018 na ref.ª1804895), o auto de penhora junto sob ref.ª1783438 e o depoimento das testemunhas oferecidas pelo Executado/Embargante prestado em audiência de discussão e julgamento.
A testemunha P. B., esposa do Executado, confirmou que ela e o marido sabiam que o Executado não pagou tudo o que devia à Exequente, tendo ficado com uma dívida no valor de 6.500,00€, o que corresponde ao capital reclamado nos autos principais pela Exequente.
Confirmou que, na data em que foram notificados da injunção (início de 2012), já estava casada (casou em Fev. de 2011).
Esclareceu que contactaram um advogado que lhes disse que a Exequente queria 6.500,00€ mas sabe que o marido propôs pagar 250,00€ mensais, o que não foi aceite pela Exequente, tendo o Advogado mandado que aguardassem, o que fizeram.
Confirmou também que recebeu, até porque resulta do AR, que foi a ora testemunha que assinou tal documento, a citação para a execução.
Por outro lado, a testemunhas G. L., mãe do Executado, referiu que é viúva e que, por óbito do seu marido, não fizeram partilha mas comunicaram às Finanças o dito óbito.
O predito permitiu ao tribunal formar a sua convicção nos termos sobreditos.”

Da análise dos atos do AE resulta que fez uma consulta, a 17/09/2012, à conservatória do Registo Automóvel e à Autoridade Tributária e encontravam-se registados, em nome do executado/embargante um veículo automóvel de matrícula NF, (motociclo) Kawasaki, do ano de 1999, em que na AT constava que não era pago o imposto de circulação e o veículo automóvel de matrícula UL, Opel Corsa, com uma hipoteca a favor da … – Instituição Financeira, do ano de 2002, e que na AT constava que não era pago o imposto de circulação desde 2006.

Não havia interesse em penhorar estes veículos automóveis, face à sua idade, aos encargos que tinham (o Opel corsa com hipoteca) e ao crédito já existente a favor da AT, com preferência. Só se devem penhorar bens que sejam capazes de gerar ativos para o exequente, caso contrário é preferível não penhorar para evitar despesas.

Feita uma consulta à AT. A 9/03/2016, apareceu a informação de que em nome do executado existia um quinhão hereditário por óbito de alguém, a 25/11/2008, com o NIF ....

E depois de pedida uma informação à AT. a 10/03/2016, por carta registada, recebeu-a a 29/03/2017, em que é mencionado a existência de um veículo automóvel de matrícula RV, Honda TRX 400 EX, do ano de 2001, cujo último pagamento do imposto de circulação ocorreu no ano de 2008 e o nome do executado como herdeiro por óbito de alguém cuja herança indivisa tinha o NIF ....

O AE efetuou outras diligências com vista a encontrar bens penhoráveis, o que conseguiu a nível do trabalho, mas o salário encontrava-se dentro da retribuição mínima mensal garantida, vindo a ter sucesso nesse ponto a 11/01/2019, com a realização de um auto de penhora.

A 6/11/2018 elaborou o auto de penhora do quinhão hereditário do executado ordenando a citação do executado e a notificação do cabeça de casal, o que não foi fácil.

Das várias diligências e tentativas de descoberta de bens constata-se que o executado dificultou imenso a descoberta de bens, com divergências da sua residência oficial e real, impedindo a apreensão do recheio da sua casa.

Daí que não se possa censurar a atividade do AE e da Exequente, que tentaram, por várias maneiras, encontrar bens capazes de garantir o pagamento da dívida. E pensamos que só com a informação da AT. sobre a existência do quinhão hereditário a favor do executado é que o AE e a Exequente acreditaram que era possível garantir o pagamento, pelo que foi ordenada a penhora.

A esposa do executado, sobre a atividade do AE e da Exequente revelou nada saber. Apenas frisou que após ter rececionado a notificação da injunção e de ter falado com um advogado não receberam mais qualquer notificação a não agora a citação após a penhora.

Em face do exposto é de manter a resposta questionada ao ponto 8 da matéria de facto provada.

Vamos fixar a matéria de facto provada.
“Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos:

1.Pelo requerimento de Injunção datado de 2011/12/26 e identificado com o n.º312697/11.2YIPRT.5YIPRT, a Exequente requereu junto do Balcão Nacional de Injunções a notificação do Executado L. F. para proceder ao pagamento da quantia de € 7.705,10.
2. O Requerido não apresentou oposição à Injunção nem efetuou o pagamento no prazo concedido para o efeito, pelo que foi pelo Balcão Nacional de Injunções tendo sido aposta fórmula executória ao requerimento em 2012/04/16.
3. O Executado e sua esposa têm conhecimento que ficaram a dever à Exequente, a título de capital, a quantia de 6.500,00€.
4. O Embargante/Executado teve conhecimento da referida injunção e contactou um advogado, oferecendo-se para efetuar o pagamento da quantia referida em 3) em prestações mensais no valor de 250,00€, o que não foi aceite pela Exequente.
5. O Executado residiu no Sítio …, Cerva.
6. Nos autos principais de execução foi lavrado, em 06/11/2018, um auto de penhora em que foi penhorado o Quinhão hereditário que o executado L. F. detém na herança com NIF..., aberta por óbito de A. B., composta pelos bens relacionados no Imposto de Selo.
7. Em 16/11/2018 o Executado foi simultaneamente citado para, querendo, pagar, deduzir oposição à execução e à penhora na Rua ….
8. Os autos executivos deram entrada em juízo em 24/08/2012 e, desde essa altura até Novembro de 2018, foram sempre efetuadas várias diligências de consulta de bens do executado e tentada a penhora de bens de sua pertença, incluindo penhora de bens móveis e vencimento, sendo certo que o AE, apenas na data mencionada em 6) logrou concretizar a penhora de bens do Executado.”

A2 Se em face da reversão da resposta ao ponto 8º da matéria de facto questionada é de julgar deserta a instância nos termos do artigo 285 n.º 5 e 277 al. c) do CPC.

Uma vez que não houve alteração à resposta ao ponto 8º da matéria de facto provada e questionada fica prejudicado o conhecimento da deserção da instância executiva ao abrigo do disposto no artigo 285 n.º 5 e 277 al c) do CPC.

A3. Se é devida a sanção pecuniária compulsória ao abrigo do disposto no artigo 829-A n.º 4 do C. Civil.

O tribunal recorrido, depois de tecer várias considerações doutrinárias e jurisprudenciais sobre a aplicação do artigo 829-A n.º 4 do C.Civil, chegou à conclusão que é uma norma aplicável a todas as obrigações pecuniárias, traduzindo-se numa pressão do devedor no sentido de cumprir a obrigação a que está adstrito, de que resulta um benefício para o credor e uma credibilidade para as decisões judiciais. E esta aplicação é de natureza legal, impondo-se automaticamente, independentemente de ser alegada pelas partes nas ações declarativas ou executivas. São devidos juros à taxa de 5% ao ano desde o trânsito em julgado da decisão, que no caso em apreço contam-se a partir da aposição da fórmula executória, porque se está perante uma injunção que não foi contestada.

O embargante/apelante insurge-se contra o decidido alegando, em síntese, que a decisão violou o disposto no artigo 21 n.º 2 conjugado com a al. d) do n. º1 do artigo 13, ambos do DL. 269/98 de 1/09, na medida em que não consta do requerimento de injunção o pedido da sanção compulsória prevista no artigo 13 n.º 1 al d) do mesmo diploma, e isto porque a execução não pode ultrapassar os montantes referidos na al. d) do n.º 1 do artigo 13 deste diploma.

Os normativos indicados pelo embargante/apelante inserem-se num diploma especial para cobrança de prestações pecuniárias, neste caso, fundado num requerimento em que não houve oposição. É um diploma de natureza adjetiva, em que regula uma forma expedita de cobrança de dívidas. No artigo 10º deste diploma são definidos os termos em que deve ser preenchido o requerimento cujo modelo foi aprovado pelo Ministério da Justiça. E o artigo 13º refere-se ao conteúdo e efeito da notificação do requerimento. É uma norma dirigida ao tribunal onde foi apresentado o requerimento. E uma das imposições, que deve constar da notificação, é a comunicação do devedor que “…são ainda devidos juros de mora desde a data da apresentação do requerimento e juros à taxa legal de 5% ao ano a contar da data da aposição da fórmula executória”. E da análise do artigo 10º, já aludido, não consta a obrigação do credor em requerer que seja aplicada a taxa de 5% ao ano a título de juros desde a data da aposição da fórmula executória, caso não seja paga a quantia pedida e a taxa de justiça. A indicação desta sanção, na própria notificação, é obrigatória para quem está a cumpri-la, o que demonstra que emerge dum preceito legal e não da vontade do credor, estando em linha com o artigo 829-A n.º 4 do C. Civil, que instituiu a sanção pecuniária compulsória.

Assim é de considerar que é aplicável, ao caso, a sanção pecuniária compulsória no segmento do acréscimo de juros à taxa de 5% ao ano, até integral pagamento.

4. Subsidiariamente, se os juros são apenas devidos a partir da citação – 16/11/2018.

O tribunal considerou que os juros de 5% ao ano, ao abrigo do disposto no artigo 829-A n.º 4 do C. Civil são devidos a partir da aposição da fórmula executória porque entendeu que um requerimento injuntivo é equivalente a uma decisão judicial, para efeitos da interpretação do artigo 829-A n.º 4 do C. Civil.

O embargante/apelante defende que a ser aplicável a sanção pecuniária compulsória, traduzida no acréscimo de juros à taxa de 5% ao ano, será devida a partir da citação da execução – 16/11/2018 - e não da data da aposição da fórmula executória.

Apesar da injunção ser considerada pela doutrina como um título executivo judicial impróprio, e, como tal, não idêntico a uma decisão judicial (Lebre Freitas Ação Executiva, 6ª edição, Coimbra Editora, pag. 78), tem uma regulamentação especial prevista nos artigos 7º a 21º do DL. 269/98 de 1/09. E no artigo 13 al d) está prevista a notificação do requerido para acréscimo de juros à taxa de 5% ao ano a contar da data da aposição da fórmula executória. E esta notificação fará parte integrante do requerimento de injunção que será fundamento de uma eventual execução a deduzir, futuramente, como ocorreu no caso em apreço. Daí que os juros de 5% ao ano, que se traduzem na sanção pecuniária compulsória, estejam já definidos no título executivo por força da lei, pelo que são devidos desde a aposição a fórmula executória e não da citação, face à especificidade do título executivo.

A5. Se o título é exequível.

O embargante/apelante defende que o título executivo é inexequível quanto à sanção pecuniária compulsória já contabilizada, porque se vence a partir da citação e não da aposição da fórmula executória. Como o já referimos, estamos perante um título executivo judicial impróprio, com uma regulamentação especial, que lhe é aplicável, e que indica que os juros em causa se contam desde a aposição da fórmula executória. Daí que o título executivo em apreço seja exequível, também, nesta parte.

B1. Se a prescrição dos juros se interrompeu 5 dias após a instauração da ação executiva – 24/08/2012 - e se a interrupção se manteve por não se verificar nenhum dos factos previstos no artigo 327 n.º 2 do C.Civil.

O tribunal recorrido decidiu no sentido da prescrição dos juros peticionados desde 26/11/2011 a 16/11/2013, porque o ato interruptivo da prescrição ocorreu com a citação (16/11/2018) e não com a propositura da ação executiva (24/08/2012), sendo o prazo prescricional de 5 anos (artigo 310 al. d) do C. Civil).

A exequente/apelante subordinada defende que a interrupção se verificou 5 dias após a instauração da ação executiva, porque se está perante um processo executivo sumário, que começa pela penhora de bens e, posteriormente, ou concomitantemente, com a citação do executado. A exequente, após ter obtido força executiva do requerimento de injunção apresentou a respetiva ação executiva para reaver o seu crédito, não lhe sendo imputável a demora na obtenção de bens penhoráveis e da respetiva citação do executado. Daí que não possa ser penalizada com o decurso do tempo que ocorreu, posteriormente, a cinco dias após a propositura da ação executiva.

A questão que se coloca é a de saber se os fundamentos da prescrição, mormente da sua interrupção, são aplicáveis ao caso em apreço.

A prescrição visa, essencialmente, proteger o comércio jurídico, garantindo a certeza e a segurança das relações jurídicas, penalizando, simultaneamente, a negligência do credor no exercício dos seus direitos. Daí o elenco de um conjunto de prazos para o exercício dos direitos, sob pena da sua extinção.

Mas para que o prazo não corra, é necessário que o titular do direito manifeste vontade de o exercer, materializada na propositura da respetiva ação, com conhecimento do devedor. Não basta introduzir o feito em juízo. É necessário que o devedor saiba que o credor está a exercer o seu direito. Daí que tenha enunciado no artigo 323 n.º 1 duas formas de transmitir ao devedor o exercício do direito – a citação ou a notificação judicial.

E no caso de a citação ou notificação não ocorrer no prazo de 5 dias, desde que esta falta não seja imputável ao credor, ficciona-se a citação ou notificação do devedor, ou seja, considera-se citado ou notificado, verificando-se a interrupção da prescrição.

No caso em apreço, o processo executivo começou pela penhora nos termos do artigo 812-C al b), conjugado com o disposto no artigo 812-F n.º 1 do CPC, vigentes à data da propositura da ação executiva (24/08/2012), porque a exequente não solicitou a citação prévia do executado. Era um direito que a exequente tinha em requerer a citação prévia do executado, que não exerceu. Daí que se tenha aplicado o princípio geral de o processo iniciar-se com a penhora e, depois da sua concretização, proceder-se à citação do executado.

A lei permite a penhora antes da citação prévia por razões de celeridade processual e proteção do exequente surpreendendo o executado, evitando, a grande maioria das vezes, o desvio do seu património. Mas o exequente pode requerer a citação prévia com vista a proteger-se da prescrição do seu crédito, nos termos do artigo 323 n.º 1 e 2 do C. Civil. Pois, segundo este último normativo, se a citação não se fizer dentro dos cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, considera-se interrompida a prescrição decorridos os cinco dias.

Daí que, tendo a exequente à sua disposição de um instrumento jurídico protetor da prescrição do seu crédito, e não o tendo exercido, oportunamente, correu o risco de ver a penhora demorar e a citação ocorrer cerca de 6 anos após a propositura da ação executiva. Para beneficiar da possibilidade de surpreender o executado com a penhora, descurou a segurança da interrupção da prescrição do seu crédito.

Em face do exposto, julgamos que não é aplicável ao caso, como facto interruptivo da prescrição, a data da propositura da ação executiva acrescida de 5 dias, como defende a exequente, invocando uma decisão singular da Relação de Lisboa, datada de 23/08/2017, que se apoia no disposto no artigo 812-A nº 1 al. a) e 812-B n.º 1 do CPC para concluir que não era possível ao exequente beneficiar do prazo de cinco dias após a citação para os termos do artigo 323 n.º 2 do C.Cicil, porque o processo teria de iniciar-se, por força dos normativos apontados, com a penhora a que se lhe seguiria a citação.

O certo é que estes normativos já não estavam em vigor à data da propositura da ação executiva em discussão, tendo sido revogados pelo DL 226/2008 de 20/11. E, ao abrigo do disposto nos artigos que apontamos, a exequente poderia requerer a citação prévia, protegendo-se contra a prescrição.

Concluindo: 1. Considerou-se que a injunção, como título executivo judicial impróprio, tem um regime jurídico específico, em que se inclui o acréscimo de juros de 5% ao ano, desde a aposição da fórmula executória.
2. Decidiu-se que a interrupção da prescrição do crédito de juros conta-se desde a citação e não dos cinco dias posteriores à propositura da ação executiva, porque a exequente tinha a possibilidade de requerer a citação prévia, não se aplicando o principio geral do início da execução pela penhora, garantindo, assim, a interrupção da prescrição.

Decisão.

Pelo exposto acordam os juízes da Relação em julgar improcedentes as apelações – principal e subordinada – e, consequentemente, confirmam a decisão recorrida.

Custas a cargo dos apelantes.
Guimarães,

Relator Des. Espinheira Baltar
Adjuntos Des. Eva Almeida e Luísa Ramos