Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
342/12.2TJVNF.G1
Relator: MANSO RAÍNHO
Descritores: EXECUÇÃO
AGENTE DE EXECUÇÃO
INTERRUPÇÃO DA INSTÂNCIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/12/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I. Não tendo a execução sido impulsionada (penhora de bens) pelo agente de execução por lapso de tempo superior a seis meses, a instância executiva extingue-se automaticamente, nos termos do art. 3º nº 1 do DL nº 4/2013.
II. Tal falta de impulso recai sobre o exequente, a quem, como parte processual e substantiva que é na execução, compete a obrigação de, mediante a intermediação do agente de execução, providenciar pela penhora de bens.
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência na 1ª Secção do Tribunal da Relação de Guimarães:

B…-Sucursal em Portugal instaurou, em 27 de janeiro de 2012, execução para pagamento de quantia certa contra C… e D….
Entre 9 de fevereiro de 2012 e 15 de maio de 2012, o solicitador de execução designado pelo Exequente procedeu, com vista à determinação de bens para penhora, às consultas e diligências discriminadas a fls. 17. Em 7 de março de 2012 o Agente de Execução tentou a concretização de penhora de bens na indicada (no requerimento inicial) residência dos Executados, concretização essa que se frustrou por motivo de ali já não residirem. De tais consultas e diligências não resultou qualquer penhora.
Em 28 de maio de 2012, e na sequência de pedido formulado pelo Agente de Execução em 9 de fevereiro de 2012, foi proferido despacho judicial a ordenar a penhora em depósitos bancários dos Executados. De tal despacho foi o Agente de Execução notificado por comunicação de 1 de junho de 2012. Nenhuma notificação às entidades bancárias foi, então, promovida.
Por comunicação expedida pela secretaria judicial em 1 de fevereiro de 2013, foi o Agente de Execução notificado para, no prazo de 10 dias e nos termos do disposto no Dec. Lei nº 4/2013 (art. 3º nº 1), extinguir a execução e comprovar nos autos tal extinção bem como a realização das devidas notificações.
Tal solicitada extinção não foi, porém, concretizada pelo Agente de Execução, que entendeu, mediante comunicação dirigida ao tribunal, que não se verificava o condicionalismo legal para a extinção.
Em 28 de fevereiro de 2013 o Agente de Execução fez nova consulta junto de entidade fiscal, bem como fez consultas junto da Segurança Social e da Caixa Geral de Aposentações. Esta última foi notificada para efeitos de penhora de rendimentos disponibilizados à Executada. Na mesma data, o Agente de Execução notificou várias entidades bancárias, solicitando a penhora em eventuais depósitos bancários dos Executados.
Por comunicação expedida pela secretaria judicial em 6 de março de 2013, foi o Agente de Execução notificado de novo para, no prazo de 10 dias e nos termos do disposto no Dec. Lei nº 4/2013 (art. 3º nº 1), extinguir a execução e comprovar nos autos tal extinção bem como a realização das devidas notificações.
Veio o Agente de Execução a considerar extinta a execução nos termos do art. 3º do DL nº 4/2013, e, por comunicações feitas em 16 de abril de 2013, disso notificou o Exequente e deu conhecimento ao tribunal.
Em 30 de abril de 2013 atravessou o Exequente requerimento, onde disse que a execução nunca esteve a aguardar impulso processual seu; que o Solicitador de Execução esteve constantemente a realizar diligências para pesquisa de bens penhoráveis, conforme era possível verificar nos autos, diligências essas que, aliás, vinham sendo acompanhadas pelo Exequente; que das referidas diligências realizadas pelo Solicitador de Execução, fora recentemente apurada a entidade patronal da Executada (Caixa Geral de Aposentações), estando-se a aguardar o início da penhora do respetivo vencimento. Em consequência, requereu a prossecução da execução até total e integral pagamento da quantia em dívida à ora Exequente.
Sobre este requerimento foi proferido, em 6 de maio de 2013, o seguinte despacho:
“Indefere-se o requerido, porquanto a instância foi bem extinta, não ficando abalados os seus fundamentos com o requerimento agora apresentado”.

Inconformado com o assim decidido, apela o Exequente.

Da respectiva alegação extrai as seguintes conclusões:

A. A 27 de Janeiro de 2012 a Apelante deu entrada de processo executivo cível para pagamento de quantia certa contra C… e B….
B. Este processo corre os seus termos no 4.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Braga sob o n.º de processo 342/12.2TJVNF.
C. Foi indicado pela Apelante como Agente de Execução do referido processo, o Exmo. Sr. Solicitador de Execução D….
D. Nos termos dos artigos 808.º n.º 1 e 833.º A n.º1 do Código de Processo Civil, o Exmo. Sr. Solicitador de Execução começou de imediato às pesquisas necessárias para apurar a existência de bens penhoráveis dos Executados.
E. O ónus de indicação de bens para penhora, desde a reforma da acção executiva operada pelo Decreto - Lei 226/2008 de 20 de Novembro e aplicável às execuções posteriores a 31 de Março de 2009, não cabe ao Exequente.
F. O Exmo. Sr. Solicitador de Execução procedeu diligentemente às pesquisas, tendo sido encontrados bens penhoráveis dos Executados, nomeadamente uma viatura automóvel.
G. Tendo sido inclusivamente penhorados os créditos do IRS dos ora Executados.
H. Aguardando a ora Apelante pela resposta por parte das entidades bancárias; cuja notificação foi efectuada a 28/02/2013, no seguimento do deferido pelo Exmo. Juiz a quo.
I. Tendo sido notificado para proceder à extinção do processo nos termos do artigo 3.º n.º1 do Decreto-Lei 4/2013 de 11 de Janeiro, o Exmo. Sr. Solicitador de Execução informou o tribunal a quo, que o referido processo executivo não cumpria os requisitos da extinção nos termos do referido artigo.
J. Não obstante, foi novamente o Exmo. Sr. Solicitador de Execução notificado para proceder à extinção tendo por base o mesmo artigo.
K. Mesmo constando nos autos a resposta por parte da Caixa Geral e Aposentações, no sentido de indicar que a ora Executada se encontra inscrita, tendo o Exmo. Sr. Solicitador de Execução, notificado a mesma para iniciar os descontos por conta dos presentes autos, sem qualquer alternativa, procedeu o Exmo. Sr. Solicitador de Execução à notificação do Exequente nos termos e para os efeitos do artigo 3.º n.º 1 do Decreto - Lei 4/2013 de 11 de Janeiro.
L. Inconformado com a extinção, procedeu o Exequente a requerimento a solicitar a prossecução dos autos até pagamento integral da quantia Exequenda.
M. Tendo tal requerimento sido indeferido e determinado pelo tribunal a quo a extinção da referida acção executiva.
N. Ora não se encontram preenchidos os requisitos para a extinção do referido processo executivo, nos termos do artigo 3.º do Decreto-Lei 4/2013 de 11 de Janeiro.
O. Senão vejamos,
a. A acção executiva não se encontrava a aguardar impulso processual do Exequente;
b. Tal impulso processual não era devido;
c. O Exequente não estava ciente da necessidade de tal impulso processual.
P. Nas palavras do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa: “(…) Decorre que a extinção dos processo executivos cíveis para pagamento de quantia certa, nos termos do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 4/2013, de 11 de Janeiro, supõe que aqueles estejam a aguardar um impulso processual cuja iniciativa caiba ao exequente, e que este esteja ciente da necessidade de tal iniciativa(…)”
Q. Ou seja, não é aplicável ao referido processo executivo o disposto no artigo 3.º n.º 1 do Decreto-Lei 4/2013 de 11 de Janeiro.

Termina dizendo que, em procedência do recurso, deve ser ordenada a prossecução do processo.

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Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir, tendo-se sempre presentes as seguintes coordenadas:
- O teor das conclusões define o âmbito do conhecimento do tribunal ad quem, sem prejuízo para as questões de oficioso conhecimento, posto que ainda não decididas;
- Há que conhecer de questões, e não das razões ou fundamentos que às questões subjazam;
- Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.


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Plano Fatual:

Dão-se aqui por reproduzidas as incidências fatico-processuais acima descritas.


Plano Jurídico-conclusivo:

Estabelece o art. 3.º do DL nº 4/2013, e sob a epígrafe “Extinção da instância por falta de impulso processual”, o seguinte:
1 - Os processos executivos cíveis para pagamento de quantia certa que se encontrem a aguardar impulso processual do exequente há mais de seis meses extinguem-se.
(…)
4 - Nos processos executivos cíveis para pagamento de quantia certa instaurados a partir de 15 de Setembro de 2003 e extintos por força do disposto nos nºs 1 e 2, a extinção é comunicada eletronicamente pelo agente de execução ao tribunal, cabendo-lhe notificar o exequente, o executado, apenas nos casos em que este já tenha sido citado pessoalmente nos autos, e os credores citados que tenham deduzido reclamação.
(…)
No preâmbulo de tal diploma, o legislador é claro quanto à razão de ser da norma, e passa a citar-se: “pretende-se responsabilizar o exequente, enquanto principal interessado no sucesso da execução, pela sua forma de atuação no processo. Dependendo os resultados da execução em grande medida da rapidez com que o processo é conduzido, a inércia do exequente em promover o seu andamento não pode deixar de legitimar um juízo acerca do interesse no próprio processo. Assim sendo, se as execuções estiverem paradas, sem qualquer impulso processual do exequente, quando este seja devido, há mais de seis meses, prevê-se que as mesmas se extingam, pois como já atrás se explicitou, importa que os tribunais não estejam ocupados com ações em que o principal interessado aparenta, pela sua inércia, não desejar que o processo prossiga os seus termos e se conclua o mais rapidamente possível”.
Ora, os fatos acima enunciados revelam que pelo menos desde 1 de junho de 2012 (data a partir da qual se podia avançar com a penhora de saldos bancários) até 28 de fevereiro de 2013 (data em que foram feitas novas consultas e foram feitas notificações para penhora), a execução não foi objeto da promoção de qualquer ato tendente à consecução dos seus fins.
O que é dizer, não teve qualquer impulso, esteve pura e simplesmente inativa, a aguardar impulso processual.
Situação esta em que se manteve, pois, por mais de seis meses.
Donde, e nos termos da supra citada disposição legal, a execução (a instância executiva) extinguiu-se.
Extinção esta que foi automática.
Dependia apenas do decurso do tempo e da falta de impulso processual, e estes requisitos verificaram-se.
Como assim, e contrariamente ao que de certo modo parece supor o Apelante, a extinção não se pode ter por prejudicada nem pelo fato de ter havido um qualquer impulso anterior (que houve), nem pelo fato de ter surgido um qualquer impulso posterior (que surgiu).
Entende porém o Apelante que não tem responsabilidade na verificada inação (entende que não estava onerado com qualquer impulso processual), isto pelo fato de haver de permeio um agente de execução (que, entretanto, mais diz o Apelante, praticou certos e determinados atos processuais [e é exato que praticou, os acima discriminados]).
Mas não tem razão.
É verdade que o Agente de Execução, e como lhe competia (de observar que o Exequente não nomeou bens à penhora), levou a cabo consultas tendentes à determinação de bens penhoráveis e à penhora. Mas isto é irrelevante para o que se discute, pois que se trata de atos praticados anteriormente e posteriormente ao decurso do lapso de tempo (de inação) que provocou a extinção.
Também é verdade que competia ao Agente de Execução, e não diretamente ao Exequente, efetuar as diligências pertinentes à execução e, nomeadamente, promover o andamento da execução mediante a penhora de bens.
Mas é preciso compreender que o agente de execução (e embora a sua missão esteja também dotada de características de oficialidade pública) está ao serviço dos interesses do credor exequente, funcionando basicamente como um mandatário deste (v. Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, 4ª ed., pp. 110 e 111). Nessa medida, impõe-lhe a lei que mantenha o credor informado do que se passa designadamente em termos de penhora (v. art.s 833º-B e 837º do CPC, e 10º da Port. nº 331-B/2009), e a sua ação é passível de ser controlada e valorada pelo exequente (v. art. 808º do CPC). Portanto, a ação do agente de execução vale apenas como intermediação, estando sempre o exequente sob a obrigação e em condições de impulsionar a execução (rectius, de a fazer impulsionar pelo respetivo agente de execução), e se tal não acontece é a ele, a parte processual e substantiva, que é imputável a inação que se registe na execução.
Daqui que se nos afigura inaceitável dizer-se, como diz o Apelante, que não estava ciente da necessidade de impulso processual. Aliás, o documento nº 3 junto com a alegação de recurso mostra à evidência que o Apelante tinha toda a ciência e domínio sobre a execução, apenas sucede que se alheou do impulso processual que seria devido para contrariar o estado inativo plasmado no processo.
De resto, se as coisas pudessem ser vistas como as vê o Apelante, então a extinção da execução determinada pelo nº 1 do art. 3.º do DL nº 4/2013 nunca (ou praticamente nunca) teria lugar, pois que é ao agente de execução (e não pessoalmente ao exequente) que compete, em princípio, efetuar as diligências executivas. E assim, mesmo que o agente de execução nenhum ato desenvolvesse em prol do andamento da execução sempre a instância executiva se manteria pendente por anos (até à deserção), e isto (que era o que sucedia anteriormente, e que se quis entretanto impedir de continuar a acontecer) contraria frontalmente o espírito e a letra do DL nº 4/2013.

Improcede assim a apelação, censura alguma merecendo o despacho recorrido.

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Decisão:

Pelo exposto acordam os juízes nesta Secção Cível em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.


Regime de custas:

O Apelante é condenado nas custas da apelação.

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Sumário (art. 713º nº 7 do CPC):
I. Não tendo a execução sido impulsionada (penhora de bens) pelo agente de execução por lapso de tempo superior a seis meses, a instância executiva extingue-se automaticamente, nos termos do art. 3º nº 1 do DL nº 4/2013.
II. Tal falta de impulso recai sobre o exequente, a quem, como parte processual e substantiva que é na execução, compete a obrigação de, mediante a intermediação do agente de execução, providenciar pela penhora de bens.

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Guimarães, 12 de Setembro de 2013
José Rainho
António Estelita de Mendonça
Conceição Bucho