Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2062/11.6TBGMR-A.G1
Relator: MOISÉS SILVA
Descritores: INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE
EXAME HEMATOLÓGICO
OBTENÇÃO DE PROVA
RECUSA
INVERSÃO DO ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/05/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I - A recusa do pretenso pai em sujeitar-se a exame hematológico, com vista a apurar a filiação, é legítima quando não estão alegados os factos concretos a provar em tal diligência.
II - Neste caso não ocorre a inversão do ónus da prova (art.ºs 519.º n.º 2 do CPC e 344.º n.º 2 do CC).
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I - RELATÓRIO

Apelante: J… (réu).
Apelada: C… (autora).
Tribunal Judicial de Guimarães – 3.º Juízo Cível

1. C… intentou contra J… a presente acção ordinária de investigação de paternidade, pedindo que se reconheça a autora como filha do réu.
Alega, em síntese, que: a autora nasceu em 18 de março de 1972 e é filha do réu; a mãe da autora casou com António… no dia 6 de Novembro de 1960, tendo o marido da mãe da autora decidido emigrar no ano de 1969, regressando para visitar e estar com a família em agosto do ano de 1971; ainda antes do marido da mãe da autora emigrar, já se constava que aquela mantinha uma relação extraconjugal com o réu; o réu era, à data, residente e proprietário de uma mercearia mesmo em frente à casa onde então vivia o casal formado pela mãe da autora e marido; a mãe da autora ia à cidade de Guimarães acompanhada pelo réu na carrinha deste e não se inibia de passear com este, mostrando um e outro grande intimidade, havendo dias em que aquela se passeava de camisa de dormir na varanda para ser vista pelo réu e assim o aliciar a vir a sua casa; todos os dias e sempre que podia, a mãe da autora estava na mercearia do réu, de onde levava géneros alimentícios e outros sem pagar; em meados de junho de 1971, a mãe da autora descobre que está grávida e, sabendo que esta gravidez não é fruto do casamento com o marido, confessa esse facto junto de amigos; a autora vem a nascer em França, no termo do tempo completo de gestação, só vindo a descobrir não ser filha do marido da mãe em novembro de 2008; correu termos ação de impugnação da paternidade, já decidida.
Regularmente citado na sua própria pessoa, o réu contestou, impugnando os fundamentos da ação, mais alegando que: a presente ação é inadmissível, por não poder ser reconhecida a paternidade em contrário do que consta do registo de nascimento; a sentença que julgou procedente a ação de impugnação da paternidade não foi levada ao registo, nem pode sê-lo, tratando-se de decisão inexequível e inoponível ao R., por não ter sido demandado naquela ação; a ação é também inadmissível por a A. não ter feito junção aos autos de certidão de nascimento do R., o que era indispensável para demonstrar que não ocorre impedimento legal à investigação de paternidade; o direito de propor a ação encontra-se extinto por caducidade, dado terem decorrido mais de dez anos sobre a maioridade da A..
Por despacho de fls. 43, a A. foi notificada para juntar aos autos certidão do seu assento de nascimento da qual resulte removida a menção da paternidade, o que a mesma fez, juntando o documento de fls. 46 a 49.
Por despacho de fls. 51 a 56 foram saneados os autos, foi julgada improcedente a exceção de caducidade do direito de propôr a ação e foi condensada a material de facto assente e controvertida, a qual foi objeto de ampliação na sequência do despacho de fls. 98.
Procedeu-se a julgamento e, a final, respondeu-se aos quesitos como consta da ata de fls. 137 a 143, sem reclamação.

2. Foi proferida sentença com a seguinte decisão:
Pelo exposto, julgo procedente a ação e, em consequência, declaro que o réu, J…, é o pai da autora, C…, mais determinando o correspondente averbamento da filiação paterna no assento de nascimento n.º 1018 do ano de 1972.

3. Inconformado, veio o R., interpor recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões que se transcrevem:
1.ª – Não tendo a autora alegado qualquer facto de onde pudesse concluir-se que sua mãe e o réu mantiveram relações de sexo no período legal da conceção, tanto bastava para a ação ter de soçobrar, por absoluta carência de causa de pedir.
2.ª – Tendo o réu, na contestação, e na parte que ainda interessa, referido que não lhe era oponível anterior sentença em ação negatória de paternidade e na qual não foi demandado, por aplicação do art.º 1846.º n.º 1 do Código Civil, não podia tal questão ser, no despacho saneador, relegada como foi, para final, pois o tribunal dispunha então de todos os elementos necessários à decisão.
3.ª – Tendo sido invocada na contestação a caducidade do direito da ação, por a autora a ter proposto para além dos 10 anos posteriores à sua maioridade ou emancipação, que atingira em 1990, devia o tribunal, no despacho saneador, ter julgado a ação caduca, nos termos do art.º 1873.º e 1817.º do Código Civil, porque a autora há muito ultrapassara aquele prazo, não podendo ter considerado que “é hoje unânime a opinião de que é inconstitucional a fixação de qualquer prazo para se poder intentar ação de investigação, considerando o interesse protegido pela norma”, porque tem sido julgado precisamente o contrário (cfr., entre outros, os acórdãos do Tribunal Constitucional de 22 de setembro de 2011 e de 25 de junho de 2012, in, respectivamente, proc. n.º 497/10 e D.R. 2.ª Série de 25 de junho de 2012).
4.ª – Não tendo sido invocado na petição um único facto de onde pudesse, no probatório, concluir-se que a mãe da autora e o réu tinham mantido relações de sexo no período legal da conceção, período este que nem sequer foi referido, nunca o tribunal podia julgar no saneador a ação apta a prosseguir, nem formular quesitos tendentes à averiguação de quaisquer factos, pois, fossem quais fossem, nunca podiam levar à procedência da acção.
5.ª – Sem prescindir, o tribunal, no momento processual adequado, formulou um quesito – o 3.º - perguntando “ainda o marido da mãe não havia emigrado” (emigrou em 1969) “já a mãe da autora mantinha uma relação extraconjugal com o réu João Alves”, quesito absolutamente inútil pois a autora nasceu em 18 de março de 1972, o que era inútil saber se aquelas duas pessoas mantiveram relações de sexo até 1969.
6.ª – Ainda sem prescindir, o tribunal, confrontado com a recusa do réu em submeter-se ao exame hematológico, recusa que foi fundamentada precisamente no facto de não haver qualquer matéria alegada que pudesse ser respondida com esse exame, decidiu formular um outro quesito, a que deu o n.º 10.º, perguntando neste “A autora é filha do réu?”, o que seria formalmente admissível, se houvesse factos que justificassem essa conclusão, mas não era possível porque tais factos não haviam sido alegados.
7.ª – Efetuado o julgamento, o tribunal respondeu àquele quesito 3.º “provado apenas que a mãe da autora manteve uma relação extraconjugal com o réu J…” e ao quesito 10.º “provado que a autora é filha do réu” justificando as respostas no facto de o réu se ter recusado injustificadamente a submeter-se a exame hematológico, o que é inadmissível: quanto à resposta ao quesito 3.º, porque nenhuma testemunha ouvida permitiu semelhante conclusão, e porque o quesito balizava no tempo o termo das relações de sexo (1969) enquanto a resposta, tal como foi dada, permite supor relações posteriores, até porque a autora nasceu em 18 de março de 1972; quanto à resposta ao quesito 10.º, porque não podia ter sido declarado invertido o ónus da prova, como foi, e assim se justificou, porque nem havia factos invocados, nem qualquer testemunha os referiu, e a prova feita através das testemunhas arroladas foi apenas no sentido de que após o parto começou a constar-se que a autora era filha do réu, sem qualquer alusão ao período legal da conceção.
8.ª – De resto, tendo o tribunal respondido ao quesito 10.º “não provado” (supomos que o apelante quereria dizer “provado”), fê-lo por declarar que considerava invertido o ónus da prova, face à recusa do réu em submeter-se ao exame hematológico, mas tal conclusão é inadmissível pois a resposta, perante a total ausência de prova, deveria ser “não provado” e, depois, em sede de sentença, não obstante a falta de prova, o facto seria dado, se pudesse sê-lo, como provado.
9.ª – O próprio tribunal, ao responder aos quesitos, e não obstante a resposta que deu ao quesito 3.º, confirmou que “nenhuma testemunha confirmou que o relacionamento extra-conjugal da mãe da autora com o réu já existisse antes de o marido emigrar” pelo que não se percebe a resposta dada.
10.ª – São, pois, inaceitáveis - e incomportáveis com o teor dos depoimentos ouvidos e constantes da gravação – as respostas dadas aos quesitos 3.º e 10.º, sem prejuízo de ser certo que, com essas ou outras respostas, sempre a solução de direito dada à ação, não seria aceitável, pois as respostas dadas a esses quesitos são desconformes com a prova produzida e devem, por isso, ser alteradas para “não provado”, pelo que, nos termos do disposto no art.º 690.º A e 712.º n.º 1, alíneas a) e c) do Código de Processo Civil, o recorrente indicou os concretos meios de prova que considerou incorretamente julgados, e os concretos meios probatórios que, a seu ver, impunham respostas diversas.
11.ª – Com efeito, nenhuma das testemunhas ouvidas em audiência de julgamento confirmou a prática de relações de sexo entre a mãe da autora e o réu no período legal da conceção, sucedendo mesmo que uma das testemunhas referiu que, depois do nascimento da autora, chegou a constar-se que ela era filha do pai dessa testemunha, todas depondo sempre com base em simples conversas “no tanque” ou “pela voz do povo”, sem quaisquer razões de facto ou de ciência.
12.ª – Nas alegações produzidas, o recorrente citou os depoimentos de todas as testemunhas ouvidas (as referidas na ata de audiência de julgamento de 11 de dezembro de 2012 e as referidas na ata de audiência de julgamento de 2 de fevereiro de 2013, respectivamente Manuel …, Isabel …, José …, quanto à primeira, e António …, Paula …, Maria … e Maria …, quanto à segunda), tendo, por inteiramente conformes com esses, indicado e transcrito o depoimento de duas outras testemunhas (Agostinho … e Maria …), que, conforme com aqueles outros, confirmaram que as notícias que davam o réu como pai da autora foram “depois de ela ter nascido”, “era o que o povo dizia”, mas “eu não vi nada”, “nunca os vi juntos”, “nunca ouvi ninguém dizer que visse qualquer coisa”, “só tenho conhecimento depois de que a menina nasceu, já a família estava toda emigrada em França”, depoimentos todos eles concludentes no sentido de não ser possível estabelecer qualquer relação de paternidade entre as pessoas envolvidas.
13.ª – A matéria de facto foi julgada, pois, em absoluta desconformidade com a prova, e em violação do disposto no art. 653.º n.º 2 do Código de Processo Civil, tendo o recorrente na sua alegação cumprido o ónus imposto pelo art.º 690.º-A do Código de Processo Civil, especificando os concretos pontos de facto incorretamente julgados e os concretos meios probatórios que impõem decisão diversa.
14.ª – Sem prescindir, para além da manifesta razão de improcedência resultante da caducidade da ação atrás invocada, afigura-se, ainda, que a ação deveria ter sido proposta, na interpretação que damos ao art.º 1846.º n.º 1 do Código Civil, contra a mãe, o filho, o pai como tal declarado no registo civil e o presumido pai, quando nela não figurem como autores, pois só com todas essas pessoas é possível dirimir completa e definitivamente a questão, pelo que, não tendo o réu sido demandado na anterior ação negatória de paternidade, a decisão dela não lhe é oponível.
15.ª – Ainda sem prescindir, não podia o tribunal ter considerado infundada a recusa do réu em submeter-se ao exame hematológico, porque ele explicou porque não se submetia, mas ainda que considerasse infundada essa recusa, só podia ter por invertido o ónus da prova depois de notificado o réu com a cominação de que a sua recusa injustificada implicava a inversão do ónus da prova nos termos do art.º 344.º n.º 2 do Código Civil (cfr. Ac. STJ de 23-02-2012 in www.dgsi.pt).
16.ª – Por último, considerando-se, ainda que erradamente, invertido o ónus da prova, não era possível fazer funcionar o instituto no caso concreto, por total ausência de factos que permitissem, apesar de não provados efetivamente, julgar a ação procedente, por presunção fita, resultante do facto de se extrair de um facto conhecido (a recusa à submissão ao exame), um facto desconhecido (a confissão da paternidade), porquanto o disposto no art.º 349.º do Código Civil exige sempre que os factos suporte tenham sido alegados pela parte a quem possam interessar (cfr. acórdão da Relação do Porto de 18 de setembro de 1995, in Colectânea de Jurisprudência, ano XX, tomo 4, pág. 180).
Termos em que, na procedência do recurso, deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue a ação inteiramente improcedente e não provada (fim de transcrição).

4. Não foram apresentadas contra-alegações.

5. Colhidos os vistos, em conferência, cumpre decidir.

6. Objeto do recurso

O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões das alegações formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso.
As questões a decidir neste recurso são as seguintes:
a) Reapreciação da resposta dada aos quesitos 3.º e 10.º.
b) A caducidade da ação.
c) Aplicação do direito aos factos conforme o que se decidir quanto às questões anteriores.


II - FUNDAMENTAÇÃO

A) A sentença recorrida considerou provada a seguinte a matéria de facto, que se transcreve:
1- A autora nasceu em 18 de março de 1972, em França, e é filha de Augusta … – Cfr., a alínea A) dos Factos Assentes.
2- Por sentença de 6 de abril de 2010, já transitada em julgado, foi eliminada a menção da paternidade e avoenga paterna do registo de nascimento da autora – Cfr., a alínea B) dos Factos Assentes.
3- O marido da mãe da autora decidiu emigrar no ano de 1969 – Cfr., resposta ao quesito 1.º da Base Instrutória.
4- O mesmo regressou para visitar e estar com a família em agosto do ano de 1971 – Cfr., resposta ao quesito 2.º da Base Instrutória.
5- A mãe da autora manteve uma relação extraconjugal com o Réu J… – Cfr., resposta ao quesito 3.º da Base Instrutória.
6- O Réu J… era à data residente e proprietário de uma mercearia, situada mesmo em frente à casa onde então vivia o casal formado pela Augusta e António – Cfr., resposta ao quesito 4.º da Base Instrutória.
7- A Augusta ia à cidade de Guimarães, acompanhada pelo réu J… na carrinha deste – Cfr., resposta ao quesito 5.º da Base Instrutória.
8- A mãe da autora ia à mercearia do réu J…, de onde levava géneros alimentícios e outros – Cfr., resposta ao quesito 7.º da Base Instrutória.
9- Em agosto de 1971 o António veio a Portugal de férias e nesse mesmo mês decidiu levar toda a família para França – Cfr., resposta ao quesito 8.º da Base Instrutória.
10- A autora nasceu no termo de uma gravidez de gestação normal, com 3 kg e 200 g – Cfr., resposta ao quesito 9.º da Base Instrutória.
11- A Autora é filha do réu – Cfr., resposta ao quesito 10.º da Base Instrutória (fim de transcrição).

B) APRECIAÇÃO

As questões a decidir neste recurso são as que elencamos acima.

Reapreciação da resposta dada aos quesitos 3.º e 10.º.

Conclui o apelante que não tendo sido invocado na petição um único facto de onde pudesse, no probatório, concluir-se que a mãe da autora e o réu tinham mantido relações de sexo no período legal da conceção, período este que nem sequer foi referido, nunca o tribunal podia julgar no saneador a ação apta a prosseguir, nem formular quesitos tendentes à averiguação de quaisquer factos, pois, fossem quais fossem, nunca podiam levar à procedência da ação; sem prescindir, o tribunal, no momento processual adequado, formulou um quesito – o 3.º - perguntando “ainda o marido da mãe não havia emigrado” (emigrou em 1969) “já a mãe da autora mantinha uma relação extraconjugal com o réu J…”, quesito absolutamente inútil pois a autora nasceu em 18 de março de 1972, o que era inútil saber se aquelas duas pessoas mantiveram relações de sexo até 1969. Acresce que a resposta positiva a este quesito vai além da matéria alegada, pois nesta refere-se que: “ainda o marido da mãe não havia emigrado já se constava que a esposa deste mantinha uma relação extraconjugal com o referido J…”. O quesito 3.º tem a seguinte redação: “ainda o marido da mãe não havia emigrado já a mãe da A. mantinha uma relação extraconjugal com o R. …”?
Comparando a redação entre o alegado pela A. com a redação do quesito, logo vemos que este vai substancialmente mais longe do que o alegado. Com efeito, enquanto a A. alega apenas que “se constava que a esposa mantinha uma relação extraconjugal com o R.”, no quesito refere-se “a mãe da A. mantinha uma relação extraconjugal com o R.”
A alegação da A. é vaga e imprecisa, ao empregar a palavra “constava”, enquanto que a forma de quesitar consiste na afirmação de um facto concreto ao empregar a palavra “mantinha”.
A resposta dada a este quesito 3.º é do seguinte teor: “a mãe da autora manteve uma relação extraconjugal com o R. …”.
Constata-se que a resposta ao quesito vai ainda mais longe, ao não precisar no tempo a relação extra-conjugal alegada.
Entendemos que o quesito deveria ter sido formulado de acordo com a alegação e a resposta deveria ter-se mantido dentro do âmbito do alegado, podendo ter sido restritiva ou explicativa.
Assim, decidimos anular o quesito e a resposta dada e dentro do acervo probatório e com respeito pelo alegado, verificar da sua existência.
O quesito 10.º aditado a fls. 98 tem a seguinte redação: “a autora é filha do réu”? A esta pergunta o tribunal respondeu provado, com fundamento na inversão do ónus da prova, em virtude do R. se ter recusado a efetuar o exame hematológico com vista a apurar a veracidade da alegada paternidade.
Analisada a prova e a fundamentação do despacho que respondeu aos quesitos, constatamos que nenhuma testemunha viu a mãe da A. com o R. a praticarem atos que de algum modo pudessem levar a concluir que havia uma relação íntima entre eles, nomeadamente a prática de relações sexuais.
As suspeitas surgiram apenas depois do nascimento da A. em França, após o período normal de gestação de nove meses, motivadas pelo facto do marido da mãe da A. estar emigrado e não ter convivido com ela em período anterior a sete meses a contar do nascimento.
A partir daí, o povo começou a especular sobre quem seria o pai, mas apenas isso.
O marido da A. afirmou que ela lhe disse que a A. era filha do R., e ambos disseram aos filhos, incluindo à A., que não era filha do marido da mãe, mas nada mais foi dito com razão de ciência direta e objetiva sobre a existência de uma relação extraconjugal entre a mãe da A. e o R. que fosse verosímil de modo a formar a convicção de que tal facto é verdadeiro. Existem especulações e nada mais. A própria razão de ciência da testemunha marido da mãe da A. é por ouvir dizer à mulher. Ora, se a mulher lhe terá sido infiel sexualmente ao ponto de ter uma filha com outro homem, não podemos deixar de questionar a veracidade da confissão que fez à testemunha seu marido, dadas as circunstâncias e não haver outra prova nos autos que lhe possa ampliar o crédito. A confissão de que a A. não era filha do marido, dita a este, reveste especial melindre e não podemos saber até que ponto poderá ser verdadeira no que se refere à paternidade do R.. Fica-nos a dúvida sobre se a mãe da A. contou toda a verdade ou apenas uma parte que tornasse menos constrangedora a situação (como seria, v. g. se dissesse que não sabia quem era o pai).
Assim, ponderando a prova produzida, entendemos que não se pode dar como provado o alegado pela autora de que: “se constava que a esposa mantinha uma relação extraconjugal com o R.” e concluir que a autora é filha do réu.
Na verdade, o quesito 10.º é uma conclusão que deveria resultar dos factos alegados. Ora a alegação da A. é ab initio insuficiente para que pudesse fazer prova de que era filha do réu. Não houve convite ao aperfeiçoamento da petição inicial, findos os articulados normais.
Não havendo factos alegados a partir dos quais se pudesse concluir pela existência da relação filial, não estava o réu obrigado a submeter-se ao exame hematológico para o qual foi notificado, sem cominação, e não pode por via disso operar a inversão do ónus da prova, nos termos do art.º 344.º n.º 2 do Código Civil e dar-se a filiação como provada na resposta a um quesito (10.º), que assim, neste contexto, se mostra conclusivo.
Nesta conformidade, é manifesto que não existem factos provados a partir dos quais se possa concluir que a A. é filha do R., pelo que se dá provimento à apelação e se revoga a sentença recorrida.
Em face do ora decidido, fica prejudicado o conhecimento das demais questões, por inutilidade.
Sumário: a recusa do pretenso pai em sujeitar-se a exame hematológico com vista a apurar se a filiação é legítima quando não estão alegados os factos concretos a provar em tal diligência. Daí que, nesta hipótese, não ocorre a inversão do ónus da prova (art.ºs 519.º n.º 2 do CPC e 344.º n.º 2 do CC).

III - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar procedente a apelação, revogar a sentença recorrida e absolver o R. do pedido.
Custas pela autora, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário de que beneficia.
Notifique.
(Acórdão elaborado e integralmente revisto pelo relator).

Guimarães, 05 de dezembro de 2013.
Moisés Silva (Relator)
Jorge Teixeira
Manuel Bargado