Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
10757/06.0YYLSB-A.G1
Relator: FERNANDO FERNANDES FREITAS
Descritores: ABERTURA DE CRÉDITO
CONTA CORRENTE
JUROS REMUNERATÓRIOS
ANATOCISMO
NEGÓCIO USURÁRIO
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/11/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I – Pelo contrato de mútuo bancário na modalidade de abertura de crédito em conta corrente a instituição de crédito obriga-se a colocar à disposição do seu cliente determinada quantia em dinheiro, ficando este obrigado a restituir-lha, em montante idêntico, com juros remuneratórios, podendo a referida quantia em dinheiro ser levantada de uma só vez ou através de uma pluralidade de levantamentos, de acordo com as necessidades do cliente.
II – No domínio das operações e contratos bancários não há um limite máximo para as taxas de juros remuneratórios, estando (apenas) as instituições de crédito obrigadas a observar o dever de informação especial quanto aos valores das taxas de juros que praticam, nos termos impostos pelo art.º 3.º do Dec.-Lei n.º 220/94, de 23 de Agosto.
III - O anatocismo é a capitalização dos juros vencidos e não pagos. Posto que ele é de há muito praticado pelo sistema bancário, não está abrangido pelas restrições resultantes do art.º 560.º do C.C..
IV – Os juros prescrevem no prazo de cinco anos (art.º 310.º, alínea d) do C.C.) mas a citação, para a acção ou para a execução, interrompe o prazo de prescrição (art.º 323.º do C.C.), inutilizando para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, e, não começando a correr novo prazo de prescrição enquanto não transitar em julgado a decisão que puser termo ao processo (art.º 327.º, n. 1 do C.C.), são devidos os juros que se vencerem na pendência da execução.
V – Considerado o disposto no artº. 282º., do C.C., para que um negócio seja havido como usurário, é necessário o preenchimento cumulativo de um requisito subjectivo, concretizado no aproveitamento consciente, pela outra parte contratante ou por terceiro, de uma situação de necessidade, de inexperiência, de ligeireza, de dependência, de estado mental ou de fraqueza de carácter, e de um requisito objectivo, concretizado na desproporção excessiva ou injustificada entre o benefício obtido e a contraprestação.
VI – O conceito de boa fé para efeitos de abuso do direito (art.º 334.º do C.C.), assim como para aferição da proibição das cláusulas contratuais gerais (art.º 15.º do Dec.-Lei n.º 446/85, de 25/10), e, bem assim, quando, na Lei de Defesa do Consumidor (Lei 24/96, de 31 de Julho), se apela aos intervenientes nas relações jurídicas de consumo uma actuação de boa fé, é no sentido ético que é utilizado, significando a consideração pelos interesses da contraparte, a honestidade e lealdade dos comportamentos, quer nas negociações preliminares quer na execução do contrato.
VII – Não podem considerar-se irrazoáveis (muito menos em termos clamorosos) a exigência do pagamento de uma taxa de juros de 17,5% ao ano, acordada em 1995, atentos os juros praticados à época, e considerando não haver imposição legal de um limite máximo, taxa que terá baixado ao longo do tempo de duração do contrato de abertura de crédito em conta corrente, assim como a exigência de entrega de uma livrança em branco, assinada pelos devedores, com a autorização do preenchimento em caso de incumprimento, e ainda a hipoteca de bens imobiliários, sendo esta a prática comum e corrente nos empréstimos bancários.
Decisão Texto Integral: ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

RELATÓRIO
I.- O presente acórdão é a continuação do de fls. 252 a 259, datado de 15/09/2016, o qual, brevitatis causa, se dá aqui por reproduzido.
Aí se decidiu sobrestar no conhecimento do recurso, ordenando-se a notificação do Banco Exequente para juntar aos autos cópia dos extractos bancários relativos às duas contas cujo saldo devedor consubstancia a quantia exequenda nos autos de execução comum, para pagamento de quantia certa, que o “B”, posteriormente substituído nos autos pelo “Novo Banco, S.A.”, move aos executados F, entretanto falecido, tendo sido habilitados os seus herdeiros, e M.
O Banco Exequente apresentou os documentos que ficaram a constar de fls. 267 – 377, afirmando não haver logrado localizar nos seus arquivos todos os extractos bancários solicitados, nomeadamente os anteriores a Outubro de 1977.
Os documentos referidos são: fls. 267 a 271, extractos respeitantes à conta caucionada n.º 617/06529/250.5; de fls. 272 a 375 e 377, extractos respeitantes à conta à ordem (D/O) n.º 617/06529/000.6.
A folha 376 contém, segundo o Banco Exequente, a listagem das taxas de juro que foram sendo praticadas desde 1995 até 2005 (ano do preenchimento da livrança), e ainda as taxas de juro praticadas sobre os descobertos da conta à ordem.
Foi cumprido o contraditório.
Os documentos supramencionados foram remetidos pelo correio, que foi registado em 04/10/2016, como se vê de fls. 381v.º, tendo sido, pois, tempestiva a sua apresentação.
Tem-se por cumprida a notificação.
Cumpre prosseguir com a apreciação do recurso.
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II.- Como resulta das conclusões, os Apelantes impugnam a decisão da matéria de facto quanto aos pontos de facto n.os 2); 10); 11); 12); 13); 16); 18); 19); e 21) da Sentença.
E pretendem ver aditados os seguintes factos:
- O Executado fez entregas em dinheiro ao “BES” no montante total de € 54.408,51;
- O mesmo Executado F, através da sua conta à ordem, pagou de juros e respectivos impostos da sua conta corrente caucionada, relativos ao período de 05/12/1996 a 31/03/2003, o valor global de € 36.226,57 (como consta do documento de fls. 198, datado de 02/02/2006);
- Ainda o mesmo Executado fez pelo menos dois pedidos de informação/declaração ao “B”, requerendo que lhe fossem referidos os valores por si pagos ao Banco desde 26/05/1995, e lhe fossem fornecidos os extractos da conta, dado que o mesmo Banco nunca lhe emitiu a nota individual dos juros que pagou ao longo dos vários anos, pedidos esses formulados, pelo menos em 7/11/2005 e 12/10/2006 (como consta do documento de fls. 197, datado de 12/10/2006).
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B) FUDAMENTAÇÃO
III.- O Tribunal a quo julgou provado que:
1) O Exequente é dono e legítimo portador de uma livrança subscrita pelos Executados, a qual foi oferecida nos autos principais como título executivo.
2) O montante reclamado pelo Banco Exequente não foi pago na data do vencimento da livrança nem até à presente data.
3) O Banco Exequente emprestou aos executados a quantia de 8.500.000$00 (oito milhões e quinhentos mil escudos), com juros à taxa de dezassete vírgula cinco por cento ao ano, ou outros que eventualmente venham, a ser fixados por alteração legal.
4) A dívida titulada pela livrança encontra-se garantida por hipoteca a favor do Banco sobre a fracção A, descrita na Conservatória do Registo Predial de Peso da Régua sob os n.º … a fls.107. verso, 60890 a fls.108 e 60891 a fls.108. verso do livro B-154 tendo sido ainda convencionado que, no caso de incumprimento do pagamento do capital e/ou juros incidirá sobre o respetivo montante e durante o tempo em que tal situação de incumprimento se verificar, a taxa de juros moratória (juros remuneratórios acrescidos da sobretaxa legal).
5) Os subscritores do contrato junto a fls. 22 e 23 dos autos comprometeram-se a entregar ao Banco uma livrança em branco subscrita pelos próprios (F, já falecido, e M) com montante e data de vencimento em branco, ficando o Banco autorizado a preenchê-la pelo valor em dívida na facilidade do crédito e a fixar o vencimento que mais lhe convier, procedendo ao seu desconto sempre que se verifique qualquer situação de incumprimento por parte dos subscritores acima identificados das obrigações que lhes competem e que se encontram plasmadas no contrato.
6) Foram fixadas em "trezentos e quarenta mil escudos" as despesas judiciais e extrajudiciais que o Banco tenha de fazer no caso de recorrer a juízo.
7) Os Executados encontravam-se, na altura do pedido de empréstimo, em situação de necessidade, de dependência, por manifestas dificuldades económicas, dificuldades essas que eram do conhecimento do Exequente, sendo certo que pleiteiam com apoio judiciário.
8) Com a alteração da moeda de escudos para euros, o banco enviou uma carta datada de 28 de Janeiro de 2000.
9) A cláusula 10.º dessa carta refere que o contrato é válido até 31 de Dezembro de 2002, assistindo, (...), a qualquer uma das partes, (...), o direito de o denunciar, desde que comunique por escrito, essa sua intenção, à outra parte, com uma antecedência mínima de 15 dias relativamente ao termo do trimestre então em curso.
10) Face ao incumprimento dos Opoentes, o Banco comunicou a ambos, por cartas de 6 de Dezembro de 2004, a denúncia do contrato de crédito em conta corrente para o fim do prazo (25 de Dezembro de 2004).
11) Não tendo os Opoentes efetuado qualquer pagamento, o Banco Exequente convidou-os a regularizar a situação de incumprimento por carta de 16 de Fevereiro de 2005.
12) Persistindo o incumprimento por parte dos Opoentes, o Banco comunicou-lhes em 04.10.2005 que procedeu ao preenchimento da livrança dada à execução, pelo valor de € 48.240,91, sendo o valor em dívida a título de capital a quantia de “39.942,32, a que acrescem juros e demais encargos”.
13) Para o preenchimento da livrança foram calculados os juros à taxa de 11,11%.
14) O valor máximo garantido pela hipoteca encontra-se previsto na escritura de hipoteca (e foi levado a registo): Esc: 13.812.500$00, que corresponde a € 68.896,46.
15) O valor de Esc. 8.500.000$00 foi-lhes creditado na sua conta bancária (conta empréstimo n.º 617/06529/2505).
16) O conteúdo do contrato de crédito em conta corrente foi livremente negociado entre os outorgantes incluindo as garantias prestadas ao mutuante, as quais só seriam accionadas pelo credor no caso de incumprimento por parte dos mutuários, sendo certo que Fernando Ferraz e Maria Ivone Ferraz eram já clientes do Banco Exequente.
17) A cláusula 10ª introduzida em Janeiro de 2000 destinou-se a prever a prorrogação do prazo do contrato, cuja duração inicial era de 90 dias, prorrogáveis automaticamente por igual período de tempo até 31.12.2002 e a possibilidade de o mesmo ser denunciado nos termos aí estipulados.
18) A livrança dada à execução foi preenchida de acordo com a cláusula 7.1 do contrato que os Outorgantes subscreveram tendo o Banco Exequente comunicado aos Opoentes o preenchimento da livrança e o montante em dívida: “39.942,32€, a que acrescem juros e demais encargos", mais precisamente como é referido no ponto 5) desta factualidade considerada como provada.
19) Os extractos juntos como docs. n.ºs 6 a 30, inclusive, 32 a 36, inclusive, 39, 41 a 52, 54 a 62 dizem respeito a uma outra conta de Depósito à Ordem "Normal" - distinta da conta empréstimo na qual foi creditado o montante financiado -, que é a seguinte: 617/06529/000.6.
20) Os extractos juntos sob docs. 31, 37, 38, 40 e 53 reportam-se a movimentos efectuados na conta empréstimo com o n.º 617/06529/250.5 sendo certo que tais movimentos referem-se a pagamento de juros e imposto de selo.
21) A única amortização que foi efetuada pelos Opoentes no âmbito do contrato em causa nos autos foi de 2.500,00€ em 26.09.2002, valor este que foi tido em consideração no preenchimento da livrança.
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IV.- De acordo com a “motivação” que ficou a constar da sentença (fls. 204-205) o Tribunal a quo fundamentou a sua convicção no “teor dos documentos juntos aos autos” e nos depoimentos das testemunhas: “oferecidas pelos Executados/Opoentes” quanto às condições sociais e às dificuldades económicas do executado F; e “apresentadas pelo Banco Exequente”, também quanto às “dificuldades económicas do casal” e que aquele Executado “ia liquidando apenas juros e sempre com muito atraso, tendo apenas amortizado 2.500,00€ em termos de capital”.
Os Apelantes impugnam os n.os 2; 19; 20 (este incluído apenas na conclusão 15ª); e 21 fundando-se, no essencial, no facto de o Executado F ter solicitado ao “B” cópia dos extractos e eles nunca lhe terem sido enviados.
Os extractos referidos em 19 e 20 têm interesse na medida em que as duas contas estão correlacionadas. Muito embora a conta caucionada, referenciada como “conta empréstimo”, tenha uma escrituração própria, onde são lançados os respectivos movimentos (entregas de capital e pagamento de juros), era da conta à ordem, mencionada com a designação de “DO – Conta Global Comerciante” que saíam os valores para aquela – v.g. os juros da conta empréstimo pagos em 09/11/2001 (fls. 63) estão debitados na conta “DO” na mesma data, como se vê de fls. 334; os € 2.500 de abatimento do capital, em 26/09/2002 (fls. 269) saíram desta conta “DO” como se vê do extracto de 9/10/2002, constante de fls. 347; o montante, invocadamente, em débito do empréstimo - € 39.897,82 – está debitado na conta “DO”, com a data de 15/12/2004, como se vê do extracto de fls. 375.
Relativamente aos pedidos dos extractos, a que se reportam os Apelantes, como referiram as testemunhas J, bancário, à altura no “B” e agora no “B”, com as funções de gestor de risco, e J, gerente da agência do mesmo Banco em Santa Marta de Penaguião, eles eram enviados para o domicílio do Executado F – e, com efeito, foi este quem juntou aos autos os extractos referidos em 19 e 20 -, o que demonstra a veracidade desta afirmação, sendo, de resto, como é consabido, a prática comum dos Bancos.
É neste registo que se interpretou a observação da testemunha João Maria Correia: «O Sr. Ferraz não era uma pessoa organizada, porque se o fosse tinha lá os documentos do Banco».
O fundamento da impugnação é, assim, improcedente, tanto mais que os Apelantes se referem a todos os extractos, tampouco discriminando os por si recepcionados.
Foi a testemunha J, acima referido, quem assinou, e afirmou ter enviado, as cartas de fls. 110 e 111, endereçadas, respectivamente, ao executado F e M, a “denunciar” o contrato “de abertura de crédito em conta corrente”, como ficou referido em 10 da matéria de facto.
Relativamente à carta de fls. 112, datada de 16/02/2005, referida em 11, afirmou a testemunha J que a mesma foi enviada aos mencionados Executados pelo “Serviço de Recuperação de Crédito”, mediante informação sua, face à impossibilidade destes de regularizarem a dívida.
Explicou ainda a mesma testemunha que pela carta de fls. 113, referida em 12, o Banco dá nota aos Executados de ter procedido ao preenchimento da livrança, conforme tinha ficado estabelecido no contrato, tendo em consideração o capital em dívida: o capital inicial de € 42.397,82, abatido da (única) entrega de 2.500, e uma taxa de juros de 11.110%.
O que ficou a constar do n.º 2 é a conclusão que os factos acima descritos permitem extrair.
O dissenso dos Apelantes está na imputação das entregas que afirmam terem feito ao Banco Exequente – este alega que só recebeu a mencionada importância de € 2.500 para abatimento do capital, correspondendo os demais pagamentos à dívida de juros, e os Apelantes negam a existência da dívida porque (item 46º da petição da oposição), contabilizadas todas as entregas, “desde meados do ano de 1995 até finais do ano de 2003”, atingem “um total de € 54.408,51”.
Contudo, quer os documentos juntos aos autos, quer os depoimentos das testemunhas JA e J, aqueles por demonstrarem que as importâncias recebidas foram destinadas ao pagamento dos juros, e estes por confirmarem esse mesmo facto, constituem fundamento suficiente para formar a convicção de que os Executados não pagaram a importância que o Banco Exequente reclama.
Com efeito, o essencial era saber se algumas das importâncias que aqueles “entregaram” (e nesse caso importaria apurar o montante) destinavam-nas ao abatimento do capital.
Improcede, pois, a impugnação dos Apelantes.
Relativamente aos n.os 10; 11; 12; 13 e 18, os Apelantes aceitam ter sido recebida a carta que foi endereçada ao executado F, constante de fls. 110, mas já não a dirigida à esposa, constante de fls. 111, e fundamentam ainda a sua impugnação alegando que “nenhuma das cartas tem qualquer prova de registo nos correios, sendo certo que a testemunha (JA) referiu que eram enviadas sob registo, nem as testemunhas sabem que foram recebidas pelos oponentes”, concluindo que o Banco Exequente “não fez qualquer prova de que as cartas de fls. 111 a 117 foram recebidas pelos oponentes” (conclusões 16 a 19).
Cumpre referir, porém, que nenhum dos documentos juntos aos autos, que corporizam o contrato celebrado – fls. 22/23 e 25/26 – se refere às formalidades a observar nas comunicações em causa, designadamente a que respeita ao preenchimento da livrança.
Assim, atentos os assuntos em questão, o essencial é o acto de comunicação, que as melhores práticas aconselham dever ser feita por escrito, não só para permitir a percepção integral do seu conteúdo como também para facilitar a prova.
Cabe a quem está obrigado a fazer a comunicação adoptar os meios mais adequados para que ela chegue, efectivamente, ao conhecimento do destinatário, ou, pelo menos, que possa ser dele conhecida, para que, nos termos do artº. 224º., do C.C., ela se torne eficaz – e por isso é que, normalmente, se utiliza o registo postal que é, consabidamente, o mais seguro (ainda que hodiernamente também se recorra aos meios informáticos).
É certo que não há prova documental nos autos comprovativa do registo das supramencionadas cartas, resultando apenas a afirmação das testemunhas JA e J de que foram enviadas.
Contudo, devemos fazer observar que as cartas de fls. 110 e 111, datadas de “seis de Dezembro de 2004”, foram endereçadas para o mesmo, e único, domicílio dos Executados, e estes confessam terem recebido a primeira.
E também a carta de fls. 112, (uma única) endereçada a ambos os Executados, datada de “16-02-2005” foi enviada para o mesmo endereço – até mais completo com a menção do “Lugar do Cruzeiro, Fontelas, 5050 Peso da Régua”.
Outro tanto sucedeu com a carta de fls. 113, datada de “04/10/2005” pela qual o “Serviço de Recuperação de Crédito” do Banco “B” comunicou o preenchimento da livrança.
Foi ainda para o mesmo endereço que o Banco enviou os extractos bancários que, como se referiu, os próprios Executados juntaram aos autos, demonstração inequívoca de que os receberam.
Acresce que, como afirmaram todas as testemunhas, os Executados são pessoas bem conhecidas na freguesia, o falecido F por ter sido presidente da Junta e da Casa do Povo, e a executada M por ser sua esposa, sendo que a testemunha JM, genro destes, foi inequívoco na afirmação de que o casal reside e residiu sempre na morada acima mencionada.
Ora, os factos que vêm de ser referidos, acrescidos da circunstância de os Apelantes não terem dado qualquer justificação em suporte da excepção que invocam (v.g., extravio de correspondência, ausência temporária da residência), fundamentam a presunção de terem ali sido recebidas (tal como aconteceu com a que eles próprios confirmam terem recepcionado) as cartas que lhes foram endereçadas, designadamente as de fls. 111, 112 e 113, a que se referem, respectivamente, os n.os 10, 11, e 12 dos factos provados.
Os Apelantes pretenderam demonstrar, pelas perguntas que dirigiram às testemunhas, que quem decidia todos os assuntos era o Executado, e a esposa M “estava sempre em casa”, e “é uma pessoa com pouca instrução”, não estando a par da situação. Será este, porém, o modo de “funcionamento” pessoal do casal, sem qualquer relevância na presente situação, sendo, embora, certo que a Executada assinou a escritura de constituição de hipoteca que lhe foi lida “e explicada” (cfr. fls. 18 dos autos de Execução), pelo que terá obtido, pelo menos, a informação que ela contém.
Improcede, assim, também esta parte da impugnação da decisão de facto.
Finalmente, defendem os Apelantes que o que consta do n.º 16 (“o conteúdo do contrato de crédito em conta corrente foi livremente negociado entre os outorgantes incluindo as garantias prestadas ao mutuante…”) é incompatível com a matéria provada no n.º 7 (“Os Executados encontravam-se, na altura do pedido do empréstimo, em situação de necessidade, de dependência, por manifestas dificuldades económicas, dificuldades essas que eram do conhecimento do Exequente”) - cfr. conclusão 20.
Não vislumbramos, porém, que haja contradição entre um facto e o outro. Este (mencionado em 7), será, é de crer, a justificação do primeiro (mencionado em 16).
Os Executados, nem mesmo por serem clientes do Banco, não deixariam de ter a liberdade de procurarem um outro qualquer interlocutor que satisfizesse as suas prementes necessidades de financiamento.
Não se provou nenhum facto, tampouco indiciador, de os Executados terem estado, de algum modo, afectados na sua capacidade de querer e entender, quando estabeleceram as conversações com o Banco e quando aceitaram as condições que lhes foram colocadas.
Deste modo, e sendo inequívoco, pelas regras da experiência comum, que se não estivessem com dificuldades económicas, e necessitados de capital (o empréstimo foi pedido e concedido para “pagamento a fornecedores”, como consta do escrito de fls. 22) os Apelantes não recorreriam ao crédito, sabendo-se, como se sabe, que os juros dos empréstimos são muito mais elevados que os juros dos depósitos, não haverá contradição entre os factos referidos.
Pretendem os Apelantes que se adite à decisão de facto a facticidade que consta da conclusão 2ª. – valor total das importâncias alegadamente entregues; o teor da declaração entregue pelo Banco; os pedidos de informação que dirigiu ao Banco.
Relativamente aos valores que os Apelantes afirmam terem entregue ao Banco, no montante total de € 54.408,51, diremos que os extractos das duas contas bancárias, para os quais remetem, não permitem confirmar que todas as importâncias debitadas na conta à ordem sob a designação de “Lançamento Juros” respeitem ao empréstimo, tanto mais que a referida conta se apresenta quase sempre a descoberto e, como se sabe, os Bancos cobram juros pelo “descoberto”, como referiu o Banco Exequente a fls. 376 dos autos – como exemplo disso mesmo temos, p. ex., o extracto de fls. 61, que respeita aos juros debitados na conta caucionada relativos ao período de 13/05/2001 a 11/08/2001, no valor de 251.507$00, e o de fls. 62, que respeita à conta à ordem, no qual consta terem sido debitados juros no valor de 8.428$00, referentes ao período de 27/06/2001 a 27/09/2001; no extracto de fls. 298, da conta à ordem, vêm debitadas três importâncias de juros, todas em 09/09/1998.
A única entrega para abatimento do capital, de que se fez prova, foi da importância de € 2.500,00, tendo a testemunha João Alcides Almeida narrado as circunstâncias em que ela decorreu: «Os 2.500 euros foi um sinal que (o executado F) me deu a mim para não ir para Contencioso». «Eu recordo que lhe disse “tem que me dar um sinal. O sinal é abater ao capital”. E abateu». Afirmou ainda que o Executado até aí «apenas foi pagando juros, e com atraso», mas nunca tinha entregue qualquer importância para abatimento do capital, facto que foi corroborado pela testemunha J,
Ora, não havendo nos autos outros elementos probatórios que possam complementar aqueles, atenta a sua insuficiência para demonstrar a facticidade invocada, não pode fundamentar-se nos extractos bancários a convicção do julgador.
Relativamente aos documentos juntos aos autos a fls. 198 e 197, sendo o primeiro uma declaração emitida pelo Banco “BES”, e o segundo uma carta dirigida pelo Executado F à “Gerência do B = Balcão de Santa Marta de Penaguião”, não se vislumbra interesse na sua transcrição nos “factos provados”, desde logo porque se referem apenas a pagamento de juros, e são de data posterior à da entrada em Juízo do requerimento executivo.
Com efeito, este requerimento deu entrada na Secretaria Geral de Execuções de Lisboa em 31/01/2006, como se vê de fls. 4 do Processo de Execução e do carimbo nela aposto, e a “Declaração” tem a data de 02/02/2006, estando datada de 12/10/2006 a carta referida, sendo certo que os Executados já haviam sido citados em 14/02/2006, como se vê dos avisos de recepção de fls. 67 e 73 do mesmo Processo).
Termos em que se não acolhe a pretensão dos Apelantes, referida na conclusão 2.ª.
Mantém-se, pois, inalterada a decisão da matéria de facto.
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V.- Os Apelantes classificam os juros como usurários, e alegam que estão prescritos.
Alegam ainda que o negócio é usurário.
Finalmente defendem serem cláusulas abusivas a exigência da livrança em branco, atenta a garantia da hipoteca.
Cumpre apreciar.
1.- O título dado à execução é uma livrança que foi subscrita pelos executados F e mulher M.
Subjacentemente à livrança está um contrato de abertura de crédito que os Executados celebraram com o “B”, mediante o qual este Banco lhes concedeu um empréstimo, sob a forma de facilidade de crédito ao financiamento para pagamento a fornecedores, até ao montante de Pte: 8.500.000$00, ou seja, em moeda actual, € 42.397,82.
O próprio Banco denomina o contrato como “Crédito em Conta Corrente Com Caução – Curto Prazo”.
O referido contrato foi alterado em 28/01/2000, por ocasião da introdução da moeda única, nos termos constantes de fls. 25 e 26 dos autos.
O art.º 362.º do Código Comercial (C.Com.) diz que “São comerciais todas as operações de bancos tendentes a realizar lucros sobre numerário, fundos públicos ou títulos negociáveis, e em especial as de câmbio, os arbítrios, empréstimos, descontos, cobranças, aberturas de crédito, emissão e circulação de notas ou títulos fiduciários pagáveis à vista e ao portador”, dispondo o art.º 363.º do mesmo Cód. que “As operações de banco regular-se-ão pelas disposições especiais respectivas aos contratos que representarem, ou em que afinal se resolverem”.
O S.T.J., no Ac. de 4/12/2007, define o “contrato de mútuo bancário na modalidade de abertura de crédito em conta corrente” como “aquele por via do qual a instituição de crédito se vincula a colocar à disposição do seu cliente determinada quantia em dinheiro e este se obriga a restituir-lha, em montante idêntico, com juros remuneratórios, podendo o último operar, por aquela forma, uma pluralidade de levantamentos de depósitos de parcelas do crédito”, havendo decidido ainda que “o significado da expressão renovação do contrato de abertura de crédito em conta corrente é o de celebração de novo contrato idêntico a outro anterior que vigorou entre as mesmas partes e que se extinguiu, realidade diversa da renovação do financiamento no âmbito do mesmo contrato” (ut Proc.º 07B4135, Cons.º Salvador da Costa, in www.dgsi.pt).
ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO distingue a abertura de crédito simples, como sendo aquela em que “o crédito disponibilizado pode ser usado de uma só vez” e a abertura de crédito em conta corrente”, na qual “o cliente pode sacar diversas vezes sobre o crédito, solvendo as parcelas de que não necessite, numa conta corrente com o banqueiro”, distinguindo ainda a abertura de crédito garantida, “quando seja acompanhada de uma garantia, pessoal ou real” e a abertura de crédito a descoberto, se não for acompanhada de qualquer garantia, referindo que “na prática bancária portuguesa em que as aberturas de crédito operam a favor de sociedades, recorre-se a livranças subscritas pela própria sociedade e avalizadas pelos sócios mais significativos” e acrescenta “Fala-se, então, na gíria bancária em conta corrente caucionada”.
Trata-se, segundo o mesmo Autor, de um contrato bancário nominado mas legalmente atípico e que “corresponde, hoje, a um tipo social, sedimentado nos usos e em cláusulas contratuais gerais” (in “Manual de Direito Bancário”, Almedina, 4.ª ed., págs. 640-643).
Do que vem de ser referido, e para o que ora interessa, cumpre fazer ressaltar que o contrato que os Executados celebraram com o Banco tem natureza comercial e é oneroso – ficou estabelecido o pagamento de juros como contrapartida da disponibilização do dinheiro.
2.- Em todos os actos comerciais, seja pela via do direito, seja pela via convencional, haverá lugar à contagem de juros, nos termos do disposto no art.º 102.º do C. Com..
A taxa de juros comerciais, se for convencionada, só pode ser fixada por escrito, de acordo com o parágrafo 1.º daquele dispositivo legal.
Se não tiver sido acordada a taxa de juros aplica-se a taxa supletiva, de acordo com o que dispõe o parágrafo 3.º, ainda do mesmo art.º 102.º.
Sem embargo, no domínio das operações e contratos bancários regem as normas específicas que vêm reguladas no Dec.-Lei n.º 344/78, de 17 de Novembro, com as alterações introduzidas pelos Decs.-Leis n.º 83/86, de 6 de Maio e n.º 204/87, de 16 de Maio.
Como assertivamente refere o Tribunal a quo, ao contrato de abertura de crédito celebrado pelos Executados e pelo “B” não se aplica o recente Dec.- Lei n.º 58/2013, de 8 de Maio, já que apenas dispõe para as operações e contratos de crédito celebrados após a sua entrada em vigor.
Daqueles Diplomas Legais resulta que a taxa de juros a considerar é a que for contratualmente estabelecida porque o Banco de Portugal não impôs limites para as taxas de juro a praticar pelas instituições de crédito.
Com efeito, o n.º 2 do Aviso do Banco de Portugal n.º 3/93, determina que “São livremente estabelecidas pelas instituições de crédito e sociedades financeiras as taxas de juro das suas operações, salvo nos casos em que sejam fixadas por diploma legal”.
Como refere o S.T.J., no Ac. de 7/02/2002, nos contratos de mútuo bancário “os juros de mora a considerar serão, em princípio, os respeitantes às operações bancárias e não às operações comerciais "lato sensu", nem, tão pouco, os juros civis legais”, acrescentando que os mútuos bancários “no que tange aos juros de mora, obedecem ao disposto no nº. 1 do art. 7º do DL 344/78, de 17/11 (alterado pelo art. 2º do DL 83/86 de 6/5), devendo traduzir-se numa sobretaxa de 2% a aditar à taxa de juro que seria aplicada à operação em causa, se houvesse sido renovada, ou, em alternativa, à taxa de juro máxima permitida para as operações de crédito activas de prazo igual àquele por que durar a mora” (ut Proc.º 01B4403, Cons.º Ferreira de Almeida, in www.dgsi.pt).
A Rel. de Lisboa, no Ac. de 11/01/2005, decidiu que uma taxa de juro de 35,06% não é usurária precisamente por não haver imposição legal de um limite máximo (in C.J., ano XXX, Tomo I/2005, págs. 65-67).
No mesmo sentido vai o Ac. da Rel. de Coimbra de 11/03/2014, no qual se decidiu que no domínio do comércio bancário “não acordando as partes diversamente” a taxa de juros “determina-se com referência ou indexação às taxas básicas afixadas e divulgadas, para o prazo da operação em causa, pelas instituições financeiras, prevalecendo então o que for determinado pela própria instituição financeira contratante, dado não haver sujeição à limitação imposta pelo art. 1146º do Código Civil, conjugado com o art. 102º, § 2º do Código Comercial” (ut Proc.º 3892/09.4T2AGD-A.C1, Desemb. Luís Cravo, in www.dgsi.pt).
Resulta do exposto que a taxa de juros que foi inicialmente convencionada - 17,5% - não pode ser considerada usurária por não estar sujeita ao limite máximo fixado nos termos do parágrafo 3.º do art.º 102.º do C. Com., não se lhe aplicando, consequentemente, o disposto nos art.os 1146.º e 559.º-A do Código Civil (C.C.), sendo certo que o acréscimo de 2% em caso de mora é permitido pelo art.º 7.º do Dec.-Lei n.º 344/78, com a redacção que lhe deu o art.º 2.º do Dec.-Lei n.º 83/82.
Quanto a esta parte não merece reparo a decisão do Tribunal a quo.
3.- O anatocismo é a capitalização dos juros vencidos e não pagos.
O art.º 560.º do C.C. só permite o anatocismo nas duas situações referidas no n.º 1: se houver convenção posterior ao vencimento; ou mediante notificação judicial feita ao devedor para capitalizar os juros vencidos ou proceder ao seu pagamento sob pena de capitalização.
O n.º 3 põe a salvo destas restrições as situações em que elas contrariem as regras ou os usos particulares do comércio.
Ora, como refere o Ac. da Rel. de Lisboa de 27/05/1997, citando vasta jurisprudência e doutrina, o anatocismo é uma realidade “há muito praticada pelo sistema bancário” (in C.J., ano XXII-1997, Tomo III, pág. 98, que refere vasta jurisprudência e a doutrina no mesmo sentido), e é mesmo legalmente permitida, já que o n.º 6 do art.º 5.º do Dec.-Lei n.º 344/78, com a redacção que lhe deu o art.º 1.º do Dec.-Lei n.º 204/87 somente proíbe a capitalização dos juros correspondentes a um período inferior a três meses.
Deste modo, mesmo que o Banco Exequente tivesse praticado o anatocismo, o que, diga-se, os factos não demonstram, não incorria em prática proibida por lei.
4.- Os Apelantes invocam a prescrição dos juros e alegam que a hipoteca só abrange os juros relativos aos três anos.
Como se vê da carta de fls. 113, que é a comunicação do preenchimento da livrança, no que se refere à quantia em dívida, ela fez-se corresponder ao capital mutuado que estava em débito: € 39.897,82 (capital inicial de € 42.397,82 subtraído da entrega de € 2.500), acrescida dos juros, à taxa anual de 11,110%, contados desde 28/11/2003 até 15/10/2005.
Em primeiro lugar devemos fazer notar que, ao invés do invocado pelos Apelantes, à presente situação não se aplica a jurisprudência firmada pelo AUJ n.º 7/2009 (publicado no D.R. 1.ª série, n.º 86, de 5/05/2009) porque no contrato em mérito não foi convencionada a liquidação da importância mutuada em prestações escalonadas no tempo, por forma a que o não pagamento de uma implique o vencimento imediato das ainda não vencidas, situação a que se refere o referido Acórdão Uniformizador, e nem estão a ser exigidos aos Apelantes juros remuneratórios.
Não há, assim, fundamento para referir “juros indevidos” (conclusões 25 e 26).
Relativamente aos juros garantidos pela hipoteca, aderindo ao entendimento manifestado pelo S.T.J., dentre outros, no Ac. de 30/11/2010, o período de três anos referido no n.º 2 do art.º 693.º do C.C. “conta-se desde o início do incumprimento por parte do mutuário” (ut Proc.º 1254/07.7TBGDM-A.P1.S1, Cons.º Fonseca Ramos, in www.dgsi.pt e in C.J., Acs. do S.T.J., ano XVIII, Tomo III/2010, págs. 204-207).
No que se refere à prescrição dos juros, sendo, embora certo, que a dívida de juros está sujeita ao prazo de prescrição de cinco anos, de acordo com o disposto na alínea d) do art.º 310.º, do C.C., também o é que a citação interrompe o prazo de prescrição, e se esta se não fizer no prazo de 5 dias por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorra aquele prazo, conforme dispõe o art.º 323.º, n.os 1 e 2 do mesmo Cód..
A interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo, mas se a interrupção resultar da citação, notificação ou acto equiparado, o novo prazo de prescrição não começa enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo, como dispõem os art.os 326.º e 327.º, n.º 1 do C.C..
Foram apresentados dois requerimentos executivos, ambos entrados na Secretaria Geral de Execuções de Lisboa: o primeiro em 31/01/2006 e o segundo em 06/02/2006, como se vê do carimbo aposto, respectivamente, nas fls. 4 e 9 da Execução.
Mesmo considerando o segundo requerimento, o prazo de prescrição tem de se considerar interrompido em 11/02/2006, daqui se concluindo serem devidos os juros pedidos pelo Banco Exequente.
Improcede, pois, a pretensão dos Apelantes.
5.- Alegam os Apelantes que o Banco Exequente obteve deles “a promessa de benefícios excessivos e injustificados, no que diz respeito aos juros e à cláusula a pagar pela mora” (conclusão 31.ª), sendo, por isso, usurário o contrato que celebraram.
De acordo com o disposto no artº. 282º., do C.C., um negócio diz-se usurário sempre que alguém, explorando a situação de necessidade, inexperiência, ligeireza, dependência, estado mental ou fraqueza de carácter de outrem, obtiver deste, para si ou para terceiro, a promessa ou a concessão de benefícios excessivos ou injustificados.
Impondo uma clara limitação ao princípio da liberdade contratual, na vertente da conformação dos contratos, consagrado no artº. 405º., do C.C., aquele art.º 282.º comina com a anulabilidade os negócios usurários.
Para que um negócio seja havido como usurário, é, porém, necessário o preenchimento cumulativo de um requisito subjectivo e de um requisito objectivo, concretizado aquele no aproveitamento consciente, pela outra parte contratante ou por terceiro, de uma situação de necessidade, de inexperiência, de ligeireza, de dependência, de estado mental ou de fraqueza de carácter, concretizando-se o requisito objectivo na desproporção excessiva ou injustificada entre o benefício obtido e a contraprestação, ou seja, como refere o Ac. do S.T.J. de 27/04/2006, é necessário que “por um lado haja um desequilíbrio entre as respectivas prestações que exceda os limites normais dos padrões típicos de valor vigentes no mercado e que não haja uma causa justificativa atendível para esse desequilíbrio e, por outro lado, que o lesado, ao celebrar o negócio, se encontre numa situação de inferioridade negocial, havendo da parte do usurário um aproveitamento consciente e intencional daquele estado” (ut Procº. 06A859, Consº. Urbano Rodrigues, in www.dgsi.pt).
Para HEINRICH EWALD HÖRSTER uma situação de necessidade existe “quando dificuldades avultadas de uma pessoa provocam a necessidade imperiosa para ela de obter uma prestação para se libertar daquelas dificuldades”, dificuldades que se não reduzem às de penúria económica, mas também podendo ser consideradas as que se consubstanciem em “graves inconveniências de natureza política, social, habitacional ou estritamente pessoal”, reconduzindo o Autor as situações de dependência àquelas em que “a autonomia de decisão está limitada de facto” (in “A Parte Geral do Código Civil Português” “Teoria Geral do Direito Civil”, Almedina 1992, págs. 558-559).
Refere PEDRO PAIS DE VASCONCELOS que a usura enquanto vício do negócio jurídico, não tem a ver apenas com a ilicitude do conteúdo, mas também com a insuficiente liberdade e discernimento da vontade negocial do lesado na celebração do negócio e ainda com a imoralidade da atitude e da acção do usurário na exploração dessa inferioridade. Além de um conteúdo excessiva ou injustificadamente desequilibrado, que implica uma quebra da sua justiça interna, o negócio viciado por usura envolve também uma situação de inferioridade que se traduz em insuficiente liberdade e discernimento da vontade negocial do lesado, e ainda um reprovável aproveitamento (exploração) por parte do usurário da situação de inferioridade ou de carência do lesado” (in “Teoria Geral do Direito Civil”, 5ª. ed., págs. 625 e sgs.).
Ficou provado (ponto 7) que quando celebraram o contrato de abertura de crédito com o “BES” os Executados encontravam-se “em situação de necessidade, de dependência, por manifestas dificuldades económicas”, o que era do conhecimento do Banco Exequente.
Contudo, para além de não vir provada a falta de discernimento da vontade negocial por banda dos Executados, também se não pode extrair da facticidade apurada, nomeadamente do clausulado do contrato, que o Banco se aproveitou daquela situação em termos passíveis de censura, considerada a taxa de juros praticada (e que terá baixado ao longo do tempo) e acréscimo de 2% a pagar em caso de mora, que, como acima se referiu, tem base legal.
Com efeito, a taxa de juros então acordada (17,5% ao ano) poder-se-á considerar dentro da normalidade se considerarmos que a taxa de juros comerciais supletiva passou a ser de 15% a partir de 28/09/1995 (de acordo com a Portaria n.º 1167/95, de 23/09), e assim se manteve até 16/04/1999.
6.- Defendem ainda os Apelantes: “Em reforço da garantia o banco exequente exigiu ainda dos executados que assinassem uma livrança totalmente em branco, conforme consta da cláusula 7.1 do documento do exequente datado de 26 de Maio de 1995” (conclusão 36ª) e partem desta asserção para considerarem abusivas as cláusulas do contrato, apenas excluindo a que define o montante emprestado (8.500.000$00); a forma de execução do contrato (o contrato revestirá a forma de conta aberta denominada “Crédito em Conta Corrente Com Caução – Curto Prazo”); e o prazo de vigência (90 dias prorrogáveis automaticamente por igual período de tempo).
Defendem, assim, serem nulas:
- a cláusula 4, que se refere ao “Modo de Funcionamento”: “4.1 Movimentação livre até ao montante de Esc. 6.000.000$00”; 4.2 “O excedente de Esc. 2.500.000$00 a par da liquidação do financiamento de igual montante, com vencimento em 17/07/95”;
- a cláusula 5, que regula a taxa de juro: “A acordada com V. Exª, susceptível de rectificação no início de cada período de contagem”;
- a cláusula 6, que regula a contagem de juros: “Serão contados, dia a dia, sobre o saldo em dívida e debitados trimestralmente na sua conta de depósitos à ordem”, acrescentando-se: “Para o efeito, V. Ex.ª compromete-se a manter a referida conta de depósitos à ordem devidamente provisionada, com vista a suportar pontualmente os débitos dos juros devidos e outros encargos aplicáveis nos termos da legislação em vigor e autorizam, desde já, o nosso Banco a proceder à respectiva movimentação”;
- a cláusula 7, que se refere às garantias: “7.1. Livrança em branco”, nos termos que ficaram transcritos no n.º 5 da decisão de facto”; “7.2. Hipoteca a favor do Banco da fracção A, … …, a qual deverá ser constituída previamente à utilização de fundos”;
- a cláusula 8, que dispõe sobre os juros moratórios: “No caso de incumprimento do pagamento do capital e/ou juros incidirá sobre o respectivo montante e durante o tempo em que tal situação de incumprimento se verificar, a taxa de juro moratória (juros remuneratórios acrescidos da sobretaxa legal)”.
Mais alegam os Apelantes que são também cláusulas abusivas “as existente da escritura de hipoteca” (esclarecendo nas alegações que se reportam à taxa de juros de 17,5% ao ano, e ao acréscimo de 2% em caso de mora e às despesas judiciais e extrajudiciais no valor de 340.000$00 – cfr. fl. 225v.º) dado que resultam da incapacidade dos executados em poder negociar em igualdade de meios e/ou circunstâncias com o banco exequente B” (conclusão 38ª).
Relativamente ao invocado abuso do direito, cumprirá aderir ao bem fundamentado da Sentença, na parte que consta de fls. 210 a 212.
Sem embargo, e muito singelamente, apenas diremos que o art.º 334.º do C.C. considera ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes, ou pelo fim social ou económico desse direito.
Exige-se que o excesso cometido seja manifesto, que haja “uma clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante”, como referiu VAZ SERRA (in B.M.J., nº. 85º., pág. 253).
De acordo com o Ac. do S.T.J. de 9/04/2013, “O instituto do abuso do direito relaciona-se com situações em que a invocação ou o exercício de um direito que, na normalidade das situações seria justo, na concreta situação da relação jurídica se revela iníquo e fere o sentido de justiça” e prossegue ainda, citando o Acórdão do mesmo STJ de 28/11/1996, “O abuso do direito pressupõe a existência de uma contradição entre o modo ou fim com que o titular exerce o direito e o interesse a que o poder nele consubstanciado se encontra adstrito e casos em que se excede os limites impostos pela boa fé” (in C.J., Acs. do S.T.J., ano IV, tomo III, págs. 118-121).
O Dec.-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, que dispõe sobre as cláusulas contratuais gerais, impõe os deveres de comunicação (art.º 5.º) e de informação (art.º 6.º), ambos a deverem ser observados ainda na fase pré-negocial, com o tempo de antecedência que a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas ditem para que seja possível a um aderente normalmente diligente tomar delas um conhecimento completo e adequado à situação. O dever de informação respeita a tudo quanto respeite ao esclarecimento do conteúdo das cláusulas contratuais, designadamente ao sentido da interpretação que delas faz o predisponente.
Considera cláusulas proibidas, de um modo geral as que forem contrárias à boa fé (art.º 15.º), para o que se devem ponderar, nos termos do art.º 16.º, os valores fundamentais do direito, relevantes em face da situação considerada, e em especial “A confiança suscitada, nas partes, pelo sentido global das cláusulas contratuais em causa, pelo processo de formação do contrato singular celebrado, pelo teor deste e ainda por quaisquer outros elementos atendíveis” (alínea a)), e bem assim “O objectivo que as partes visam atingir negocialmente, procurando-se a sua efectivação à luz do tipo de contrato utilizado” (alínea b)).
Também a invocada Lei de Defesa do Consumidor – Lei n.º 24/96, de 31 de Julho -, afirmando que “O consumidor tem direito à protecção dos seus interesses económicos”, apela aos intervenientes nas relações jurídicas de consumo uma actuação leal e de boa fé, “nos preliminares, na formação e ainda na vigência dos contratos” – cfr. n.º 1 do art.º 9.º. -, cominando com a nulidade “qualquer convenção ou disposição contratual que exclua ou restrinja” os direitos nela atribuídos aos consumidores – cfr. art.º 16.º.
Em todas estas disposições legais o conceito de boa fé está utilizado em sentido ético, significando a consideração pelos interesses da contraparte, a honestidade e lealdade dos comportamentos, quer nas negociações preliminares quer na execução do contrato.
O Ac. da Relação do Porto de 22/06/1993, dá, precisamente, relevo à necessidade de o banco, na execução de um contrato de abertura de crédito, “agir de boa fé”, tendo “a obrigação acrescida de informação, de aviso ou declaração de todos os factos que possam prejudicar o fim do contrato”, havendo decidido que “se durante certo período, a conta referente ao contrato de abertura de crédito apresentar um elevado saldo negativo, enquanto a conta à ordem mostrar um saldo positivo superior aquele, por forma a que os juros debitados na primeira sejam muito superiores aos juros creditados na segunda, o banco não cumpre aqueles deveres, com a simples remessa periódica dos extractos das mencionadas contas”, incumbindo-lhe alertar o cliente “para a situação anómala verificada, pelo que não o fazendo, constituiu-se na obrigação de indemnizar pelos prejuízos sofridos, por violação positiva do contrato” (in C.J., ano XVIII – 1993, Tomo III, págs. 232-238).
Na situação sub judicio, por quanto já acima ficou referido quanto aos juros, e por se dever considerar que a assinatura de uma livrança em branco com a autorização do preenchimento, assim como a hipoteca de bens imobiliários, são a prática comum e corrente nos empréstimos bancários, e, por isso, os Apelantes já podiam contar com ela quando abordaram o Banco para saber das condições de financiamento.
Por outro lado, não se vislumbram razões para se afirmar que a exigência do pagamento daquela taxa de juros, que terá baixado ao longo do tempo de duração do contrato, e a exigência das referidas garantias, são clamorosamente irrazoáveis.
Tradicionalmente, os lucros da actividade bancária correspondem à diferença entre os juros que pagam pelos depósitos e os juros que cobram pelos empréstimos, e daí que a taxa de juros seja um dos elementos fundamentais nas negociações. Contudo, e como acima se referiu, é muito pouco significativa a legislação impositiva de limites máximos, havendo-se o legislador limitado a impor às instituições de crédito um dever de informação especial quanto aos valores das taxas de juros que pratica – nos termos do art.º 3.º do Dec.-Lei n.º 220/94, de 23 de Agosto, “As instituições de crédito deverão afixar em todos os balcões e locais de atendimento do público, em lugar bem visível, um quadro … contendo a indicação das taxas … que habitualmente pratiquem, bem como da taxa de juro preferencial”.
Sendo, embora, consabido que os Bancos e, de um modo geral, todas as grandes empresas, impõem as suas condições e demonstram pouca sensibilidade perante as fragilidades dos seus clientes, mormente no que toca à situação económica, perante situações de flagrante injustiça haverá que fazer funcionar os instrumentos legais de correcção, mas será talvez utópico defender-se uma situação de “igualdade de meios e/ou circunstâncias” nas negociações, em que se fundamentam os Apelantes.
Os Apelantes não invocam deficiente informação ou falta de esclarecimento do sentido e alcance das cláusulas que dizem abusivas. E também não alegam divergências entre o teor destas cláusulas e o que foi por si aceite, ou, sequer, que elas frustraram as expectativas que criaram durante as negociações.
E também não alegam qualquer situação de não acatamento de instruções que tenham dado ao Banco, designadamente referentes ao cumprimento da sua obrigação de devolução da importância mutuada.
Não há, pois, fundamento consistente para considerar ter havido violação do princípio da boa fé.
7.- Por fim, no que se refere ao preenchimento da livrança, atendendo ao que já acima ficou referido, também aquando da reapreciação da matéria de facto, cumpre aderir, in totum, à fundamentação jurídica e à decisão (fls. 209-210) extraída dos factos provados, que apontam no sentido de o Banco ter cumprido com o que se obrigou no que tange ao acordo de preenchimento.
Com efeito, tendo ficado provado ter havido apenas uma entrega para abatimento do capital mutuado (todas as outras entregas foram para pagamento dos juros remuneratórios devidos, porque contratualmente estabelecidos), a qual se fez reflectir no valor em dívida, e estando a taxa de juros relativa à mora dentro dos limites legal e contratualmente impostos, não pode ter-se por inobservado o acordo de preenchimento.
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Tendo presente tudo quanto vem de expor-se cumpre concluir não merecer provimento a pretensão recursiva que os Apelantes formulam.
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C) DECISÃO
Considerando o exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o presente recurso de apelação, consequentemente confirmando e mantendo a decisão impugnada.
Custas pelos Apelantes.
Guimarães, 11/05/2017
(escrito em computador e revisto)

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(Fernando Fernandes Freitas)


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(Lina Aurora Castro Bettencourt Baptista)


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(Maria de Fátima Almeida Andrade)