Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
418/15.4T8CMN.G1
Relator: JOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS DO APELANTE
DIREITO DE PROPRIEDADE
ÀMBITO DA PRESUNÇÃO DERIVADA DO REGISTO
PAREDE OU MURO DIVISÓRIO
CONSTITUIÇÃO DE SERVIDÃO DE VISTAS
DEMOLIÇÃO DE OBRAS
SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/31/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (elaborado pelo relator – art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil).

1- O vício determinativo da nulidade da sentença por falta de fundamentação (art.615º, n.º 1, al. b) do CPC) apenas ocorrerá quando, em sede de subsunção jurídica da factualidade apurada, o tribunal omita totalmente a fundamentação de facto e/ou de direito em que ancorou a decisão de mérito proferida nessa sentença.

2- Apesar do julgamento da matéria de facto se conter atualmente na sentença final, continua a impor-se a distinção entre vícios que determinam a nulidade da sentença, os quais se encontram taxativamente elencados no art. 615º, n.º 1 do CPC, e vícios que afetam a decisão sobre a matéria de facto, os quais nunca constituem causa de nulidade da sentença à luz do art. 615º, n.º 1, mas carecem de ser apreciados e solucionados mediante recurso aos poderes de rescisão ou de cassação da Relação enunciados no art. 662º, n.ºs 1 e 2 do CPC.

3- Não satisfaz os ónus de impugnação da matéria de facto prescritos no art. 640º, n.ºs 1 e 2, al. a) do CPC, a transcrição de múltiplos depoimentos de testemunhas e de outros meios de prova e a genérica afirmação de que foi feita pela 1ª Instância uma errónea apreciação da prova produzida, sem que se especifique, nas conclusões, quais os concretos pontos da matéria de facto que se impugna e sem que, em lado algum das alegações de recurso, se indique qual a concreta resposta que devia ter sido dado à matéria impugnada (não especificada) e os elementos de prova que demandavam esse julgamento diverso em relação a cada um desses pontos (não especificados).

4- As presunções de compropriedade de muros e paredes divisórios enunciadas no art. 1371º, n.ºs 1 e 2 do CC, são ilidíveis mediante prova em contrário.

5- As presunções de propriedade derivadas do registo não abrangem as áreas, limites ou confrontações dos prédios, pelo que com vista a fazer prova que o muro integra o prédio de que se arroga proprietária, terá a Autora de alegar e provar ter adquirido o direito de propriedade sobre aquele prédio, com as concretas áreas, limites, confrontações e muro que invoca, por via do funcionamento do instituto da usucapião.

6- À constituição da servidão de vistas não é necessário que o proprietário do prédio dominante tenha efetivamente disfrutado das vistas proporcionadas pela janela, posto que o objeto da servidão não é propriamente a vista sobre o prédio vizinho, mas a existência da porta, janela, varanda, terraço, eirado ou obra semelhante, que deite sobre o prédio vizinho e que diste deste menos de metro e meio fixada pelo art. 1360º, n.ºs 1 e 2 do CC. O que importa, pois, à constituição da servidão de vistas é a existência da obra naquelas condições e não a sua efetiva utilização.

7- A sanção pecuniária compulsória judicial a que alude o n.º 1 do art. 829º-A do CC, encontra-se reservada às obrigações de facto, positivo ou negativo, de natureza infungível, o que não é o caso da imposição da obrigação de se proceder à demolição de uma construção, uma vez que incumprida essa obrigação, a mesma pode ser levada a efeito por terceiro, à custa do devedor, em sede de execução para prestação de facto positivo.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.

I- RELATÓRIO.

Maria, residente na Rua (...), Caminha, intentou a presente ação declarativa, como processo comum, contra Helena e marido, Augusto, residentes na Rua (…), Caminha, pedindo que se:

a- declare que o prédio identificado no art. 1º da petição inicial é sua propriedade;
b- declare que a delimitação na estrema norte da propriedade daquele prédio é efetuada através de um muro, construído em pedra e cimento, com cerca de 1,50 m. de altura, em toda a sua extensão;
c- declare que o muro referido na alínea anterior é parte integrante do prédio da Autora, isto é, propriedade exclusiva desta;
d- declare que a Autora tem uma servidão de vistas, nomeadamente para o prédio da Ré, a partir da janela aberta no respetivo alçado norte da sua casa de habitação, constituída por usucapião;
e- condene os Réus, no prazo de quinze dias após o trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferida, a demolir toda a estrutura construída sobre o muro da Autora, bem como o anexo construído junto ao mesmo;
f- condene os Réus, em caso de incumprimento, a pagar uma taxa compulsória de 15,00 euros por cada dia de atraso no cumprimento da decisão; e
g- condene os Réus a pagarem à Autora a quantia de 3.000,00 euros, a título de danos morais e patrimoniais.

Para tanto alega, em síntese, ser proprietária do prédio que identifica no art. 1º da petição inicial, prédio esse que adquiriu por compra em 05/04/2002 e cuja propriedade se encontra inscrita, no registo, em seu nome, sendo que ainda que assim não fosse, já teria adquirido o direito de propriedade sobre esse prédio por usucapião;
Os Réus são proprietários do prédio identificado no art. 11º da petição inicial;
O prédio da Autora confronta pelo lado norte com o limite sul do prédio propriedade dos Réus, sendo o limite norte do primeiro estabelecido por um muro em pedra;
Os Réus arrendaram aquele prédio e os arrendatários do mesmo, com a autorização dos primeiros, procederam à construção de uma estrutura em madeira sobre aquele muro, passando esse muro, em virtude da colocação dessa estrutura, a ter uma altura de cerca de 2,93 metros, tapando totalmente a janela existente no alçado norte da habitação da Autora, lesando a servidão de vistas que o prédio desta beneficia e que se processa através daquela janela, servidão essa que se constituiu por usucapião;

Acresce que essa estrutura viola o disposto no art. 73º do Regulamento Geral das Edificações Urbanas e no art. 37º do Regulamento Municipal das Urbanizações do Município de Caminha;
Essa estrutura não cumpre o disposto no art. 37º, n.º 4 daquele Regulamento;

Os referidos arrendatários, com o consentimento dos Réus, construíram um anexo junto àquele muro, encontrando-se a respetiva estrutura cravada nesse muro, violando o direito de propriedade da Autora e a servidão de vistas que se processa através da supra identificada janela.

Por força da descrita situação, os Réus causaram à Autora danos patrimoniais e não patrimoniais, cuja indemnização reclama.

Os Réus contestaram impugnando parte da factualidade alegada pela Autora.

Concluem pedindo que a ação seja julgada improcedente e que os mesmos sejam absolvidos do pedido.

Deduziram reconvenção pedindo que se declare que o muro entre as propriedades dos Réus e da Autora é meeiro.

Subsidiariamente, que se declare que aquele muro é parte integrante do prédio de que são proprietários, isto é, sua propriedade exclusiva.
Para tanto alegam, em síntese, que o muro divide os prédios dos Réus-reconvintes e da Autora-reconvinda, não existindo diferença de cotas entre os terrenos de ambos os prédios, pelo que é meeiro.

Caso assim não se entenda, então esse muro faz parte do terreno adquirido pelo pai da Autora e da Ré-mulher em 1965, ou seja, do prédio agora propriedade dos Réus, e não da casa que aquele pai da Autora e da Ré-mulher já possuía e que veio a ser adquirida pela Autora.

A Autora replicou impugnando a factualidade alegada pelos Réus-reconvintes em sede de reconvenção.
Conclui pedindo que a reconvenção seja julgada improcedente e que a mesma seja absolvida deste pedido.

Realizou-se audiência prévia em que se admitiu a reconvenção, proferiu-se despacho saneador, fixou-se o valor da ação (5.001,00 euros), o objeto do litígio e os temas da prova, não tendo sido apresentadas reclamações.

Realizada perícia, teve lugar a audiência final, após o que foi proferida sentença julgando a ação parcialmente procedente e a reconvenção totalmente improcedente, constando essa sentença da seguinte parte dispositiva:

I- Pelo exposto, decido julgar parcialmente procedente a ação, e em consequência:

a) Declaro que a autora Maria é proprietária e nessa qualidade lhe pertence o imóvel: “Prédio urbano, composto por casa de rés-do-chão, 1º andar e logradouro com superfície coberta de 110 m2 e logradouro com 350 m2, sito na Rua (...), freguesia de (...), concelho de Caminha, a confrontar de norte com os réus Helena e marido Augusto, a sul com herdeiros Miguel , nascente com o caminho-de-ferro e do poente com a Rua (...), descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº (...) e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 753”.
b) Declaro que a delimitação da extrema norte desse prédio é estabelecida através de um muro, em pedra antiga e cimento, com a altura de cerca de 1,55m, em toda a sua extensão, o qual confronta com o limite sul do prédio pertencente aos réus Helena e Augusto correspondente à ”fração autónoma designada pela letra “B”, destinada a habitação, composta por uma garagem no rés-do-chão do lado sul e por um logradouro do lado direito situado a nascente, que corresponde ao 1º andar do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, a confrontar a sul com a autora, a nascente com o caminho-de-ferro, a poente com a Rua (...) e a norte com M. P., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 2622º e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº (...)-B, sito na Rua (...), freguesia de (...), concelho de Caminha.”.
c) Declaro que esse muro, descrito em b), é parte integrante do prédio pertencente à autora Maria, descrito em a), sendo sua propriedade exclusiva.
d) Declaro que está constituída a favor da autora Maria uma servidão de vistas, nomeadamente, para o prédio pertencente aos réus Helena e Augusto, a partir da janela aberta no alçado norte da sua casa de habitação, descrita na alínea a).
e) Condeno os réus Helena e Augusto a demolir toda a estrutura construída sobre o muro descrito na alínea b), bem como o anexo construído junto ao mesmo, que será levada a cabo no prazo de 15 dias após o trânsito em julgado desta sentença.
f) Condeno os réus Helena e Augusto, em sanção pecuniária compulsória, que se fixa em €15,00 (quinze euros), por cada dia de atraso no cumprimento desta sentença.
g) Condeno os réus Helena e Augusto a pagar à autora Maria, a quantia de €1.000,00 (mil euros), a título de compensação pelos danos não patrimoniais, a qual será acrescida da quantia correspondente aos juros de mora vencidos após o trânsito em julgado desta sentença, calculados à taxa supletiva legal aplicável às dívidas civis (atualmente 4%), até que ocorra o pagamento integral.

II- Julgo totalmente improcedente a reconvenção e, em consequência:

a) Absolvo a autora/reconvinda Maria dos pedidos reconvencionais formulados pelos réus/reconvintes Helena e Augusto.

III- As custas da ação serão suportadas pela autora, na proporção de 2, 5% e pelos réus, na proporção de 97,5%. As custas da reconvenção serão inteiramente suportadas pelos réus/reconvintes.

Irresignados com o assim decidido, vieram os Réus interpor o presente recurso de apelação, em que apresentam as seguintes conclusões:

NULIDADE DA SENTENÇA A QUO

Falta de Fundamentação

I. A sentença proferida omite os factos que fundamentaram a decisão.
II. Segundo o artigo 205º nº 1 da CRP, as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.
III. Não se trata de mera exigência formal, já que a fundamentação cumpre uma dupla função: de carácter objetivo - pacificação social, legitimidade e autocontrole das decisões; e de carácter subjetivo - garantia do direito ao recurso e controlo da correção material e formal das decisões pelos seus destinatários.
IV. A fundamentação da decisão deve, pois, permitir o exercício esclarecido do direito ao recurso e assegurar a transparência e a reflexão decisória, convencendo e não apenas impondo.
V. Em certo sentido, uma decisão vale o que valerem os seus fundamentos; a força obrigatória da sentença está na decisão, mas, como diria Alberto dos Reis, mal vai à força quando se não apoia na justiça e os fundamentos destinam-se precisamente a convencer que a decisão é justa.
VI. O legislador ordinário consagrou o dever de fundamentação para as decisões judiciais em geral no artigo 154º do CPC, onde se prescreve:

“1- As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas.
2- A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade.”
VII. A fundamentação consiste na indicação das razões de facto e de direito que conduzem o julgador, num raciocínio lógico, a decidir em determinado sentido.
VIII. Mas essa indicação não pode ser feita por simples adesão para os fundamentos indicados pelas partes - nº 2 do preceito.
IX. Quanto a este ponto, atente-se no ponto 15, 25 e 36 da sentença a quo, em que não se consegue atender quais os fundamentos, ou prova, que levaram a que os mesmos fossem dados como provados.
X. Onde estão os fundamentos para considerar como provados aqueles pontos?
XI. A falta de fundamentação gera a nulidade da sentença - artigo. 615º, nº 1 b. do C.P.C.
XII. A fundamentação da sentença tem regulamentação específica – artigo 607º do CPC.
XIII. Como decorre deste normativo, a sentença assenta numa dupla fundamentação: de facto e de direito.
XIV. Em primeiro lugar, importa precisar toda a realidade fáctica que se encontra provada.
XV. Depois há que submeter todos esses factos a tratamento jurídico adequado: identificação das regras de direito aplicáveis, interpretação dessas regras e determinação dos correspondentes efeitos jurídicos.
XVI. Na fixação dos factos da causa, isto é, a fundamentação de facto, o juiz tomará em consideração: os factos admitidos por acordo; os factos provados por documento; os factos provados por confissão reduzida a escrito; os factos que o tribunal der como provados.
XVII. A estes acrescem os factos que resultem de presunção legal ou judicial, os factos notórios; os factos de conhecimento oficioso e procede ao exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer.
XVIII. Na decisão sobre a matéria de facto são dados como provados os factos cuja verificação está sujeita à livre apreciação do julgador, que decide segundo a sua prudente convicção, com base na análise crítica das provas apresentadas.
XIX. Mas, mostrando e explicando através desta as razões que objetivamente o determinam a ter (ou não) por provado determinado facto.
XX. Segundo o artigo 607º, nº 3 do CPC, o juiz deve indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes aos factos provados.
XXI. Assim sendo, a título de exemplo, e referente aos pontos em cima identificados e postos em crise, nomeadamente no que concerne ao ponto 15,
XXII. Como é que o Tribunal concluiu que a Recorrida procede regularmente à limpeza, pintura e conservação do muro dos autos?
XXIII. Quando é que a Recorrida fez tal manutenção? Como? Quem testemunhou nesse sentido? Que documentos atestaram tais factos?
XXIV. Que prova foi produzida, que factos concretos atestaram que a partir da janela em crise nos autos a Recorrida e os seus antepassados, sempre viram para norte, nascente e poente, alcançando o horizonte, a paisagem, o céu, vislumbrando o oceano, quando apoiados no seu parapeito?
XXV. Essa prova não existiu.
XXVI. E em relação ao ponto 36., como, quando e de que forma a Recorrida manifestou, por inúmeras vezes o seu desagrado aos aqui Recorrentes pela sua conduta na construção da estrutura amovível e do anexo?
XXVII. As razões de facto indicadas pelo Tribunal a quo para dar aqueles factos como provados não poderiam permitir tal conclusão ao mesmo.
XXVIII. Aqueles factos não foram provados.

ERRO NA VALORAÇÃO DA PROVA

XXIX. No seguimento do referido supra e no de que infra se explanará resulta à saciedade uma errónea valoração da prova por parte do Tribunal a quo.
XXX. O Tribunal a quo faz uma utilização abusiva, arbitrária e discricionária do relatório pericial,
XXXI. Socorrendo-se do mesmo para dar como provados alguns factos, contudo, para outros que abaixo se demonstram, “varre-o para debaixo do tapete”.
XXXII. Com todo o respeito, a prova, por mais que o Tribunal a quo argumente que poderá ser por este apreciada livremente, terá de ter um mínimo de certeza e segurança jurídica, alicerçada em meios de prova idóneos.
XXXIII. Quanto mais quando a questão decidenda se prende, como a dos presentes autos, com uma questão familiar, um muro familiar, um muro entre vizinhos familiares.
XXXIV. O Tribunal a quo consubstanciou a sua decisão (convicção), não em factos, não em provas materiais ou elementos relevantes mas antes em suposições.
XXXV. Como se disse, o Tribunal a quo utilizou o relatório pericial, os esclarecimentos do mesmo e as próprias declarações da Sra. Perita em audiência de julgamento a seu belo prazer.
XXXVI. Quando desprovido de outros elementos de prova e quando apenas lhe restava a testemunhal, o Tribunal a quo, inexplicavelmente decidiu, injustificadamente, valorizar apenas as testemunhas da Recorrida.
XXXVII. Por que valem mais as palavras das testemunhas da Recorrida?
XXXVIII. Que dizer da testemunha da Recorrida, tia das partes, que declarou estar de relações cortadas com a Recorrente mulher, mas que ainda assim, como resulta da douta sentença, foi valorizada e de forma até essencial.
XXXIX. Atente-se no áudio da prova gravada que regista tal momento, faixa 20171215105332 min 2:08 ao min 2:40
Juíza – “A senhora não está zangada com nenhuma das suas sobrinhas?”
Testemunha I. M. – “Infelizmente, sim.”
Juíza – “Está? Com quais delas?”
Testemunha I. M. – “As mais novas.”
Juíza – “Mas com estas duas que estão aqui?”
Testemunha I. M. – “Com aquela!”
Juíza – “Com a Sra. H. L.?”
Testemunha I. M. – “Sim, Sim.”
XL. Por outro lado, as testemunhas dos Recorrentes, uma irmã das partes, antiga proprietária do imóvel agora da Recorrida,
XLI. Um arquiteto que explicou pacifica e claramente que não existia qualquer desconformidade com as construções dos autos, bem como foi cabal a esclarecer as questões de luminosidade, salubridade, ventilação, arejamento do imóvel da Recorrida, aliás o que já havia sido corroborado pela Sra. Perita,
XLII. Uma vizinha dos Recorrentes que é proprietária meeira de parte do muro construído pelo pai das partes em 1954, D. D.,
XLIII. E por fim, o arrendatário do imóvel em causa, autor das construções, que explicou detalhadamente as características e dinâmica daquelas.
XLIV. Ora, todas estas testemunhas, com conhecimento direto dos factos foram totalmente ignoradas pelo Tribunal a quo., em detrimento de depoimentos vagos, imprecisos, indiretos e parciais.
XLV. O Tribunal a quo declarou em desfavor dos aqui Recorrentes que “c) Declaro que esse muro, descrito em b), é parte integrante do prédio pertencente à autora Maria, descrito em a), sendo sua propriedade exclusiva.”
XLVI. Os aqui Recorrentes não se conformam com tal decisão, sendo que no modesto entendimento destes, tal muro se não for sua propriedade exclusiva, terá pelo menos de ser declarado como sendo meeiro.
XLVII. Sendo a questão da propriedade do muro a questão central e quase fulcral para a decisão dos restantes pedidos, não podiam os Recorrentes deixar de estar mais escandalizados.
XLVIII. Deu como provado o Tribunal a quo, que não obstante toda a prova produzida e pacificada nos autos, que o muro em questão, que dividia dois terrenos do mesmo proprietário (o pai de ambas as partes), era propriedade exclusiva de uma delas, neste caso a Recorrida.
XLIX. Repete-se, pese embora, não haver prova de que tal muro foi erigido para a fração atualmente da Recorrida.
L. Como se pode aceitar que o Tribunal a quo colocado na posição de decisor, não seja ponderado, realista e sensível à normalidade da vida e das coisas,
NOMEADAMENTE, CONCEBE-SE OU SE QUER SE PODE EQUACIONAR QUE O PROPRIETÁRIO DE TERRENOS CONFINANTES VÁ ERIGIR UM MURO DE SEPARAÇÃO PARA CADA UM DELES, ISTO É, DOIS MUROS COLADOS UM AO OUTRO.
LI. Mais, EXAUSTIVAMENTE, FICOU DEMONSTRADO, TESTEMUNHA APÓS TESTEMUNHA, DOCUMENTO APÓS DOCUMENTO, QUE O MURO POSSUÍA UMA CANCELA QUE LIGAVA AS DUAS PROPRIEDADES, PARA FRUIÇÃO DO PAI DA RECORRENTE E DA RECORRIDA.
LII. BEM COMO, VÁRIAS CONSTRUÇÕES EXISTENTES NO TERRENO DA RECORRENTE ACOPLADAS AO MURO, EM QUE O MESMO FUNCIONAVA COMO SENDO PARTE INTEGRANTE DAS MESMAS, À VISTA DE TODOS E DO TRIBUNAL A QUO, POIS AS FOTOS DESTAS ENCONTRAM-SE NOS AUTOS, MAXIME UM GALINHEIRO E UMA CASA DE GÁS E ARRUMOS.
LIII. CASO O MURO NÃO FOSSE MEEIRO, TAIS CONSTRUÇÕES NÃO PODERIAM NUNCA SERVIR-SE OU ACOPLAR-SE AO MESMO.
LIV. Com todo o respeito, a decisão do Tribunal a quo desrespeitou a vontade e os desejos do pai das partes, já falecido, pois que ninguém creia que aquele pai tenha erigido um muro apenas para serventia de uma das suas filhas.
LV. Não menos importante, foi o facto do Tribunal a quo se esquecer de valorar, desconsiderando, sequer mencionar o documento junto pelos Recorrentes na audiência de discussão e julgamento de 15/12/2017, uma escritura de compra e venda datada de 1954 dos terrenos onde hoje se encontra implantado o imóvel dos Recorrentes.
LVI. A este propósito como infra se demonstrará da prova gravada o ano de 1954 é o ano referido como sendo o da conclusão da construção da casa da Recorrida, é o ano em que é adquirido o terreno referido no ponto anterior e é o ano em que a demais prova testemunhal declara que o muro foi erigido.
LVII. Resulta à saciedade, que o Tribunal a quo efetuou uma deficiente valoração
da prova produzida nos presentes autos.
LVIII. Inexistem nos autos quaisquer referências documentais de que o referido muro se tenha erigido para a fração da Recorrida.
LIX. Aliás, os poucos indícios existentes sobre a origem do muro apontam no sentido que aquele tenha sido construído pelo primitivo proprietário dos terrenos onde se encontram hoje as frações dos Recorrentes e da Recorrida, que era o seu falecido Pai.
LX. A este propósito, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 01/03/2007, Relator Fátima Galante, no qual se defende que:

“I – A parede ou muro divisório entre dois edifícios presume-se comum em toda a sua altura, sendo os edifícios iguais, e até à altura do inferior, se o não forem (nº 1 do art. 1371º do CCivil). Os muros entre prédios rústicos, ou entre pátios ou quintais de prédios urbanos, presumem-se igualmente comuns, não havendo sinal em contrário (nº2).
II– Na base destas presunções juris tantum e, por isso, susceptíveis de prova em contrário, estão, por um lado, a dificuldade em fazer a prova da comunhão e, por outro lado, a probabilidade de que ela exista, dada a identidade de interesses dos proprietários confinantes em relação ao muro ou parede”.
LXI. Por outro lado, como decorre da própria lei, nomeadamente do nº 1 do artigo 1371º do CC que “A parede ou muro divisório entre dois edifícios presume-se comum em toda a sua altura, sendo os edifícios iguais(…)”.
LXII. Ora, no local não existe diferença de cota entre os terrenos.
LXIII. A Recorrida não comprovou que o muro em causa foi erigido para a sua fração, isto é, não existe, nem juntou qualquer prova documental, onde conste e se afirme que o muro em causa é parte integrante desta.
LXIV. A fração propriedade da Recorrida é a antiga casa dos seus pais, onde esta vivia com a Recorrente mulher e a irmã mais nova de ambas.
LXV. A fração dos Recorrentes era também propriedade do falecido Pai da Recorrida e da Recorrente mulher.
LXVI. Isto é, o falecido Pai da Recorrida e da Recorrente mulher era o proprietário de toda aquela área, fração da Recorrida e fração dos Recorrentes.
LXVII. E, desde sempre e desde aquela altura, que o muro que divide aquelas frações sempre se manteve o mesmo, ficando a servir de divisória entre os dois edifícios, tudo pertença do falecido Pai da Recorrida e da Recorrente mulher.
LXVIII. Ademais, a própria Recorrida confessa na sua P.I. nos artigos 52º e 53º que o muro em questão teria uma cancela, que servia de passagem entre ambas as frações.
LXIX. A existência de tal cancela/passagem entre frações traduz-se num comportamento típico de quem age com o animus e corpus de reais proprietários do dito muro.
LXX. Tal cancela, como resulta dos autos, foi entretanto encerrada pelos Recorrentes, que fizeram a respetiva intervenção no dito muro, de ambos os lados, sem qualquer oposição ou reação da Recorrida.
LXXI. A Recorrida jamais e até à presente data se insurgiu e colocou em causa a referida intervenção dos Recorrentes, antes se conformando com aquela.
LXXII. Sendo este, mais um exemplo e um facto de que os Recorrentes sempre agiram como proprietários e possuidores do muro em questão à vista de todos e sem qualquer oposição.
LXXIII. Tanto mais que, a referida intervenção dos Recorrentes no muro ocorreu há mais de 7 anos e, como referido supra, nunca tal foi posto em causa.
LXXIV. Não compreendem os Recorrentes porque é que só agora é que a Recorrida se lembrou de reclamar a propriedade do muro?
LXXV. Em virtude disso, deverá o muro em crise ser considerado como parte integrante do prédio dos Recorrentes e de sua propriedade exclusiva, sendo que a não se considerar o muro como meeiro, esta será a resolução mais adequada.
LXXVI. Sendo que se assim não se considerar, o muro deverá ser declarado como meeiro, perfazendo tal solução a resolução mais adequada e salomónica, nos termos do nº 1 do artigo 1371º do CC, devendo ser declarado como tal por este douto Tribunal, o que, desde já se requer para todos os devidos efeitos legais.
LXXVII. A Sra. Perita em sede de relatório pericial, página 2, não conseguiu precisar se o muro foi erigido para a fração da Recorrida ou dos Recorrentes,
“- Se o muro foi erigido para a fração da autora ou fração dos réus, aquando da construção (ponto 12 da contestação)?
Resposta: A Perita desconhece.
- Se o muro foi erigido para a fração dos réus (ponto 13 da contestação)?
Resposta: A Perita desconhece.”
LXXVIII. Declarou ainda Sra. Perita, em páginas 2 e 8 do relatório pericial, desconhecer evidências, sinais ou características que levem a concluir se o muro em crise é meeiro ou propriedade exclusiva de alguma das frações.
“- Se o muro evidência características ou sinais que levem a concluir se é ou não muro meeiro (ponto 17 da contestação)?
Resposta: A Perita desconhece.
2 – Se se pode concluir pelas caraterísticas construtivas desse muro, nomeadamente pelos suportes existentes no interior do prédio da autora, se esse muro é parte integrante desse mesmo prédio da autora?
Resposta: A Perita desconhece.
33 – É possível verificar-se pelos elementos que constam do processo e pela planta topográfica apresentada pelos pais da autora e da ré, na Câmara Municipal de Caminha, em 1952, aquando da construção da casa de habitação, atualmente propriedade da autora, se muro já existia ou estava sinalizado à data em que esse mesmo projeto foi apresentado?”
Resposta: A Perita não pode responder pois a planta topográfica não é
elucidativo.”
LXXIX. Também foi possível apurar da audição da Sra. Perita na passagem da faixa 20171213105204 ao min. 23.50 ao min. 24.30,
Mandatário dos Réus - “Relativamente ao muro, na senda também das questões colocadas pelo Sr. Dr., referente aos cachorros, a Sra. Engenheira com base na sua experiência, já viu cachorros, é usual estarem só de um lado do muro? Podem estar dos dois lados? A sua experiência que lhe diz?”
Sra. Perita – “Dos dois lados nunca vi.”
Mandatário dos Réus – “ Ou estão de um lado ou do outro?”
Sra. Perita – “Exatamente.”
Mandatário dos Réus – “ Mesmo quando, em teoria falamos, de muros que possam eventualmente ser meeiros, a regra é que eles só estão de um lado?”
Sra. Perita – “Sim, sim.”
LXXX. E, ainda, foi possível apurar da audição da Sra. Perita na passagem da faixa 20171213105204 ao min. 27.30 ao min. 28.30,
Juíza – “ Também não conseguiu pronunciar-se ou ser conclusiva em relação à época de construção deste muro?”
Sra. Perita – “Não.”
Juíza – “Não é possível?”
Sra. Perita – “Não.”
Juíza – “ Tem alguma característica típica de construção de alguma época ?”
Sra. Perita – “Deu para observar que é um muro antigo, mas de que época……”
Juíza – “ E técnica de construção?”
Sra. Perita - “ Isso a técnica continua praticamente a mesma.”
Juíza – “É ?!?”
Sra. Perita – “ A nível de muros de suporte, sim. Portanto, não dá para perceber de que ano ele é.”
LXXXI. Ainda relativamente ao muro, a testemunha da Recorrida Ana, empregada doméstica daquela, disse o seguinte, conforme faixa 20171215101352 ao min. 17.23 ao min. 17.47,
Mandatário da Autora – “ Havia lá alguma passagem ?”
Testemunha Ana – “ Havia.”
Mandatário da Autora – “ Ainda se lembra disso?”
Testemunha Ana – “ Havia.”
Mandatário da Autora – “ Sabe quem fechou essa”
Testemunha Ana – “ Eu não estava presente, mas devia ter sido a D. Helena, porque aquilo é dela.”
Mandatário da Autora – “E essa passagem servia para quê?”
Testemunha Ana – “ Para o terreno da D. Helena.”
Mandatário da Autora – “ Para o terreno da D. Helena, portanto para a D. Maria lá ir, o que tinha lá?”
Testemunha Ana- “ Tinha lá galinhas, fui para lá tantas vezes com ela.”
LXXXII. Ainda relativamente ao muro, a testemunha dos Recorrentes M. P., irmã da Recorrente e Recorrida, disse o seguinte, conforme faixa 20171218105911 ao min. 02.31. ao min. 03.02,
Mandatária dos Réus – “ Quando residia lá, tanto quanto se lembra, o pai já era proprietário do outro terreno?”
Testemunha M. P. – “O meu pai comprou aquele terreno era solteiro.”
Mandatária dos Réus – “Portanto, quando vocês vão para lá morar já os dois terrenos…”
Testemunha M. P. – “Sim, já existia o terreno ao lado e existia o muro. Ele fez a casa na altura em que nasci, a minha mãe até brincava que foi uma inauguração fazerem-me a mim.”
LXXXIII. Conforme faixa 20171218105911 ao min. 03.10. ao min. 03.49, Testemunha M. P. – “Ele já lá vivia de solteiro, com o pai e a tia que o criou, porque ele ficou sem mãe com 22 meses.”
Mandatária dos Réus – “Portanto ele já era proprietário desses dois…”
Testemunha M. P. – “Já, porque ao herdar à maioridade que era aos 21 anos, ele investiu ali, compra o terreno e faz a casa, casa mãe, da D. Maria presentemente, faz essa casa e vive lá, com a tia e o pai que o criou.”
LXXXIV. Conforme faixa 20171218105911 ao min. 03.54. ao min. 04.50,
Testemunha M. P. – “Casa com a minha mãe, tinha ela 19 anos e a minha mãe vai viver para ali e ali constitui família, casa com a minha mãe no ano de 55, Junho de 55 e o terreno já havia sido comprado em 54 e o muro feito em 54, inclusivamente o virado à linha e ele para ter mais segurança, faz aquele muro, muro esse que nunca teve qualquer restauro, esse muro nunca teve restauração.”
Mandatária dos Réus – “Qual muro? O da linha?
Testemunha M. P. – “Todo ele.”
Mandatária dos Réus – “Ele foi feito todo ao mesmo tempo?”
Testemunha M. P. – “Ele vedou a casa mãe e o terreno, onde fez posteriormente as casas geminadas, vedou isso tudo.”
LXXXV. Ainda, conforme faixa 20171218105911 ao min. 12.40 ao min. 12.55,
Testemunha M. P. – “ Aquele muro foi o meu pai que fez para separar as duas casas, na altura em que fez o muro não havia as casas geminadas…fê-las posteriormente, passados 13 anos, seguramente.”
LXXXVI. E, ainda disse esta testemunha, conforme faixa 20171218105911 ao min. 13.13 ao min. 13.40,
Mandatária dos Réus – “ E, diga-me uma coisa, consegue-me dizer, o muro era da casa mãe ou do outro terreno?”
Testemunha M. P. – “ Aquilo era um muro de
separação…Nós tínhamos sempre acesso, tinha uma porta de entrada, uma cancela, onde tínhamos, a minha mãe tinha lá uma horta e umas árvores de fruta, e mais tarde galinhas para termos ovos.”
LXXXVII. E, ainda disse esta testemunha, conforme faixa 20171218105911 ao min. 13.45 ao min. 13.56,
Mandatária dos Réus – “ Vamos voltar atrás, esse muro de separação sempre teve uma cancela?”
Testemunha M. P. – “ Sim. Sim. Sim.”
Mandatária dos Réus – “ Era para o pai poder andar nas duas propriedades?”
Testemunha M. P. – “ Sim. Sim.”
LXXXVIII. E, ainda disse esta testemunha, conforme faixa 20171218105911 ao min. 18.45 ao min. 19.10,
Mandatária dos Réus – “ D. M. P., aqui acoplado ao muro tem uma estrutura em pedra…”
Testemunha M. P. – “ É um galinheiro…Foi feito pelo meu pai.”
Mandatária dos Réus – “ Mas diga-me uma coisa, isto é um galinheiro agora?”
Testemunha M. P. – “ Não. Agora é uma casinha de gás e arrumos.”
Mandatária dos Réus – “ Mas isto já existe desde quando?”
Testemunha M. P. – “ Desde que foi feita a casa.”
Mandatária dos Réus – “ Qual casa?”
Testemunha M. P. – “ A geminada.”
LXXXIX. E, conforme faixa 20171218105911 ao min. 19.26 ao min. 19.36,
Mandatária dos Réus – “ Mas em concreto, o quero saber é este aqui”
Testemunha M. P. – “ Está encostado ao muro.”
Mandatária dos Réus – “ Ele tem fundo ou parede?”
Testemunha M. P. – “ Não. A parede de trás é o muro.
XC. E, conforme faixa 20171218105911 ao min. 21.18 ao min. 21.30,
Mandatária dos Réus – “ Isto também….A parte de trás está acoplada ao muro? É o muro?”
Testemunha M. P. – “ Sim. Sim.”
Mandatária dos Réus – “ A parte da mesa…. É colada ao muro? Correcto!?!”
Testemunha M. P. – “Sim. Sim.”
XCI. E, conforme faixa 20171218105911 ao min. 25.55 ao min. 26.20,
Testemunha M. P. – “ E nós chamamos um pedreiro eu e a minha irmã Lé, fechamos a porta em blocos de pedra.”
Mandatária dos Réus – “ Vocês fecharam com um pedreiro vosso a vossas expensas?”
Testemunha M. P. – “ Quando ela chegou, o pedreiro ainda estava a rematar o muro.”
Mandatária dos Réus – “ Ela nunca pôs nenhum processo contra esse facto?”
Testemunha M. P. – “ Não, já passaram….foi há mais de seis anos.”
XCII. E, conforme faixa 20171218105911 ao min. 27.50 ao min. 27.55,
Mandatária dos Réus – “ Aquele muro era serventia das duas casas?”
Testemunha M. P. – “ Serventia das duas casas.”
XCIII. E, conforme faixa 20171218105911 ao min. 36.00 ao min. 36.48,
Mandatário da Autora – “ Aquele muro foi construído em 54? A casa foi construída em 53, 54….”
Testemunha M. P. – “ A casa não sei a data...”
Mandatário da Autora – “ Estou a perguntar muito concretamente se o muro foi construído logo a seguir à casa?”
Testemunha M. P. – “ Foram todos feitos em 54. O da linha, que veda a linha, aquele que divide as duas casas e, inclusivamente, o muro que eu divido com a Sra. do lado. Foi tudo feito nessa altura em 54.”
Mandatário da Autora – “ Como sabe que foi em 54?”
Testemunha M. P. – “ Porque tem lá a data.”
XCIV. E, conforme faixa 20171218105911 ao 1H02,35 a 1H02,38,
Testemunha M. P. – “ A N. tem-no todo restaurado, que é a vizinha do lado.”
XCV. E, conforme faixa 20171218105911 ao 1H03,07 a 1H03,17,
Testemunha M. P. – “ Pelo lado dela ela restaurou-o… tá todo restaurado…ela tem o muro todo restaurado.”
XCVI. A testemunha D., quanto a esta matéria disse, conforme faixa 20180205141532 ao min. 04.29. ao min. 05.35,
Mandatária dos Réus – “ Atualmente a sua vizinha meeira é a D. M. P., mas anteriormente quem seria a sua vizinha meeira, seria ali a Dra. Maria?”
Testemunha D. – “Precisamente.”
Mandatária dos Réus – “E, portanto, o muro que separa a sua casa da casa da D. M. P. atualmente é um muro meeiro?”
Testemunha D. – “Precisamente.”
Mandatária dos Réus – “A Sra. cuida do muro na parte que lhe diz respeito?”
Testemunha D. – “ Eu até restaurei a casa dos meus pais, sou solteira, do meu lado restruturei tudo, que o muro do meu lado estava já ….estava velho e agora está novo. Foi com cimento…”
Mandatária dos Réus – “ Pintou-o? Pintou o muro do seu lado”
Testemunha D. – “Não, é pedra. Foi restruturado.”
XCVII. Termos em que a decisão do Tribunal a quo que declarou o muro como parte integrante e propriedade exclusiva da Recorrida, deverá ser revogada e substituída por outra que declare que o mesmo é parte integrante e propriedade plena dos aqui Recorrentes, dando assim provimento e procedência ao pedido reconvencional,
XCVIII. Ou se assim não se entender, declarar tal muro como sendo meeiro.
XCIX. O Tribunal a quo declarou ainda em desfavor dos aqui Recorrentes que “d) Declaro que está constituída a favor da autora Maria uma servidão de vistas, nomeadamente, para o prédio pertencente aos réus, Helena e Augusto, a partir da janela aberta no alçado Norte da sua casa de habitação, descrita na alínea a).”
C. Tal declaração por parte do Tribunal a quo deixou os aqui Recorrentes verdadeiramente incrédulos.
CI. Fundamentou a Recorrida a sua alegada servidão de vistas com o intuito de ver o horizonte, a paisagem, o oceano e até o céu!!!
“a autora e seus sucessores, ao longo de mais de 50 anos e actualmente, utilizam aquela janela para se apoiar nela, para verem o horizonte, a paisagem, o oceano e até o céu, para Norte, Nascente e Poente. (…)” – Ponto 21º da petição inicial.
CII. Desde logo, tal servidão nunca existiu.
CIII. Por outro lado, releve-se que a Recorrida pretende valer o seu direito a uma alegada servidão de vistas a partir de uma janela no WC.
CIV. A Recorrida pretende a partir da janela do seu WC ver o horizonte, a paisagem, o oceano e até o céu!!!
CV. Com o devido respeito, não é razoável, não é adequado e plausível no comportamento do Homem médio que este se vá apoiar na janela do WC para ver o horizonte, a paisagem, o oceano e até o céu!!!
CVI. A este propósito, veja-se o ACÓRDÃO do Tribunal da Relação de Coimbra de 19/02/2013, Relator Alberto Ruço, no qual se defende que:
“1. O benefício que a «servidão de vistas» – artigo 1362.º do Código Civil – confere ao prédio dominante não consiste na possibilidade do seu titular olhar em direcção ao prédio vizinho, até onde a vista alcançar, mas apenas facultar luz e ar ao prédio dominante”.
CVII. Continuando o Acórdão por referir que:

“O termo «servidão de vistas» é a designação tradicional dada ao caso, mas não é o mais adequado, pois o benefício que a servidão confere não consiste na possibilidade de olhar em direcção ao prédio vizinho, até onde a vista alcançar, mas sim facultar luz e ar ao prédio dominante. Neste sentido, e para situações como a dos autos, Cunha Gonçalves referia que «A inacção do proprietário vizinho, porém, dá lugar unicamente à servidão de ar e de luz»
([1]) O mesmo sustentava Pires de Lima, ao dizer que «…o proprietário vizinho pode em qualquer altura levantar edificação, ainda que com ela tape as vistas ao prédio vizinho o que não pode é tirar o ar ou vedar a luz porque estas ficam constituindo verdadeiras servidões» ([2])”.
CVIII. Concluindo o mesmo Acórdão que:

“Verifica-se, como dizem estes autores, que o conteúdo da servidão que onera o prédio dos réus consiste, não no direito dos autores estenderem as vista sobre o prédio dos réus e inclusive mais além, se não houver obstáculos, mas sim na fruição do ar e da luz no interior do prédio dos autores, através das duas janelas”.
CIX. E no caso em apreço, não se colocam quaisquer questões relativas a arejamento, ventilação, salubridade e luminosidade, como taxativa e inequivocamente a Sra. Perita atestou em relatório pericial, páginas 4, 5 e 10.
“- Se estão garantidas as condições de salubridade, insolação e ventilação do prédio da Autora (ponto 29 da contestação)?
Resposta: Admite-se que sim.
- Se relativamente à janela que a Autora diz que perdeu as vistas, aberta norte, se recebe luminosidade direta ou indireta e se a mesma se mantém com a colocação da rede (ponto 30 da contestação)?
Resposta: A janela na fachada Norte, tem uma luz mais constante e indireta.
- Se quanto à salubridade, se a rede no local interfere com a mesma (ponto 31 da contestação)?
Resposta: Admite-se que não.
- Se a janela continua a receber a iluminação que sempre recebeu e se esta é uma iluminação diária ou se é luz solar direta (ponto 32 da contestação)?
Resposta: É uma iluminação diária.
- Se a janela recebe luz natural direta/raios solares (ponto 33 da contestação)?
Resposta: Não.
- Se a ventilação da janela da autora está colocada em causa (ponto 34 da contestação)?
Resposta: Admite-se que não.
- Se a janela mesmo aberta continua a receber a ventilação e renovação do ar, sem qualquer interferência (ponto 36 da contestação)?
Resposta: Admite-se que sim.
10 – Essa estrutura afeta as condições de salubridade, insulação e ventilação do prédio da autora, nomeadamente da respetiva casa de habitação?
Resposta: Admite-se que não.
11 – Por via dessa estrutura a casa de habitação da autora tornou-se mais sombria, fria e húmida?
Resposta: A Perita desconhece.”
CX. Em conclusão, salvo o devido respeito por opinião em contrário, no caso é manifesto e notório que estão garantidas as condições de salubridade, insolação e ventilação da janela da Recorrida.
CXI. Repete-se que estamos perante uma janela que se encontra aberta a norte, isto é, não existe, nem nunca existiu, qualquer entrada de luminosidade direta, mas sim, sempre e só, uma luminosidade indireta, e que no caso concreto se mantém intacta, e como facilmente se constata no local.
CXII. Relativamente à salubridade e como estamos perante uma janela de uma fachada a norte, em questões solares não existe qualquer interferência ou alteração, pois a orientação solar inicia-se a nascente passa para sul e depois termina a poente.
CXIII. É pois assertivo dizer que a fachada em causa só recebe iluminação diária e nunca diretamente solar, ou seja, a iluminação recebida é a mesma que sempre recebeu.
CXIV. A questão da insolação é também precisamente a mesma, o que é técnica e presencialmente facilmente demonstrável, reforçando-se uma vez mais, a janela em causa não tem qualquer aproveitamento de luz natural direta, diga-se raios solares.
CXV. Por fim, relativamente à ventilação, estando a janela aberta, o espaço interior com certeza terá a natural ventilação, terá a renovação de ar, sem qualquer prejuízo, ou seja, sem qualquer interferência, aliás como supra se certificou através de declarações da Sra. Perita.
CXVI. A Recorrida agiu em venire contra factum proprium.
CXVII. Há venire contra factum proprium quando alguém exerce uma posição jurídica em contradição com o comportamento pelo mesmo assumido anteriormente, senão atentemos.
CXVIII. Arroga-se a Recorrida ao direito de uma alegada servidão de vistas sobre o prédio dos Recorrentes com as características supra citadas e que no modesto entendimento destes não têm qualquer fundamento.
CXIX. Pretende a Recorrida exercer esse seu alegado direito a partir de uma janela de WC, o que por si só já é bizarro o suficiente.
CXX. Contudo, e em oposição às necessidades e característica que fundamentam a sua pretensão, a Recorrida intervencionou a referida janela, reduzindo-a para sensivelmente metade do seu tamanho original, conforme resulta provado nos presentes autos,
“A janela referida no item 20 desta decisão foi aberta pelos pais da autora e da ré, aquando da construção da respetiva casa de habitação, em 1952/1953, pese embora com uma largura equivalente, sensivelmente, ao dobro da atual e corresponde à janela de um WC (instalação sanitária).”
“Item 23: Tem suporte probatório no relatório pericial de 28-11-2016, docs. Nºs 6, 10 e 13 juntos com a pi, depoimentos das testemunhas, designadamente, Manuel, o qual expressamente se referiu à realização das obras que determinaram a alteração da largura da janela que é serventia de uma instalação sanitária, M. P., que confirmou a alteração da largura e da serventia da janela, em consonância com a anterior testemunha, Ricardo, que realizou as obras de melhoramentos nas instalações sanitárias que conduziram à necessidade de reduzir a largura da janela.”
CXXI. Da prova gravada resulta,
Faixa 20171213105204, ao min. 2.25 ao min. 2.46,
Juíza – “ Eu não sei se no local existe luz solar direta?”
Sra. Perita – “ Não. Não. Está a Norte.”
Juíza – “ Ao longo do ano nunca dá ali naquela janela luz solar direta?”
Sra. Perita – “ Direta não. É uma luz indireta.”
Faixa 20171213105204, ao min. 4.25 ao min. 4.40,
Juíza – “ Aquela janela da casa de banho, o que se avista?”
Sra. Perita – “ O prédio e o logradouro dos Réus.”
Faixa 20171213105204, ao min. 21.33 ao min. 22.01,
Mandatário dos Réus – “ Relativamente à janela aqui em questão, deste alçado norte, só para esclarecer aqui umas questões, e tendo por referência, a altura dela e da vedação atual que lá se encontra... as questões de salubridade, insolação, ventilação, com base na informação do seu relatório, no fundo reafirma que estas questões não se colocam, pese embora a altura, ou seja, não há qualquer interferência?”
Sra. Perita – “ Não. Não. ”
Faixa 20171213105204, ao min. 25.35 ao min. 26.01,
Juíza – “ Portanto, conclui que não há interferência na rede na circulação do ar daquela zona? O arejamento?”
Sra. Perita – “ Sim. Sim. Estando lá ou não a rede.”
Juíza – “ Não há interferência negativa?”
Sra. Perita – “ Não.”
Faixa 20171213105204 , ao min. 25.35 ao min. 26.01,
Juíza – “ Portanto, conclui que não há interferência na rede na circulação do ar daquela zona? O arejamento?”
Sra. Perita – “ Sim. Sim. Estando lá ou não a rede.”
Juíza – “ Não há interferência negativa?”
Sra. Perita – “ Não.”
Faixa 20171213105204 , ao min. 30.25 ao min. 30.55,
Mandatário da Autora – “ Sra. engenheira esta estrutura não afeta a luminosidade do interior da casa? A luz é a mesma? Com esta estrutura?”
Sra. Perita – “ A norte Sr. Dr. nunca há luz direta.”
Mandatário da Autora – “ Esta casa não vai ficar mais escura ?”
Sra. Perita – “ Em primeiro lugar é luz indireta, e se for vidro fosco não.”
Faixa 20171213112531, ao min. 21.20 ao min. 21.43,
Testemunha da Autora Sr. Ricardo – “ Pronto, isto é a janela da casa de banho, esta janela foi apertada, porque a Sra. fez umas obras lá dentro e meteu aqui e tirou uma banheira e meteu aqui uma base de chuveiro e teve que se apertar a janela, tanto que temos aqui por baixo o peitoril da dita janela, que não foi cortado, a janela foi apertada.”
Faixa 20171213112531 , ao min. 22.03 ao min. 22.15,
Mandatário da Autora – “ Se a janela foi ou não reduzida para metade?”
Testemunha da Autora Sr. Ricardo – “ Ora bem, Sr. Dr., quem reduziu essa janela não fui eu, mas foi o meu pessoal, que andou lá a trabalhar, a fazer melhoramento da casa de banho.”
Faixa 20171215101352, ao min. 5.55 ao min. 6.25,
Mandatário da Autora – “ Se aquela janela era já daquele tamanho? Se sempre a conheceu daquele tamanho ou era mais larga?”
Testemunha da Autora Sra. Ana – “ Era mais larga.”
Mandatário da Autora – “ Ainda é do seu tempo?”
Testemunha da Autora Sra. Ana – “ É sim.”
Mandatário da Autora – “ Fizeram uma obra no quarto de banho? Foi assim?”
Testemunha da Autora Sra. Ana – “Foi sim senhora.”
Mandatário da Autora – “ E que obra foi essa?”
Testemunha da Autora Sra. Ana – “Renovaram a casa de banho toda”.
Mandatário da Autora – “ Tinha lá uma banheira a casa de banho?”
Testemunha da Autora Sra. Ana – “ Tinha.”
Mandatário da Autora – “ E agora o que é que tem?”
Testemunha da Autora Sra. Ana – “ Puseram um poliban e para puderem pôr o poliban diminuíram a janela. ”
Faixa 20171215101352, ao min. 6.59 ao min. 7.11,
Mandatário da Autora – “ Olhe há quanto tempo foi isso? Mais ou menos, essa obra? No quarto de banho.”
Testemunha da Autora Sra. Ana – “ Já foi há uns bons anos.”
Mandatário da Autora – “ 10, 8, 7?”
Testemunha da Autora Sra. Ana – “ Agora a data assim precisamente não sei… talvez.”
Faixa 20171215101352, ao min. 23.35 ao min. 23.43,
Mandatária dos Réus – “ Se a Sra. quiser ver o mar o que é que faz? Quando vai à casa de banho do quarto de banho? Vê o mar? Daquela janela?”
Testemunha da Autora Sra. Ana – “Da casa de banho? Claro que não.”
Faixa 20171215125249, ao min. 3.05 ao min. 03.29,
Mandatário da Autora – “ Se esta casa de banho tinha uma janela?”
Testemunha da Autora Sra. H. L. – “ Tem.”
Mandatário da Autora – “ Virada para que lado?”
Testemunha da Autora Sra. H. L. – “ Penso que aquilo é norte.”
Mandatário da Autora – “ Essa janela sempre teve essa largura ou ficou mais estreita?”
Testemunha da Autora Sra. H. L. – “ A Maria tirou-lhe mais de metade para lá meter um móvel, para ter espeço na parede ou qualquer coisa na casa de banho.”
Faixa 20171218095220, ao min. 19.45 ao min. 19.55,
Mandatário da Autora – “Se afeta a luminosidade daquela janela?”
Testemunha dos Réus Arquiteto P .G. – “ Não afeta.”
Mandatário da Autora – “Não?”
Testemunha dos Réus Arquiteto P .G. – “Não afeta nada”
Mandatário da Autora – “Não tira luz nenhuma?”
Testemunha dos Réus Arquiteto P .G. – “Não”
CXXII. Motivos mais do que suficientes e pelos quais se deverá revogar, com as inerentes consequências legais, a decisão que declarou constituída a favor da Recorrida Maria uma servidão de vistas, nomeadamente, para o prédio pertencente aos Recorrentes, Helena e Augusto, a partir da janela aberta no alçado Norte da sua casa de habitação, um WC.
CXXIII. O Tribunal a quo condenou ainda os aqui Recorrentes “a demolir toda a estrutura construída sobre o muro descrito na alínea b), bem como o anexo construído junto ao mesmo, que será levada a cabo no prazo de 15 dias após o trânsito em julgado desta sentença.”, bem como condenou aqueles “em sanção pecuniária compulsória, que se fixa em € 15,00 (quinze euros), por cada dia de atraso no cumprimento desta sentença.”
CXXIV. Uma vez mais, mal andou o Tribunal a quo, sendo que no caso em apreço, partiu de uma premissa errada, isto é, que o muro em crise nos autos é propriedade exclusiva da Recorrida, o que não se concebe e não se aceita.
CXXV. Entendeu o Tribunal a quo ter sido violado o artigo 73º do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, nomeadamente, na parte em que prevê que não deverá haver a um e outro lado do eixo vertical da janela qualquer obstáculo à iluminação a distância inferior a dois metros, devendo garantir-se, em toda esta largura, o afastamento mínimo de três metros acima fixado.
CXXVI. Em primeiro lugar, e quanto a esta temática, importa dar nota que o muro em questão, construído em 1954, não respeita esta distância, nunca em todos estes anos tendo Recorrida disso Reclamado.
CXXVII. O muro em questão dista da habitação da Recorrida em cerca de 1,10m, conforme relatório pericial, página 8, ponto 7.
CXXVIII. O Tribunal a quo serviu-se de dois pesos com apenas uma medida, pois que considerou apenas que a construção amovível violava esta disposição, e o muro? E a casa da Recorrida? Não violam a mesma premissa e o distanciamento legalmente exigido?
CXXIX. Relativamente à estrutura acoplada ao muro, cumpre referir que a mesma é de madeira e é amovível.
CXXX. E como já referido, tal estrutura encontra-se acoplada e não edificada sobre o muro.
CXXXI. Por outro lado, o n.º 2 do artigo 37º do RMUE do município de Caminha, estabelece que a regra é que efetivamente os muros de separação de propriedades não podem exceder os 2 metros de altura, a contar da cota do terreno.
CXXXII. E no caso concreto, e conforme confissão da própria Recorrida no seu ponto 13º da petição inicial, o aludido muro, por si só, não ultrapassa tal limite.
CXXXIII. Sucede que, no n.º 4 do mesmo artigo do citado diploma é estabelecida uma exceção que diz o seguinte:
“São permitidas vedações com altura superior à fixada no número anterior em sebes vivas ou rede, desde que sejam garantidas as condições de salubridade, insolação e ventilação das propriedades confinantes.”
CXXXIV. E no que diz respeito às condições de salubridade, insolação e ventilação permitam-nos a expressão, mas já “estamos conversados”, conforme tudo quanto foi vertido supra em sede de servidão de vistas.
CXXXV. E sobre esta estrutura em madeira a Sra. Perita pronuncia-se nos seguintes moldes que infra se transcrevem:
“- Se a referida estrutura em madeira é um elemento amovível que foi acoplado ao muro meeiro ou se foi edificada sobre aquele (ponto 21 da contestação)?
Resposta: A referida estrutura em madeira é um elemento amovível que foi acoplado ao muro.
- Se os parafusos utilizados contendem apenas com a parte meeira dos réus (ponto 23 da contestação)?
Resposta: Os parafusos contendem apenas com a parte do prédio dos Réus.
- Quanto mede o aludido muro em pedra (ponto 25 da contestação)?
Resposta: O muro em pedra mede cerca de 1,43 m.
- Se estão garantidas as condições de salubridade, insolação e ventilação do prédio da Autora (ponto 29 da contestação)?
Resposta: Admite-se que sim.
- Se relativamente à janela que a Autora diz que perdeu as vistas, aberta norte, se recebe luminosidade direta ou indireta e se a mesma se mantém com a colocação da rede (ponto 30 da contestação)?
Resposta: A janela na fachada Norte, tem uma luz mais constante e indireta.
- Se quanto à salubridade, se a rede no local interfere com a mesma (ponto 31 da contestação)?
Resposta: Admite-se que não.
- Se a janela continua a receber a iluminação que sempre recebeu e se esta é uma iluminação diária ou se é luz solar direta (ponto 32 da contestação)?
Resposta: É uma iluminação diária.
- Se a janela recebe luz natural direta/raios solares (ponto 33 da contestação)?
Resposta: Não.
- Se a ventilação da janela da autora está colocada em causa (ponto 34 da contestação)?
Resposta: Admite-se que não.
- Se a janela mesmo aberta continua a receber a ventilação e renovação do ar, sem qualquer interferência (ponto 36 da contestação)?
Resposta: Admite-se que sim.
10 – Essa estrutura afeta as condições de salubridade, insulação e ventilação do prédio da autora, nomeadamente da respetiva casa de habitação?
Resposta: Admite-se que não.
11 – Por via dessa estrutura a casa de habitação da autora tornou-se mais sombria, fria e húmida?
Resposta: A Perita desconhece.”
CXXXVI. Sendo que da prova gravada sobre esta matéria resultou o seguinte conforme faixa 20171213105204 ao min 20:40 ao min20:50,
Juíza – “A estrutura está completamente afixada do lado da casa do Réu?”
Sra. Perita – “Está, Está, sim sim.”
CXXXVII. Quanto ao anexo o decreto-lei n.º 136/2014, de 9 de setembro, justifica-nos, legalmente, a existência do mesmo.
CXXXVIII. O decreto-lei acima referido tem na sua génese um avanço necessário para a simplificação e desburocratização administrativa, bem como para a redução de custos de contexto.
CXXXIX. Assim, e objetivamente, a construção do anexo insere-se no disposto no capítulo II, Artigo n.º 6º – sob a epígrafe de “isenção de controlo prévio”, uma vez que se trata de uma estrutura que pelas suas características se reveste de escassa relevância.
CXL. O que aliás a Sra. Perita confirmou,
“- Se o anexo colocado no terreno junto ao muro está isento de controlo prévio, se é ilegal e se cumpre os requisitos de um edifício de escassa relevância (ponto 70 da contestação?)
Resposta: O anexo colocado no terreno junto ao muro está isento de controlo prévio, conforme consta do RMUE do Município de Caminha – Artigo 9º.”
CXLI. Por sua vez, a escassa relevância trata-se no artigo seguinte, ou seja, Artigo n.º 6º - A do mesmo capítulo e diploma,
CXLII. Sendo que especifica e concretamente a alínea a) do citado normativo trata do nosso caso, senão atentemos:
“a) As edificações, contíguas ou não, ao edifício principal com altura não superior a 2,2 m ou, em alternativa, à cércea do rés-do-chão do edifício principal com área igual ou inferior a 10 m² e que não confinem com a via pública;”
CXLIII. Ora, com o devido respeito por opinião em contrário, todas as características acabadas de transcrever assentam no edificado em causa,
CXLIV. Sendo pois, forçoso concluir e afirmar com toda a segurança, que o anexo em causa está assim isento de controlo prévio, não está ilegal e cumpre com os requisitos de um edifício de escassa relevância, tornando-o legal.
CXLV. Para solidificar o acabado de afirmar, está também salvaguardado no RMUE do município de Caminha o seguinte, nomeadamente na sua secção II que versa sobre procedimentos e situações especiais, no ponto i da alínea a) do n.º 2 e n.º 1 do artigo 9º:
“1 –– São dispensadas de licença ou comunicação prévia as obras de edificação ou demolição que, pela sua natureza, dimensão ou localização, tenham escassa relevância.
2 –– Em complemento das tipologias de obras de escassa relevância urbanística, referidas no nº 1 do artigo 6°-A do RJUE, e ao abrigo do disposto na alínea i) do mesmo articulado, considera se ainda como de escassa relevância urbanística as seguintes obras:
a) À exceção dos imóveis classificados ou em vias de classificação, ou em imóveis integrados em conjuntos/ sítio classificados ou em vias de classificação e zonas de proteção de imóveis classificados ou em vias de classificação, e situados em área não abrangida por operação de loteamento ou plano de pormenor, são ainda consideradas como escassa relevância urbanística e, como tal, isentas de controlo prévio, as obras a seguir indicadas:
i. A construção de edificações com altura não superior a 2,20m e com área igual ou inferior a 10 m2 , desde que não exista no terreno qualquer outra edificação e sejam implantados a mais de 10m da via pública;”
CXLVI. Ainda quanto ao anexo, importa desde logo referir que no mesmo inexiste qualquer material como sendo fibrocimento, pese embora tal vir vertido em relatório pericial, mas que em sede de audiência de julgamento a Sra. Perita negou, afirmando antes que o material utilizado se tratava de chapa onduline.
CXLVII. Mais esclareceu a Sra. Perita em sede de esclarecimentos do seu relatório, que para aferir do risco de incêndio em tal anexo era imprescindível solicitar à entidade competente um parecer à Autoridade Nacional de Proteção Civil, o que o Tribunal a quo entendeu não fazer.
CXLVIII. A este propósito atente-se o que se extrai da prova grava, nomeadamente nas seguintes faixas,
Faixa 20171213105204 do min22:38 ao min 23:24,
Mandatário dos Réus – “E o material que compõe esse anexo, a Sra. Perita em resposta ao que foi quesitado, disse que são de madeira, fibrocimento e tela de lona… Como é que confirmou a autenticidade destes materiais? Nomeada a principalmente quanto ao fibrocimento?”
Sra. Perita – “Fibrocimento como já vimos, foi lapso meu, pois por observação parece fibrocimento, até desconfiava que fosse amianto, mas portanto foi possível verificar e é um plástico.”
Mandatário dos Réus – “Não existe fibrocimento?”
Sra. Perita – “Não, não. É um plástico.”
Faixa 20171213105204 do min 26:35 ao min 26:46,
Juíza – “Esta estrutura, toda ela, quer a rede, quer o anexo que lá está, são completamente amovíveis?”
Sra. Perita – “São.”
CXLIX. Por outro lado, resultou ainda provado do relatório pericial que no anexo existe uma chaminé, tendo a testemunha dos aqui Recorrentes e autor da mesma, Paulo, explicado a dinâmica do fogão de lenha existente naquele, o qual inviabiliza qualquer perigo de incêndio.
CL. Quanto às madeiras usadas no anexo, referiu também a testemunha Paulo, que utilizou pinho tratado legalizado e galvanizado para exteriores, o que não merece qualquer censura ou atribuição de perigo, pois é um material específico e adequado para este tipo de situações, veja-se os casos das churrasqueiras servidas no seu solo por Dec´s neste material.
CLI. Por fim, a área do referido anexo foi posta em causa em sede de relatório pericial, contrariamente às medições efetuadas pelas testemunhas dos aqui Recorrentes P .G., Arquiteto e Paulo, autor do anexo, que afiançaram ao Tribunal que aquele não teria mais de 10 m2.
CLII. Não obstante o conflito de medições/áreas, a demolição é a ultima ratio.
CLIII. Aliás, neste sentido diversa e pacífica jurisprudência que o Tribunal a quo ignorou:
CLIV. Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, Processo n.º 00675/04.1BECBR-B, datado de 18-12-2015, disponível em www.dgsi.pt
“1. A demolição de obras ilegais (seja por falta de licença, seja por terem sido realizadas ao abrigo de actos de licenciamento ilegais) é uma medida de “último ratio”, em sintonia com o princípio da proporcionalidade, apenas utilizável quando se revele o único meio sancionatório passível de repor a legalidade urbanística, a aferir depois de concluída a apreciação sobre a (in)viabilidade da pretensão de legalização.”
CLV. Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, Processo n.º 00375/13.1BECBR, datado de 17-04-2015, disponível em www.dgsi.pt, “A demolição, como reacção última, sempre é possível e devida quando não possa concluir-se pela possibilidade de legalização da obra carecida de licença.”
CLVI. O Tribunal a quo carece de legitimidade e competência para se pronunciar sobre a oportunidade, modo e pedidos de demolição de obras, sendo por isso completamente nulas e sem qualquer validade e eficácia das suas decisões.
CLVII. Deste entendimento, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, Processo n.º 2707/10.5TBVIS.C1, datado de 06-12-2011,
“Os tribunais comuns não estão vocacionados para se pronunciarem sobre a oportunidade e modo de realização da demolição de obras, em conformidade com o disposto no art.º 39º, do Decreto-Lei n.º 166/2008, de 22 de Agosto, quando as ordens administrativas, verificada a prática de uma contraordenação, observem o principio da legalidade.
Nestes casos, constatada a existência do acto ilicito e a legalidade e adequação da sanção ou das sanções aplicadas, o tribunal não deve pronunciar-se sobre decisão que seja fundamentalmente atributo da autoridade administrativa, desde que verificada a sua legalidade, pois a execução da determinação legal e o modo de execução estão no âmbito de discricionaridade administrativa (em sentido lato), eventualmente sindicável em sede de reclamação graciosa ou em contencioso administrativo.”
CLVIII. Considerando-se e valorizando-se que a área efetivamente correctamente daquele anexo é a indicada pela Sra. Perita, os Recorrentes disponibilizaram-se, como resulta das próprias alegações finais dos mesmos, a proceder de imediato à adequação do mesmo aos limites previstos na lei, considerando Vs. Exas. que o Tribunal a quo tem competência para julgar os pedidos de demolição formulados pela Recorrida.
CLIX. Pelo que, deverá ser revogada a decisão que condenada os Recorrentes na demolição da estrutura amovível, bem como do anexo, por manifestamente infundada, por falta de competência, não provada e claramente desproporcional, com todas as consequências que daí advêm, e desde logo a revogando-se a sanção pecuniária compulsória, de € 15,00 (quinze euros), por cada dia de atraso no cumprimento desta sentença.
CLX. Por fim, foram ainda os Recorrentes condenado “a pagar à autora Maria, a quantia de €1.000,00 (mil euros), a título de compensação pelos danos não patrimoniais, a qual será acrescida da quantia correspondente aos juros de mora vencidos após o trânsito em julgado desta sentença, calculados à taxa supletiva legal aplicável às dívidas civis (atualmente 4%), até que ocorra o pagamento integral.”
CLXI. Revogando-se as decisões supra impugnadas, por maioria de razão deverá improceder a condenação na quantia mencionada no ponto anterior.
CLXII. No entanto, nesta parte a prova produzida pela Recorrida foi absolutamente nula.
CLXIII. Para existir obrigação de indemnizar por responsabilidade por factos ilícitos tem que haver ilicitude.
CLXIV. Os depoimentos das testemunhas da Recorrida, mais concretamente um grupo de colegas de profissão aposentadas e do seu companheiro, mostraram-se eivados de parcialidade, grande envolvimento emocional, sem qualquer isenção ou racionalidade, aos quais não se poderia dar a relevância, valorização e credibilidade que o Tribunal a quo errónea e repetidamente fez nos presentes autos.
CLXV. Prova disso mesmo foi o depoimento da testemunha da Recorrida, Fernanda, com um depoimento que se pode classificar de forma simpática de “indignado”,
CLXVI. Com um envolvimento fora do comum, tomando as dores da sua amiga, a Recorrida,
CLXVII. E que inclusivamente chegou a referir saber da existência de fotografias nos autos, sem sobre as mesmas ter sido questionada, o que demonstra que existiu por parte desta testemunha um conhecimento prévio do conteúdo dos presentes autos,
CLXVIII. O que não se pode deixar de registar e lamentar.
CLXIX. Por seu turno, a testemunha e amiga da Recorrida, H. L., a instâncias do seu depoimento, não soube precisar há quanto tempo está a Recorrida de baixa médica,
CLXX. Nomeadamente na faixa 20171215125249 do min 9:32 ao min 9:45,
Mandatária dos Réus – “A D. Maria já não trabalha a algum tempo ou está atualmente no ativo?”
Testemunha H. L. – “Eu penso que ela está de atestado médico há uns tempos.”
Mandatária dos Réus – “Há quanto tempo mais ou menos?”
Testemunha H. L. – “Talvez a um ano e tal, 2
anos…”
CLXXI. Diga-se a este propósito que os Recorrentes têm a convicção que a Recorrida encontra-se de baixa médica há vários anos,
CLXXII. Contudo, solicitado ao Tribunal a quo que notificasse o agrupamento escolar a que aquela pertence para vir prestar essa informação aos autos, o mesmo indeferiu tal pretensão,
CLXXIII. Não obstante a Recorrida alegar que a sua baixa médica é devida pelos factos constantes dos presentes autos.
CLXXIV. Ora, tais depoimentos, desacompanhados de outros meios de prova são manifestamente insuficientes para conduzirem à procedência do pedido da Recorrida.
CLXXV. Considerou o Tribunal a quo provado que os Recorrentes com a sua atuação causaram perturbação à Recorrida, sendo que esta última lhes manifestou por inúmeras vezes o seu desagrado.
CLXXVI. Com o devido respeito, os Recorrentes desconhecem onde e em que se baseou o Tribunal a quo para proferir tal afirmação.
CLXXVII. Como, quando e onde a Recorrida manifestou tal perturbação aos Recorrentes?
CLXXVIII. Impondo-se, também, nesta parte a revogação da decisão proferida pelo Tribunal a quo.
CLXXIX. Os Recorrentes requereram ao Tribunal a quo uma inspeção judicial nos termos dos artigo 490º ao local, para o Tribunal aferir das condições de salubridade, ventilação e insolação da fachada norte do imóvel da Recorrida,
CLXXX. Contudo, tal diligência, indispensável no entendimento dos Recorrentes, foi indeferida pelo Tribunal a quo.
CLXXXI. Verificando-se, perante a sentença proferida, que tal diligência ter-se-ia revelado esclarecedora para o Tribunal a quo evitando assim a deficiente valoração da prova, ora invocada.
CLXXXII. Pois, caso a tivesse feito, as decisões ora impugnadas seriam certamente outras.
CLXXXIII. Neste sentido alerte-se para o depoimento da testemunha Sr. Arquiteto P .G., que referiu ser necessário ir ao local, pois que nos casos em que não houve planeamento urbanístico, de que é exemplo o distanciamento defeituoso do muro dos autos e da fração da Recorrida, os mesmos são e devem ser analisados subjetivamente, isto é, caso a caso.
CLXXXIV. Tanto mais, que tudo isto este ao alcance do Tribunal a quo.
CLXXXV. A errónea valoração da prova por parte do Tribunal a quo conduziu necessariamente a uma aplicação errada do Direito, que culminou na sentença ora recorrida.
CLXXXVI. Impõe-se e urge, pois, revogar a totalidade da decisão do Tribunal a quo, absolvendo-se os Recorrentes dos pedidos formulados pela Recorrida, repondo-se a justiça e legalidade, com a natural revisão da condenação das custas, em conformidade com o que vier a ser decidido.

Nestes termos e nos demais de direito, que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente Recurso de Apelação ser julgado procedente, por provado e, em consequência, ser revogada a decisão proferida pelo Tribunal a quo, tudo com as devidas e legais consequências.

A apelada contra-alegou, apresentando as conclusões que se seguem:

1- O recurso apresentado pelos recorrentes não cumpre o consagrado no artigo 640º nº 1 alínea a) do Código Processo Civil, sendo insusceptível de ser apreciado pelo Tribunal ad quem, devendo o mesmo ser rejeitado.
2- Os recorrentes no seu recurso limitam-se a alegar que existiu erro na valoração da prova, e “atacam” a parte decisória da douta sentença recorrida, conforme decorre das próprias conclusões, ou seja, impugnam as alíneas da parte decisória em vez de impugnar em concreto os factos provados que pretendem ver como não provados.
3- Por outro lado, as conclusões do recurso dos recorrentes são a reprodução integral e ipsis verbis do que consta anteriormente nas alegações, pois as conclusões correspondem exactamente ao que é alegado nos pontos 9 a 195 no corpo das alegações.
4- Face ao exposto, deve considerar-se que as alegações apresentadas pelos recorrentes não constituem verdadeiras conclusões, e em consequência deve rejeitar-se o recurso por si interposto, nos termos preceituados no artigo 641º nº 2 alínea b) do Código Processo Civil; neste sentido veja-se o douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23/04/2018, Proc. 6818/14.0YIPRT.P1.
5- Sustentam os recorrentes que a douta sentença recorrida omite factos que fundamentam a decisão, invocando a nulidade da sentença ao abrigo do disposto no artigo 615º nº 1 alínea b) do Código Processo Civil no que toca aos pontos 15, 25 e 36 da sentença, sustentando que não se consegue atender quais os fundamentos, ou prova, que levaram os mesmos a ser dados como provados.
6- Acontece que, a douta sentença relativamente a tais pontos (15, 25 e 36) menciona concretamente com a devida fundamentação, os meios de prova que fundamentam e sustentam tais factos.
7- Os fundamentos invocados pelos recorrentes para arguir a nulidade, que consubstanciam que as razões de facto indicadas na douta sentença para dar como provados os factos, não constituem qualquer nulidade, o meio próprio e idóneo que os recorrentes deveriam ter lançado mão não é a arguição da nulidade da sentença, mas a impugnação da matéria de facto em concreto e indicar os meios de prova que permitem alterar a resposta a esses factos de provados para não provado- o que os recorrentes não fizeram.
8- Relativamente à al. c) da parte decisória da sentença, da conjugação dos factos provados nos pontos 5, 11, 12, 13, 14 e 15 resultou cabalmente provado que o muro em questão nestes autos, é parte integrante do prédio propriedade da autora (identificado no ponto I dos factos provados), sendo sua propriedade exclusiva.
9- No artigo 13º da petição inicial a autora alegou que “ O limite norte do prédio da Autora é estabelecido por um muro em pedra e cimento, com cerca de 1, 57 m de altura que constitui parte integrante do mesmo, e juntou os documentos fotográficos nºs 6, 7, 8 e 9 e no artigo 11 da contestação os Réus admitiram que o limite norte do prédio da Autora e consequentemente limite sul do prédio dos réus é composto de pedra e cimento.
10- Nos registos fotográficos nºs 6, 7, 8 e 9 juntos pelos autores com a petição inicial é visível a existência do muro em pedra antiga e cimento, a dimensão e altura do muro localizado no limite norte do prédio dos autores, confrontação com o prédio dos réus.
11- Para dar como provado o facto do ponto 11 foi essencial o relatório pericial, nomeadamente a resposta ao quesito 1º formulado pela autora, e os documentos fotográficos nºs 6, 7, 8 e 9 da petição inicial.
12- Para dar como provados os factos provados constantes nos pontos 12, 13 e 14 também foram essenciais as respostas dadas pelos Senhores Peritos aos quesitos 1, 28, 29, 30 e 31 formulados pelos autores no relatório pericial e aos registos fotográficos nºs 6, 7, 8 e 9 da petição inicial.
13- Em complemento ao relatório pericial, a senhora perita, Engª Sofia, prestou esclarecimentos em sede de audiência discussão e julgamento, que foram gravados através do sistema de gravação digital, disponível na aplicação informática, com inicio pelas 10h52m e o seu termo pelas 11h25m, conforme as transcrições supra transcritas.
14- A testemunha da autora, RICARDO, cujo depoimento se encontra registado no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática, com inicio pelas 11h26m e termo às 12h24m, nas transcrições supra transcritas, referiu que: colaborou na construção da casa de habitação do prédio da Autora; na altura foi construída pelo pai desta; os pilares que servem de suporte ao muro em questão nestes autos estão implantados no prédio da Autora Maria, pertencendo exclusivamente a este prédio; os pilares do muro ocupam o solo do prédio da Autora, não se tratando de um muro meeiro e que o prédio da Ré, foi adquirido pelo pai da Autora e Ré cerca de 10 anos depois da construção da casa de habitação e do muro que integram o prédio da Autora.
15- A testemunha MANUEL, cujo depoimento foi gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática do Tribunal, com inicio pelas 12horas e 25 minutos e termo às 13horas e 01 minutos, nas passagens supra transcritas, referiu de forma peremptória e pormenorizada as características do muro, nomeadamente dos pilares de suporte que estão implantados no prédio da Autora; disse que o muro na vedação da confrontação a norte continua na parte que o prédio confronta com o caminho de ferro, tendo sido construído ao mesmo tempo e apresenta as mesmas características; identificou os encaixes que o muro apresenta ao longo da sua extensão e da homogeneidade do material utilizado, a construção do muro foi e é contínua e foi construído na mesma altura e com o mesmo material.
16- A testemunha ANA, cujo depoimento se encontra registado no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática do Tribunal, com inicio pelas 10 horas e 14 minutos e termo às 10 horas e 51 minutos, nas passagens supra transcritas disse que o prédio da Autora Maria é vedado com um muro de pedra do lado norte que confronta com irmã Helena, e pelo lado com a confrontação do caminho de ferro; o muro tem suportes para o lado do terreno da Autora; referiu de forma peremptória que os suportes que existem no muro do lado norte são idênticos aos do lado que confronta com o lado do caminho de ferro, e que estão todos do lado do prédio da Autora e que o muro em causa pertence à Autora.
17- A testemunha I. M., cujo depoimento se encontra registado no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática do tribunal, com início às 10 horas e 53 minutos e termo às 11 horas e 22 minutos, nas passagens supra transcritas, disse o seguinte: é tia materna da Autora e da Ré, sendo irmã da progenitora de ambas; a casa de habitação do prédio da Autora foi construída ainda ela era criança, pelo cunhado, pai da Autora e Ré; quando a casa de habitação foi construída o cunhado vedou e murou o prédio a toda à volta com um muro e posteriormente adquiriu o terreno que agora pertence à Ré Maria, e colocou uma cancela no muro para passar de um lado para outro, sendo que tal cancela foi retirada pela Ré; os suportes do muro estão implantados no prédio da Autora; o muro integra o prédio da A., sendo sua propriedade.
18- A testemunha, FERNANDA, cujo depoimento se encontra registado no sistema integrado de gravação digital, na aplicação informática do tribunal com inicio pelas 11horas e 26 minutos e seu termo pelas 12 horas e 10 minutos, nas passagens supra transcritas, disse que: conhece a casa de habitação da Autora desde a sua instrução primária e tem 60 anos de idade; conhece a casa de habitação há mais de 50 anos; confirmou que a casa tinha o muro do lado do caminho de ferro, e do lado que confronta da casa da Ré, não se tratando de um muro que foi feito posteriormente; o muro tem esteios; é um muro feito com pedra; que o muro do lado do caminho de ferro quer o muro que dá para o prédio da Ré, é o mesmo muro e está implantado do lado da Autora; tanto do lado do caminho de ferro quer do lado da Ré os pilares estão virados pra o terreno da Autora; confirmou que no muro existia uma cancelinha que foi retirada posteriormente; referiu ainda que as casas que pertencem hoje à Ré, foram construídas posteriormente à casa de habitação da Autora; mais disse que a casa que é da Autora, foi construída pelo pai desta ainda em solteiro.
19- A testemunha M. P., cujo depoimento se encontra registado no sistema integrado de gravação digital, da aplicação informática do tribunal, com inicio pelas 10 horas e 59 minutos e tremo às 12 horas e 02 minutos, nas passagens supra transcritas, disse que: é irmã da Autora e Ré; nasceu na casa de habitação que hoje pertence à Autora; a instâncias do mandatário da Autora referiu que está de relações cortadas com a Autora há anos; o pai fez o muro para dividir as propriedades ainda não tinham sido construídas as casas geminadas que hoje pertencem à Ré e a ela própria; os muros foram construídos pelo pai a seguir à construção da casa quando era solteiro e casou em 55; os muros foram logo construídos de seguida à construção da casa de habitação; referiu, por várias vezes: os muros do prédio da Autora foram construídos em 1954; os suportes do muro estão lá e estão virados para um lado; foi o pai que os fez; os suportes do muro do lado do caminho de ferro estão virados para o lado do terreno da Autora e acabou por referir que as casas geminadas foram construídas muitos anos depois cerca de 13 ou 14 anos, da casa de habitação da Autora.
20- Deste modo, da prova documental, registos fotográficos, do relatório pericial (instruído com as respectivas fotografias) e dos esclarecimentos prestados em sede de audiência pela senhora perita que elaborou o relatório e depoimento das referidas testemunhas, resultaram provados de forma inequívoca os pontos 11, 12, 13, 14 e 15 dos factos provados.
21- Os R.R. não lograram ilidir a presunção do artigo 1371º nº 2 línea b) do Código Civil.
22- Face à prova produzida a Autora provou a existência de sinais, nomeadamente as características iguais do muro tanto do lado norte como do lado que confronta com o caminho de ferro, os suportes do muro implantados no seu terreno, e dos cachorros de pedra salientes no seu prédio e voltados para o seu lado ao longo da extensão do muro que veda a sua propriedade com a da Ré.
23- Face ao exposto, devem manter-se como provados os factos constantes nos pontos 11, 12, 13, 14 e 15, declarando-se que o muro em causa, descrito na alínea b) é parte integrante do prédio pertencente à Autora Maria, descrito na alínea a) sendo sua propriedade exclusiva.
24- Insurgiram-se, também os Réus, contra a douta sentença relativamente à alínea d) na parte decisória, não atacando em concreto os factos provados em que se baseia tal decisão, sendo que, os réus no seu recurso alicerçam a sua defesa para o facto da janela em causa tratar-se de uma janela no WC (quarto de banho) e de não se ter provado a existência dessa servidão.
25- Nesta parte da decisão assumem extrema importância os factos provados nos pontos 6, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27 e 29, que não foram impugnados em concreto pelos R.R., nem foram indicados os meios de prova em concreto para alterar a matéria de facto.
26- Para dar como provados estes factos são essenciais o relatório pericial e respectivos esclarecimentos por escrito, e prestados em sede de audiência de discussão e julgamento, registos fotográficos, documentos e depoimento das testemunhas.
27- Deve ter-se em consideração no relatório pericial de fls…, às respostas dadas pelos senhores peritos aos quesitos dos R.R. e as respostas aos quesitos nºs 5, 6, 7, 9 e 12 formulados pela A.
28- Em complemento, deve ter-se em consideração os esclarecimentos prestados pela senhora perita Drª SOFIA, em sede de audiência de discussão e julgamento, registados no sistema integrado na gravação digital, disponível na aplicação informática do tribunal, com inicio pelas 10 horas e 52 minutos e termo pelas 11 horas e 25 minutos, nas passagens supra transcritas
29- A testemunha RICARDO, cujo depoimento se encontra registado no sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática do tribunal, com inicio pelas 11 horas e 26 minutos e termo às 12 horas e 24 minutos, nas passagens supra transcritas referiu que: conhece perfeitamente a janela do wc virada a norte do prédio da Autora; confrontado com os documentos nºs 6, 7 e 10 da petição inicial, fls. 17, 18 e 21, em que descreveu de forma pormenorizada o local, a janela e a estrutura em causa; referiu que com a estrutura edificada pelos Réus o quarto de banho da Autora tem muito menos luz e o interior da casa, afectando a luminosidade , a luz e claridade, escurecendo; com a estrutura a Autora apenas visualiza a própria estrutura, ou seja, apenas vê da janela a “barreira em frente”; o corredor da casa, recebe luminosidade luz e claridade através dessa janela e que é a partir desse corredor que se dispõe a luminosidade para as outras divisões da casa.
30- A testemunha MANUEL, cujo depoimento se encontra registado no sistema de gravação digital, disponível na aplicação informática do tribunal, com inicio pelas 12 horas e 25 minutos e termo às 13 horas e 01 minutos, nas passagens supra transcritas referiu que: a janela existe desde a construção da casa de habitação; a estrutura afecta e impede a entrada de luminosidade na casa de banho, corredor e subsequentemente para a sala; desde que foi construída a estrutura a casa escurece muito mais; a estrutura também impede o visionamento da paisagem, vendo-se apenas a estrutura e “barreira” construída pelos Réus; mais referiu que essa estrutura impede o arejamento e entrada de ar na casa e que a estrutura que foi edificada se encontra edificada a menos de um metro e meio da janela.
31- A testemunha ANA, cujo depoimento se encontra registado no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática do tribunal, com inicio pelas 10 horas e 14 minutos e termo às 10 horas e 51 minutos, nas passagens supra transcritas, confirmou que a janela da casa de banho sempre existiu, apenas era mais larga, foi reduzida quando se fizeram obras no quarto –de- banho retirou-se a banheira e colocou-se um poliban; a estrutura edificada pelos Réus retira a luminosidade, a luz para o quarto de banho e para o corredor que dá e distribuiu a luz para a restantes divisórias; com a referida estrutura a casa escurece, ficou mais escura; que antes da existência da estrutura via-se o quintal, os prédios e agora apenas se vê a própria estrutura.
32- A testemunha I. M., cujo depoimento se encontra registado no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática do tribunal, com inicio pelas 10 horas e 53 minutos e termo às 11 horas e 22 minutos, nas passagens supra transcritas, disse que: a janela do quarto de banho sempre existiu e identificou na fotografia que lhe foi exibida a Autora e Ré quando eram crianças na banheira; a estrutura edificada pelos Réus impede a entrada de luz para o prédio e casa de habitação da autora.
33- A testemunha FERNANDA, cujo depoimento se encontra registado no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática do tribunal, com inicio pelas 11 horas e 26 minutos e termo às 12 horas e 10 minutos, nas passagens supra transcritas, disse também que: a janela do quarto de banho existe desde a construção da casa de habitação; o quarto de banho sofreu obras, com a retirada da banheira para colocar o poliban, e a janela foi diminuída; a estrutura construída pelos Réus impede a entrada da luz, a casa arrefece e fica mais escura.
34- A testemunha H. L., cujo depoimento se encontra registado no sistema integrado de gravação digital, na aplicação informática do tribunal, com inicio pelas 12 horas e 54 minutos e treno às 13 horas e 07 minutos, nas passagens supra transcritas, referiu que: é amiga da Autora há mais de 30 anos e que conhece a casa dela desde essa altura; as obras no quarto de banho, a retirada da banheira para colocação do poliban; mencionou a existência da janela do quarto de banho há mais de 30 anos, que a mesma com as obras foi reduzida, que a estrutura edificada pelos Réus impede a entrada da luz, mencionando, aliás, às quatro horas da tarde a casa já não tem luz devido à estrutura e que esta retira a visão.
35- Da prova produzida, nomeadamente do relatório pericial com as respectivas fotografias e respectivos esclarecimentos, por escrito e orais na audiência de julgamento pela senhora perita, dos registos fotográficos e do depoimento das testemunhas resultaram cabalmente provados os factos dos pontos 6, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27 e 29, devendo tais factos manterem-se no elenco dos factos provados.
36- O facto de ser uma janela de um quarto de banho, não condiciona a constituição de uma servidão de vista, que onera o prédio contíguo, tendo ficado cabalmente demonstrado que é através de tal janela que o corredor recebe a luminosidade, claridade e que esse corredor distribui a luz para as outras divisões da casa.
37- Os recorrentes no recurso também se insurgiram contra a matéria das alíneas e) e f) da parte da decisão final, sustentando, em síntese, que o muro não é pertença exclusiva da autora e que o anexo é legal, não violando o Regulamento Geral das Edificações Urbanos.
38- Os recorrentes, à semelhança do que foi feito relativamente às anteriores questões que foram suscitadas, não indicaram em concreto os factos provados que impugnam nem os meios de prova que sustentam a alteração da matéria de facto que pretendem ver alterada.
39- Resultou provado cabalmente que o muro em discussão nos presentes autos integra o prédio da autora identificado na alínea a) da parte decisória, e é propriedade exclusiva da autora, como de resto resulta dos factos provados nos pontos 11, 12, 13, 14 e 15.
40- Por outro lado, resultou provado que a referida estrutura construída em cima do muro, está a uma distância menor de 1, 5 metros da casa de habitação da autora, e que a mesma impede a entrada de luz pela janela do quarto de banho da autora, originando também arrefecimento e falta de arejamento na habitação, e retira a visão da paisagem, como resulta dos factos provados nos pontos 6, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26 e 27, 28 do elenco dos factos provados.
41- Tendo ainda sido dado como provado no ponto 29 que a área do imóvel da autora, circundada pela referida vedação, tornou-se mais sombria e mais escura, mais húmida, mais fria, acrescendo ainda os factos provados nos pontos 32, 33, 34 e 35.
42- A senhora perita no relatório pericial que elaborou respondeu da seguinte forma aos quesitos formulados pelas partes, nomeadamente aos quesitos dos R.R. "Se o anexo em causa reúne todas as condições de segurança?
Respondeu: "Admite-se que não" e "Se esse anexo e a estrutura de madeira construída em cima do muro, violam os regulamentos urbanísticos do Município de Caminha? Respondeu: Sim e aos quesitos formulados pela Autora nos arts. 16, 17, 18, 19 e 21 respondeu a todos "SIM".
43- Em complemento, a senhora perita, Drª SOFIA, prestou esclarecimentos em sede de audiência e julgamento, que ficaram registados no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática do tribunal, com inicio pelas 10 horas e 52 minutos e termo pelas 11 horas e 25 minutos, nas passagens supra transcritas.
44- Deste modo, atendendo aos registos fotográficos e peritagem e respectivos esclarecimentos, instruídos com fotografias, face à prova produzida não existe qualquer razão de facto ou direito para se alterar a resposta a estes factos dados como provados.
45- Na douta sentença recorrida os recorrentes foram ainda condenados a pagar à autora Maria, a quantia de € 1000,00 € a título de compensação pelos danos patrimoniais, à qual será acrescida da quantia correspondente aos juros de mora vencidos após o trânsito em julgado desta sentença, calculados à taxa supletiva legal aplicável às dívidas civis (anualmente 4%) até que ocorra o pagamento integral.
46- Para dar como provado o facto do ponto 36 revelou-se essencial o depoimento da testemunha H. L., que se encontra registado no sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática do tribunal, com inicio pelas 12 horas e 54 minutos e termo às 13 horas e 7 minutos, nas passagens supra transcritas, efectivamente que a autora em relação às construções levadas a cabo pelos réus, considera-as inestéticas e feias; que a autora, devido ao comportamento dos Réus, em causa nestes autos anda triste, magoada, deprimida, e por via disso está de baixa médica há cerca de dois anos.
47- O montante fixado na douta sentença justo e equitativo atenta a factualidade em causa e os sentimentos que a autora passou a sentir e a demonstrar por via dos actos praticados pelos réus em causa nestes autos.
48- Face à prova produzida, tendo resultado provado os factos dos pontos 5, 11, 12, 13, 14, 15 ficou inequivocamente demonstrado que o muro em discussão nos autos é parte integrante do prédio da autora identificado no ponto 1 dos factos provados, sendo assim propriedade exclusiva da autora de harmonia com o preceituado nos artigos 202, 204º nº 1 alínea a) e e) nºs 2 e 3 do Código Civil.
49- A Autora logrou provar a propriedade exclusiva do muro, de harmonia com o preceituado no artigo 1371º nº 3 alínea b) e nº 4 do Código Civil.
50- Por outro lado, dos factos provados nos pontos 6, 14, 20, 22, 23, 24, 25, 27 e 28 resulta provado a existência da constituição de uma servidão de vista, por usucapião a favor do prédio da A. para o prédio pertencente aos R.R., de harmonia com o preceituado nos arts. 1360º, nº 1 e 1362º, nº 1 do Cód. Civil.
51- Ficou demonstrado que a janela do quarto de banho foi construída aquando da edificação da casa de habitação que integra o imóvel da Autora e deita directamente para o prédio dos Réus, e situa-se a uma distância de menos de um metro e meio do imóvel dos Réus.
52- Por outro lado, dos factos provados nos pontos 16, 17, 18, 19, 20, 26 e 29 resultou demonstrado que que os réus praticaram actos que violaram o direito de propriedade da autora sobre o muro e violaram a servidão de vista.
53- Acresce que, a autora provou que as obras levados a cabo pelos réus são ilegais violando o Regulamento Geral das Edificações Urbanas e o Regulamento Municipal da Urbanização e Edificação do Município de Caminha.
54- A Autora é dona exclusiva e legitima possuidora do muro onde foi realizada pelos Réus a construção e estrutura, que foi levada a cabo pelos Réus sem o consentimento e autorização da autora, violando o seu direito de propriedade sobre o muro, conforme o disposto no artigo 1305 do Código Civil.
55- A construção efectuada pelos Réus sobre o muro propriedade da autora e a vedação que colocaram impede o exercício do direito de servidão de vista constituído, por usucapião, a favor da autora, em detrimento do prédio dos Réus.
56- Essa construção edificada pelos réus em cima do muro da autora, viola de forma notória e não cumpre os requisitos do artigo 73º do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, aprovado pelo Decreto-Lei nº 38382/51 de 07/08.
57- A referida estrutura foi colocada pelos réus com o objectivo de impedir, como impede, visibilidade, entrada de luz e arejamento através da janela do prédio da autora.
58- Dos factos provados nos pontos 30, 31, 33, 34 e 35 resulta que o anexo construído pelos réus junto ao muro da autora, não cumpre os requisitos legalmente impostos, sendo que, os Réus não comunicaram previamente por escrito à Câmara Municipal de Caminha a realização das obras com a construção do anexo, a que estavam obrigados nos termos do artigo 80- A do Regime Geral das Edificações Urbanas.
59- Por outro lado, conforme resultou provado na construção do anexo foram utilizados materiais inflamáveis, madeira, plástico, tendo também como funcionalidade cozinha de campo, que está clandestina e ilegal uma vez que se tratam de obras que não foram licenciadas pela Câmara Municipal.
60- Acrescendo o facto de que atento os materiais utilizados e aplicados no anexo está em causa a segurança do prédio da autora, violando de foram notária o seu direito de propriedade e do muo onde a construção está cravada, de harmonia com o preceituado no artigo 1374º nº 1 do Código Civil.
61- Portanto, deve manter-se a condenação dos Réus a demolir a estrutura edificada em cima de muro, assim como do anexo e toda a vedação junto ao muro.
62- De igual modo, face ao facto provado no ponto 36, deve manter-se a indemnização fixada a título de danos morais, por forma a que a autora seja ressarcida dos danos de natureza não patrimonial, nos termos dos artigos 494, 496, 562, 563 e 566 do Código Civil.
63- De resto, o montante da indemnização fixada pelo tribunal atenta a gravidade dos factos praticados pelos réus, os danos sofridos pela autora, que merecem de forma notória tutela do direito, afigura-se justa socorrendo-nos dos critérios da equidade e razoabilidade.
64- A douta sentença não merece qualquer censura, pois que retrata fielmente a prova produzida, nomeadamente documental, pericial e testemunhal, encontrando-se devidamente fundamentada no que toca à matéria de facto e matéria de direito, devendo assim, ser integralmente confirmada.

TERMOS EM QUE deve ser negado provimento ao recurso interposto pelos recorrentes e manter-se a douta decisão recorrida.
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Corridos os vistos legais cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da apelante, não podendo esta Relação conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.

No seguimento desta orientação, as questões que se encontram submetidas à apreciação desta Relação são as seguintes:

a- questão prévia: na sequência da posição da apelada, que sustenta que o presente recurso de apelação, nos termos do disposto no art. 641º, n.º 2, al. b) do CPC, carece de ser liminarmente inferido, por as alegações de recurso apresentadas pelos apelantes não conterem conclusões já que, na sua perspetiva, as pretensas conclusões mais não são do que a reprodução das motivações de recurso por eles apresentadas, cumpre verificar se assim é;

Na improcedência dessa questão prévia, analisar se:

b- a sentença recorrida é nula por falta de fundamentação;
c- se o julgamento da matéria de facto feito pela 1ª Instância assentou em prova proibida e se, consequentemente, esse julgamento é nulo por assentar em prova proibida;
d- se o tribunal a quo incorreu em erro de direito, ao proferir o despacho de 05/02/2018, de fls. 195, indeferindo a realização da inspeção judicial ao local requerida pelos apelantes.

Em relação a este fundamento de recurso suscita-se a questão prévia sobre se aquele despacho era recorrível autonomamente e se, por conseguinte, não tendo os apelantes interposto recurso do mesmo, se essa decisão se encontra transitada em julgado.
e- se a sentença padece de erro de direito quanto ao julgamento que nela foi feito quanto à matéria de facto que nela foi julgada provada e não provada.

A propósito da impugnação da matéria de facto operada pelos apelantes, suscita-se a questão prévia, que, aliás, foi arguida pela apelada, mas que independentemente dessa arguição, sempre se impunha conhecer oficiosamente pelo tribunal ad quem, por respeitar a questão de que depende a possibilidade desta Relação entrar na apreciação da sindicância que os apelantes fazem ao julgamento da matéria de facto feito pelo tribunal a quo, sobre se os apelantes cumpriram com os ónus legais que sobre si impendem em sede de impugnação do julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância;
f- se a sentença recorrida padece de erro de direito quanto à decisão de mérito nela proferida:

f.1- ao declarar que o muro identificado na al. b) da parte dispositiva daquela sentença é parte integrante do prédio propriedade da Autora (apelada), sendo propriedade exclusiva desta, quando a matéria de facto apurada em que o tribunal a quo estribou essa decisão assenta numa deficiente valoração da prova produzida; esse muro é propriedade exclusiva dos apelantes, que sempre exerceram posse de proprietários sobre o mesmo, à vista de todos e sem qualquer oposição e, quando muito, esse muro é meeiro, conforme é presumido por lei;
f.2- ao declarar a existência da servidão de vistas a que alude na al. d) da parte dispositiva da referida sentença, servidão essa que se processa pela janela aí identificada, em benefício do prédio propriedade dos apelados, onerando o prédio propriedade dos apelantes, quando essa servidão nunca existiu e não se afigura razoável, adequado e plausível que exista uma servidão de vistas que se processe através de uma janela de um WC e, bem assim, quando, no caso, conforme a prova produzida, não se colocam quaisquer questões relativamente ao arejamento, ventilação, salubridade e luminosidade do prédio propriedade da apelada;
f.3- ao condenar os apelantes a demolir toda a estrutura construída sobre o muro, conforme al. e) da parte dispositiva da sentença recorrida, quando essa estrutura é em madeira e amovível e, por isso, lhe é aplicável a exceção do n.º 4 do art. 37º do Regulamento Municipal da Urbanização e Edificação (RMUE) do Município de Caminha, a construção desse anexo está isento de controlo prévio, conforme art. 9º desse Regulamento e quando o tribunal carece de legitimidade e competência para se pronunciar sobre a oportunidade, modo e pedidos de demolição de obras e essa demolição se revela desproporcionada, face às consequências que daí advêm para os apelantes;
f.4- ao condenar os apelados na sanção pecuniária compulsória de 15,00 euros por cada dia de atraso no cumprimento das obrigações em que foram condenados; e
f.5- ao condenar os mesmos apelados a pagar à apelada uma compensação de mil euros, a título de danos não patrimoniais, quando os factos em que assentou essa condenação se alicerçou em prova absolutamente nula, por respeitar a depoimentos de um grupo de colegas de profissão da apelada e do companheiro desta, cujos depoimentos mostraram-se eivados de parcialidade, grande envolvimento emocional, sem isenção ou racionalidade e, consequentemente, destituídos de qualquer relevância probatória.
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A- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

O tribunal a quo julgou provados e não provados os seguintes factos:

Com pertinência para a decisão da causa resultaram provados os seguintes factos:

1. A autora Maria é dona e legítima proprietária do imóvel: Prédio urbano, composto por casa de rés-do-chão, 1º andar e logradouro com superfície coberta de 110 m2 e logradouro com 350 m2, sito na Rua (...), freguesia de (...), concelho de Caminha, a confrontar de norte com os réus Helena e marido Augusto, a sul com herdeiros Miguel , nascente com o caminho-de-ferro e do poente com a Rua (...), descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº (...) e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 753.
2. O referido imóvel veio à posse e propriedade da autora por permuta formalizada através de escritura pública celebrada a 05-04-2002, outorgada no cartório notarial de Caminha.
3. Encontra-se registada a favor da autora a aquisição, por permuta, do direito de propriedade referente ao prédio descrito no item 1 desta decisão.
4. Por sua vez, os réus Helena e marido Augusto, são donos e legítimos possuidores da fração autónoma designada pela letra “B”, destinada a habitação, composta por uma garagem no rés-do-chão do lado sul e por um logradouro do lado direito situado a nascente, que corresponde ao 1º andar do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, a confrontar a sul com a autora, a nascente com o caminho-de-ferro, a poente com a Rua (...) e a norte com M. P., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 2622º e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº (...)-B, sito na Rua (...), freguesia de (...), concelho de Caminha.
5. O prédio pertencente à autora, pelo respetivo lado norte, confronta com o limite sul da fração autónoma pertencente aos réus.
6. A janela que se localiza na alçada norte do prédio pertencente à autora, existe já desde a altura em que esse imóvel era a residência de família dos seus antecessores, portanto, há mais de 10, 20, 30 e 40 anos.
7. O muro em questão tinha uma cancela de acesso ao terreno onde mais tarde, foi construído o prédio onde os réus são proprietários da fração autónoma designada pela letra “B” que o antecessor da autora manteve mesmo depois da construção da fração autónoma dos réus.
8. A autora, por si e seus antecessores, está na posse do imóvel que lhe pertence, desde há mais de 40 anos.
9. Ocupando-o, habitando-o, limpando-o regularmente, pintando-o, pagando a água e a eletricidade, fazendo obras e benfeitorias, conservando e arranjando o logradouro, gozando de todos os seus frutos e utilidades, pagando as contribuições a ele inerentes.
10. À vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, de forma ininterrupta e contínua, pacífica e de boa-fé, sem ofender direitos de terceiros e na convicção de exercer direito próprio correspondente ao direito de propriedade.
11. O limite norte do prédio pertença da autora, descrito no item 1 desta decisão, em pedra antiga e cimento, com a altura de cerca de 1,55m, é estabelecido por um muro pelo respetivo lado norte, confronta com o limite sul do prédio descrito no item 4 desta decisão.
12. Esse muro foi construído pelo pai da autora e da ré, finda a construção da habitação, à qual se refere o item 1 desta decisão, para vedar essa casa de habitação que construiu, entre 1952 e 1953, para a sua residência permanente e da sua família, tendo a sua estrutura de suporte sido executada a partir do respetivo logradouro, com a ocupação do seu solo e subsolo.
13. Todos os suportes desse muro estão virados e localizados no interior do prédio da autora, descrito no item 1 desta decisão, estão colocados entre eles a uma distância entre 0.82m, 5,36m e 5,37m, na sua estrutura interior extravasam a espessura desse muro, sobressaem e ocupam o interior do logradouro desse prédio e funcionam como cachorros salientes desse mesmo muro.
14. Até ao ano de 1965, os prédios localizados a Norte do prédio descrito no item 1 desta decisão, eram meros terrenos de cultivo que ficaram vedados pelo respetivo lado sul, a partir do início de 1954, data em que o pai da autora e da ré construiu o muro do lado norte do seu prédio urbano, descrito no item 1 desta decisão.
14.1 A cancela a que se refere o item 7 desta decisão, foi demolida, pelos réus, sem autorização da autora, os quais, também repuseram o muro, nessa parte.
15. A autora, por si e seus antecessores, encontra-se na posse pública, exclusiva e pacífica desse muro, desde, pelo menos, o início do ano de 1954, isto é, há mais de 60 anos consecutivos, procedendo regularmente à sua limpeza, pintura e conservação, à vista de toda a gente e sem oposição de quem quer que seja, nomeadamente dos réus, estes até janeiro de 2015.
16. Em janeiro de 2015, os réus arrendaram a fração autónoma identificada no item 4 desta decisão.
17. Os arrendatários daquela fração procederam, com a autorização dos réus, à construção de uma estrutura em madeira sobre aquele muro, amovível, que foi acoplada ao muro, na qual fixaram uma rede verde, totalmente opaca.
18. Para fixarem a madeira, os arrendatários dos réus utilizaram estacas de madeira pregadas no muro, na face voltada para o prédio descrito no item 4 desta decisão, com parafusos de aço de grande dimensão.
19. Em virtude da colocação da referida estrutura de madeira com rede opaca, impossibilitando qualquer visibilidade, o muro, na parte do prédio da autora, tem uma altura de cerca de 2,96 metros.
20. Essa estrutura tapa parcialmente a vista da janela existente no alçado norte da habitação descrita no item 1 desta decisão, que se situa a uma altura de 2,05 metros, relativamente ao solo e tem cerca de 1metro de altura e 60 centímetros de largura.
21. A altura do muro, com a vedação da rede que lhe foi colocada, na parte mais alta é de cerca de 2,84m e na parte mais baixa é de 2,54m.
22. O muro dista do alçado norte da habitação descrita no item 1 desta decisão, cerca de 1,1 metro.
23. A janela referida no item 20 desta decisão foi aberta pelos pais da autora e da ré, aquando da construção da respetiva casa de habitação, em 1952/1953, pese embora com uma largura equivalente, sensivelmente, ao dobro da atual e corresponde à janela de um WC (instalação sanitária).
24. A autora e os seus antecessores, ao longo de mais de 50 anos e atualmente, utilizam aquela janela para arejamento e ventilação do interior da habitação, aproveitamento da luz e obtenção de mais luminosidade no interior da habitação, abrindo-a e fechando-a de acordo com as suas referidas conveniências.
25. Por essa janela sempre viram para norte, nascente e poente, alcançando o horizonte, a paisagem, o céu, vislumbrando o oceano, quando apoiados no seu parapeito.
26. Tendo a autora ficado impedida de fruir dessa utilidade para norte, por via da construção descrita nos itens 17 a 22 desta decisão, na medida em que essa estrutura tapa parcialmente a vista dessa janela, que ficou com a luz, arejamento e visibilidade reduzida a 9 centímetros no seu topo.
27. Todos esses atos têm sido praticados pela autora e seus antecessores há mais de 1, 10, 20, 30, 40 e 50 anos, à vista de toda a gente, de forma continuada e sem oposição de quem quer que seja e com o espírito de exercer um direito próprio, o de servidão de vistas.
28. Sendo certo que aquela janela já existe desde a altura em que o imóvel era a residência de família dos seus antecessores, portanto, há mais de 10, 20, 30 e 40 anos.
29. A área do imóvel descrito no item 1, circundada pela referida vedação, tornou-se mais sombria e mais escura, mais húmida, mais fria.
30. Com o consentimento dos réus, os seus arrendatários procederam à construção de um anexo que se encontra edificado junto ao referido muro, com a sua estrutura de madeira cravada nesse muro.
31. Tal anexo destina-se a arrumações e funciona também como cozinha de campo, possuindo uma chaminé colocada na sua cobertura.
32. O anexo e a estrutura de madeira construída em cima do muro violam os regulamentos urbanísticos do Município de Caminha. Para a construção desse anexo foi utilizada madeira de pinho tratado, nas laterais, no pavimento, na cobertura e nas bancadas, tela de lona nas laterais e plástico, ondulado compósito no telhado, materiais que detêm risco de incêndio e se admite que facilitem a probabilidade de ocorrência e propagação de incêndio.
33. Na estrema que confina com o muro propriedade da autora, o referido anexo foi tapado com uma rede opaca.
34. Estas obras foram efetuadas sem projeto e sem o consentimento da autora.
35. A estrutura de madeira e o anexo, não cumprem o regulamento urbanístico do Município de Caminha, atendendo a que o anexo tem 2,10 metros de altura e 12,00m2 de área e de acordo com o artigo 9º, alínea a) i., desse regulamento, a área máxima tem de ser 10,00 m2.
36. Com a descrita atuação, os réus causaram perturbação à autora, a qual lhes manifestou por inúmeras vezes o seu desagrado em relação à construção da estrutura de madeira sobre o seu muro, bem como a rede opaca de vedação, além da construção do mencionado anexo, que considera inestéticas, causando-lhe desgosto.
37. O referido muro, que é antigo, apresenta fissuras.
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§.2 Factos julgados não provados:

1- Que as situações descritas na decisão que se pronunciou quanto à matéria de facto julgada tenham despoletado problemas de saúde à autora, nomeadamente do foro nervoso, encontrando-se, por via, das mesmas, em baixa-médica e sob o efeito de fármacos, estando a ser acompanhada por um psiquiatra.
2- As fissuras que o muro apresenta tenham resultado da colocação da referida estrutura e do anexo sobre o mesmo e nele se apoiando, uma vez que o mesmo não está preparado para suportar a referida estrutura.
3- Apesar de se arrogarem meeiros na propriedade do muro, os réus sabem que o mesmo pertence à autora.
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B- FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

Já se enunciaram supra as concretas questões que se encontram submetidas à apreciação desta Relação e, inclusivamente, aquelas que incumbe apreciar oficiosamente, isto é, independentemente das mesmas terem ou não sido suscitadas pelas partes.

Tendo a apelada suscitado a questão prévia da admissibilidade legal do presente recurso por, na sua perspetiva, as alegações apresentadas pelos apelantes não conterem conclusões, já que as pretensas conclusões por estes apresentada são mera repetição das motivações de recurso, é facto incontroverso e incontrovertível que a primeira questão que incumbe apreciar é a da enunciada questão prévia, uma vez que, caso proceda, impor-se-á rejeitar liminarmente a presente apelação, ficando automaticamente prejudicada a apreciação de todos os fundamentos de recurso deduzidos pelos apelantes, com o consequente trânsito em julgado da sentença recorrida.

Cumpre precisar que a apreciação desta concreta questão é da competência do relator (art. 652º, n.º 1, als. a) e b) do CPC), mas tendo este concluído que, na sua perspetiva, aquela omissão de conclusões não se verifica, mas antes que se está perante um caso de meras conclusões complexas e insuficientes, em que, por razões de celeridade e de economia processual, não se justifica estar a lançar mão do convite ao aperfeiçoamento a que alude o n.º 3 do art. 639º do CPC, quando se verifica que a apelada apreendeu cabalmente o sentido e alcance dessas conclusões e exerceu plenamente o direito ao contraditório sobre todos os fundamentos de recurso deduzidos pelos apelantes, e tendo aquele, por essas razões, decidido submeter, desde já, a enunciada questão prévia suscitada pela apelada à conferência, evitando, assim, maiores delongas processuais, cumpre passar à apreciação desta concreta questão prévia.

B.1- Da questão prévia – rejeição liminar do recurso interposto.

Nos termos do disposto no art. 639º, do CPC, o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão (n.º 1) e versando o recurso sobre matéria de direito, deve indicar, nas conclusões, as normas jurídicas violadas; o sentido com que, no seu entender, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ser interpretadas e aplicadas; e invocando aquele erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no seu entendimento, devia ser aplicada (n.º 2).

Conforme resulta deste preceito, a lei exige que o recorrente condense em conclusões, os fundamentos por que pede a revogação, modificação ou anulação da decisão recorrida.

Por outro lado, as conclusões são proposições sintéticas, “que encontram paralelo na formulação do pedido que deve integrar a petição inicial”. Rigorosamente, conforme escreve Abrantes Geraldes, “as conclusões devem (deveriam), corresponder a fundamentos que, com o objetivo de obter a revogação, alteração ou anulação da decisão recorrida, se traduzam na enunciação de verdadeiras questões de direito (ou de facto) cujas respostas interfiram com o teor da decisão recorrida e com o resultado pretendido, sem que jamais se possam confundir com os argumentos de ordem jurisprudencial ou doutrinário que não devem ultrapassar o setor da motivação” (1).

As conclusões exercem a função fundamental de delimitação do objeto do recurso, pelo que nelas o recorrente deve, de forma sintética, enunciar, de forma clara e rigorosa, os fundamentos do recurso, ou seja, aquilo que pretende obter do tribunal superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo tribunal recorrido, compreendendo-se, por isso, que a ausência total de conclusões, seja fundamento de rejeição do recurso (art. 641º, n.º 2, al. b) do CPC).

Atenta a sua função delimitadora do objeto de recurso, também se compreende que envolvendo o recurso a impugnação da matéria de facto julgada provada e não provada na sentença recorrida, o art. 640º, n.º 1 do CPC, estatua que sob pena de rejeição, o recorrente tenha de indicar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnados, acrescentando o n.º 2, al. a), que no caso previsto na alínea b) do n.º 1, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravadas, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes, mas que se considere que apenas os concretos pontos de facto impugnados tenham de ser indicados nas conclusões, já que não exercendo os demais requisitos aquela função delimitadora do objeto do recurso, os mesmos não têm de constar das conclusões, mas sim da motivação, pelo que a ausência de indicação, nas conclusões, dos concretos pontos da matéria de facto impugnada, impede que se conheça dessa impugnação.

Compreende-se também que a omissão da ausência de indicação, nas conclusões, dos concretos pontos da matéria de facto que o recorrente impugna, não seja suprível, mediante o convite ao aperfeiçoamento, a proferir pelo relator nos termos do n.º 3 do art. 639º do CPC.

É que delimitando as conclusões o objeto do recurso, sendo as conclusões falhas quanto à indicação desse objeto quanto à matéria de facto impugnada, falho é, por ausente do objeto do recurso, essa impugnação da matéria de facto, pelo que mais nada restará que indeferir liminarmente o recurso quanto à matéria de facto.

Na verdade, conforme resulta do disposto no art. 639º, n.º 3, o convite ao aperfeiçoamento das conclusões aí previsto apenas versa sobre a matéria de direito que é alvo do recurso (2).

Com efeito, estabelece este preceito que “quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada”.

Prevê, pois, este normativo, que quanto à matéria de direito que seja alvo de recurso, possa haver convite ao aperfeiçoamento dirigido pelo relator ao recorrente, convite este que está dependente, reafirma-se, do vício que afete as conclusões versar, única e exclusivamente, a matéria de direito objeto do recurso (e não a matéria de facto).

Os vícios das conclusões que justificam esse convite ao aperfeiçoamento poderá derivar das conclusões serem “deficientes”, “obscuras”, “complexas” ou nelas não se ter procedido às especificações do n.º 2 do art. 639º.

Seguindo a lição de Abrantes Geraldes, as conclusões padecerão do vício da deficiência, “quando não retratem todas as questões sugeridas pela motivação (insuficiência), quando revele incompatibilidade com o teor da motivação (contradição), quando na mesma não encontrem apoio, surgindo desgarradas (excessivas), quando não correspondam a proposições logicamente adequadas às premissas (incongruentes), ou quando surjam amalgamadas, sem a necessária discriminação, questões ligadas à matéria de facto e questões de direito (confusas).

Já as conclusões serão obscuras quando sejam formuladas “de tal modo que se revelem ininteligíveis, de difícil inteligibilidade ou que razoavelmente não permitam ao recorrido ou ao tribunal percecionar o trilho seguido pelo recorrente para atingir o resultado que proclama”.

Finalmente, as conclusões serão complexas “quando não cumpram as exigências de sintetização a que se refere o n.º 1 (prolixidade) ou quando, a par das verdadeiras questões que interferem na decisão, surjam outras sem qualquer interesse (inocuidade)”, podendo essa complexidade derivar também “do facto de se transferirem para o segmento que deve integrar as conclusões, argumentos, referencias doutrinais ou jurisprudenciais propicias ao segmento da motivação” (3).

Resulta do que se vem dizendo que uma coisa é a absoluta ausência de conclusões, ausência essa que, nos termos do art. 641º, n.º 2, al. b) do CPC, gera o indeferimento do recurso, outra bem diversa, a falta de indicação, nas conclusões, da matéria de facto que se impugna, omissão essa que tem como consequência, nos termos do art. 640º, n.º 1, al. a) do CPC, a rejeição do recurso apenas quanto à matéria de facto; e outra, ainda, a existência de conclusões que, no entanto, quanto à matéria de direito objeto do recurso, se apresentem deficientes, obscuras, complexas ou não cumpram as especificações a que alude o n.º 2 do art. 639º do CPC, vícios esses que não têm como consequência a rejeição do recurso, mas antes a prolação de convite ao aperfeiçoamento (n.º 3 do art. 639º do CPC), levando apenas à rejeição desse recurso quando, após esse convite, o recorrente não supra os vícios que afetam as conclusões.
Assente nestas premissas, revertendo ao caso sub judice, basta a mera leitura das alegações de recurso apresentadas pelos apelantes para se verificar que as mesmas contêm conclusões, o que de resto não é negado pela apelada que, no entanto, sustenta que essas conclusões são a repetição ipsis verbis das motivações de recurso por eles apresentadas e daí que conclua que essas conclusões não configurem verdadeiras conclusões e, como tal, na sua perspetiva, o recurso interposto não contenha conclusões e, consequentemente, nos termos da al. b), do n.º 2 do art. 641º do CPC, carece de ser indeferido.

Em abono desta tese, a apelada invoca jurisprudência da Relação do Porto, nos termos da qual “a reprodução integral e ipsis verbis do anteriormente vertido no corpo das alegações, ainda que intitulada “conclusões” pela apelante não podem ser consideradas para efeito do cumprimento do dever de apresentação das conclusões do recurso nos termos estatuídos no art. 639º, n.º 1 do CPC, equivalendo essa reprodução à falta de conclusões” pelo que “deve o recurso ser rejeitado nos termos estatuídos no art. 641º, n.º 2, al. b) do CPC” (4).

Acontece que não obstante não se desconheça essa jurisprudência e outra que vai em igual sentido, não se subscreve a mesma, posto que uma coisa é a absoluta (total) ausência de conclusões, e outra, diversa, é a existência de conclusões que, ainda que sejam repetição ipsis verbis das motivações de recurso, não podem deixar de ser havidas como “conclusões”.

Essas conclusões não cumprirão o ónus de concisão imposto ao recorrente enunciado no art. 639º, n.º 1 do CPC e padecerão, em princípio, dos vícios da deficiência e da complexidade a que alude o n.º 3 do art. 639º do CPC.

No entanto, salvo o devido respeito por entendimento contrário, prefigura-se-nos que perante os enunciados vícios seria forçado afirmar que o recurso apresentado não contem conclusões e que, consequentemente, sem mais, se impunha indeferir liminarmente o mesmo, sem recorrer ao remédio jurídico enunciado no n.º 3 do art. 639º do CPC, que é o convite ao aperfeiçoamento das conclusões.

Acresce precisar que, no caso, conforme resulta do cotejo das conclusões de recurso com as motivações de recurso apresentadas pelos apelantes, não é certa a alegação da apelada segundo a qual as conclusões apresentadas são reprodução fiel das motivações de recurso.

Sem dúvida alguma que nas conclusões de recurso os apelantes não empreenderam o esforço de síntese que lhes era legalmente imposto e daí que essas conclusões padeçam indubitavelmente do vício da complexidade, na vertente de prolixidade.

Nas conclusões de recurso que apresentam, os apelantes transferem para as mesmas a transcrição dos depoimentos das testemunhas prestados em audiência final e procedem à análise dessa prova e da demais prova produzida nos autos, assim como transcrevem referências doutrinais e jurisprudências que, segundo eles, reclamavam um julgamento quanto à matéria de facto diverso daquele que foi feito pelo tribunal a quo e uma decisão de mérito, também ela diversa, da tomada por esse tribunal, o que tudo, como infra se verá, deviam ter feito em sede de motivações do recurso (vício este em que, refira-se, também incorreu a apelada nas conclusões que apresentou em sede de contra-alegações), e não nas conclusões.

Acresce que sem dúvida alguma que nas conclusões de recurso apresentadas pelos apelantes, surgem amalgamadas questões ligadas à matéria de facto e questões de direito, quando se impunha que aqueles tivessem estabelecido a separação nítida entre questões que suscitam a propósito da impugnação da matéria de facto e aquelas outras que se relacionam com o recurso referente ao mérito.

Consequentemente as alegações de recurso apresentadas pelos apelantes, para além de padecerem do vício da complexidade, na vertente da prolixidade, padecem indiscutivelmente do vício da deficiência, na vertente da “confusão”.

No entanto, como referido, os enunciados vícios não constituem fundamento legal de rejeição do recurso, mas antes são fundamento para o convite ao aperfeiçoamento dessas conclusões, nos termos do n.º 3 do art. 639º do CPC, caso tal se justificasse, o que não é o caso.

Na verdade, conforme adverte Abrantes Geraldes “a prolação do despacho de aperfeiçoamento fica dependente do juízo que for feito acerca da maior ou menor gravidade das irregularidades ou incorreções, em conjugação com a efetiva necessidade de uma nova peça processual que respeite os requisitos legais”, concluindo que, nessa decisão, o relator deverá ponderar nos efeitos que esse convite terá na celeridade e na eficácia da decisão e se aquelas irregularidades perturbaram ou não o exercício do contraditório por parte dos recorridos. Independentemente dos efeitos nefastos que aquele convite ao aperfeiçoamento das conclusões possa ter na celeridade processual e na eficácia da decisão a proferir, se os vícios que afetam as conclusões interferiram no exercício do direito ao contraditório por parte da apelada, naturalmente que se imporá forçosamente formular o convite ao aperfeiçoamento das conclusões, seguindo-se, após essa correção, a observância do princípio ao contraditório junto da apelada (5).

No caso, as irregularidades de que padecem as conclusões de recurso apresentadas pelos apelantes, apesar de serem acentuadas, não foram de molde a perturbar a plena apreensão pela apelada de todos os fundamentos de recurso deduzidos pelos apelantes, tanto assim que a mesma se pronunciou, em sede de contra-alegações, quanto a todos esses fundamentos, pelo que, dos enunciados vícios nenhum prejuízo adveio para a apelada em sede de direito ao contraditório (vide teor das contra-alegações de recurso).
Neste contexto, não se justifica formular junto dos apelantes convite ao aperfeiçoamento das conclusões, para que supram os enunciados vícios, quando se verifica que daqueles vícios nenhum prejuízo adveio para a apelada em sede de exercício do contraditório e que, consequentemente, desse convite apenas adviria prejuízo para a economia e a celeridade processual, sem que daí adviesse nenhum benefício, o que não é consentido pelo princípio da limitação dos atos, consagrado no art. 130º do CPC.

Termos em que improcede a questão prévia suscitada pela apelada, indeferindo-se a sua pretensão em ver rejeitado o presente recurso de apelação.

B.2- Da nulidade da sentença recorrida por falta de fundamentação

Sustentam os apelantes que a sentença é nula por falta de fundamentação, alegando que nela não se indica os fundamentos que levaram o tribunal a considerar provados determinados factos, como acontece em relação à matéria dos pontos 15º, 25º e 36 julgados como provados nessa sentença, e a julgar não provados outros, sequer se indica as razões de se ter valorizado os depoimentos de determinadas testemunhas ou outros elementos de prova em detrimentos de outros.

Precise-se que ao imputar semelhante vício à sentença recorrida, sem dúvida alguma que os apelantes confundem vícios determinativos de nulidade da sentença, com vícios de julgamento, e dentro destes, erros de julgamento quanto à matéria de facto e respetiva fundamentação, com erros de julgamento quanto à decisão de mérito, pelo que urge estabelecer a distinção rigorosa dos enunciados conceitos.

B.2.1- Causas de nulidade da sentença versus erro de julgamento.

As decisões judiciais proferidas pelos tribunais no exercício da sua função jurisdicional podem ser viciadas por duas causas distintas, obstando qualquer delas à sua eficácia ou validade, a saber: a) por se ter errado no julgamento dos factos e do direito, sendo então a respetiva consequência a sua revogação; e b) como atos jurisdicionais que são, por se ter violado as regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou as que balizam o conteúdo e os limites do poder à sombra do qual são decretadas, sendo então passíveis de nulidade, nos termos do art. 615.º do CPC (6).

Os vícios determinativos de nulidade da sentença, que se encontram taxativamente enunciados no referido art. 615º do CPC., reportam-se à estrutura ou aos limites da sentença, tratando-se de defeitos de atividade ou de construção da própria sentença, ou seja, a vícios formais da sentença.
Respeitam a vícios da estrutura da sentença os fundamentos enunciados nas alíneas b) -falta de fundamentação - e c) - oposição entre os fundamentos e a decisão -, e respeitam a vícios atinentes aos limites da sentença, os enunciados nas alíneas d) - omissão ou excesso de pronúncia - e e) - pronuncia ultra petitum.

Trata-se de vícios que “afetam formalmente a sentença e provocam a dúvida sobre a sua autenticidade, como é o caso da falta de assinatura do juiz, ou a ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que se decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduzir logicamente a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender resolver questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões que deveria conhecer (omissão de pronúncia)” (7).

Diferentemente desses vícios são os erros de julgamento (error in judicando), os quais contendem com erros quanto à decisão de mérito explanada na sentença, decorrentes de uma distorção da realidade factual (error facti) e/ou na aplicação do direito (error juris), de forma que o decidido não corresponde à realidade ontológica ou normativa.

Nos erros de julgamento assiste-se a uma deficiente análise crítica das provas produzidas ou a uma deficiente enunciação e/ou interpretação dos institutos jurídicos aplicados ao caso concreto, sendo que esses erros, por não respeitarem já a defeitos que afetam a própria estrutura da sentença (vícios formais), sequer aos limites do poder à sombra da qual aquela é proferida, mas à matéria de facto nela julgada provada ou não provada ou ao mérito da relação controvertida nela apreciada, não a inquinam de invalidade, mas antes de error in judicando, atacáveis em via de recurso (8).

B.2.2- Nulidade da sentença por falta de fundamentação.

Preceitua o art. 615º, n.º 1, al. b) do CPC, que a sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, ou seja, quando aquela não se encontra fundamentada.

O dever de fundamentação das decisões judiciais é uma decorrência do art. 205º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP).
Densificando esse comando constitucional os arts. 154º, n.º 1 e 615º, n.º 1, al. b) do CPC impõem ao juiz o dever de especificar os fundamentos de facto e de direito em que alicerça a decisão.

Nos termos destes normativos, a fundamentação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade (n.º 2 do art. 154º do CPC).

O dever de fundamentação tem como fundamento teleológico a circunstância de destinando-se a decisão judicial a resolver um conflito de interesses (art. 3º, n.º 1 do CPC), esse conflito só logrará efetiva resolução e alcançar a restauração da paz social se o juiz “passar de convencido a convincente”, o que apenas se conseguirá se aquele, através da fundamentação, convencer “os terceiros da correção da sua decisão”. (9)

A fundamentação constitui igualmente fundamento legitimador do poder soberano constitucionalmente atribuído aos tribunais para em nome do povo, administrar a justiça, assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos pelos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos públicos e privados (art. 202º, n.º 1 da CRP). É que não possuindo os tribunais uma legitimidade direta, mas antes indireta, que lhes advém da constituição, essa legitimidade apenas será assegurada se, através da fundamentação, os tribunais lograrem demonstrar e convencer que as decisões que proferem não são meros atos arbitrários, mas antes a concretização da vontade abstrata da lei aplicada ao caso concreto, contendo-se dentro dos limites constitucionalmente fixados para a atuação do poder judicial e que legitima o poder soberano que lhe é atribuído.

A fundamentação é ainda requisito de autocontrolo do julgador, ao obrigá-lo a ponderar nos diversos fundamentos fácticos e jurídicos que estribam a decisão de mérito, obstando, desse modo, a eventuais decisões de mérito imponderadas, além de constituir fator de salvaguarda dos direitos de ação e de defesa das partes, assegurando-lhes que conheçam da razão ou razões do decaimento das suas pretensões, designadamente, a fim de ajuizarem da viabilidade de utilizarem os meios legalmente previstos para impugnar essas decisões.

Finalmente, a fundamentação é requisito para que os tribunais superiores possam controlar as decisões dos tribunais inferiores. É que à semelhança do que acontece com as partes, as instâncias superiores carecem de conhecer os concretos fundamentos de facto e de direito em que o tribunal que proferiu a decisão que está a ser sindicada ancorou a mesma a fim de poderem cabalmente reapreciar esses fundamentos e ajuizar do bom ou mau fundamento da decisão de mérito proferida (10).

Deste modo, é que em termos de subsunção jurídica da factualidade apurada, se impõe ao juiz a obrigação de discriminar os factos considerados provados e não provados, concretize quais as concretas normas e institutos jurídicos que aduz para subsumir esses factos e a interpretação que deles fez para operar essa subsunção (n.º 3 daquele art. 607º).

Não obstante a importância angular da fundamentação, de acordo com a doutrina e a jurisprudência, só a falta, em absoluto, de fundamentação determina a nulidade da sentença a que se reporta a al. b) do n.º 1 do art. 615º do CPC, designadamente, a falta de discriminação dos factos provados e não provados em que se estribou a decisão de mérito proferida na sentença ou a genérica referência a toda a prova produzida na fundamentação da decisão de facto, ou conclusivos juízos de direito, e não apenas a mera deficiência da mesma (11).

Deste modo, importa distinguir entre erros de atividade ou de construção da sentença, geradores de nulidade a que se reporta aquele art. 615º, n.º 1, dos erros de julgamento, atacáveis em vias de recurso e não determinativos daquela invalidade.

Como referido, o vício determinativo da nulidade da decisão proferida com fundamento em ausência de fundamentação apenas ocorrerá quando, em sede de subsunção jurídica da factualidade provada e não provada, se esteja perante uma absoluta e total ausência de fundamentação de facto e/ou de direito.

Já a deficiente fundamentação apenas consubstanciará erro de julgamento, em que apenas se assiste a uma deficiente análise crítica dos factos provados e não provados ou a uma deficiente enunciação e/ou interpretação dos institutos jurídicos aplicados a esses factos que se quedaram provados ou não provados em sede de subsunção jurídica desses factos.

A deficiente análise crítica da materialidade fáctica apurada e não apurada e/ou a deficiente enunciação das normas aplicáveis a essa factualidade ou a deficiente enunciação da interpretação que dessas normas ou institutos jurídicos foi feita ou o saber-se se essas normas ou institutos jurídicos são ou não aplicáveis ao caso concreto ou se a interpretação que delas foi feita está ou não correta, não constitui omissão de fundamentação, determinativa de nulidade da sentença mas, reafirma-se, apenas mero erro de julgamento, atacável e sindicável em via de recurso (12).

B.2.3- Vícios que afetam a decisão da matéria de facto.

Diferentemente dos vícios determinativos da nulidade da sentença, são os vícios que afetam o julgamento da matéria de facto.

Na verdade, apesar de atualmente o julgamento da matéria de facto se conter na sentença final, os vícios da decisão da matéria de facto, nunca constituem causa de nulidade da sentença, designadamente, por omissão de pronúncia ou por falta de fundamentação, dado que a matéria de facto encontra-se sujeita a um regime de valores negativos – a deficiência, a obscuridade ou a contradição dessa decisão ou a falta da sua motivação -, a que corresponde um modo diferente de controlo e de impugnação, não constituindo, por conseguinte, causa de nulidade da sentença, mas antes sendo suscetíveis de dar lugar à atuação pela Relação dos poderes de rescisão ou de cassação da decisão da matéria de facto operada pela 1ª Instância, nos termos do disposto no n.º 1 e da al. c), do n.º 2 do art. 662º do CPC (13).

Deste modo, a distinção que na versão do CPC anterior à revisão operada pela Lei n.º 41/2013, entre decisão quanto à matéria de facto e sentença propriamente dita, continua válida.

Destarte, não estando a decisão quanto à matéria de facto devidamente fundamentada, nos termos do art. 662º, n.º 2, al. d) do CPC, tal vício do julgamento da matéria de facto, não determina a nulidade da sentença, mas apenas dá lugar à remessa dos autos à 1ª Instância para que esta fundamente devidamente esses factos que julgou provados ou não provados, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados.

Por outro lado, omitindo o tribunal a quo pronúncia quanto a factos essenciais ou complementares que tenham sido alegados pelas partes nos respetivos articulados – factos essenciais, relembra-se, são aqueles que constituem a causa de pedir invocada pelo autor ou pelo reconvinte para sustentar o pedido que formulam, respetivamente, em sede de ação ou reconvenção ou aqueles em que se baseiam as exceções invocadas para impedir, modificar ou extinguir o direito que a sua contraparte vem invocar na ação ou na reconvenção (art. 5º, n.º 1 do CPC), enquanto são complementares aqueles factos que especificam e densificam os elementos da previsão normativa em que se funda a pretensão do autor – a causa de pedir – ou do reconvinte ou a exceção e, nessa qualidade, são decisivos para a viabilidade ou procedência da ação, reconvenção ou da defesa por exceção (14) -, como tribunal de substituição, o Tribunal da Relação deve responder a esses factos quando do processo constem todos os elementos de prova que lho permitam fazer (art. 662º, n.º 1 do CPC). De contrário, deverá ordenar a ampliação da matéria de facto a esses factos, anulando a sentença recorrida (art. 662º, n.º 2, al. c) do CPC).

Na verdade, permitindo o art. 662º, n.º 2, al. c) a anulação da sentença proferida pela 1ª Instância quando a decisão de facto seja deficiente, obscura ou contraditória, por maioria de razão tê-lo-á de permitir quando aquela seja absolutamente omissa quanto a determinada matéria de facto essencial integrativa da causa de pedir ou das exceções invocadas pelas partes ou quando seja omissa quanto a factos complementares alegados pelas partes ou em relação aos quais se verifiquem os requisitos legais do art. 5º, n.º 2, al. b) do CPC (15).

Em sede de fundamentação da matéria de facto, o art. 607º, n.ºs 4 e 5 do CPC, estabelece que na fundamentação, o juiz declara na sentença quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção (n.º 4), procedendo livremente à apreciação dessas provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documento ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das parte (n.º 5).

Significa isto que exceto os casos em que a prova de determinado facto esteja sujeita a regras de direito probatório material, em que a apreciação da prova tem de ser feita, por imperativo legal, de acordo com essas regras de direito probatório material que fixam o meio probatório necessário à prova desse concreto facto (última parte do n.º 5 do art. 607º), não deixando qualquer margem de subjetivismo ao julgador nessa apreciação (16), a regra, é a de que a apreciação da prova é feita de acordo com o princípio da livre apreciação da prova (primeira parte daquele n.º 5 do art. 607º).

No entanto, porque livre apreciação da prova não equivale a arbitrariedade e por força do enunciado princípio constitucional que impõe o dever de fundamentação nas decisões judiciais, nos termos do n.º 4 do art. 607º do CPC, o juiz tem o ónus de fundamentar os factos julgados como provados e não provados com as já acima enunciadas finalidades – facilitar o reexame pelo tribunal superior, reforçar o autocontrolo do julgador e como elemento fundamental na transparência da justiça (17).

O dever de fundamentação em sede de matéria de facto implica para o tribunal a enunciação de “fundamentos suficientes, para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto provado ou não provado. A exigência da motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas da convicção do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correção da sua decisão (…). A apreciação de cada meio de prova pressupõe conhecer o seu conteúdo (por exemplo, o depoimento da testemunha), determinar a sua relevância (…) e proceder à sua valoração (por exemplo, através da credibilidade da testemunha ou do relatório pericial). Se o facto for considerado provado, o tribunal deve começar por referir os meios de prova que formaram a sua convicção, indicar seguidamente aqueles que se mostraram inconclusivos e terminar com a referência àqueles que, apesar de conduzirem a uma distinta decisão, não foram suficientes para infirmar a sua convicção. Se o facto for julgado não provado, a ordem preferível é a seguinte: primeiramente devem ser indicados os meios de prova que conduzem à demonstração do facto; depois devem ser expostos os meios que formaram a convicção do tribunal sobre a não veracidade do facto ou que impedem uma convicção sobre a sua veracidade; finalmente, devem ser referidos os meios inconclusivos” (18).

Decorre do que se vem dizendo que a obrigação de fundamentação em sede de julgamento da matéria de facto, implica que o julgador exteriorize, indicando-os, quais os concretos meios de prova que considerou e quais as razões objetivas e racionais pelas quais tais meios obtiveram no seu espírito credibilidade, de molde a compreender-se o itinerário cognoscitivo seguido para a consideração de determinado facto como provado ou não provado (19).

Precise-se que o enunciado dever de fundamentação não impede que o tribunal motive em conjunto as respostas a mais de um facto, quando os factos objeto de motivação se apresentem entre si ligados e quando sobre eles tenha incidido fundamentalmente os mesmos meios de prova, caso em que essa motivação conjunta poderá até ser aconselhável (20).

B.2.4- Do caso concreto.

Feita a destrinça de conceitos acima enunciados, compulsada e analisada a sentença recorrida, é indiscutível que a mesma não padece do vício da nulidade que os apelantes lhe assacam por pretensa falta de fundamentação.

Com efeito, em sede de subsunção jurídica da factualidade apurada (aí intitulada de “fundamentação de direito”), o tribunal a quo invoca os factos julgados provados e não provados que entendeu pertinentes, fazendo-o por remição para os itens elencados na decisão quanto ao julgamento da matéria de facto, sem que nada na lei impeça que assim proceda, em vez de estar a transcrever essa materialidade fáctica relevante em sede dessa subsunção, enuncia as normas e institutos jurídicos aplicáveis, procede à interpretação dessas normas e institutos jurídicos, enuncia as referências doutrinárias e jurisprudenciais que entendeu pertinentes, e conclui pela prolação de decisão de mérito quanto a cada uma das questões que lhe foram submetidas a julgamento.

Consequentemente, não existe qualquer nulidade da sentença recorrida por falta de fundamentação, mas o que poderá existir é erro de julgamento, o qual, contudo, a existir, não se confunde com os vícios determinativos da nulidade da sentença recorrida, designadamente por falta de fundamentação.

Acresce relembrar aos apelantes que apenas a total omissão de fundamentação em sede de subsunção jurídica da factualidade apurada seria suscetível de determinar a nulidade da sentença recorrida com fundamento em falta de fundamentação, omissão essa que inquestionavelmente não se verifica no caso em análise.

De resto, incumbe precisar que conforme decorre da simples leitura das alegações de recurso apresentadas pelos apelantes, apesar destes invocarem o vício da nulidade da sentença recorrida com fundamento em pretensa falta de fundamentação, os argumentos que os mesmos aduzem para ancorarem este pretenso vício resumem-se exclusivamente à circunstância de, na sua perspetiva, o julgamento feito pelo tribunal de 1ª Instância quanto à matéria de facto, não se encontrar devidamente fundamentado, tanto assim que alegam que “não conseguem entender quais os fundamentos ou prova que levaram a que” os pontos 15, 25 ou 36 dos factos julgados como provados na sentença recorrida tivessem nela sido julgados como provados e por que razão o tribunal a quo valorou uns depoimentos e não outros.

Ora, como referido, a falta de fundamentação quanto à matéria julgada como provada ou não provada, nunca constitui causa determinativa de nulidade da sentença recorrida nos termos da al. b), do n.º 1 do art. 615º do CPC, mas trata-se de mero erro de julgamento, na vertente de “error facti”, que quanto à falta ou insuficiente fundamentação, tem de ser apreciado nos termos do comando legal enunciado no art. 662º.

Essa falta ou insuficiente fundamentação, caso efetivamente se verifique, nunca determina a nulidade da sentença, mas impõe exclusivamente a remessa dos autos à 1ª Instância para que esta fundamente devidamente o facto essencial ou complementar que julgou provado ou não provado, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados (cfr. art. 662º, n.º 2, al. d) do CPC).

Precise-se, de resto, que analisada a fundamentação exarada pelo tribunal a quo em sede de fundamentação da matéria de facto, nomeadamente a propósito dos enunciados pontos 15º, 25º e 26º dos factos julgados provados, embora se concorde com aquela fundamentação podia ser mais desenvolvida, a mesma satisfaz de forma suficiente o requisito imposto ao tribunal de ter de indicar quais os concretos meios de prova que considerou e quais as razões objetivas e racionais pelas quais tais meios obtiveram no espírito do julgador credibilidade, de molde a compreender-se o itinerário cognoscitivo que seguiu para a consideração de determinados factos como provados ou não provados, na medida em que após enunciar “ter fundamentado a sua decisão na análise crítica e conjugada dos seguintes meios de prova, de acordo com as regras da experiência e do senso comum”, a 1ª Instância elenca, na sentença recorrida, em sede de fundamentação do julgamento da matéria de facto, quais os concretos meios de prova em que fundamentou a sua convicção, enuncia as razões pelas quais esses meios de prova lhe merecem credibilidade, o que tem implícito que se esses meios de prova lhe mereceram credibilidade pelas razões que aí enuncia, os restantes depoimentos testemunhais que depuseram em sentido contrário, não lhe merecem essa mesma credibilidade, ficando, desse modo, as partes a conhecer das concretas razões para essa ausência de credibilidade e, consequentemente, habilitadas, em sede de impugnação da matéria de facto, a fazer uma cabal sindicância desses fundamentos e a atacá-los, dirigindo-se ao tribunal superior, indicando os concretos motivos/razões para assim não ser e, consequentemente, para a prova produzida reclamar julgamento quanto à matéria de facto diverso daquele que foi feito pela 1ª Instância.

Resulta do que se vem dizendo, que a decisão recorrida não padece do vício da nulidade por falta de fundamentação, pelo que improcede este fundamento de recurso aduzido pelos apelantes, o que aqui se declara e decide.

B.3- Da nulidade da prova em que assentou o julgamento da matéria de facto.

Os apelantes impugnam o julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância, mas a propósito da decisão de mérito que os condenou no pagamento à apelada da quantia de mil euros, a título de compensação por danos não patrimoniais sofridos, acrescida de juros de mora, sustentam que a prova produzida a propósito dos factos em que assentou essa condenação é absoluta nula, por ter assentado em depoimentos de testemunhas arroladas pela apelada, mais concretamente, num grupo de colegas de profissão aposentados e no depoimento do companheira desta, cujos depoimentos se mostram eivados de parcialidade, grande envolvimento emocional, sem qualquer isenção ou racionalidade, que torna esses depoimentos destituídos de qualquer valor probatório e, por isso, nulos.

Mais sustentam que o tribunal a quo incorreu em erro de direito ao indeferir a inspeção judicial ao local para aferir das condições de salubridade, ventilação e insolação da fachada norte do imóvel da apelada, diligência essa que reputam de indispensável para a boa decisão da causa.

Resulta do que se vem dizendo, que sustentando os apelantes que a decisão da matéria de facto quanto aos factos em que se assentou a decisão de mérito que os condenou a satisfazer a dita compensação à apelada a título de danos não patrimoniais sofridos se estribou em prova nula e, por conseguinte, em prova afetada por vício genético, que a tornava imprestável enquanto prova e, bem assim que a decisão quanto à matéria de facto se encontra eivada por decisão que padece de erro de direito, por ter indeferido a realização da inspeção judicial ao local que requereram, quando essa prova era essencial para o apuramento da verdade material, incumbe apreciar estes fundamentos de recurso previamente à impugnação da matéria de facto.

Com efeito, a procederem esses fundamentos de recurso, tal poderá determinar que se tenha de anular a decisão recorrida quanto ao julgamento que nela foi feito quanto à matéria de facto, independentemente da impugnação que desse julgamento é feito pelos apelantes.

Deste modo, urge entrar na apreciação do pretenso vício da nulidade da prova produzida.

A este propósito incumbe referir que é manifesta a improcedência da invocada nulidade da prova testemunhal produzida.

Na verdade, nos termos do disposto no art. 495º, n.º 1 do CPC, têm capacidade para depor como testemunhas todos aqueles que, não estando interditos por anomalia psíquica, tiverem aptidão física e mental para depor sobre os factos que constituem objeto da prova.
Satisfeitos estes requisitos, os quais os apelantes não contestam encontrarem-se preenchidos, o único impedimento para se depor como testemunha é que o depoente possa depor como parte (art. 496º do CPC).

No caso, de acordo com a própria alegação dos apelantes, as pessoas que depuseram quanto aos factos em que assentou a decisão de mérito que os condenou a pagar mil euros à apelada a título de compensação por danos não patrimoniais, e respetivos juros de mora, não são partes nos presentes autos, mas antes colegas de profissão aposentados da apelada e o companheiro desta.

Acontece que a relação de amizade dos depoentes com as partes e, bem assim, a relação de união de facto do depoente com uma das partes, não constitui impedimento legal daquelas pessoas para deporem enquanto testemunhas.
A união de facto confere, inclusivamente, ao convivente o direito de legitimamente se recusar a depor como testemunha nas ações em que seja parte o seu companheiro ou ex-companheiro (cfr. art. 497º, n.º 1, als. d) do CPC).

Significa isto, que não tendo o companheiro da apelada decidido exercer o seu direito de se recusar a depor legitimamente no âmbito dos presentes autos, este, assim com os colegas de profissão aposentados da apelada, não se encontravam impedidos de depor como testemunhas nos presentes autos, pelo que improcede o arguido vício da nulidade da prova produzida.

Caso os depoimentos prestados por essas testemunhas não eram merecedores dos foros de credibilidade que lhes foi conferido pelo tribunal a quo, é questão a apreciar em sede de impugnação da matéria de facto, caso naturalmente os apelantes tenham impugnado os factos sobre os quais aquelas testemunhas depuseram e mediante o cumprimento dos ónus enunciados no art. 640º do CPC., que sobre eles impendem em sede de impugnação da matéria de facto.

Resulta do que se vem dizendo, que a decisão da matéria de facto não assentou em prova eivada do vício de nulidade que os apelantes lhe assacam, improcedendo, por conseguinte, o enunciado fundamento de recurso, o que aqui se declara e decide.

O erro de direito que os apelantes assacam ao despacho proferido em 05/02/2018, de fls. 195, em que o tribunal decidiu que “Perante a prova produzida em audiência de julgamento, afigura-se-nos desnecessária a realização da inspeção judicial ao local (art. 490º do CPC), reclama que se verifique se este despacho era recorrível autonomamente e, no caso positivo, se não tendo os apelantes interposto recurso autónomo desse despacho, se este se encontra transitado em julgado.

B.4- Do trânsito em julgado do despacho proferido em 05/02/2018, que indeferiu a inspeção judicial ao local.

Dispõe o art. 644º, n.º 1 do CPC, que cabe recurso de apelação: a) da decisão, proferida em 1ª instância, que ponha termo à causa ou a procedimento cautelar ou incidente processado autonomamente; b) do despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, decida do mérito da causa ou absolva da instância o réu ou algum dos réus quanto a algum ou alguns dos pedidos”.
Por sua vez estabelece o seu n.º 2 que “cabe ainda recurso de apelação das seguintes decisões do tribunal de 1ª instância: (…) d- do despacho de admissão ou rejeição de algum articulado ou meio de prova”.
Finalmente, estatui o n.º 3 daquele art. 644º que “As restantes decisões proferidas pelo tribunal de 1ª instância podem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto das decisões previstas no n.º 1”.

Conforme resulta do confronto dos n.ºs 1 e 2 do enunciado art. 644º com o seu n.º 3, os primeiros (nºs 1 e 2) enunciam os casos em que cabe recurso imediato e autónomo das decisões proferidas pelo tribunal de 1ª Instância, sob pena destas transitarem em julgado (21).

Deste modo, das decisões e do despacho saneador a que alude o n.º 1, bem como das decisões que se insiram no elenco do n.º 2 daquele art. 640º do CPC, onde consta decisões que rejeitem meios de prova, cabe recurso autónomo e de imediato, sob pena dessas decisões se consolidarem na ordem jurídica, transitando em julgado e tornarem-se inatacáveis, procurando deste modo o legislador que o eventual acórdão que venda a ser proferido e que eventualmente revogue essas decisões possa ainda se refletir na tramitação ou no resultado do processo principal.

O prazo para a interposição de recurso das decisões elencadas no art. 644º, n.º 2 do CPC é de quinze dias (art. 638º, n.º 1 do CPC).
A inspeção judicial ao local integra um dos vários meios de prova legalmente previstos, conforme resulta do disposto no art. 390º e 391º do CC, que regulam este concreto meio de prova.

No caso, por despacho de fls. 195, de 05/02/2018, o tribunal a quo indeferiu a inspeção judicial requerida pelos apelantes, por considerar a mesma desnecessária face à prova produzida.

Consequentemente, estamos perante decisão que indeferiu, rejeitando-o, um meio de prova.

Essa decisão, nos termos da al. d), do n.º 2 do art. 644º do CPC., era objeto de recurso autónomo, a ser interposto pelos apelantes no prazo de quinze dias a contar de 05/02/2018, data em que a mesma foi proferida em plena audiência final.

Não tendo os apelantes interposto recurso autónomo e imediato, dentro do referido prazo de quinze dias, daquela decisão, a mesma transitou em julgado, formando caso julgado formal, tornando-se inatacável intra-processualmente, não podendo ser objeto de apreciação por parte desta Relação em sede do presente recurso, sob pena de violação do caso julgado formal operado por essa decisão.

Resulta do que se vem dizendo, que o alegado erro de julgamento que afetará aquela decisão de 05/02/2018, é insindicável, atento o trânsito em julgado dessa decisão, improcedendo, por conseguinte, também este concreto fundamento de recurso aduzido pelos apelantes, o que se declara e decide.

B.5- Da impugnação da matéria de facto.

Os apelantes impugnam a matéria de facto julgada provada e não provada pelo tribunal a quo, procedendo à transcrição de páginas e páginas de excertos dos depoimentos das testemunhas que depuseram em audiência final e, bem assim da restante prova produzida nos autos, nomeadamente, das respostas dadas pela senhora perita em sede de relatório pericial, os quais, segundo eles, demandava um julgamento da matéria de facto diverso daquele que foi feito pela 1ª Instância.

Acontece que a propósito da impugnação da matéria de facto suscita-se a questão prévia de se saber se os apelantes cumpriram com os ónus que sobre eles impendem em sede de impugnação da matéria de facto, ónus estes prescritos no art. 640º do CPC, concluindo a apelada negativamente, propugnando que aqueles não cumpriram com o ónus da al. a), do n.º 1 do enunciado art. 640º.
Significa isto que antes de entrarmos na apreciação da sindicância que os apelantes fazem ao julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância, impõe-se analisar aquela questão prévia, no sentido de indagar se os mesmos cumpriram com todos os ónus legais que sobre eles impendem em sede de impugnação da matéria de facto, sem os quais está vedado ao tribunal ad quem entrar na apreciação desse fundamento de recurso.

B.5.1- Da impugnação da matéria de facto em geral

Como temos repetidamente deixado expresso nos múltiplos arestos que vimos relatando, com a reforma introduzida ao CPC pelos Decretos-Leis n.ºs 39/95, de 15/02 e 329-A/95, de 12/12, o legislador introduziu o registo da audiência final, com a gravação integral da prova produzida, e conferiu às partes o duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, de modo que a alteração da matéria de facto, que no anterior regime processual era excecional, passou a ser uma função normal da Relação.

Nessa operação foi propósito do legislador que o tribunal de segunda instância realize um novo julgamento em relação à matéria impugnada, assegurando um efetivo duplo grau de jurisdição, sendo isto que resulta expressamente do estabelecido no art. 662º, n.º 1 do CPC, quando nele se expressa que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

Como vem sendo afirmado pelo Supremo Tribunal de Justiça, na sequência daquelas alterações, o desiderato do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto pressupõe um novo julgamento quanto à matéria de facto impugnada e “somente será alcançado se a Relação, perante o exame e análise crítica das provas produzidas, a respeito dos pontos de facto impugnados, puder formar a sua própria convicção, no gozo pleno do princípio da livre apreciação da prova, sem estar limitada pela convicção que serviu de base à decisão recorrida, em função do princípio da imediação da prova, princípio este, que tido por absoluto, transformaria este duplo grau de jurisdição em matéria de facto, numa garantia praticamente inútil” (22).

Deste modo, perante as regras positivas enunciadas na atual lei processual civil, tendo o recurso por objeto a impugnação da matéria de facto, a Relação deve proceder a um novo julgamento, limitado à matéria de facto impugnada, procedendo à efetiva reapreciação da prova produzida, devendo, nessa tarefa, considerar os meios de prova indicados no recurso, assim como, ao abrigo do princípio do inquisitório, outros que entenda pertinentes, tudo da mesma forma como o faz o juiz da primeira instância, embora nesta tarefa esteja naturalmente limitada pelo princípio da imediação e da oralidade.
Como verdadeiro tribunal de substituição, a Relação aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto impugnado, exceto no que respeita a factos para cuja prova a lei exija formalidades especiais ou que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados por documento, acordo ou confissão (art. 607º, n.º 5 do Cód. Proc. Civil).

Nessa sua livre apreciação a Relação não está condicionada pela apreciação e fundamentação do tribunal recorrido uma vez que o objeto da apreciação em 2ª instância é a prova produzida, tal como na 1ª instância, e não a apreciação que a 1ª instância fez dessa mesma prova, podendo na formação dessa sua convicção autónoma, recorrer a presunções judiciais ou naturais nos mesmos termos em que o faz o juiz da primeira instância (23).

Não obstante o que se acaba de dizer, não foi propósito do legislador que o julgamento a realizar pela Relação em sede de matéria de facto se transforme na repetição do julgamento realizado em 1ª Instância, sequer permitir recursos genéricos, e daí que tenha rodeado o recurso da impugnação da matéria de facto à imposição ao recorrente de determinados ónus que enuncia no art. 640º do CPC.

Deste modo, com vista a obstar que o recurso da matéria de facto se transforme numa repetição do julgamento e a rejeitar a admissibilidade de recurso genéricos, contra a errada decisão da matéria de facto, o legislador optou “por restringir a possibilidade de revisão de concretas questões de factos controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente”, pelo que se mantém o entendimento que, como tribunal de 2ª Instância que é, este deverá ter competência residual em sede de reponderação ou reapreciação da matéria de facto (24), estando subtraída ao seu campo de cognição a matéria de facto fixada pelo tribunal a quo que não seja alvo de impugnação.

Acresce que tal como se impõe ao juiz a obrigação de fundamentar as suas decisões, também ao recorrente é imposto, como correlativo do princípio da auto responsabilidade e dos princípios estruturante da cooperação, da lealdade e da boa-fé processuais, a obrigação de fundamentar o seu recurso, demonstrando o desacerto em que incorreu o tribunal a quo em decidir a matéria de facto impugnada em determinado sentido, quando se impunha decisão diversa, devendo no cumprimento desses ónus, indicar não só a matéria que impugna, como a concreta solução que, na sua perspetiva, reclamava que tivesse sido proferida, os concretos meios de prova que ancoram essa solução diversa, com a respetiva análise crítica, isto é, com a indicação do porquê dessa prova impor decisão diversa daquela que foi julgada pelo tribunal a quo.

Deste modo é que o art. 640º, n.º 1 do CPC, estabelece que “quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Depois, caso os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (al. a), do n.º 2 do art. 662º).

Relembra-se que cumprindo a exigência de conclusões nas alegações a missão essencial da delimitação do objeto do recurso, fixando o âmbito de cognição do tribunal ad quem, é entendimento jurisprudencial uniforme que, nas conclusões, o recorrente tem de delimitar o objeto da impugnação de forma rigorosa, indicando os concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados e que, por isso, impugna.

Já quanto aos demais ónus, os mesmos, porque não têm aquela função delimitadora do objeto do recurso, mas se destinam a fundamentar o último, não têm de constar das conclusões, mas sim das motivações – precisa-se que a jurisprudência do STJ, é no sentido que a decisão a proferir quanto à matéria de facto impugnada, deve igualmente constar das conclusões.

Sintetizando, à luz deste regime, seguindo a lição de Abrantes Geraldes (25), sempre que o recurso de apelação envolva matéria de facto, terá o recorrente: a) em quaisquer circunstâncias indicar sempre os concretos factos que considere incorretamente julgados, com a enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; c) relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar, com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos; d)…; e) o recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus da alegação, por forma a obviar à interposição de recurso de pendor genérico ou inconsequente.

O cumprimento dos referidos ónus, como adverte Abrantes Geraldes, tem a justificá-lo a enorme pressão, geradora da correspondente responsabilidade de quem, ao longo de décadas, pugnou pela modificação do regime da impugnação da decisão da matéria de facto e se ampliasse os poderes da Relação, a pretexto dos erros de julgamento que o sistema anterior não permitia corrigir; a consideração que a reapreciação da prova produzida em 1ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida; a ponderação de que quem não se conforma com a decisão da matéria de facto realizada pelo tribunal de 1ª instância e se dirige a um tribunal superior, que nem sequer intermediou a produção da prova, reclamando a modificação do decidido, terá de fundamentar e justificar essa sua irresignação, sendo-lhe, consequentemente, imposto uma maior exigência na impugnação da matéria de facto, mediante a observância de regras muito precisas, sem possibilidade de paliativos, sob pena de rejeição da sua pretensão e, bem assim o princípio do contraditório, habilitando a parte contrária de todos os elementos para organizar a sua defesa, em sede de contra-alegações. É que só na medida em que se conhece especificamente o que se impugna e qual a lógica de raciocínio expandido na valoração/conjugação deste ou daquele meio de prova, é que se habilita a parte contrária a poder contrariá-lo em sede de contra-alegações.

A apreciação do cumprimento das exigências legalmente prescritas em sede de impugnação da matéria de facto deve ser feita à luz de um “critério de rigor” como decorrência dos referidos princípios de auto responsabilização, de cooperação, lealdade e boa-fé processuais e salvaguarda cabal do princípio do contraditório a que o recorrente se encontra adstrito, sob pena da impugnação da decisão da matéria de facto se transformar numa “mera manifestação de inconsequente inconformismo” (26).

Como consequência do que se vem dizendo, impõe-se a rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto quando ocorra: “a) falta de conclusões sobre a impugnação da matéria de facto (art. 635º, n.º 4 e 6411º, n.º 2, al. b) do CPC); b) falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art. 640º, n.º 1, al. a) do CPC); c) falta de especificação na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.); d) falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda; e e) falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido a cada segmento da impugnação” (27).
Esta posição tem sido aquela que tem sido seguida, de forma uniforme, pela jurisprudência do STJ., que, no entanto, tem sustentado que a decisão que, na perspetiva, do apelante deve ser proferida quanto à concreta matéria de facto que impugna, deve igualmente constar das conclusões, conforme resulta dos arestos que, a título ilustrativo e exemplificativo, se passa a enunciar.

Deste modo, no Ac. do STJ de 26/09/2018, Proc. 141/17.5T8PTM.E1-S1, in base de dados da DGSI (tal como os restantes arestos a que se passa a fazer referência, que constam da mesma base de dados), lê-se que: “não cumpre o disposto no art. 640º, n.º 1 do CPC, o recurso elaborado de modo tão genérico, que não é possível chegar com certeza a uma conclusão sobre qual é, afinal, a decisão que o recorrente defende que deveria ter sido tomada sobre a matéria de facto impugnada”.

No Ac. do STJ. de 05/09/2018, Proc. 15787/15.8T8PRT.P1-S2, que: “não cumpre o ónus da al. b) do n.º 1 do art. 640º do CPC o apelante que, nas alegações e nas conclusões, divide a matéria de facto impugnada em vários blocos de factos e indica os meios de prova relativamente a cada um desses blocos, mas omitindo-os relativamente a cada um dos concretos factos cuja decisão impugna”.

No Ac. STJ. de 01/03/2018, Proc. 85/14.2TTMAI.P1.S1, que: “Não pode ser suficiente para o cumprimento do disposto no art. 640º, n.º 1 do CPC, a transcrição de múltiplos depoimentos de testemunhas e a genérica afirmação de que foi feita pela sentença recorrida uma errónea aplicação da matéria de facto e de direito, já que de afirmações tão genéricas não resulta com qualquer grau de segurança quais os concretos pontos da matéria de facto que são impugnados, nem muito menos quais os meios de prova em relação a cada um deles deveriam levar a decisão diversa”.

Ainda no Ac. STJ. de 06/06/2018, Proc. 4691/16.2T8LSB.L1.S1, “são as conclusões que delimitam o objeto do recurso, não podendo o tribunal ad quem conhecer de questão que delas não conste. Se o recorrente, ao explanar e ao desenvolver os fundamentos da sua alegação, impugnar a decisão da matéria de facto, pugnando pela sua alteração/modificação, mas omitindo nas conclusões qualquer referência a essa decisão e a essa impugnação, essa questão não faz parte do objeto do recurso”.

Também no Ac. STJ de 06/06/2018, Proc. 1474/16.38CLD.C1.S1, propugna-se que: “Limitando-se o recorrente a afirmar, tanto na alegação como nas conclusões, que face aos concretos meios de prova que indica, se impunha uma decisão diversa, relativamente às questões de facto que impugna, deve o recurso ser rejeitado quanto à impugnação da matéria de facto, por não cumprimento do ónus processual fixado na al. c), do n.º 1 do art. 640º do CPC”.

Igualmente no Ac. STJ. de 06/06/2018, Proc. 552/13.5TTVIS.C1.S1, pondera-se que: “Para que a Relação conheça da impugnação da matéria de facto é imperioso que o recorrente, nas conclusões da sua alegação, indique os concretos pontos de facto incorretamente julgados, bem como a decisão a proferir sobre tais pontos de facto”.

Finalmente, no Ac. STJ, de 16/05/2018, Proc. 2833/16.7T8VFX.L1.S1, estabelece-se que: “Sendo as conclusões não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações stricto sensu, mas também e sobretudo as definidoras do objeto do recurso e balizadoras no âmbito do conhecimento do tribunal, no caso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente indicar nelas, por referência aos concretos pontos de facto que constam da sentença, aqueles cuja alteração pretende e o sentido e os termos dessa alteração. Por menos exigência formal que se adote relativamente ao cumprimento dos ónus do art. 640º do CPC e em especial dos estabelecidos nas als. a) e c) do n.º 1, sempre se imporá que seja feita de forma a não obrigar o tribunal ad quem a substituir-se ao recorrente na concretização do objeto do recurso. Tendo o recorrente nas conclusões se limitado a consignar a globalidade da matéria de facto que entende provada mas sem indicar, por referência aos concretos pontos de facto que constam da sentença que impugna, os que pretende que sejam alterados, eliminados ou acrescentados à factualidade provada, não cumpriu o estabelecido no art. 640º, n.º 1, als. a) e c) do CPC, devendo o recurso ser liminarmente rejeitado nessa parte”.

B.5.2- Do caso concreto.

Revertendo ao caso em análise, lidas as alegações de recurso, verifica-se que nelas os apelantes não deram cumprimento a nenhum dos ónus enunciado no art. 640º, n.ºs 1 e 2, al. a) do CPC, posto que aqueles, nas conclusões, não indicam os concretos pontos de facto da sentença recorrida que consideram incorretamente julgados, sequer indicam, nas conclusões (e até nas motivações), a decisão que, no seu entender deve ser proferida sobre as concretas questões de facto que impugnam, sequer, ainda indicam os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.

Contrariamente ao que resulta do preceituado no enunciado art. 640º do CPC, a metodologia seguida pelos apelantes foi a seguinte: partindo da decisão de mérito proferida na sentença recorrida quanto às várias questões submetidas a julgamento, criticam a materialidade fáctica em que assentaram essas decisões de mérito, sem contudo individualizarem/concretizarem os factos em que assentaram essas decisões de mérito, ou quando o fizeram, como acontece em relação aos pontos 15º, 25º e 36º dos factos julgados como provados na sentença recorrida, fizeram-no em sede de motivações de recurso e, não, em sede de conclusões, como se impunha que fizessem, e fazem-no como exemplos em que ocorrerá a pretensa nulidade da sentença recorrida por pretensa falta de fundamentação (ou seja, para além de fazerem esta especificação desta concreta matéria, em sede de motivações de recurso, fazem-no em sede de pretensa nulidade da sentença recorrida por alegada falta de fundamentação), e não em sede de impugnação da matéria de facto, criticam genericamente o julgamentos feito pela 1ª Instância quanto à materialidade fáctica em que assentou essas decisões de mérito, transcreveram páginas e páginas de excertos de depoimentos e de outros elementos de prova que, na sua perspetiva, impunham decisão diversa sobre essa materialidade fáctica e concluem pela existência de erro quanto às decisões de mérito proferidas na sentença recorrida.

Concretizando, em sede de impugnação da matéria de facto, os apelantes não indicam, nas conclusões, os concretos pontos de facto julgados provados ou não provados na sentença recorrida que consideram incorretamente julgados, com o que não dão cumprimento ao ónus da al. a), do n.º 1 do art. 640º do CPC.

Os apelantes, também não indicam, em sede de conclusões, a decisão que no seu entender devia ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, questões estas que, reafirma-se, nem sequer especificam, com o que também não cumprem o ónus da al. c), do n.º 1 daquele art. 640º.

Finalmente, os apelantes, apesar de transcreverem páginas e páginas de excertos de depoimentos prestados em audiência final e do relatório pericial, não indicam, por referência a cada ponto da matéria de facto que impugnam (que não concretizam), os concretos meios de prova que impunham decisão diversa a cada um dos concretos pontos da matéria de facto que impugnam/deviam impugnar, com o que não cumprem igualmente o ónus da al. b), do n.º 1, do art. 640º.

O recurso da matéria de facto apresentado pelos apelantes é, clara e indiscutivelmente, genérico, traduzindo-se numa impugnação em bloco, da matéria de facto em que assentou a decisão de mérito quanto a cada uma das questões submetidas a julgamento, com indicação em bloco dos meios de prova que, na perspetiva dos apelantes, os leva a concluir que aquelas decisões sobre o mérito assenta em factos que a prova produzida não consentia que tivessem sido julgados como provados.

Resulta do que se vem dizendo, que não tendo os apelantes cumprido, em sede de impugnação da matéria de facto, nenhum dos ónus que sobre si impendiam e que se encontram enunciados no art. 640º, n.ºs 1 e 2, al. a) do CPC, impõe-se rejeitar o recurso quanto à matéria de facto.

Nesta conformidade, ao abrigo do disposto no art. 640º, n.ºs 1 e 2, al. a) do CPC, rejeita-se o recurso interposto pelos apelantes quanto à impugnação da matéria de facto julgada provada e não provada na sentença recorrida.

Mantendo-se inalterada a matéria julgada provada e não provada na sentença recorrida, resta verificar se a mesma padece dos erros quanto à decisão de mérito nela proferida que os apelantes lhe assacam.

B.6- Da propriedade do muro.

Na sentença recorrida, julgou-se procedente os pedidos formulados pela apelada nas alíneas a), b) e c) do petitório vertido na petição inicial e, em consequência declarou-se que: “ a) a Autora Maria é proprietária e nessa qualidade lhe pertence o imóvel: prédio urbano, composto por casa de rés-do-chão, 1º andar e logradouro, com a superfície coberta de 110 m2, e logradouro com 350 m2, sito na Rua (...), freguesia de (...), concelho de Caminha, a confrontar de norte com os Réus Helena e marido, Augusto, a sul com herdeiros Miguel , nascente com o caminho de ferro e do poente com a Rua (...), descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º (...) e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 753”; “b- a delimitação da extrema norte desse prédio é estabelecida através de um muro, em pedra antiga e cimento, com a altura de cerca de 1,55 m, em toda a sua extensão, o qual confronta com o limite sul do prédio pertencente aos Réus Helena e Augusto, correspondente à fração autónoma designada pela letra “B”, destinada a habitação, composta por uma garagem no rés-do-chão do lado sul e por uma logradouro do lado direito situado a nascente, que corresponde ao 1º andar do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, a confrontar a sul com a Autora, a nascente com o caminho de ferro, a poente com a Rua (...) e a norte com M. P., inscrito na matriz predial urbana sob o art. 2622º e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º (...)-B, sito na Rua (...) n.º 14/22, freguesia de (...), concelho de Caminha”, e que “c- esse muro, descrito em b), é parte integrante do prédio pertencente à Autora Maria, descrito em a), sendo sua propriedade exclusiva”.

Sustentam os apelantes que a sentença recorrida padece de erro de direito quanto à decisão de mérito nela proferida ao declarar que o identificado muro é parte integrante do prédio propriedade da apelada, sendo propriedade exclusiva desta, quando a matéria de facto apurada em que o tribunal a quo estribou essa decisão assenta numa deficiente valoração da prova produzida; esse muro é propriedade exclusiva daqueles, que sempre exerceram posse de proprietários sobre o mesmo e quando muito, esse muro é meeiro, conforme é presumido por lei.

O pretenso erro de mérito que os apelantes assacam à sentença recorrida, conforme resulta do que se acaba de enunciar, resulta da circunstância dessa decisão de mérito se ancorar em materialidade fáctica julgada como provada pela 1ª Instância, quando, na perspetiva dos apelantes, a prova produzida não consentia que se concluísse pela prova desses factos e antes reclamava que se tivesse julgados provados outros factos, os quais, na sua perspetiva, levariam à prolação de decisão de mérito diferente daquela que foi proferida na sentença recorrida quanto à propriedade do identificado muro.

Acontece que os apelantes não impugnaram, com sucesso, a materialidade fáctica julgada provada e não provada na sentença recorrida, vendo a presente apelação rejeitada quanto à impugnação da matéria de facto por não terem cumprido com os ónus de impugnação enunciados no art. 640º, n.ºs 1 e 2, al. a) do CPC, pelo que resta verificar se a decisão de mérito é de manter, tendo em consideração o quadro factual que se encontra enunciada nessa sentença.

O inconformismo dos apelantes prende-se com a circunstância de na sentença recorrida se ter declarado que o muro identificado nas alíneas b) e c) da parte dispositiva dessa sentença faz parte integrante do prédio propriedade da apelada, sendo propriedade exclusiva desta, pretendendo os mesmos que esse muro é antes parte integrante do prédio de que são proprietários ou, na pior das hipóteses, é meeiro e, por conseguinte, compropriedade daqueles e da apelada, conforme vem presumido pelo art. 1371º, n.º 1 do CC.

Vejamos se lhes assiste razão.

Dispõe o art. 1371º, n.º 1 do CC, que a parede ou muro divisório entre dois edifícios presume-se comum em toda a sua altura, sendo os edifícios iguais, e até à altura do inferior se o não forem, acrescentando o seu n.º 2 que os muros entre prédios rústicos, ou entre pátios e quintais de prédios urbanos, presumem-se igualmente comuns, não havendo sinal em contrário, sinais em contrário esses que se encontram elencados no respetivo n.º 3.

As presunções de compropriedade relativamente a paredes ou muros divisórios entre dois edifícios ou de muros divisórios entre prédios rústicos ou de muros divisórios entre pátios e quintais de prédios urbanos que se encontram consagradas nos preceitos legais acabados de transcrever são simples presunções legais, isto é, presunções iuris tantum e, consequentemente, ilidíveis mediante prova em contrário (art. 350º, n.º 2 do CC) (28).

Resulta do que se vem dizendo que ainda que os factos base enunciados nestes preceitos para a atuação da presunção legal que encerrem se encontrem preenchidos, como estão, essa presunção poderá ser afastada mediante a alegação e prova por parte do interessado, demonstrativa em como o muro ou a parede é sua exclusiva propriedade.

No caso, a apelada instaurou a presente ação pedindo que se declare o seu direito de propriedade sobre o prédio que identifica no art. 1º da petição inicial e, bem assim que se declare que na estrema norte desse seu prédio, a delimitação deste com o prédio propriedade dos apelantes, é efetuada através de um muro, constituído em pedra e cimento, com cerca de 1,50m. de altura, em toda a sua extensão, e se declare que esse muro é parte integrante do prédio daquela, sendo sua exclusiva propriedade.
Por sua vez, em sede reconvencional, os apelantes pedem que se declare que o identificado muro é divisório entre as propriedades daqueles e da apelada e, subsidiariamente, que se declare que o referido muro é parte integrante do prédio propriedade dos mesmos, sendo sua exclusiva propriedade.
Quer a apelada, quer os apelantes (estes, em sede reconvencional, e a título subsidiário), fundam o seu direito de propriedade sobre os identificados prédios e sobre o referido muro no instituto da usucapião, conforme não podia deixar de ser.

É que não obstante, nos termos do disposto no art. 1316º, n.º 1 do CC, o direito de propriedade se adquira por contrato, sucessão por morte, usucapião, ocupação, acessão e demais modos previstos na lei, sendo os contratos e a sucessão mortis causa meramente translativos do direito de propriedade ou de outro direito real menor e não constitutivos desses direitos reais (29) e vigorando no direito processual civil nacional o princípio da substanciação, em função do qual nas ações reais, a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real (art. 581º, n.º 4 do CPC), apelada e apelantes, com vista a fazerem prova do direito de propriedade sobre os prédios de que se arrogam proprietários, ou beneficiavam, como beneficiam, da presunção de propriedade que lhe advém, nos termos do disposto no art. 7º do CRPred., do facto desse direito de propriedade se encontrar inscrito, no registo, em seu nome, ou terão de alegar e provar os factos de onde decorra terem os mesmos adquirido esse direito de propriedade de que se arrogam proprietários sobre os identificados prédios por via originária, isto é, mediante o funcionamento do instituto da usucapião.

No entanto, pese embora apelada e apelante beneficiem da presunção de propriedade sobre, respetivamente, o prédio identificado no ponto 1º dos factos provados (quanto à apelada) e sobre o prédio identificado no ponto 4º dos factos provados (quanto aos apelantes) que lhes advém do art. 7º do CRP, decorrente do direito de propriedade sobre os enunciados prédios se encontrar inscrito, no registo, no nome daqueles (cfr. pontos 3º e 4º dos factos apurados e teor das certidões prediais de fls. 11 verso e 16), porque conforme é pacífico na doutrina e na jurisprudência, a presunção registral de que os mesmos são beneficiários não abrange as áreas, limites ou confrontações dos enunciados prédios, cingindo-se essa presunção de propriedade à titularidade do direito inscrito, ou seja, presume-se, no caso de inscrição predial, salvo prova em contrário, que o titular inscrito no registo é o proprietário do prédio, mas essa presunção não abrange as áreas, limites ou confrontações constantes da descrição predial (30), estando, no caso, em discussão os limites daqueles prédios, no sentido de saber onde acaba um e se inicia o outro e se o muro divisório existente integra ainda o prédio propriedade da apelada, conforme esta sustenta acontecer, ou se antes é um muro meeiro e, consequentemente, compropriedade daquela e dos apelantes ou antes, é propriedade exclusiva dos últimos, conforme estes sustentam, respetivamente, a título principal e subsidiário acontecer em sede de reconvenção, como referido, a elucidação desta concreta questão passa pela prova dos factos constitutivos do direito de propriedade sobre os identificados prédios e muro mediante o funcionamento do instituto da usucapião.

Na verdade, nos termos do disposto no art. 1287º do CC, a posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponda a sua atuação: é o que se chama usucapião.

Decorre deste preceito legal que o direito de propriedade e os direitos reais de gozo podem ser adquiridos por usucapião.

Precise-se que nem todos os direitos reais de gozo são suscetíveis de serem adquiridos por usucapião, uma vez que o art. 1293º do CC afasta as servidões prediais não aparentes e os direitos de uso e habitação.

Consequentemente, deve considerar-se suscetíveis de usucapião a propriedade, a propriedade horizontal, o usufruto, a nua-propriedade, o direito de superfície, as servidões aparentes e o direito de habitação periódica (31).

São requisitos da usucapião: a) a posse e b) o decurso de certo lapso de tempo, que varia conforme as circunstâncias previstas nos arts. 1294º e ss. do CC.

Quanto ao requisito da posse, reza o art. 1251º do CC, que a posse é o poder que se manifesta quando alguém atua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real.

Conforme é entendimento pacífico, para que exista uma situação de posse são necessários dois elementos: a) o “corpus”, isto é, o elemento material, que reclama que para haver “posse“ o agente tenha a possibilidade física de exercer influência imediata sobre a coisa sem entraves de outrem; e b) o “animus”, elemento psicológico, que exige à caracterização de uma situação de “posse” que o agente exerça esses atos materiais sobre a coisa com a intenção de atuar sobre a mesma como se fosse titular do direito real correspondente.

A ausência de qualquer um destes elementos afasta a possibilidade do agente deter a coisa enquanto seu possuidor.

O “corpus” é apresentado pelo art. 1251º como o elemento essencial da posse e pressupõe que o agente exerça ou possa ter a possibilidade física de exercer um poder de facto sobre a coisa sem obstáculos de outrem.

Este elemento não impede que excecionalmente a lei pressuponha a existência desse poder de facto independentemente da apreensão material da coisa, com acontece, por exemplo, em relação aos sucessores, que são tidos como continuadores da posse do causante, desde o momento da morte deste, independentemente da apreensão material da coisa (art. 1255º) e, bem assim nos casos de constituto possessório (art. 1251º).

Quanto ao “animus”, não obstante o art. 1251º não se referir ostensivamente a esse elemento subjetivo, este deriva especialmente do art. 1253º do CC, onde se elenca uma série de situações em que o agente não obstante possua “corpus” possessório sobre a coisa, não possui “animus” e, como tal, é considerado detentor ou possuidor precário da coisa, isto é, possuidor em nome alheio da mesma.

Em caso de dúvida sobre se o detentor da coisa detém ou não o animus, o art. 1252º, n.º 2 do CC., estabelece uma presunção de posse em nome próprio por parte daquele que exerce o poder de facto, ou seja, daquele que tem a detenção da coisa (corpus), salvo se não foi o iniciador da posse, presunção esta que se justifica dado que “é difícil, se não impossível, fazer a prova da posse em nome próprio, que não seja coincidente com a prova do direito aparente; e este pode, inclusivamente, não existir. Cabe, portanto, àquele que se arroga a posse provar que o detentor não é possuidor. E pode fazê-lo por qualquer meio” (32).

Assentes nestas premissas, no caso provou-se que se encontra registado a favor da Autora (a apelada), por permuta, o direito de propriedade sobre o prédio urbano, composto por casa de rés-do-chão, 1º andar e logradouro, com a superfície coberta de 110 m2, e logradouro com 350 m2, sito na Rua (...), freguesia de (...), concelho de Caminha, a confrontar de norte com os Réus Helena e marido, Augusto, a sul com herdeiros de Miguel, nascente com caminho de ferro e do poente com a Rua (...), descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º (...), e inscrito na matriz predial urbana sob o art. 753º, prédio este que adveio à posse da Autora por escritura pública de permuta celebrada em 05/04/2002 (cfr. pontos 1º, 2º e 3º dos factos apurados).

Também se provou que os Réus (apelantes) são proprietários do prédio identificado no ponto 4º dos factos apurados, e que o prédio propriedade da Autora (apelada) confronta pelo respetivo lado norte, com o limite sul do prédio propriedade dos Réus, sendo o limite norte desse prédio propriedade da Autora, estabelecido por um muro em pedra antigo e cimento, com uma altura de cerca de 1,55 metro, que foi construído pelo pai da Autora e da Ré, finda a construção da habitação erigida no atual prédio da Autora, para vedar a casa de habitação que nele construiu, entre 1952 a 1953, para sua residência permanente e da sua família, tendo a estrutura de suporte desse muro sido executada a partir do logradouro desse prédio, com a ocupação do seu solo e subsolo (cfr. pontos 4º, 5º, 11º e 12º dos factos apurados).

Mais se provou que todos os suportes desse muro estão virados e localizados no prédio da Autora (cfr. ponto 13º dos factos apurados).
Também se apurou que a Autora, por si e antecessores, está na posse daquele prédio, há mais de quarenta anos, ocupando-o, habitando-o, limpando-o regularmente, pintando-o, pagando a água e eletricidade, fazendo nele obras e benfeitorias, conservando e arranjando o logradouro, gozando de todos os seus frutos e utilidades, pagando as contribuições a ele inerentes, o que faz à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, de forma ininterrupta e contínua, pacífica e de boa-fé, sem ofender direitos de terceiros e na convicção de exercer direito próprio correspondente ao direito de propriedade (cfr. pontos 8º, 9º e 10º da matéria apurada).

Finalmente, apurou-se que a Autora, por si e antecessores, encontra-se na posse pública a pacífica daquele muro, desde, pelo menos, o início do ano de 1954, consecutivamente, procedendo regularmente à sua limpeza, pintura e conservação, à vista de toda a gente e sem oposição de quem quer que seja, nomeadamente dos Réus, estes até janeiro de 2015 (cfr. ponto 15º dos factos apurados).

Resulta do que se vem dizendo, que a Autora (apelada), por si e antecessores, há mais de quarenta anos, está na posse daquele prédio, com as enunciadas áreas, limites e confrontações, incluindo com o muro situado a norte, que o delimita do prédio propriedade dos apelantes, posto que sobre esse prédio e muro tem a possibilidade física de exercer um poder de facto, e vem exercendo efetivamente esse poder de facto sobre aqueles, ocupando, habitando, limpando, etc., o prédio e procedendo à limpeza, pintura e à conservação do muro.

Essa posse é titulada na medida em que adveio à Autora por escritura pública de permuta formalizada em 05/04/2002, a qual constitui meio legitimo de adquirir o direito de propriedade sobre o identificado prédio e muro (art. 1259º, n.º 1 do CC.), pelo que se presume de boa fé (art. 1260º, n.º 1 do CC).
É efetivamente de boa-fé, atentos os factos apurado nos pontos 10º e 15º.
É pacífica, porque adquirida sem violência (art. 1261º do CC e matéria apurada sob os pontos 10º e 15º).
É pública, porque foi sempre exercida pela Autora à vista de todos e, consequentemente, de modo a poder ser conhecida por todos, incluindo pelos Réus/apelantes (art. 1262º do CC e matéria apurada sob os mesmos pontos 10º e 15º).

Incidindo essa posse sobre um imóvel, mesmo que a apelada não beneficiasse de registo do título nem da mera posse, bastava-lhes o exercício dessa posse durante quinze anos para ter adquirido o direito de propriedade sobre aquele prédio e respetivo muro por usucapião (art. 1296º do CC).

Exercendo a apelada essa posse há mais de quarenta anos, nenhuma censura pode ser assacada à sentença recorrida quando nela se declara o direito de propriedade da apelada sobre o prédio e o muro que se encontram identificados nas alíneas a) e b) da parte dispositiva daquela sentença e quando, na respetiva alínea c), se declara que esse muro é parte integrante do prédio pertencente à Autora, descrito em a), sendo sua propriedade exclusiva.

Decorre do exposto, improcederem os fundamentos de recurso aduzidos pelos apelantes quanto ao muro.

B.7- Da servidão de vistas.

Insurgem-se os apelantes contra a sentença recorrida, sustentando que esta padece de erro de direito ao declarar a existência da servidão de vistas a que alude a al. da) da parte dispositiva daquela sentença, sustentando que essa servidão nunca existiu e, bem assim, não ser razoável, adequado e plausível que exista uma servidão de vistas que se processe através de uma janela de um WC e quando, no caso, conforme prova produzida, não se colocam quaisquer questões relativamente ao arejamento, ventilação, salubridade e luminosidade do prédio propriedade da apelada.

Mais uma vez o inconformismo dos apelantes centra-se no julgamento da matéria de facto que foi realizado pela 1ª Instância, julgamento esse que, como se referiu, os mesmos não cuidaram em impugnar da forma legalmente prevista, de tal modo que o recurso quanto à impugnação da matéria de facto foi liminarmente rejeitado.

Resta, consequentemente, verificar se a decisão de mérito consignada na alínea d) da parte dispositiva da sentença recorrida, atenta a matéria nela provada e não provada, se pode manter.

Nessa alínea d) declarou-se que “está constituída a favor da Autora Maria uma servidão de vistas, nomeadamente, para o prédio pertencente aos Réus Helena e Augusto, a partir da janela aberta no alçado norte da sua casa de habitação, descrita na alínea a)”.

Estabelece o art. 1543º do CC., que servidão predial é o encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro prédio pertencente a dono diferente”, dizendo-se “serviente o prédio sujeito à servidão e dominante o que dela beneficia”.

Por sua vez, o art. 1544º do mesmo Código acrescenta que “podem ser objeto de servidão quaisquer utilidades, ainda que futuras ou eventuais, suscetíveis de ser gozadas por intermédio do prédio dominante, mesmo que não aumentem o seu valor”.

Resulta do conceito legal de servidão, que são quatro as características que lhe são inerentes: a) a servidão é um encargo; b) o encargo recai sobre um prédio; c) e aproveita exclusivamente a outro prédio; d) devendo os prédios pertencer a donos diferentes.

Explicitando, trata-se de um encargo que recai sobre um prédio, de um encargo imposto num prédio, de uma restrição ao gozo efetivo do dono do prédio, inibindo-o de praticar atos que possam prejudicar o exercício da servidão.

Incidindo esse encargo sobre o prédio como um todo, impõe-se distinguir “entre o objeto da servidão, que é o prédio, e o local do exercício dessa servidão, que pode ser uma parte limitada do prédio. Sempre que se verifique esta última hipótese, para certos efeitos (vide, por ex., o art. 1546º e o nº 4 do art. 1567º) tudo se passa como se a servidão incidisse apenas sobre a parte do prédio sujeita ao seu exercício” (33).

Por conseguinte, a servidão constitui uma restrição ou limitação ao direito de propriedade do dono do prédio por ela onerado (prédio serviente), que se vê limitado no gozo pleno sobre esse seu prédio, de que é proprietário, e consiste no retirar de uma utilidade desse prédio, de uma vantagem, que pode ou não aumentar o valor do prédio que beneficia da servidão (dominante), mas que o torna mais aprazível, mais cómodo ou mais ameno. De todo o modo, a utilidade derivada da servidão sempre terá de ser proporcionada e gozada através dos prédios serviente e dominante, traduzindo um ónus e um poder direto e imediato sobre eles, o que explica o princípio da inseparabilidade das servidões (art. 1545º do C.C.)
Trata-se de um direito real menor de gozo que é imposto ao prédio serviente em benefício do prédio dominante, implicando a sua constituição a automática restrição do direito de propriedade do titular do prédio serviente na medida do conteúdo do direito de servidão constituído, limitando esse direito de propriedade, cuja elasticidade, uma vez extinta a servidão, e como consequência dessa extinção, absorve automaticamente a utilidade dele anteriormente retirada por força da extinção da servidão antes constituída.

As servidões podem ser constituídas por contrato, testamento, usucapião ou destinação do pai de família (art. 1547º, n.º 1 do CC).
Note-se, contudo, que as servidões não aparentes não podem ser constituídas por usucapião, considerando-se para estes efeitos como “não aparentes” as servidões que não se revelem por sinais visíveis e permanentes (art. 1548º do CC).
Ao consagrar esta opção legislativa foi propósito do legislador estimular as relações de boa vizinhança, presumindo iuris et de jure (e consequentemente, inelidíveis, mediante prova em contrário) de que as servidões que não sejam reveladas por sinais visíveis e permanentes são meras situações precárias, insuscetíveis de gerar a constituição de uma servidão através do funcionamento do instituto da usucapião, pela dificuldade que nestes casos existe “em distinguir servidões não aparentes e atos de mera tolerância, consentidos jure familiaritatis, que não refletem uma relação possessória capaz de conduzir à usucapião”.

É que “admitir a usucapião como título aquisitivo deste tipo de servidões, não obstante a equivocidade congénita dos atos reveladores do seu exercício, teria o grave inconveniente de dificultar, em vez de estimular, as boas relações de vizinhança, pelo fundado receio que assaltaria as pessoas de verem convertidas em situações jurídicas de caráter irremovível situações de facto, assentes sobre atos de mera condescendência ou obsequiosidade. Preferível julgou a lei cortar o mal pela raiz, presumindo-se iuris et de iure o título precário e mantendo a eliminação indiscriminada da usucapião como título aquisitivo das servidões não aparentes, a fim de facilitar as relações de boa vizinhança entre os donos de prédios contíguos ou próximos. No mesmo sentido milita ainda a circunstância de, não havendo sinais visíveis e permanentes reveladores da servidão, sendo esta porventura exercida só clandestinamente, a atitude passiva do proprietário pode ser apenas devida à ignorância da prática dos atos constitutivos da servidão” (34).

Resulta do exposto, que em sede de constituição de servidões prediais mediante o funcionamento do instituto da usucapião, para além de ser necessário à constituição da servidão por usucapião estarem preenchidos os requisitos gerais da usucapião – a posse e o decurso do tempo -, é necessário que o exercício da servidão seja revelada através de sinais visíveis e permanentes.

Dispõe o art. 1360º do CC, que o proprietário que no seu prédio levantar edifício ou outra construção não pode abrir nela janelas ou portas que deitem diretamente sobre o prédio vizinho sem deixar entre este e cada uma das obras o intervalo de metro e meio (n.º 1), sendo igual restrição aplicável às varandas, terraços, eirados ou obras semelhantes, quando sejam servidos de parapeitos de altura inferior a metro e meio em toda a sua extensão (n.º 2).

A imposição desta proibição legal ao proprietário de abrir janelas no seu prédio que deitem diretamente para o prédio vizinho ou de construir nesse seu prédio varandas, terraços, eirados ou obras semelhantes, quando servidos de parapeitos de altura inferior a 1,5m., sem que entre estas obras e aquele prédio vizinho deixe uma distância mínima de metro e meio prossegue uma dupla finalidade, visando-se, por um lado, evitar que o prédio vizinho seja facilmente objeto da indiscrição de estranhos e, por outro, visa impedir que esse prédio vizinho seja facilmente devassado com o arremesso de objectos (35).

A construção de janelas, portas, varandas, terraços, eirados ou obras semelhantes, em contravenção ao anteriormente referido, pode importar, nos termos gerais, a constituição da servidão de vistas por usucapião (n.º 1 do art. 1362º do CC.) e, uma vez constituída esta, por usucapião ou outro título, ao proprietário vizinho só é permitido levantar edifício ou outras construção no seu prédio desde que deixe entre o novo edifício ou construção e as obras o espaço mínimo de metro e meio, correspondente à extensão destas obras (n.º 2 do art. 1362º do CC).

No caso, encontra-se apurado que no alçado norte da habitação da Autora (apelada), existe uma janela, há mais de quarenta anos, que dista cerca de 1,1 metros do muro, também propriedade desta (conforme acima se demonstrou), e que confronta com o limite sul do prédio propriedade dos Réus (cfr. pontos 6º, 22º e 5º dos factos apurados).

Essa janela foi aberta pelos pais da Autora e da Ré, aquando da construção da respetiva casa de habitação, em 1952/1953, pese embora com uma largura equivalente, sensivelmente ao dobro da atual e corresponde à janela de um WC (cfr. ponto 23º dos factos apurados).

A Autora e os seus antecessores, ao longo de mais de 50 anos e atualmente, utilizam aquela janela para arejamento e ventilação do interior da habitação, aproveitamento da luz e obtenção de mais luminosidade no interior da habitação, abrindo-a e fechando-a de acordo com as suas conveniências, praticando aqueles atos, há mais de 50 anos, à vista de toda a gente, de forma continuada e sem oposição de quem quer que seja e com o espírito de exercer um direito próprio, o de servidão de vistas (cfr. pontos 24º, 27º e 28º dos factos provados).

Resulta do exposto, que aquela janela rasgada no alçado norte da casa de habitação da apelada, a cerca de 1,10 metro de distância do prédio propriedade dos apelantes e, por conseguinte, a menos de 1,5 metro da distância deste prédio, prescrita pelo art. 1360º, n.º 1 do CC, e que constitui, de per se, um sinal visível e permanente do exercício de um direito de servidão de vistas que por ela se processa, onerando o prédio propriedade dos apelantes, em benefício do prédio propriedade da apelada, através da referida janela, levou à constituição do enunciado direito de servidão de vistas, quando se pondera que a apelada, por si e antecessores, beneficiam das utilidades emergentes da descrita janela durante o tempo necessário à aquisição dessa servidão (bastava-lhe à constituição da servidão de vistas, conforme supra se referiu em relação ao muro, o uso dessas utilidades proporcionadas pela janela, durante um período interrupto de quinze anos).

Precise-se que, contrariamente ao pretendido pelos apelantes, à constituição da servidão de vistas por usucapião, não é necessário que a apelada ou os antecessores do prédio de que é proprietária (prédio dominante) tenham efetivamente disfrutado das vistas que aquela janela lhes proporcionava (e que continua a proporcionar-lhes) ou que as obras executadas, lesivas dessa servidão de vistas, não tenham interferido no arejamento, ventilação, salubridade ou na luminosidade na casa de habitação da apelada, uma vez que conforme realçam Pires de Lima e Antunes Varela, “a designação de servidão de vistas não é propriamente impecável e já se tem prestado a equívocos. O objeto da restrição não é propriamente a vista sobre o prédio vizinho, mas a existência da porta, da janela, da varanda, do terraço, do eirado ou de obra semelhante, que deite sobre o prédio nas condições previstas no artigo 1360º. Não se exerce a servidão com o facto de se disfrutarem as vistas sobre o prédio, mas mantendo-se a obra em condições de se poder ver e devassar o prédio vizinho. Pode a janela ou a porta estar fechada, desde que o não seja, definitivamente, com pedra e cal, a servidão não deixa de ser exercida. Por isso, pelo que respeita à sua extinção pelo não uso, é aplicável o disposto na segunda parte do n.º 1 do artigo 1570º” (36).

No mesmo sentido se pronuncia Henrique Mesquita, ao ponderar que “o que importa para a constituição da servidão de vistas é a existência das obras e não a sua efetiva utilização pelo proprietário, pois se trata de uma servidão contínua que, como tal, se exerce independentemente de facto do homem” (37).

No mesmo sentido se tem pronunciado a jurisprudência, propugnando que “a constituição da servidão por usucapião é independente de o seu proprietário ter ou não gozado de vistas” (38).

Resulta do que se vem dizendo que o simples facto daquela janela se encontrar rasgada no alçado norte da habitação construída no prédio propriedade da apelada, a cerca de 1,10metro de distância do prédio propriedade dos apelantes, há mais de cinquenta anos, de forma continuada e à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, em contravenção ao disposto no art. 1360º, n.º 1 do CC, de per se, levou à constituição da servidão de vistas, que se processa através da referida janela, em beneficio do prédio propriedade da apelada, em detrimento do prédio propriedade dos apelantes.

Consequentemente, ao declarar que a favor do prédio propriedade da apelada Maria (dominante), se encontra constituída uma servidão de vistas, que onera o prédio propriedade dos apelantes (serviente), que se processa a partir da janela aberta no alçado norte da casa de habitação da primeira, construída no prédio descrito na alínea a), a sentença recorrida não padece dos erros de direito que os apelantes lhe assacam, improcedendo os fundamentos de recurso aduzidos pelos apelantes a este respeito, o que se declara e decide.

B.8- Da condenação dos apelantes a demolirem a estrutura construída sobre o muro.

Alegam os apelantes que ao condená-los a demolir a estrutura construída sobre o muro nos termos constantes da al. e) da parte dispositiva da sentença recorrida, quando essa estrutura é em madeira amovível e, consequentemente, lhe é aplicável a exceção do art. 37º, n.º 3 do RMUE do Município de Caminha e a construção desse anexo está isento do controlo prévio, conforme art. 9º desse Regulamento e quando o tribunal carece de legitimidade e competência para se pronuncia sobre a oportunidade, modo e pedidos de demolição de obras e essa demolição se revela desproporcionada, face às consequência que daí advêm para aqueles, a decisão recorrida padece de erro de direito.

Quid iuris?

A apelada pediu a condenação dos apelantes a demolirem toda a estrutura construída sobre o muro sua propriedade, bem como o anexo construído junto a esse muro, com fundamento daquelas construções lesarem o seu direito de propriedade sobre o dito muro e, bem assim a servidão de vistas que se processa através daquela janela, em benefício do prédio de que é proprietária em detrimento do prédio propriedade dos apelantes, bem como na violação do regime fixado no art. 73º do RGEU e no art. 37º do RMUE do Município de Caminha, tendo o tribunal a quo condenado estes a procederem a essa demolição, conforme vem requerido, com fundamento na violação daqueles preceitos legais e, bem assim na lesão do direito de propriedade da apelada sobre o muro e na violação daquela servidão de vistas.

A este propósito cumpre referir que as limitações ao direito de propriedade tanto podem derivar do direito privado, como do direito público.

As limitações ao direito de propriedade emergentes do direito privado, resultantes especialmente das relações de vizinhança, encontram-se consagradas sobretudo nos artigos 1344º e segs. do CC.

Já as limitações de direito público, que procuram combinar o direito de propriedade com o interesse coletivo, são diversas, em correspondência com os fins relevantes a salvaguardar, como é o caso da “fixação de regras mínimas a observar na construção de edifícios, por razões de segurança, salubridade e higiene e ainda de ordem estética, ligadas nomeadamente, à boa ordenação urbanística das povoações” (39).

É neste âmbito que surge o Regulamento das Edificações Urbanas (RGEU), aprovado pelo DL. n.º 38382, de 07/08/1951, mas também os Regulamentos Municipais da Urbanização e Edificações dos diversos municípios, os quais, embora complementam as normas de direito privado enunciadas no CC, que protegem interesses meramente privados, decorrentes das relações de vizinhança, visam fundamentalmente tutelar o interesse público, designadamente, a segurança, a estética e salubridade (40).

Relativamente à aplicação do RGEU e da demais legislação, como o RMUE do Município de Caminha, os quais, como dito, prosseguem, em primeira linha, a satisfação do interesse público, aos interesses particulares, têm-se divido a jurisprudência.

Assim, entende uma parte da jurisprudência que o RGEU apenas contém limitações de direito público ao exercício de certos aspetos do direito de propriedade, não constando entre os seus fins próprios, a tutela de interesses particulares. O referido regulamento não confere qualquer direito subjetivo aos proprietários de imóveis, nem as suas normas podem ser invocadas para a proteção de direitos particulares face a outros particulares, devendo a sua aplicação concretizar-se pela via administrativa, na jurisdição própria (41).

Uma outra corrente, ao invés, sustenta que o RGEU visa também a proteção de interesses particulares, proteção essa que para ser efetiva impõe o reconhecimento do correspondente direito subjetivo, incluindo o de o particular solicitar perante os tribunais judiciais a condenação de outrem na demolição de obra que fira o seu direito de propriedade por violação de normas do RGEU, desde que a Câmara Municipal tenha o poder de ordenar tal demolição (42).

Por último, uma posição intermédia propugna que embora o RGEU não conceda direitos subjetivos a proprietários de imóveis, visa proteger também interesses particulares, cuja violação pode fundar responsabilidade civil extracontratual (43).

Cientes que o RGEU, assim como os RMEU dos diversos municípios prosseguem o interesse público, estes contêm normas de natureza proibitiva e impositiva que têm como destinatário todos aqueles que pretendam executar novas edificações ou quaisquer obras de construção civil, reconstrução, ampliação, alteração, reparação ou demolição das edificações e obras existentes dentro do perímetro urbano ou zonas rurais e localidades a elas equiparadas, cumprindo às autoridades administrativas, nos termos dos arts. 2º a 14º e 160º e segs. do RGEU, a fiscalização de cumprimento dessas normas e, bem assim a tomada de medidas destinadas a cumprimento desse desiderato, designadamente, o embargo das obras e a imposição da sua demolição (44).

Daqui resulta que a relação que se estabelece entre a administração e os destinatários emergentes daquelas normas são, em princípio, relações jurídico-administrativas, pelo que o escopo das normas do RGEU ou do RMEU não integra a concessão ou o reconhecimento de direitos subjetivos a particulares, isto sem prejuízo do direito que assiste a um vizinho de questionar perante as autoridades e os tribunais administrativos o cumprimento e respeito pelas normas de direito público ligadas ao licenciamento de construção e cujo incumprimento lese também os seus direitos privados (45).

Acresce que normas há no RGEU que para além do mero interesse público da segurança, aspeto estético e salubridade das edificações, têm também em vista a proteção do interesse particular do fruidor das habitações, máxime das que se situam na vizinhança das obras em execução, como é o caso das normas dos arts. 59º a 63º do RGEU, as quais impõem restrições às distâncias e alturas dos edifícios relativamente aos prédios vizinhos, por forma que fiquem assegurados o arejamento, iluminação natural e exposição à ação direta dos raios solares, não só do prédio objeto dos trabalhos, mas também dos prédios vizinhos.

Se perante a violação dessas normas, se afigura problemático o recurso dos particulares aos tribunais comuns, para perante a violação dessas normas de ordem pública, exigir a demolição daquelas obras, atenta a natureza público-administrativa que emerge daquelas normas e da consequente reserva dos tribunais administrativos para procederem à apreciação dessas relações jurídicas, já nada obsta que perante a violação das mesmas os particulares recorram aos tribunais comuns para exercerem o direito indemnizatório pelos prejuízos que para os mesmos decorram de tais violações, nos termos do disposto no art. 483º, n.º 1 do CC (46).

Resulta do que se vem dizendo, que não se perfilha do entendimento sufragado pela 1ª Instância, de acordo com o qual a demolição da estrutura e do anexo construídos sobre o muro a que alude na al. e) da parte dispositiva da sentença, poderia ser determinada, como fez, na pretensa violação por parte dos apelantes do disposto no art. 73º do RGEU e, bem assim na alegada violação por parte destes do preceituado no art. 37º, n.º 2 do RMEU.

Acresce precisar que ainda que se aderisse à segunda corrente jurisprudencial acima enunciada, é manifesto que, no caso, não ocorre qualquer violação do preceituado naquele art. 73º do RGEU.

Com efeito, o art. 73º do RGEU dispõe que “as janelas dos compartimentos das habitações deverão ser sempre dispostas de forma que o seu afastamento de qualquer muro ou fachada fronteiros, medido perpendicularmente ao plano da janela e atendendo ao disposto no art. 75º não seja inferior a metade da altura desse muro ou fachada acima do nível do compartimento, com o mínimo de 3 metros. Além disso, não deverá haver a um e outro lado do eixo vertical da janela qualquer obstáculo à iluminação a distância inferior a 2 metros, devendo garantir-se, em toda esta largura, o afastamento mínimo de 3 metros acima fixado”.

Neste âmbito importa reter que a norma do art. 73º do RGEU regula as condições dos edifícios a construir, que tenham janelas que deitem sobre muro ou fachada fronteira (47), o que não é o caso da estrutura que tapa parcialmente a vista da janela aberta no alçado norte da casa de habitação da apelada a que aludem os pontos 17º a 20º dos factos apurados na sentença recorrida, sequer do anexo a que se alude nos pontos 30º a 32º dos factos apurados na mesma sentença, já que estas construções não têm qualquer janela aberta para o prédio propriedade da apelada, mas antes é a casa de habitação que se encontra construída no prédio propriedade da apelada que tem uma janela rasgada, virada para o prédio dos apelantes.

Consequentemente, no caso, não ocorre qualquer violação do disposto no art. 73º do RGEU.

No entanto, se a demolição a que alude a alínea e) da parte dispositiva da sentença recorrida não se pode ancorar na violação dos enunciados art. 73º do RGEU e do disposto no art. 37º, n.º 2 do RMUE do Município de Caminha, essa demolição impõe-se por força do disposto nos arts. 1305º e 1362º, n.º 2 do CC.

Na verdade, constituída a servidão de vistas, como acontece no caso, em benefício do prédio propriedade da apelada e que onera o prédio propriedade dos apelantes, servidão essa que se processa através da janela que se encontra aberta no alçado norte da casa de habitação erigida no referido prédio propriedade da apelada, nos termos do n.º 2 do art. 1362º do CC., os apelantes não podem levantar outro edifício ou outra construção no seu prédio sem que entre aquela janela e o referido edifício ou construção fique uma distância mínima de metro e meio.

Ora, conforme resulta dos factos apurados sob os pontos 16º a 22º, em janeiro de 2015, os apelantes arrendaram o seu prédio e os arrendatários deste, com autorização daqueles, construíram uma estrutura em madeira sobre o muro propriedade da apelada, amovível, que foi acoplada a esse muro, na qual fixaram uma rede verde, totalmente opaca, estrutura esta que tapa parcialmente a vista da janela existente no alçado norte da habitação erigida no prédio propriedade da apelada, existindo entre essa janela e construção uma distância de cerca de 1,10 metro.

Consequentemente, por força do disposto no referido art. 1362º, n.º 2 do CC, impõe-se condenar os apelantes a demolir aquela estrutura em madeira, de modo que entre o espaço situado em frente daquela janela, por onde se processa a já referida servidão de vistas, e essa estrutura em madeira, fique totalmente liberto um espaço de 1,5m.

Acresce que essa estrutura em madeira se encontra pregada ao muro propriedade da apelada (ponto 18º da factualidade apurada), o mesmo acontecendo como anexo destinado a arrumações e que funciona também como cozinha de campo a que aludem os pontos 30º a 32º da factualidade apurada (cfr. ponto 30º da factualidade apurada).

Na verdade, sendo esse muro propriedade da apelada e gozando esta, nos termos do art. 1305º do CC., de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição desse muro, naturalmente que o respeito do direito de propriedade da apelada sobre o identificado muro passa pela demolição daquele estrutura em madeira e do anexo, não só por forma a deixar o espaço situado em frente da janela totalmente livre e desimpedido, numa distância de 1,5 metro a contar da referida janela, por forma a respeitar-se o direito de servidão de vistas que por ela se processa, como por afastar essa construções do muro, libertando-o dessas construções, por forma a respeitar o direito de propriedade da apelada sobre o identificado muro.

Precise-se que perante o enunciado comportamento ilícito dos apelantes, porque lesivo do direito de propriedade da apelada sobre o seu prédio e do direito de servidão de que este beneficia, não existe qualquer desproporção na demolição daqueles obras, antes sendo uma decorrência da lei por forma a por termo ao estado de antijuricidade criado pelos apelantes com os seus enunciados comportamentos ilícitos.

Resulta do que se vem dizendo, que embora com fundamentos não totalmente coincidentes, se impõe confirmar a sentença recorrida, quando nela se condena os apelantes a demolir a estrutura construída sobre o muro descrito na alínea b), bem como o anexo construídos junto a esse mesmo muro, no prazo de quinze dias a contar do trânsito em julgado da presente sentença.

B.9- Da sanção pecuniária compulsória.

Insurgem-se os apelantes contra a sanção pecuniária compulsória de 15,00 euros em que foram condenados por cada dia de atraso no cumprimento da sentença e, antecipe-se, desde já, com razão.
A sanção pecuniária compulsória judicial prevista no art. 829º-A, n.º 1 do CC, é uma medida coerciva, de natureza pecuniária, que se consubstancia numa condenação acessória da condenação principal, que tem por escopo, compelir o devedor ao cumprimento do julgado, sob a intimidação do pagamento duma determinada quantia por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infração.

Como se refere no Preâmbulo do D.L. n.º 262/83, de 16/06, a sanção pecuniária compulsória prossegue “…uma dupla finalidade de moralidade e de eficácia, pois com ele se reforça a soberania dos tribunais, o respeito pelas suas decisões e o prestígio da justiça, enquanto por outro lado se favorece a execução específica das obrigações de prestação de facto ou de abstenção infungíveis”.

Como é sabido, o regime sancionatório enunciado no art. 829º-A assume duas vertentes: a sanção pecuniária compulsória judicial, estabelecida no n.º 1, reservada às obrigações de prestação de facto infungível; outra, de natureza legal, a que alude o n.º 4 do mesmo artigo, estabelecida para os casos em que for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente (48).

No caso condenou-se os apelantes a demolir toda a estrutura construída sobre o muro descrito na alínea b), bem como o anexo construído junto ao mesmo, no prazo de quinze dias a contar do trânsito em julgado da sentença.

Trata-se de uma prestação de facto positivo, mas que não tem natureza infungível, posto que nos termos do n.º 2 do art. 767º do CC., o cumprimento da prestação por terceiro só não é admissível e, é por conseguinte, infungível, quando tiver sido acordado expressamente que a prestação deve ser feita pelo devedor, ou se a substituição deste por outrem prejudicar, o credor, o que não é manifestamente o caso.

Deste modo, caso os apelantes não cumpram com aquela prestação de facto positivo, demolindo aquelas construções no prazo para tanto fixado na sentença, segue-se a execução para prestação de facto positivo, na qual é possível proceder a essas demolições mediante recurso a terceiro, à custa dos apelantes (49).

Decorre do que se vem dizendo, que não se encontram preenchidos os requisitos legais enunciados no n.º 1 do art. 829-A do CC, para a aplicação da sanção pecuniária compulsória judicial.

No que respeita ao pagamento da compensação arbitrada à apelada pelos danos não patrimoniais sofridos, porque se trata de sanção pecuniária compulsória legal, em caso de incumprimento desta prestação pecuniária por parte dos apelantes, são automaticamente devidos juros à taxa de 5% ao ano, desde o trânsito em julgado da presente sentença, os quais acrescerão aos juros de mora, independentemente de qualquer condenação judicial nesse sentido (n.º 4 do art. 829º-A).

Resulta do exposto, proceder este fundamento de recurso, impondo-se, consequentemente, revogar a alínea f) da parte dispositiva da sentença recorrida, que condenou os apelantes na quantia de quinze euros por cada dia de atraso no cumprimento da sentença, a título de sanção pecuniária compulsória, e absolver-se os mesmos deste pedido.

B.10- Da compensação por danos não patrimoniais.

Insurgem-se os apelante contra a sentença recorrida na parte em que os condena a pagar à apelada, a quantia de mil euros, a título de compensação por danos não patrimoniais sofridos, acrescida de juros de mora.

O inconformismo dos apelantes reside novamente na circunstância destes colocarem em crise o quadro factual em que se alicerçou esta condenação, sustentando, inclusivamente, que esses factos se estribaram em prova nula, fundamento recursório este a propósito do qual já nos pronunciamos supra, concluindo pela respetiva improcedência.

O direito compensatório em apreço funda-se no instituto da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, cujos requisitos legais se encontram enunciados no art. 483º, n.º 1 do CC, em função do qual, a constituição desse direito está condicionado ao preenchimento dos seguintes requisitos legais cumulativos: a) o facto voluntário do agente; b) a ilicitude; c) a culpa; d) o dano e e) o nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pela vítima, de modo a poder afirmar-se, à luz do direito, que o dano é o resultado da violação (50).
No caso, conforme resulta do acima já explanado, ao consentirem que fosse erigida as acima identificadas construções no prédio de que são proprietários e que se encontrava onerado com uma servidão de vistas em benefício do prédio propriedade da apelada, os apelantes lesaram o direito de servidão de vistas de que beneficia o prédio propriedade da apelada e lesaram o direito de propriedade desta sobre o muro, com que atuaram ilicitamente.

Acresce que não podendo os apelantes ignorar a existência daquela servidão de vistas, sequer o direito de propriedade da apelada sobre o muro, atenta a posse pública que aqueles vinham exercendo há longos anos, os apelantes violaram aqueles direitos da apelada, pelo menos, a título de negligência.

Em consequência direta e necessária daqueles comportamentos ilícitos e culposos dos apelantes, a apelada viu os seus direitos de personalidade lesados, na medida em que por via daquela construção, a sua casa de habitação ficou com a luz, arejamento e visibilidade reduzidas a 9 centímetros no seu topo, tornando-se essa casa, na área assim afetada, mais sombria, mais escura, mais húmida e fria, causando-lhes perturbação e desgosto (pontos 26º, 27º e 36º da matéria apurada).

Verificando-se preenchidos todos os requisitos legais de que depende a constituição dos apelantes na obrigação de indemnizar a apelada, é inegável que os danos de natureza não patrimonial por ela sofridos, pela sua gravidade, merecem a tutela do direito (art. 496º, nº 1 do CC).

A compensação a arbitrar à apelada deverá ser fixada por recurso à equidade, tendo em consideração o grau de culpabilidade dos apelantes, a situação económica destes e da apelada e as demais circunstâncias do caso o justifiquem (arts. 496º, n.º 4 e 494º do CC.).

Tendo em consideração estes fatores, a quantia de mil euros, arbitrada à apelada, a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos, revela-se equilibrada à dimensão e à natureza dos danos não patrimoniais sofridos por esta, pelo que nenhum censura nos merece a sentença recorrida neste âmbito.

Resulta do exposto, improceder este fundamento de recurso, impondo-se, por conseguinte, confirmar a sentença recorrida quanto ao montante da compensação arbitrada à apelada pelos danos não patrimoniais sofridos.
*
Decisão

Nesta conformidade, os juízes desta Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, acordam em:

1- rejeitar a presente apelação quanto à impugnação da matéria de facto julgada provada e não provada na sentença recorrida;
2- julgar a presente apelação parcialmente procedente e, em consequência:
- revogam a al. f) da parte dispositiva da sentença recorrida, em que se condena os Réus, Helena e Augusto, em sanção pecuniária compulsória, fixada em 15,00 (quinze) euros, por cada dia de atraso no cumprimento da sentença, absolvendo aqueles deste pedido;
- no mais, confirmam a sentença recorrida.
*
Custas por apelantes e apelada na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 90% para os apelantes e em 10% para a apelada (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
Notifique.
*
Guimarães, 31 de outubro de 2018

José Alberto Moreira Dias
António José Saúde Barroca Penha
Eugénia Maria Marinho da Cunha


1. António Santos Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2017, 4ª ed., pág. 147.
2. Abrantes Geraldes, in ob. cit., pág. 155, nota 254, em que citando vários arestos do STJ, escreve que “são as conclusões que delimitam o objeto do recurso, segundo a regra geral que se extrai do art. 653º, de modo que a indicação dos pontos de facto cuja modificação é pretendida pelo recorrente não poderá deixar de ser enunciada nas conclusões”, continuando a fls. 157, sustentando que “A comparação que necessariamente tem que ser feita com o disposto no art. 639º e, além disso, a observação dos antecedentes legislativos levam-me a concluir que não existe, quanto ao recurso da decisão da matéria de facto, despacho de aperfeiçoamento. Resultado que é comprovado pelo teor do art. 652º, n.º 1, al. a), na medida em que limita os poderes do relator ao despacho de aperfeiçoamento “das conclusões das alegações, nos termos do n.º 3 do art. 639º”.
3. Abrantes Geraldes, ob. cit., pág.146.
4. Ac. RP. de 23/04/2018, Proc. 6818/14.0YIPRT.P1, in base de dados da DGSI, de onde provêem os arestos que infra se venha a indicar, sem menção da respetiva origem.
5. Abrantes Geraldes, ob. cit., págs. 148 e 149.
6. Ac. STA. de 09/07/2014, Proc.00858/14, in base de dados da DGSI.
7. Abílio Neto, in “Novo Código de Processo Civil Anotado”, 2ª ed., janeiro/2014, pág. 734.
8. Ac. STJ. 08/03/2001, Proc. 00A3277, in base de dados da DGSI.
9. Miguel Teixeira de Sousa, “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, 1997, pág. 348.
10. Lebre de Freitas, “A Ação Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013”, 3ª ed., Coimbra Editora, pág. 332.
11. Ferreira de Almeida, “Direito Processual Civil”, vol. II, Almedina, pág. 370; Lebre de Freitas, in ob. cit., pág. 332; Abílio Neto, in “Novo Código de Processo Civil Anotado”, 2ª ed., Janeiro de 2014; pág. 736; e a título exemplificativo, Acs. STJ. de 14/11/2006, Proc.06A1986; de 17/04/2017, Proc. 07B418; R.C. de 16/10/2012, Proc. 127963/11.1YIPRT.C1; RE. de 03/07/2014, Proc. 569/13.0TTFAR.E1; RG. de 14/05/2015, Proc. 853/13.2TBGMR.G1, todos in base de dados da DGSI.
12. Ac. STJ. 08/03/2001, Proc. 00A3277, in base de dados da DGSI.
13. Ac. RC de 20/01/2015, Proc. 2996/12.0TBFIG.C1, in base de dados da DGSI, onde se lê: “Apesar de atualmente o julgamento da matéria de facto se conter na sentença final, há que fazer um distinguo entre os vícios da decisão de matéria de facto e os vícios da sentença, distinção de que decorre esta consequência: os vícios da decisão da matéria de facto não constituem, em caso algum, causa de nulidade da sentença, considerando além do mais o caráter taxativo da enumeração das situações de nulidade deste último ato decisório. Realmente a decisão da matéria de facto está sujeito a um regime diferenciado de valores negativos – deficiência, obscuridade ou contradição – a que corresponde um modo diferente de controlo e de impugnação: qualquer destes vícios não é causa de nulidade da sentença, antes é suscetível de dar lugar à atuação pela Relação dos seus poderes de rescisão ou de cassação da decisão da matéria de facto da 1ª Instância”. No mesmo sentido Ac. RL. de 29/10/2015, Proc. 161/09.3TCSNT.L1-2, na mesma base de dados da DGSI. Também Ac. STJ, de 24/02/2005, Proc. 04B4594, na mesma base: “A fundamentação a que alude o n.º 2 do art. 653º do CPC não se confunde com a fundamentação a que alude o art. 659º, n.ºs 2 e 3 do mesmo Código, sendo certo que as consequências para a sua omissão num caso e noutro são também diferentes : - no 1º caso, poderá a Relação ordenar a baixa do processo, (…), nos termos e para os fins do n.º 5 do art. 712º do CPC; - no 2º caso, se a falta de fundamentação for absoluta, ocorrerá a nulidade prevista na al. b) do art. 668º do CPC”. Ainda José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, 3ª ed. Almedina, págs. 707 e 708: “.. a deslocação da decisão de facto e da sua fundamentação para a sentença não afasta a distinção entre o que interessa à fundamentação da decisão final (os factos principais que hajam sido provados, os quais têm de ser discriminadamente descritos) e o que interessa à fundamentação da (logicamente) anterior decisão de facto (as razões da íntima convicção judicial, com a explicação da inerente passagem da prova dos factos instrumentais à prova dos factos principais da causa, bem como a justificação da falta de prova dos factos não provados, sem necessidade de os referir discriminadamente)…Sendo a decisão de facto deficiente, obscura ou contraditória, a Relação, em recurso, oficiosamente ou a requerimento da parte, conhece o vício, anulando a decisão (art. 662-2-c); havendo falta de fundamentação, a Relação determina que o tribunal de 1ª instância fundamente a decisão (art. 662º-2-d),…”.
14. Abílio Neto, “Novo Código de Processo Civil Anotado”, 2ª ed., janeiro de 2014, Ediforum, pág. 25.
15. Neste sentido Ac. RC. de 19/02/2013, Proc. 618/12.9TBTNV.C1, in base de dados da DGSI. No mesmo sentido Abrantes Geraldes, ob. cit., págs. 293 a 295, em que escreve: “Outras decisões podem revelar-se total ou parcialmente deficientes, obscuras ou contraditórias, resultante da falta de pronúncia sobre factos essenciais ou complementares, da sua natureza ininteligível, equívoca ou imprecisa ou reveladora de incongruências, de modo que conjugadamente se mostre impedido o estabelecimento de uma plataforma sólida para a integração jurídica do caso. Verificado algum dos referidos vícios, para além de serem sujeitos a apreciação oficiosa da Relação, esta poderá supri-los a partir dos elementos que constam do processo ou da gravação(…). Pode ainda revelar-se uma situação que exija a ampliação da matéria de facto (…). Todavia, considerando que a reavaliação da pertinência é feita agora pela Relação, a possibilidade de anulação do julgamento para ampliação da matéria de facto deve ser encarada com rigor acrescido e reservada para os casos em que se revele indispensável. Não basta que os factos tenham conexão com alguma das “soluções plausíveis da questão de direito”. Considerando a fase em que agora nos encontramos, a Relação deve ponderar o enquadramento jurídico em face do objeto do recurso ou de outros elementos a que oficiosamente puder atender, contando também com o que possa esperar-se de uma intervenção do Supremo ao abrigo do disposto no art. 682º, n.º 3. Por outro lado, tal como sucede com as anteriores situações, a anulação da decisão da 1ª instância apenas deve ser decretada se não constarem do processo todos os elementos probatórios relevantes. Ao invés, se estes estiverem acessíveis, a Relação deve proceder à sua apreciação e introduzir na decisão da matéria de facto as modificações que forem consideradas oportunas. Em qualquer dos casos, a anulação do julgamento deve ser sempre uma medida de último recurso, apenas legítima quando de outro modo não for possível superar a situação, por forma a fixar com segurança a matéria de facto provada e não provada (…)”.
16. Abrantes Geraldes, “Sentença Cível”, janeiro de 2014, pág. 20.
17. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, ob. cit., pág.707.
18. Miguel Teixeira de Sousa, ob. cit., pág. 348.
19. Ac. RG. de 22/03/2007, Proc. 173/07-1, in base de dados da DGSI.
20. Ac. RL. de 04/12/2006, Proc. 9443/2006-6, in base de dados da DGSI.
21. Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2017, 4ª ed., Almedina, pág. 189.
22. Ac. STJ. de 14/02/2012, Proc. 6823/09.3TBRG.G1.S1, in base de dados da DGSI.
23. Ac. RG. de 01/06/2017, Proc. 1227/15.6T8BGC.C1, in base de dados da DGSI.
24. António Abrantes Geraldes, in ob. cit., “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, pág. 153.
25. Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 155.
26. Abrantes Geraldes, in ob. cit., pág. 159. No mesmo sentido vide Acs. S.T.J. de 18/11/2008, Proc. 08A3406; 15/09/2011, Proc. 1079/07.0TVPRT.P.S1; 04/03/2015, Proc. 2180/09.0TTLSB.L1.S2; 01/10/2015, Proc. 824/11.3TTLSB. L1. S1; 26/11/2015, Proc. 291/12.4TTLRA.C1; 03/03/2016, Proc. 861/13.3TTVIS.C1.S1; 11/02/2016; Proc. 157/12.8TUGMR.G1.S1, todos in base de dados da DGSI.
27. Abrantes Geraldes, ob. cit., págs. 158 e 159.
28. Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol. III, 2ª edª, Coimbra Editora, pág. 246.
29. Ac. STJ. de 24/05/2018, Proc. 455/12.0TVPRT.P1-S1, in base de dados da DGSI.
30. Vide, neste sentido Acs. STJ de 17.06.1997, CJ, t. II, pág. 126 (relator Cardona Ferreira); de 5.07.2001 (relator Pais de Sousa); de 12.01.2006 (relator Duarte Soares); STJ de 28.06.2007 (relator Pereira da Silva); de 15.05.2008 (relator Pereira da Silva); de 19.02.2013 (relator Moreira Alves) e de 27.03.2014 (relator Álvaro Rodrigues), todos in base de dados da DGSI.
31. Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol. III, 2ª ed., Coimbra Editora, pág. 64.
32. Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., pág. 8.
33. Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., pág. 615.
34. Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., pág. 629.
35. Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., pág. 212.
36. Pires de Lima e Antunes Varela, in ob. cit., pág. 219.
37. Henrique Mesquita, “Direitos Reais”, Coimbra, Sumários das Lições ao Curso de 1966-1967,pág. 154, nota 1.
38. Ac. do STJ. de 14/05/1995, Proc. 087693; e de 02/02/2017, Proc. 85/11.4TBSRT.C1.S1, in base de dados da DGSI.
39. Carvalho Fernandes, “Lições de Direitos Reais”, 4ª ed., Almedina, pág. 201.
40. Acs. STJ. de 28/10/2008, Proc. 08A3005; RE. de 22/10/2015, Proc. 1353/13.6TBSSB-B.E1; RL. de 16/04/2015, Proc. 9260/11.0TCLRS.L1-8, in base de dados da DSI.
41. Neste sentido Acs. RL. de 24/01/1991, CJ., t. 1º, pág. 48; de 24/06/2003, CJ, t. 3º, pág. 118; RP. de 25/11/1993, t. 5º, pág. 230; RC.de 16/11/1999, CJ., t. 5º, pág. 29.
42. Neste sentido Acs. do STJ. de 28/01/2003, CJ/STJ, t. 1º, pág. 61; de 30/09/2004, CJ/STJ. t. 3º, pág. 37.
43. Acs. STJ. de 15/05/2003, Proc. 03B535; de 08/07/2003, Proc. 03A2112; RL de 14/11/96, CJ, t. 5º, pág. 96, RG. de 02/10/2002, CJ, t. 5º, pág. 273; RL de 16/04/2015, Proc. 9260/11.0TCLRS.L1-8, in base de dados da DGSI.
44. Ac. RL. de 16/04/2015, já atrás identificado.
45. Ac. STA de 17/03/2005, Proc. 0714/03, in base de dados da DGSI.
46. Ac. RL. de 16/04/2015.
47. Ac. STA. de 24/09/2009, Proc. 0707/09, in base de dados da DGSI, onde se lê: “Este art. 73º tem suscitado a dúvida de saber se “as janelas” a que se refere são só as previstas no edifício a construir ou também as já existentes num prédio vizinho. Ora, essa dúvida tem de resolver-se no primeiro sentido, afinal o único que minimamente se harmoniza com a letra do preceito (art. 9º, n.º 2 do CC). Desde logo, e porque a norma trata da maneira como as janelas “deverão” ser dispostas, tempo verbal que se refere ao processo e ao resultado ulteriores ao traçado delas numa fachada, logo se vê que o preceito alude a janelas futuras e, entretanto, apenas projetadas – e não a janelas preexistentes noutro edifício, cuja disposição se fez no passado e subsiste no presente. Depois há que notar também que o artigo se ocupa da disposição das janelas, e não da disposição do “muro ou fachada” que lhes sejam fronteiros; e nega-lo, é ler o preceito ao invés. Portanto, as “janelas” mencionadas no art. 73º são as previstas no projeto a licenciar Consequentemente, o ato impugnado errou ao supor que a janela do prédio vizinho se incluía na hipótese do art. 73º do RGEU e ao fundar o indeferimento na violação deste preceito. No mesmo sentido Acs. RL de 16/04/2015; Proc. 926/11.0TCLRS.L1-8; de 30/11/2010, Proc. 1497/04.5TBALM.L1-7; de 28/09/2006, Proc. 69592/2006-6; RE. de 22/10/2015, Proc. 22/10/2015, Proc. 1353/13.6TBSSB-B.E1, todos in base de dados da DGSI.
48. Ac. RC. de 09/02/2010, Proc. 1506/03.5TBPBL.C1, in base de dados da DGSI. No mesmo sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol. II, 3ª ed., Coimbra Editora, pág. 106, onde propugnam que “… as sanções previstas no n.º 1 só podem ser decretadas a pedido do credor e que só a sanção decorrente do n.º 4 se aplica ex officio…”.
49. Neste sentido Acs. RP. de 04/06/2012, Proc. 3317/08.7TBSTS-A.P1; RC. de 09/02/2010, Proc. 1506/03.5TBPBL.C1, in base de dados da DGSI.
50. Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, 4ª ed., Coimbra Editora, pág. 471.