Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
322/19.7PBVCT.G1
Relator: ARMANDO AZEVEDO
Descritores: PRAZO INTERPOSIÇÃO RECURSO
NOTIFICAÇÃO PESSOAL SENTENÇA
AUSÊNCIA ARGUIDO JULGAMENTO
REGIME JOVEM DELINQUENTE
NÃO APLICAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/08/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I- No caso de o arguido julgado na ausência, em conformidade com o disposto no artigo 333º, nºs 1, 2 e 3 do CPP, não ter sido notificado pessoalmente da sentença, o recurso que, apesar disso, haja sido interposto pelo seu defensor não deve ser admitido e, caso o tenha sido o tribunal de recurso não pode dele conhecer por falta de verificação de um pressuposto processual, que é a falta de notificação pessoal da sentença ao arguido.
II- Não assim no caso de, apesar do recurso ter sido interposto antes de o arguido ter sido notificado pessoalmente da sentença, esta notificação ter sido entretanto efetuada e o recurso ter sido admitido e tramitado após a referida notificação.
III- Nesta última hipótese, a posição daqueles que defendem que a prática do ato processual (interposição de recurso) antes de o prazo começar a correr, constitui um ato extemporâneo, baseia-se em argumentos meramente formais que contende com o princípio do processo justo e equitativo na medida em que conduz a uma restrição desnecessária e, por isso, injusta, do direito ao recurso, podendo, em função das vicissitudes do processo, e como a prática judiciária o demonstra, conduzir à sua preclusão.
IV- A ilicitude, a culpa e as exigências de prevenção geral não relevam por forma decisiva para efeitos da decisão sobre a atenuação especial da pena prevista no regime penal especial para jovens delinquentes aprovado pelo DL nº 401/82, de 23.09.
V- A atenuação especial da pena, por força do aludido regime especial, não é de aplicação automática no sentido de que seja suficiente que o jovem esteja incluído no escalão etário nele previsto (idade compreendida entre os 16 e sem ter ainda atingido os 21 anos). Este apenas é o seu pressuposto formal. Para além deste, exige-se a verificação de um pressuposto material, que se traduz no facto da sua aplicação resultar reais vantagens para a reinserção social do jovem.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I- RELATÓRIO

1. No processo comum singular nº nº322/19.7PBVCT, do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, Juízo Local Criminal de Viana do Castelo – J1, em que é arguido L. M., com os demais sinais nos autos, por sentença proferida e depositada em 25.10.2019, foi decidido, no que para o caso releva, o seguinte (transcrição):
- como autor material de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. pelo art.347º, nº.1 do C.P., condena-se o arguido L. M. na pena de 1 ano e 8 meses de prisão, a qual se suspende na sua execução pelo período de 1 ano e 8 meses, ficando, nesse período, o arguido sujeito a regime de prova (cfr.art.53º do C.P.), assente em plano de reinserção social a elaborar pela R.S., nos moldes supra referidos; e,
- absolve-se o arguido dos crimes de injúria agravada, p. e p. pelos arts.181º, nº.1 e 184º do C.P., ameaça agravada, p. e p. pelos arts.153º, nº.1 e 155º, nº.1, al.c), com referência à al.l) do nº.2 do art.132º, do C.P. e ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos arts.143º, nº.1 e 145º, nºs.1, al.a) e 2, com referência ao art.132º, nº.2, al.l), do C.P. de que vinha acusado (que se consideraram supra, em concurso aparente, consumidos pelo primeiro).
2. Não se conformando com tal decisão, dela interpôs recurso o arguido, extraindo da respetiva motivação, as seguintes conclusões (transcrição):
I. O arguido, aqui recorrente foi condenado pela prática como autor material de um crime de resistência e coação sobre funcionário, p. e p. pelo art.347º, nº.1 do C.P., na pena de 1 ano e 8 meses de prisão, a qual se suspende na sua execução pelo período de 1 ano e 8 meses, ficando, nesse período, o arguido sujeito a regime de prova (cfr.art.53º do C.P.), assente em plano de reinserção social a elaborar pela R.S., nos moldes supra referidos.
II. Entende o recorrente, com o devido respeito, que o tribunal a quo não considerou devidamente todas as circunstâncias que deveriam presidir à determinação da medida da pena.
III. O tipo legal em questão, consagra o seguinte: “(…)1 - Quem empregar violência, incluindo ameaça grave ou ofensa à integridade física, contra funcionário ou membro das Forças Armadas, militarizadas ou de segurança, para se opor a que ele pratique ato relativo ao exercício das suas funções, ou para o constranger a que pratique ato relativo ao exercício das suas funções, mas contrário aos seus deveres, é punido com pena de prisão de um a cinco anos. (…)”.
IV. O arguido tinha à data dos factos (e ainda tem) idade inferior a 21 anos (nasceu em ..-8-99).
V. Pelo que, é aplicável o regime especial para jovens previsto no D.L.nº.401/82, de 23-9.
VI. Nos termos das disposições dos arts.1º e 4º do cit.D.L., se o agente tiver à data da prática do crime idade compreendida entre os 16 e os 21 anos e for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena, quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado.
VII. No caso sub judice, e outros e com relevo para a determinação da medida da pena foi dado como provado, o seguinte: “(…)10- O arguido tem antecedentes criminais, tendo já sido condenado pela prática, em: - 4-10-15, de dois crimes de furto qualificado, em penas de prisão, suspensa na sua execução, e multa; - 29-10-15, de um crime de furto qualificado, em pena de prisão, suspensa na sua execução; e, - 3-5-16, de um crime de furto simples, em pena de multa; 11- O arguido esteve acolhido na instituição Casa ..., em Viana do Castelo, de onde saiu em Julho de 2016, transferido para outra instituição de acolhimento no sul do país; 12- Estava a viver com a mãe, em Ponte de Lima, pelo menos, em Abril de 2019, altura em que fugiu de casa, não voltando a contactar com aquela; 13- Houve períodos em que, sem abrigo, pernoitava no parque da cidade de Viana do Castelo.(…)”. (…)”.
VIII. No caso sub judice, o Tribunal não atendeu ao percurso de vida e na personalidade do arguido, bem como à ausência de antecedentes criminais por crime de igual natureza, factos que devem ser considerados na escolha da pena.
IX. O Tribunal a quo errou ao não determinar a atenuação especial da pena nos termos do disposto no n.º 1 e 4 do D.L.nº.401/82, de 23-9.
X. A aplicação ao arguido de uma pena de 1 ano e 8 meses de prisão irá dificultar e limitar a vida do arguido, sendo que o cumprimento de pena de prisão ainda que suspensa na sua execução poderá limitar a entrada no mercado de trabalho, entre outros.
XI. E mesmo algumas dificuldades que se pressentem pela fragilidade dos amparos sociais e familiares com que o arguido poderá contar - em face do quadro factual social, económico e familiar resultante dos autos - não deverão constituir-se em juízo desfavorável, «pois só perante a criação de algumas condições possíveis no encaminhamento na direcção dos valores se poderá testar o modo de reacção e o desempenho futuro da personalidade» do arguido.
XII. Em suma, questionando-se a aplicação do regime penal para jovens adultos, o juízo deve ser positivo desde que não existam razões fortes para duvidar da possibilidade de reinserção.
XIII. O que não é o caso.
XIV. Deste modo, impõe-se concluir, in casu, pela aplicação do regime estabelecido do Decreto-Lei nº 401/82, de 23 de Setembro, com a atenuação prevista no artº 4º, porquanto as condições e a idade do arguido fazem crer que da atenuação resultarão vantagens para a sua reinserção.
XV. Além disso, considerando os limites, mínimo e máximo, assinalados no tipo legal, afigura-se injusto e desequilibrado condenar o arguido na pena de 1 ano e 8 meses de prisão.
XVI. Salvo devido e merecido respeito, a Meritíssima Juiz do tribunal a quo não decidiu bem, isto é, em conformidade com os ditames da justiça. A sentença de que ora se recorre viola o disposto no artigo 71.º do Código Penal.
XVII. Ao definir a pena o julgador nunca pode eximir-se a uma compreensão da personalidade do arguido, afim de determinar o seu desvalor ético-jurídico e a desconformação com a personalidade suposta pela ordem jurídico-penal, exprimindo a medida dessa desconformação a medida da censura pessoal do agente, e, assim, o critério essencial da medida da pena Prof. Figueiredo Dias, Liberdade, Culpa, Direito Penal, pág. 184..
XVIII. No caso dos autos há que ter presente os seguintes factos “ (…) 5- O arguido não obedeceu à ordem de detenção que lhe foi dada pelos elementos da PSP de Viana do Castelo, resistindo à abordagem policial e desferindo ainda um pontapé na mão direita do agente V. D., que procurava algema-lo, pelo que foi necessário o recurso, por parte dos referidos agentes da PSP de Viana do Castelo, à técnica de mãos livres, tendo o mesmo sido algemado no solo; (…)10- O arguido tem antecedentes criminais, tendo já sido condenado pela prática, em: - 4-10-15, de dois crimes de furto qualificado, em penas de prisão, suspensa na sua execução, e multa; - 29-10-15, de um crime de furto qualificado, em pena de prisão, suspensa na sua execução; e, - 3-5-16, de um crime de furto simples, em pena de multa; 11- O arguido esteve acolhido na instituição Casa ..., em Viana do Castelo, de onde saiu em Julho de 2016, transferido para outra instituição de acolhimento no sul do país; 12- Estava a viver com a mãe, em Ponte de Lima, pelo menos, em Abril de 2019, altura em que fugiu de casa, não voltando a contactar com aquela; 13- Houve períodos em que, sem abrigo, pernoitava no parque da cidade de Viana do Castelo.(…)”
XIX. A submoldura da prevenção geral é fortemente influenciada pela importância dos bens jurídicos a proteger, desempenhando uma função pedagógica através da qual se procura dissuadir as consequências nocivas da prática de futuros crimes e conseguir o reforço da crença coletiva na validade e eficácia das normas, em ordem à defesa da ordem jurídica penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva.
XX. De facto, atenta a finalidade da pena, nomeadamente as suas vertentes de prevenção geral e especial, e tendo em conta a especial finalidade de promover a reinserção social do arguido e a adoção voluntária e espontânea por aquele dos princípios jurídicos elementares, sempre a condenação no caso em apreço devia ser fator preponderante para aplicação de uma pena mais atenuada.
XXI. De facto, atenta a finalidade da pena, nomeadamente as suas vertentes de prevenção geral e especial, e tendo em conta a especial finalidade de promover a reinserção social do arguido e a adopção voluntária e expontânea por aquele dos princípios jurídicos elementares, sempre a condenação no caso em apreço, dados os factos como provados – nomeadamente a inexistência de antecedentes criminais por crime de igual natureza deveria manter-se próximo dos mínimos legais.
XXII. Além disso, deveria relevar para determinação da medida da pena a circunstância em que ocorreu a prática do crime, designadamente o facto de a mesma ter ocorrido numa detenção do aqui recorrente, que ocorreu após o mesmo ter sido agredido, conforme consta da decisão as marcas de agressão era visíveis.
XXIII. Deveria ser considerado atenuante o facto de o arguido atravessar uma situação familiar e económica difícil, tal como consta dos artigo 11 a 13 dos factos provados.
XXIV. Por conseguinte, a aplicação ao arguido de uma pena de prisão de 1 ano e 8 meses, traduz-se numa condenação excessiva e que ultrapassaria, como ultrapassa, os efeitos e os fins que a pena visa prosseguir.
XXV. A sentença de que ora se recorre viola o disposto nos artigos40.º; 70.º; 71.º e 72.º todos do Código Penal.
XXVI. Face ao supra exposto, deve a decisão recorrida ser revogada e consequentemente ser substituindo-a por outra que fixe a pena no seu limite mínimo.

TERMOS EM QUE deve o presente Recurso ser julgado procedente por provado, e em consequência revogar a douta decisão recorrida, substituindo-a por outra que considere a especial atenuação da pena nos termos do consagrado no n.º 1 e 4 do D.L.nº.401/82, de 23-9., e consequentemente fixe a pena a aplicar ao arguido muito abaixo da fixada na douta sentença recorrida.
V. Ex.as, como sempre, farão inteira JUSTIÇA

3. O Ministério Público, na primeira instância, respondeu ao recurso interposto pelo arguido, tendo concluído no sentido de que o recurso deverá ser julgado improcedente.
4. Nesta instância, o Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu o seu parecer, defendendo que o recurso é intempestivo, pelo que deverá ser rejeitado por decisão sumária do relator.
5. Cumprido o disposto no artigo 417º nº2 do CPP, o recorrente respondeu, defendendo a tempestividade do recurso.
6. Após ter sido efetuado exame preliminar, foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.

II- FUNDAMENTAÇÃO

1- Objeto do recurso

O âmbito do recurso, conforme jurisprudência corrente, é delimitado pelas suas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, sem prejuízo naturalmente das questões de conhecimento oficioso do tribunal, cfr. artigos 402º, 403º e 412º, nº 1, todos do CPP.

Assim, considerando o teor das conclusões do recurso interposto no sentido acabado de referir, as questões a decidir reconduzem-se às matérias seguintes:
- Aplicação do regime penal especial para jovens delinquentes previsto no DL nº 401/82, de 23.09; e
- Medida da pena de prisão.

Acresce ainda, como questão prévia, em face do teor do parecer do Exmo. Sr. Procurador Geral-Adjunto, a questão da tempestividade do recurso.

2- A decisão recorrida

1. Na sentença recorrida foram considerados como provados os seguintes factos (transcrição):
1- No dia 22 de Março de 2019, cerca das 21.38h, foram chamados à Praça …, em Viana do Castelo, os agentes da PSP V. D. e P. M., em virtude da notícia de distúrbios a aí ocorrerem - arremesso de pedras contra viaturas automóveis por parte do ora arguido;
2- Aí chegados os referidos agentes da PSP de Viana do Castelo procuram que este cessasse tal comportamento, sendo que este, nessa ocasião, virou-se para os agentes V. D. e P. M. e disse-lhes: “Cabrões da merda”, “filhos da puta”, “vou-vos matar”, “a puta da tua mãe vou matá-la”, vou-te apanhar à civil, vou-te matar na rua cabrão”, “montes de merda”, “chulos”, sou da margem sul, sei o que são armas, vou-vos dar um tiro”, “amanhã vou-vos matar”;
3- Ao mesmo tempo que proferia tais palavras, o arguido dirigiu-se ao agente V. D. e desferiu-lhe um pontapé no membro inferior direito;
4- Advertido o arguido de que tal conduta constituía crime e que deveria cessar tal comportamento, o arguido manteve a mesma postura, pelo que lhe foi dada voz de detenção;
5- O arguido não obedeceu à ordem de detenção que lhe foi dada pelos elementos da PSP de Viana do Castelo, resistindo à abordagem policial e desferindo ainda um pontapé na mão direita do agente V. D., que procurava algema-lo, pelo que foi necessário o recurso, por parte dos referidos agentes da PSP de Viana do Castelo, à técnica de mãos livres, tendo o mesmo sido algemado no solo;
6- O agente da PSP de Viana do Castelo V. D. sofreu, em consequência das condutas referidas em 3. e 5. dores nas zonas atingidas;
7- O arguido quis, ao agir da forma descrita, atingir o corpo e a saúde de V. D. – bem sabendo que o mesmo era agente da PSP - apesar de bem saber que a sua conduta era proibida e punida por lei;
8- Mais quis o arguido, ao agir da forma descrita, impedir os agentes da PSP de Viana do Castelo de exercerem as suas funções, opondo-se a que os mesmos o detivessem, algemassem e levassem para a esquadra da PSP de Viana do Castelo, bem sabendo que estava perante agentes de autoridade e que estes actuavam no exercício das suas funções;
9- Agiu o arguido de forma deliberada, voluntária e consciente, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei;
10- O arguido tem antecedentes criminais, tendo já sido condenado pela prática, em: - 4-10-15, de dois crimes de furto qualificado, em penas de prisão, suspensa na sua execução, e multa; - 29-10-15, de um crime de furto qualificado, em pena de prisão, suspensa na sua execução; e, - 3-5-16, de um crime de furto simples, em pena de multa;
11- O arguido esteve acolhido na instituição Casa ..., em Viana do Castelo, de onde saiu em Julho de 2016, transferido para outra instituição de acolhimento no sul do país;
12- Estava a viver com a mãe, em Ponte de Lima, pelo menos, em Abril de 2019, altura em que fugiu de casa, não voltando a contactar com aquela;
13- Houve períodos em que, sem abrigo, pernoitava no parque da cidade de Viana do Castelo.

3- Questão prévia

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto defende que o recurso é intempestivo. Segundo refere, o arguido não esteve presente em nenhuma das sessões da audiência de julgamento, como decorre do despacho exarado na ata da audiência de julgamento de 18.10.2020. Acresce que, o recurso entrou em juízo em 25.11.2020. O arguido foi notificado pessoalmente da decisão em 08.09.2020.
Assim, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto concluiu nos seguintes termos: “ Deverá o recurso do arguido ser rejeitado por intempestividade, pois que, tendo sido julgado nos termos do art. 333.º, n.º 2 do Cód. Proc. Penal, ou seja, na sua ausência, a decisão que o condenou foi-lhe notificada pessoalmente, através de contacto pessoal em data posterior à entrada do recurso em juízo, sendo que o prazo para tal só se inicia após tal notificação se concretizar, conforme previsão do referido art. 333.º, no seu n.º 5”.
*
Promovo se dê cumprimento ao disposto no art. 417.º, n.º 2 e, oportunamente, o recurso seja julgado em decisão sumária - art. 417.º, n.º 6, ambos do Cód. Proc. Penal.”

Vejamos.

1. Antes do mais, importa dizer que o Exmo. Procurador-Geral Adjunto equivocou-se nas datas que referiu, exceto a data em que o arguido foi notificado pessoalmente da sentença.
De facto, o arguido não esteve presente em qualquer das sessões da audiência de julgamento, sendo que a sua presença não foi considerada absolutamente indispensável desde o início da audiência de julgamento, em conformidade com o disposto no artigo 333º, nºs 1 e 2 do CPP, de acordo com o despacho judicial proferido em ata de 18.10.2019 (cfr. fls. 56 verso). A sentença recorrida foi proferida e depositada em 25.10.2019 (cfr. fls 72 e 73). O recurso da sentença deu entrada em juízo em 25.11.2019 (cfr. fls. 84). A sentença recorrida apenas foi notificada pessoalmente ao arguido em 08.09.2020 (cfr. fls. 103).O recurso da sentença foi admitido na primeira instância em 26.10.2020 (cfr. fls. 107).
2. Em face da redação atual do artigo 333º, nºs 1, 2, 5 e 6 e do nº 10 do artigo 113º, ambos do CPP, temos por pacífico o entendimento segundo o qual, tendo a audiência de julgamento decorrido na ausência do arguido por se ter considerado que a sua presença não era absolutamente indispensável desde o início da audiência, o arguido tem obrigatoriamente de ser notificado pessoalmente da sentença, e o prazo para a interposição de recurso pelo arguido conta-se a partir da notificação da sentença.
No caso vertente, a audiência de julgamento decorreu na ausência do arguido ao abrigo do disposto no acima transcrito artigo 333º do CPP e o arguido foi posteriormente notificado pessoalmente da sentença. Porém, sucedeu que o arguido, através do seu defensor, interpôs recurso da sentença enquanto decorriam diligências com vista à sua notificação pessoal da sentença, ou seja, em data anterior à concretização da aludida notificação.
Acerca do recurso interposto pelo arguido julgado na ausência, em conformidade com o disposto no artigo 333º, nºs 2 e 3 do CPP, e admitido sem que o arguido tenha sido notificado pessoalmente da sentença, a jurisprudência tem vindo a pronunciar-se, por forma uniforme, no sentido de que o recurso é extemporâneo pelo facto de o prazo de recurso do arguido ainda não se ter iniciado. Assim, neste sentido, pese embora com fundamentação não inteiramente coincidente, vide v.g. Decisões sumárias da RC de 10.05.2017, processo 18/11.8TAOFR.C1; de 15.05.2013, 414/10.8TAMGR.C1; 21.03.2012, 83/08.5JAGRD.C1; e 08.02.2012, processo 161/03.7GAMIR.C2; Ac RC de 06.02.2013, processo 93/12.8PFLRA.C1; Ac RE de 08.05.2018, processo 86/17.9GBODM.E1; Ac RL de 28.01.2014, processo 445/09.OGASXL.L1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Aliás, a mesma posição é defendida no Código de Processo Penal, Comentários e Notas Práticas, da autoria dos Magistrados do Ministério Público do Distrito Judicial do Porto, Coimbra Editora, pás. 832 e 833, ao referir-se que «o termo inicial do prazo do trânsito em julgado da sentença resultante de audiência, inclusive a leitura, que decorreu sem a presença do arguido só começa a correr com a sua notificação ao próprio, o que significa que o recurso que tenha sido interposto pelo seu defensor não pode ser admitido, por manifesta intempestividade.».
Como dissemos, no caso que agora nos ocupa, a questão é diferente, porquanto, não obstante o recurso ter sido interposto antes mesmo de o arguido ter sido notificado pessoalmente da sentença, esta notificação foi entretanto efetuada e o recurso apenas foi admitido e tramitado após a referida notificação.
Ainda assim, em casos como presente, alguma jurisprudência defende que o recurso interposto pelo arguido é extemporâneo. Assim, vide o Ac RP de 07.07.2010, processo 1349/06.4TBLSD.P1, disponível em www.dgsi.pt. E o acórdão desta Relação de Guimarães de 22.10.2012, processo 585/09.6GBVVD.G1, também disponível em www.dgsi.pt, em cujo sumário se refere que “I) Decorre do preceituado no artigo 333º, nº 5, do CPP, que o legislador, de forma expressa, indica que a prática do ato processual de impugnação da sentença pelo arguido julgado na ausência está condicionado à verificação de um outro ato anterior, a saber, a efetivação da notificação pessoal da sentença ao arguido. II) Só a partir de tal notificação é que se pode contar o prazo (perentório) dentro do qual pode o arguido julgado na ausência impugnar a sentença.”
Todavia, a questão não se tem apresentado como pacífica, como decorre, desde logo, da declaração de voto de vencido constante do atrás citado acórdão desta Relação de Guimarães de 22.10.2012, na qual se refere nomeadamente, que “Sendo um prazo final, afigura-se-me que não há alguma razão, relacionada com os fins visados pela norma, que impeça a interposição do recurso antes de iniciada a contagem do prazo. É um comportamento processual que em nada afeta os fins para que o prazo foi estabelecido, nomeadamente a celeridade processual ou o direito ao contraditório. Dele não resulta qualquer prejuízo para quem quer que seja, nomeadamente para os outros sujeitos processuais, que não ficam limitados no direito à resposta. Na realidade, o que se visa com a fixação do prazo para a interposição do recurso é impedir o arrastamento temporal do processo e a incerteza daí decorrente. Não é criar limites ao direito ao recurso (art. 32 nº 1 da CRP), com argumentos formais, sem razões substantivas, para se conseguir uma decisão mais justa ou mais célere.
É certo que há atos que não podem ser praticados sem que outros ocorram. Por exemplo, não se pode contestar antes da acusação, ou recorrer da sentença antes de ser proferida, mas tal prende-se com a própria natureza intrínseca das coisas, pois são atos que estão limitados pela existência dos que lhes antecederam.”
No sentido de que, em casos como o presente, o recurso não deverá ser considerado extemporâneo foi entendido na decisão sumária desta Relação de Guimarães de 16.05.2016, processo 1384/13.6TABRG.G1, disponível em www.dgsi.pt, ao referir que «(…) para além de não ter correspondência na letra da lei, não é razoável, posto que penaliza o advogado diligente, privilegiando o formalismo inútil em detrimento dos princípios da economia e celeridade processuais, da instrumentalidade do processo e da efetividade da tutela jurisdicional. Na verdade, a preclusão é a consequência que a lei prevê para o incumprimento de prazo perentório, supondo, portanto que este tenha decorrido (cfr. artº 145º, 3 do CPC ex vi do artigo 104.º, n.º 1 do CPP e a anotação de Lebre de Freitas e Outros no CPC, vol I, 1ª ed, p. 254); A preclusão temporal, portanto, apenas poderia ocorrer pela perda do prazo, e não pela antecipação da prática do ato processual. Como é sabido, na prática processual dos nossos tribunais, a regra é de que os prazos processuais não podem ser excedidos, podendo todavia ser antecipados (cfr., v.g., os acórdãos do STA de 13-1-1988, rec. nº 22.424, de 9-10-2002, proc.º n.º 026482, rel. Brandão de Pinho e de 28-2-2007, proc.º n.º 01121/06, rel. Lúcio Barbosa, os dois últimos in www.dgsi.pt).».
No mesmo sentido foi decidido no acórdão desta Relação de Guimarães de 25.06.2019, processo 40/12.7IDVRL.G2, disponível em www.dgsi.pt em cujo sumário pode ler-se “Porque o critério baseado na teleologia do ato de notificar é a precípua função de assegurar ao visado a oportunidade de impugnar a decisão que lhe é desfavorável com a ciência transmitida pelo próprio tribunal e não mediatamente por interposta pessoa, o recurso interposto pelo defensor da sentença condenatória proferida contra arguido ausente, enquanto este não se mostrar notificado da mesma, não deve ser admitido e se o for não pode ser objeto de apreciação pelo tribunal superior.”
Ainda no mesmo sentido vide o acórdão desta Relação de Guimarães de 25.05.2020, processo 11/15.1GAAMR.G1, também disponível em www.dgsi.pt, em cujo sumário se refere que “I) Enquanto o arguido julgado na ausência ao abrigo do art. 333º, n.ºs 2 e 3, do CPP não for notificado da sentença condenatória, o recurso interposto pelo seu defensor não deve ser admitido e, sendo-o, não pode ser objeto de apreciação pelo tribunal superior. II) O que, todavia, não significa que tal recurso, prematuramente interposto, seja extemporâneo e rejeitado, devendo-se antes aguardar pela efetivação da notificação da sentença ao arguido, aproveitando-se o ato praticado pelo seu defensor, a não ser que o arguido lhe retire a eficácia termos previstos no art. 63º, n.º 2, do CPP ou apresente novo requerimento de interposição de recurso.”
Quanto a nós, cumpre dizer que nos revemos nesta última posição seguida nesta Relação de Guimarães, bem assim no citado voto de vencido, pelo que fazemos nossa toda a argumentação aí expendida.
Ainda assim, oferece-nos dizer que no caso de o arguido não ter sido notificado pessoalmente da sentença, o recurso que, apesar disso, haja sido interposto pelo seu defensor não deve ser admitido e, caso o tenha sido o tribunal de recurso não pode dele conhecer por falta de verificação de um pressuposto processual, que é a falta de notificação pessoal da sentença ao arguido.
Ou seja, em tal hipótese, sendo certo que o recurso é interposto antes do momento próprio, e nesse sentido é extemporâneo, o que impede a admissão e o conhecimento do recurso pelo tribunal de recurso não é o facto de ter sido interposto antes da notificação pessoal da sentença, mas antes a ausência desta notificação. É que enquanto a notificação pessoal da sentença ao arguido não ocorrer, sempre o arguido está a tempo de poder interpor recurso, com as consequências processuais que daí podem decorrer.
Relativamente à questão colocada nos presentes autos em que a admissão do recurso foi efetuada já depois de esgotado o prazo de que o arguido dispunha para recorrer da sentença, temos que o recurso interposto pelo defensor do arguido antes mesmo da notificação da sentença ao arguido não pode ser considerado intempestivo com fundamento apenas no facto de ter sido interposto antes de o prazo de recurso se ter iniciado.
Na verdade, não se pode olvidar que está em causa o direito ao recurso protegido constitucionalmente no artigo 32º, nº 1 da CRP, o que estatui “O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso.”
No que concerne ao direito ao recurso, como bem se refere no Ac. STJ de 24.09.2003, processo 03P243, disponível em www.dgsi.pt, “…toda a modelação processual do regime dos recursos em processo penal tem de ser compreendida na perspetiva da injunção constitucional, com uma dupla ordem de pressupostos e consequências. A modelação (pressupostos; prazos; conformação estritamente processual ou procedimental) supõe regras, e mesmo porventura regras estritas e objetivas, para o exercício do direito; mas também, por outro lado, as dúvidas de interpretação sobre os pressupostos devem ser sempre consideradas em favor do direito (e da garantia de defesa) e não contra o titular do direito. No domínio dos direitos e garantias é a regra do favor reo e o princípio favorabilia amplianda, odiosa restringenda.
O processo penal, por outro lado, tanto na estrutura dos modelos, como em cada situação concreta, deve apresentar e representar a realização de concordâncias práticas entre finalidades e meios, mediadas sempre pela realização, na maior amplitude possível, dos princípios estruturantes e constitucionais.
Entre os princípios estruturantes do processo penal democrático deve salientar-se o princípio do processo equitativo, integrado pelos elementos de densificação enunciados no artigo 6º, § 1º, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e também no artigo 14º do Pacto Internacional Sobre os Direitos Civis e Políticos - instrumentos internacionais de que Portugal é Parte - e que comanda toda a formulação das garantias inscritas no artigo 32º da Constituição.”
A posição que defende que a prática do ato processual (interposição de recurso) antes de o prazo começar a correr, constitui um ato extemporâneo, baseia-se em argumentos meramente formais que contende com o princípio do processo justo e equitativo na medida em que conduz a uma restrição desnecessária e, por isso, injusta, do direito ao recurso, podendo, em função das vicissitudes do processo, e como a prática judiciária o demonstra, conduzir à sua preclusão.
Pelo contrário, o aproveitamento da prática do ato em tais circunstâncias, nenhuma influência negativa tem no andamento do processo, representando uma concretização do princípio do máximo aproveitamento dos atos processuais e da proibição de atos inúteis, pois o arguido não carece de interpor novamente recurso após o inicio da contagem do prazo. E contribuiu, sem prejuízo para os demais sujeitos processuais, para tutelar de forma efetiva do direito ao recurso.
Assim, e caso o arguido não retire eficácia ao recurso interposto pelo seu defensor, em conformidade com o disposto no artigo 63º, nº 2 do CPP, nenhuma razão existe para considerar o recurso interposto pelo arguido extemporâneo.
Pelo exposto, decorre que no casso em apreço, o recurso não é intempestivo.

4- Apreciação do recurso

4.1- O recorrente defende que o tribunal recorrido, face à idade do arguido e às suas condições pessoais, deveria ter procedido à aplicação do regime especial para jovens previsto no DL nº 401/82, de 23.09 e, consequentemente, à atenuação especial da pena.
O tribunal recorrido, no sentido de afastar o aludido regime, fundamentou a sua decisão, aduzindo que “Convirá ainda não esquecer que o arguido tinha à data dos factos (e ainda tem) idade inferior a 21 anos (nasceu em ..-8-99).
E assim, tendo em conta o referido factor - a idade do arguido -, e sendo o crime que lhe é imputado punível com pena de prisão, haverá ainda que apreciar se ao mesmo é aplicável o regime especial para jovens previsto no D.L.nº.401/82, de 23-9.
Nos termos das disposições dos arts.1º e 4º do cit.D.L., se o agente tiver à data da prática do crime idade compreendida entre os 16 e os 21 anos e for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena, quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado.
Tal atenuação especial prevista no referido regime especial para jovens, como se refere no Ac. do S.T.J. de 2-12-93 (in B.M.J., nº.432, pág.180), “depende essencialmente da apreciação da personalidade do agente, e das esperanças de ressocialização que ele der, nomeadamente face aos factos que cometeu, sendo desaconselhável a sua aplicação quando o crime cometido revela fria indiferença e impermeabilidade de sentimentos, que legitimam um prognóstico reservado e nada optimista quanto à sua evolução” (cfr. também, entre outros, os Acs. do S.T.J. de 31-1-08 e da R.P. de 21-4-10, ambos in www.dgsi.pt).
Atentos os factos apurados, ponderando, por um lado, a ainda pouca idade que o arguido tinha aquando da prática deste crime (e ainda tem), mas, por outro lado, a existência de antecedentes criminais (ainda que relativos a crimes de diversa natureza) e a circunstância de que o percurso de vida do arguido (do pouco que se conseguiu apurar) é muito instável e desestruturado, concluímos que a atenuação especial referida em nada iria contribuir para a sua reinserção social, pelo que entendemos não dever aplicar in casu o referido regime especial.”
Vejamos.
Se for aplicável pena de prisão deve o juiz atenuar especialmente a pena nos termos do disposto nos artigos 9º, 72º e 73º do C. Penal, quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado, cfr. artigo 4º do DL n.º 401/82, de 23.09, que instituiu um regime penal especial para jovens com idade compreendida entre os 16 e sem ter ainda atingido os 21 anos.
Com tal regime jurídico, como decorre do preâmbulo do mencionado diploma, teve-se em vista a instituição de um direito mais reeducador do que sancionador, sem esquecer que a reinserção social, para ser conseguida, não poderá descurar os interesses fundamentais da comunidade, e de exigir, sempre que a pena aplicável seja a de prisão, que essa seja especialmente atenuada, nos termos gerais, se para tanto concorrerem sérias razões de que assim se facilitará aquela reinserção.
Neste sentido, o tribunal só lançará mão desta atenuação especial quando seja de prever que ela terá efeitos socializantes positivos, facilitará a inserção social do jovem delinquente. Impõe-se, por isso, ponderar caso a caso não só a personalidade do agente e o seu comportamento anterior e posterior ao crime, sendo certo que a aplicação do regime penal especial para jovens delinquentes não exige que a ilicitude ou a culpa sejam especialmente diminuídas, bem assim que as exigências de prevenção geral ou defesa da sociedade sejam reduzidas, bastando-se com o facto de que da sua aplicação resulte reais vantagens para a reinserção do jovem (2).
Por isso, a jurisprudência, designadamente do STJ tem defendido que a ilicitude, a culpa e as exigências de prevenção geral não relevam por forma decisiva para efeitos da decisão sobre a atenuação especial da pena quanto ao aludido regime especial para jovens delinquentes. Neste sentido, vide v.g. os Acs STJ de 25.10.2012, processo 525/10.0PBLRA.C1.S1; de 30.05.2012, processo 21/10.5GATVR.E1.S1; 10.04.2014, processo 368/12.6PFLRS.L1.S1; de 02.08.2013, processo 69/12.5TAPCV.C1-A.S1, todos disponíveis em www.dgsi.pt
Assim, em síntese, a atenuação especial da pena, por força do aludido regime especial, não é de aplicação automática no sentido de que seja suficiente que o jovem esteja incluído no referido escalão etário ( idade compreendida entre os 16 e sem ter ainda atingido os 21 anos). Este apenas é o seu pressuposto formal. Para além deste, exige-se a verificação de um pressuposto material, que se traduz no facto da sua aplicação resultar reais vantagens para a reinserção social do jovem.
No caso vertente, o arguido, na data dos factos, tinha 19 anos de idade; já havia sofrido três condenações em tribunal, sendo duas pela prática do crime de furto qualificado em pena de prisão suspensa, tendo, inclusive, beneficiado da atenuação especial da pena decorrente da aplicação do regime especial para jovens delinquentes do DL nº 401/82, de 23.09, e uma condenação em pena de multa, entretanto substituída por trabalho a favor da comunidade, pela prática de um crime de furto simples (cfr. CRC fls. 47 e segs.).

No que concerne às suas condições pessoais, apesar de solicitado, não foi possível elaborar relatório social, sendo que o arguido com a sua não comparência em audiência de julgamento contribui para que assim fosse. Isto para dizer que os elementos disponíveis são escassos. Ainda assim, logrou apurar-se que:

- O arguido esteve acolhido na instituição Casa ..., em Viana do Castelo, de onde saiu em julho de 2016, transferido para outra instituição de acolhimento no sul do país;
- Estava a viver com a mãe, em Ponte de Lima, pelo menos, em abril de 2019, altura em que fugiu de casa, não voltando a contactar com aquela; e
- Houve períodos em que, sem abrigo, pernoitava no parque da cidade de Viana do Castelo.
De forma que, o arguido, apesar de jovem, mesmo antes da prática dos factos dos presentes autos já havia sofrido três condenações pela prática de crime de furto (crimes de diferente natureza do crime deste processo), tendo já beneficiado da atenuação especial da pena de prisão decorrente da aplicação do regime penal especial para jovens.
Por conseguinte, em face dos referidos antecedentes, a prática dos factos dos presentes autos evidencia que o arguido mantém um propósito de desrespeito pelas normas jurídico-penais na medida em que praticou um novo crime, não sendo capaz de cumprir regras de convivência social pacífica. E de nada serviu, no sentido de o impedir, o facto de ter beneficiado anteriormente da atenuação especial da pena de prisão, resultante da aplicação do regime especial para jovens delinquentes do DL nº 401/82, de 23.09.
Os factos relativos às condições pessoais do arguido, sendo escassos, permitem formular a ideia de que o arguido se tem colocado à margem da sociedade e da sua própria família, evidenciando dificuldades em delinear um projeto de vida.
Por tudo isto, da aplicação, em concreto, do regime penal especial para jovens nenhuma vantagem traria para a reinserção social do arguido, pelo que a sua aplicação, a ter lugar, apenas significaria mais uma benesse do tribunal sem qualquer consequência positiva para a reinserção social do arguido.
Em suma, julgamos ter bem andado o tribunal recorrido ao ter afastado a aplicação do regime especial para jovens delinquentes do DL nº 401/82, de 23.09.

4.2- O recorrente insurge-se contra a medida da pena de prisão aplicada, a qual considera excessiva, entendendo que a pena a aplicar deverá ser fixada muito abaixo da fixada na sentença recorrida.
Assim, importa sindicar da medida concreta da pena.
A determinação concreta da pena faz-se de acordo com os critérios fixados no artigo 71º, n.º 1 e n.º 2 do C. Penal, pelo que, numa primeira aproximação, a pena deve ser concretizada em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo ainda, numa segunda fase, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, rodearam o mesmo, antes ou depois do seu cometimento.
A medida concreta da pena há-de encontrar-se no espaço de liberdade fornecido por uma moldura que tem como limite máximo a culpa do agente e como limite mínimo as exigências de prevenção geral positiva (3).

Na verdade, importa precisar que:
- A culpa do agente assinala o limite máximo da moldura penal, dado que não pode haver pena sem culpa, nem a pena pode ser superior à culpa, de acordo com princípios fundamentais da Constituição da República Portuguesa (4), do Código Penal e no respeito pela dignidade inalienável do agente (5);
- As exigências de prevenção geral (traduzidas na necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto, no respeito pelas legitimas expectativas da comunidade) têm uma medida ótima de proteção, que não pode ser excedida, e um limite mínimo, abaixo do qual não se pode descer, sob pena de se pôr em causa a crença da comunidade na validade da norma violada e os sentimentos de confiança e segurança dos cidadãos nos institutos jurídico-penais; trata-se, aqui, de determinar qual a pena necessária para assegurar o respeito pelos valores violados, pelo que, a pena a aplicar não pode ultrapassar os limites de prevenção geral, uma vez que, como dispõe o artigo 18º, nº2 da C.R.P., só razões de prevenção geral podem justificar a aplicação de reações criminais; e
- Dentro desses dois limites atuam, na graduação da pena concreta, os critérios de prevenção especial de ressocialização, pois só se protege eficazmente os bens jurídico – penais se a pena concreta servir a reintegração do agente ou não evitar a quebra da sua inserção social.
Em suma, a realização da finalidade de prevenção geral que deve orientar a determinação da medida concreta da pena abaixo do limite máximo fornecido pelo grau de culpa, relaciona-se com a prevenção especial de socialização por forma que seja esta finalidade a fixar, em último termo, a medida final da pena (6).
Para graduar concretamente a pena há que respeitar ainda, como supra fico dito, o critério fornecido pelo n.º 2 do artigo 71º do C. P., ou seja, atender a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele. Este critério é fornecido, exemplificativamente, nas suas alíneas e podem e devem ajudar o tribunal a concretizar, no sentido de vir a quantificar, quer a censurabilidade ao facto a título de culpa, quer as exigências de prevenção geral e de prevenção especial.
A exigência de as referidas circunstâncias, favoráveis ou desfavoráveis ao agente (atenuantes ou agravantes), não integrarem o tipo legal de crime, ressalta de já terem sido levadas em conta pelo legislador na determinação da moldura legal, o que, no caso contrário, violaria o princípio ne bis in idem. (7)

No caso vertente, o tribunal de primeira instância, dentro de uma moldura abstrata de um a cinco anos de prisão, fixou a pena concreta em que condenou o arguido em um ano e oito meses de prisão.
Da fundamentação da decisão recorrida, resulta que o tribunal a quo teve em conta cada um dos fatores suscetíveis de influenciar a medida concreta da pena de acordo com dos princípios gerais de determinação acima enunciados.
Na verdade, a medida da pena foi fixada tendo presente o grau de ilicitude dos factos e da culpa, bem assim segundo as exigências de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir.
O grau ilicitude dos factos, subsumíveis ao tipo legal de crime de resistência e coação sobre funcionário, assume uma gravidade mediana, atenta a gravidade objetiva e à variedade das ofensas.
A culpa com que o arguido atuou é intensa, uma vez que agiu com dolo direto, ou seja, representou os factos e agiu com a intenção de os realizar (artigo 14º, n.º 1 do C. Penal).
A pena deve, tanto quanto possível, neutralizar o efeito do delito, passando a surgir este, sem sombra de dúvidas, como um exemplo negativo para a comunidade e contribuindo, ao mesmo tempo, para fortalecer a consciência jurídica da comunidade, procurando dar satisfação ao sentimento de justiça do mundo circundante que rodeia o arguido e que nos casos de resistência e coação sobre funcionário é medianamente sentido (função de prevenção geral).

No que concerne às razões de prevenção especial (positiva e negativa), embora também com relevância por via da culpa, importa atender:

- Aos antecedentes criminais do arguido pela prática de crimes de diferente natureza (crimes de furto);
- À idade do arguido (na data dos factos tinha 19 anos de idade), enquanto reveladora de imaturidade da sua personalidade; e

No que se refere às consequências, designadamente para os dois agentes da PSP visados pelas condutas do arguido importa referir que elas se traduzem nas consequências normais decorrentes na prática do tipo de crime cometido. No entanto, delas não resultaram sequelas graves.
Em face do quadro descrito, as exigências de prevenção geral e especial são medianas.
Acresce que não ocorre violação das regras da experiência ou a desproporção da quantificação efetuada atenta a duração da pena de prisão determinada.
Assim, a medida de 1 ano e 8 meses de prisão fixada respeita os princípios da necessidade, proibição de excesso ou proporcionalidade das penas, observando o preceituado no artigo 18º, nº 2, da CRP, sendo adequada à reposição da validade da norma infringida e não ultrapassa a medida da culpa do arguido.
Nesta conformidade, a sentença recorrida não nos merece qualquer censura quanto à medida da pena.

III – DISPOSITIVO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes que constituem a Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Custas a cargo do arguido /recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 3 Ucs - artigo 513º do CPP e artigo 8º, nº 9 do RCP e tabela III anexa ao referido código.
Notifique.
Guimarães, 08.02.2021
(Texto integralmente elaborado pelo relator e revisto por ambos os signatários (artigo 94º, nº 2 do C. P. Penal).

(Armando da Rocha Azevedo - Relator)
(Clarisse S. Gonçalves – Adjunta)





1. De entre as questões de conhecimento oficioso do tribunal estão os vícios da sentença do nº 2 do artigo 410º do C.P.P., cfr. Ac. do STJ nº 7/95, de 19.10, in DR, I-A, de 28.12.1995, as nulidades da sentença do artigo 379º, nº 1 e nº 2 do CPP, irregularidades no caso no nº 2 do artigo 123º do CPP e as nulidades insanáveis do artigo 119º do C.P.P..
2. Neste sentido, vide Ac. STJ de 14.06.2007, processo nº 07P1423, disponível no sítio www.dgsi.pt, segundo o qual “este STJ tem vindo entender a aplicação do regime penal relativo a jovens é um «regime-regra de sancionamento penal aplicável a esta categoria etária - não constitui uma faculdade do juiz, mas antes um poder-dever vinculado que o juiz deve (tem de) usar sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos» (Ac. do STJ de 11-06-2003, recurso 1657/03-3). «A atenuação especial da pena prevista no art. 4.° do DL 401/82 não se funda nem exige “uma diminuição acentuada da ilicitude e da culpa do agente” nem, contra ela, poderá invocar-se “a gravidade do crime praticado e/ou a defesa da sociedade e/ou a prevenção da criminalidade”. Pois que, por um lado, a lei não exige - para que possa operar – a «demonstração de» (mas a simples «crença em») «sérias razões» de que «da atenuação resultem vantagens para a [sua] reinserção social» (cfr. STJ 27-02-2003, recurso 149/03-5). E já que, por outro, «a atenuação especial da pena a favor do jovem delinquente não pressupõe, em relação ao seu comportamento futuro, um “bom prognóstico”, mas, simplesmente, um “sério” prognóstico de que dela possam resultar “vantagens” para uma (melhor) reinserção social do jovem condenado» (ibidem). Tanto mais que, «tratando-se de jovens delinquentes, são redobradas as exigências legais de afeiçoamento da medida da pena à finalidade ressocializadora das penas em geral». Efetivamente, se, quanto a adultos não jovens, a reintegração do agente apenas intervém para lhe individualizar a pena entre o limite mínimo da prevenção geral e o limite máximo da culpa, já quanto a jovens adultos essa finalidade da pena, sobrepondo-se então à da proteção dos bens jurídicos e de defesa social, poderá inclusivamente - bastando que “sérias razões” levem a crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado” - impor, independentemente da sua (menor) culpa, o recurso à atenuação especial da pena» …”
3. Vide F. Dias, Direito Penal Português, As Consequências do Crime, Editorial Notícias, p. 227 e ss.
4. Cfr. artigos 1º, 13º, n.º 1 e 25º, n.º 1.
5. Cfr. n.º 2 do artigo 40º do C. Penal.
6. Vide Anabela Rodrigues, "A determinação da medida concreta da pena..., R.P.C.C., nº2 (1991); "Sistema Punitivo Português, Sub Judice, 1996, nº11; da mesma autora vide também “O modelo de prevenção na determinação da medida concreta da pena”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal”, Ano 12,n.º 2 Abril – Junho de 2002, 147/182 e F. Dias, Direito Penal Português, ob. cit., pág. 243 .
7. Vide A. Robalo Cordeiro, "Escolha e medida da pena", in Jornadas de Direito Criminal, CEJ, pág. 272.