Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | JORGE BISPO | ||
Descritores: | OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA LEGÍTIMA DEFESA REQUISITOS LEGAIS | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 12/17/2018 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | SECÇÃO PENAL | ||
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Sumário: | I) - A legítima defesa, enquanto causa de exclusão da ilicitude, apresenta os seguintes requisitos objetivos: - A ocorrência de uma agressão, entendida como tal qualquer lesão ou perigo de lesão de um interesse próprio ou de outra pessoa, protegido pelo ordenamento jurídico; - A atualidade da agressão, ou seja, estar esta a realizar-se, em desenvolvimento ou iminente, aferindo-se a iminência, habitualmente, pela verificação de uma situação perigosa, caracterizada pela prática de atos que, segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, forem de natureza a fazer esperar que se lhes siga o ato agressivo. A atualidade da agressão exige que esta ainda não tenha terminado, ou seja, que a defesa ocorra em momento em que ainda possa ter êxito; - A ilicitude da agressão, isto é, ser a mesma contrária a uma norma geral e abstrata e violar um interesse juridicamente protegido, não tendo o agressor direito a praticá-la, independentemente de se comportar dolosamente, com mera culpa ou se tratar de um inimputável; - A necessidade da defesa, apresentando-se o ato defensivo como indispensável para evitar ou neutralizar a agressão; - A necessidade do meio, a significar que a defesa se deve limitar à utilização do meio idóneo e suficiente para repelir a agressão e, em caso de vários meios adequados, àquele que for menos gravoso para o agressor. II) - No que concerne ao elemento subjetivo da ação de legítima defesa, conquanto parte da jurisprudência e da doutrina continuem a exigir, como elemento ou requisito essencial da legítima defesa, a ocorrência de animus defendendi, isto é, a vontade ou intenção de defesa, a posição mais representativa defende que o elemento subjetivo da ação de legítima defesa se restringe à consciência da "situação de legítima defesa", isto é, ao conhecimento e querer dos pressupostos objetivos daquela concreta situação. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO 1. No processo comum com intervenção de juiz singular que, com o NUIPC 1083/13.9GAVNF, corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga - Juízo Local Criminal de Vila Nova de Famalicão – J2, na sequência do acórdão desta Relação de 22-01-2018, que, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 374º e do n.º 1, al. a), do art. 379º, ambos do Código de Processo Penal, declarou a nulidade do segmento da sentença que procedeu à condenação do recorrente T. F., determinando a elaboração de nova sentença onde se exponham os motivos de facto que fundamentam a conclusão de que os factos 87), 89) e 107) devem ser dados como provados, procedeu-se, unicamente quanto ao que foi determinado, à elaboração de nova sentença, proferida e depositada a 12-06-2018, pela qual o referido arguido foi condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo art. 143º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 40 (quarenta) dias de multa, à taxa diária de € 5 (cinco euros), o que perfaz € 200 (duzentos euros). 2. Inconformado com esta decisão, dela recorreu o arguido T. F., concluindo a respetiva motivação nos seguintes termos (transcrição [1]): «CONCLUSÕES: 1. O arguido T. F. encontrava-se a trabalhar normalmente munido dos seus instrumentos de trabalho, nomeadamente o seu trator. 2. É abordado pelo arguido J. A. por forma a ser desapossado desse bem móvel de sua propriedade. 3. Juntam-se mais 4 ou 5 pessoas à sua volta. 4. Não se consegue encontrar fundamento para qualquer ofensa da integridade física perpetrada pelo arguido T. F. ao arguido J. A.. 5. Pelo contrário, foi o arguido T. F. quem se dirigiu ao hospital nesse dia, tendo relatório médico que dá conta das lesões sofridas. 6. Fala a testemunha que os arguidos em questão se encontravam agarrados pela roupa. 7. O trator era propriedade do arguido T. F.. 8. Este, na altura dos acontecimentos, sem qualquer motivação racional, estava a confrontar-se com o desapossamento do bem que era sua propriedade. 9. Agarrar o arguido J. A. pela roupa é mera reação ao comportamento deste! 10. O cidadão M. C., aqui testemunha, confrontado com o cenário decidiu afastar o arguido J. A.. 11. Numa situação normal, se um cidadão tem a intenção de afastar alguém numa contenda fá-lo ao agressor ou ao agredido? 12. É lógico que tenta afastar o agressor! 13. Pelo que, até por aqui se percebe que o arguido J. A. foi “pegar” com o arguido T. F. subtraindo-lhe o veículo trator e agredindo-o com essa intenção. 14. Até pelo depoimento deste arguido J. A. se percebe que o arguido T. F. foi abordado por aquele enquanto trabalhava, colocando-se em cima do trator, defendendo a sua propriedade, sem nunca ter a intenção de perpetrar qualquer violência física no arguido. 15. Censura alguma deverá apresentar o Direito Penal face ao comportamento do arguido T. F.. 16. Contudo, se mesmo assim se entender que ambos os arguidos se envolveram na contenda, outra solução não haverá que enquadrar o comportamento do arguido T. F. na legítima defesa, nos termos do artigo 32.º do Código Penal, por cumpridos os seus pressupostos. NESTES TERMOS, deve ser concedido provimento ao presente recurso, devendo, em consequência, e bem assim ser revogada e substituída a douta decisão proferida em Primeira Instância por outra absolva o aqui Recorrente dos crimes pelos quais veio condenada, e na parte cível, absolva a mesma dos pedidos de indemnização, assim se fazendo a devida JUSTIÇA.» [2] 3. A Exma. Procuradora Adjunta na primeira instância respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência, mantendo-se a sentença recorrida, tendo formulado as seguintes conclusões (transcrição): «I - O Tribunal a quo apreciou e valorou corretamente a matéria de facto submetida a julgamento, através de um exame crítico, objetivo e imparcial das provas produzidas e examinadas em audiência, indicadas pela acusação e pela defesa, à luz do princípio da livre apreciação da prova, a que alude o art. 127.° do CPP, tendo o Tribunal motivado devidamente a sua decisão. II - Indicou ainda fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência comum, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção, não resultando do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, nem a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nem a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, nem erro notório na apreciação da prova. III - A conduta do recorrente que resultou provada preenche quer os elementos objetivos, quer os elementos subjetivos do tipo legal de crime de ofensa à integridade física e, não tendo ocorrido qualquer causa de justificação, mormente a invocada legitima defesa, ou exclusão da culpa, não ocorreu qualquer violação do disposto no art.° 32.° do C.P. Pelo que, bem andou a M.ma Juiz "a quo", nenhuma censura merecendo a sentença recorrida, que não violou qualquer preceito legal. (…)» 4. Neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, no sentido de o recurso não merecer provimento, porquanto, em suma, «invocando erros de apreciação, ponto em causa a valoração que o tribunal confere aos meios de prova, atacando as ilações que a julgadora retirou da prova produzida, visando impor o seu ponto de vista, a sua subjetiva leitura da prova, querendo que ela seja adotada pelo tribunal de recurso, almejando que a sua convicção, o seu juízo, a avaliação que da prova faz, no sentido da não comprovação dos factos delituosos a si imputados, ou da exclusão da ilicitude e culpa da sua conduta seja agora conhecida, colocando em discussão da matéria de facto, na área da convicção formada, sendo a sua bem diversa da que foi empreendida pela decisora na 1ª instância, acaba, porém, o recorrente por não contestar especificamente qualquer dos pontos da matéria fáctica dada como provada, com os requisitos a que aludem os n.ºs 3 e 4 do art. 412º do Código de Processo Penal, limitando o mesmo a sua alegação às asserções genéricas que produz, ao inconformismo na apreciação probatória, não preenchendo o dever de impugnação especificada que lhe está imposto, não esclarecendo, consequentemente, de que forma é que a prova produzida impunha ao tribunal que desse, especificadamente, como não provados os factos (e quais) tal como o foram e em que medida tal contraria a versão dos factos dada como assente na douta sentença, tal inviabilizando o conhecimento do recurso na parte atinente à matéria de facto que o recorrente, aparentemente, visa impugnar, cabendo, de todo o modo, acrescentar que, devidamente confrontados os elementos a que a motivação da sentença se reporta, apenas restará frisar não se descortinar em que medida as conclusões alcançadas se não estribem nos meios probatórios avançados, ou possam, porventura, ofender o senso comum ou as regas de experiência, os quais, bem ao invés, sustentam perfeitamente os juízos formulados, sendo que os parcos excertos adiantados em nada contrariam tal asserção», mais afirmando, quanto à alegada existência de legítima defesa, que «mantendo-se, como haverá que manter, a factualidade dada como prova, não se incluindo entre os factos aí reportados que o recorrente tenha agredido o ofendido como forma de evitar que o mesmo o desapossasse do trator, ou que tenha atuado desse modo para fazer cessar tal atividade, que o tenha feito com animus deffendendi, ou que, “malgré tout”, não existissem outros meios para fazer cessar a agressão, não se vê como se possa sustentar a ocorrência de tal causa de exclusão da ilicitude e da culpa». 5. No âmbito do disposto no art. 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o recorrente não apresentou resposta a esse parecer. 6. Colhidos os vistos, teve lugar a conferência, por o recurso dever ser aí julgado, de harmonia com o preceituado no art. 419º, n.º 3, al. c), do citado código. II. FUNDAMENTAÇÃO 1. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO Dispõe o artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal que “a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido”. Daí o entendimento unânime de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que forem de conhecer oficiosamente [3]. Atenta a conformação das conclusões formuladas, importa conhecer das seguintes questões: a) - A impugnação da matéria de facto por erro de julgamento; b) - A legítima defesa. 2. DA SENTENÇA RECORRIDA 2.1 - A primeira instância considerou provados os seguintes factos (transcrição): «1. No dia 23 de Novembro de 2013 (sábado), cerca das 16 horas, o arguido T. F. dirigiu-se à residência de F. S., sita na rua …, Vila Nova de Famalicão, no mencionado trator agrícola da marca e modelo John Deere 1140, com a matrícula JJ, levando atrelado um reboque da marca e modelo Curval 4000, com a matrícula PP, com o intuito de desentupir uma fosse séptica. 2. Instantes depois, os arguidos J. A. e R. O. (irmão do arguido J. A.) abeiraram-se do trator, altura em que o arguido J. A. se travou de razões com o arguido T. F. por questões relacionadas com a propriedade do trator agrícola de matrícula JJ. 3. O arguido J. A. apoiava-se em duas canadianas em virtude de ter sofrido uma fratura no tornozelo direito. 4. No decurso dessa contenda os arguidos J. A. e T. F. embrulharam-se em luta. 5. O arguido J. A. desferiu uma pancada no antebraço direito do arguido T. F. com uma das canadianas em que se apoiava e o arguido T. F. avançou sobre o arguido J. A. e arranhou-o na face direita. 6. Seguidamente, o arguido T. F. retirou ao arguido J. A. a referida canadiana a qual brandiu em direção à cabeça deste último, atingindo-o de raspão no rosto, do lado direito, assim, como no braço esquerdo. 7. Em consequência das agressões perpetradas pelo arguido T. F., J. A. sofreu: Uma escoriação linear na hemiface direita, com o comprimento de 6 cm; Fenómenos dolorosos no cotovelo esquerdo; 8. Tais lesões demandaram cinco dias de doença, sem incapacidade para o trabalho. 9. Em consequência das agressões perpetradas pelo arguido J. A., T. F. sofreu um traumatismo na região dorsal e um traumatismo no antebraço direito. 10.Tais lesões demandaram oito dias de doença sem incapacidade para o trabalho. 11.O arguido T. F. não tem antecedentes criminais 12.O arguido T. F. agiu livre, deliberada e voluntariamente, com o propósito concretizado de lesar a integridade física do ofendido J. A. e de lhe produzir ferimentos do tipo dos verificados. 13.O arguido T. F. não tem antecedentes criminais. 14.Aufere como agricultor por conta própria, mensalmente a € 500,00 a € 600,00. 15.Estudou até ao 12º ano de escolaridade. 16.Vive com a mãe e não tem filhos a seu cargo.» 2.2 – A Mm.ª Juíza explicitou assim o processo de formação da sua convicção (transcrição): «Nos termos do disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal, a prova é apreciada segundo as regras da experiência comum e a livre convicção do julgador. A convicção do Tribunal fundou-se em todos os meios de prova produzidos e examinados em audiência de julgamento. A prova produzida deve ser analisada atenta a segurança oferecida por cada elemento probatório (considerado individualmente, nomeadamente, quanto à sua credibilidade, isenção e fundamentação da razão de ciência), e bem assim ponderada de acordo com o seu confronto com os demais elementos de prova constantes nos autos (v.g., prova documental, pericial e testemunhal), por forma a que o resultado final não produza uma decisão injusta, insuficientemente segura em termos de corroboração factual, ou incoerente com a realidade e o normal acontecer dos factos. Assim sendo, compreende-se que uma testemunha contribua ativamente para alicerçar o Tribunal na formação da convicção da realidade de um facto pela mesma relatado, atenta a sua isenção e fundamentação da razão de ciência quanto a esse mesmo facto, mas também pode acontecer que essa mesma testemunha transmita ao Tribunal outros factos que, quando confrontados com os demais elementos de prova produzida (e legalmente admissíveis), não sejam bastantes para fundamentar a resposta em determinado sentido dada pelo Tribunal à matéria factual em análise nos autos. Cumpre salientar que tendo a prova por declarações e testemunhal sido gravada, de modo algum se deve aqui reproduzir o teor da mesma, por tal não corresponder à letra e ao espírito da lei e ser inexequível na prática, mas sim frisar os pontos essenciais (nomeadamente no que respeita à fundamentação da razão de ciência, isenção, coerência, segurança e emotividade que pautaram em concreto cada depoimento) que determinaram que a convicção do julgador (relativamente ao qual a prova se produziu presencialmente) se formasse no sentido em que consta do elenco dos factos provados. O arguido T. F. referiu que no dia em causa, quando estava a desentupir umas fossas, o arguido J. A. apareceu estando apoiado numas canadianas e chamou-lhe filho da puta e ladrão, o que fez com que o arguido se aproximasse daquele J. A.. Este aproveitando a aproximação, desferiu uma pancada com uma das muletas no braço direito no antebraço no T. F. que por sua vez agarrou na canadiana e atirou-a ao chão. Negou que tivesse tocado ou arranhado no J. A.. Na sua versão teria ainda sido agredido pelos restantes coarguidos, conforme descrição que efetuou. Por sua vez o arguido J. A. referiu que no seio da discussão que teve com o arguido T. F. por causa do trator, querendo-o levar consigo, envolveram-se ambos fisicamente, puxando-se mutuamente e no meio da contenda, o declarante desferiu uma pancada com a muleta no braço do T. F., que caçou a muleta e desferiu uma pancada no declarante. Depois foram separados pelo R. O.. Assim, quanto às lesões mútuas que tanto o arguido T. F. como o arguido J. A. sofreram, não resultou para o tribunal quaisquer dúvidas, pois tal realidade resulta da documentação clínica de fls. 42 e 168, relativa ao episódio de urgência, do qual decorre que o T. F. foi admitido às 17:02 horas do dia 23/11/2013, queixando-se de dor moderada ao nível do antebraço direito e dorsalgia, com alta determinada às 18:28 horas, com parecer médico favorável. Atendeu-se ainda ao relatório pericial de fls. 176 e ss, relatório de perícia de avaliação do dano corporal em direito penal, relativo ao exame efetuado em 02/01/2014, por recurso à documentação clinica supra referida, a fixar a data da cura para o traumatismo do braço direito e região dorsal sofridas em 01/12/2013 (8 dias para a cura, sem afetação da capacidade de trabalho geral e sem afetação da capacidade de trabalho profissional). Por sua vez, quanto ao arguido J. A., resultou do relatório da perícia de avaliação do dano corporal em direito penal, de fls. 7 do apenso A, que o arguido, decorrente de agressão com instrumento contundente, sofreu escoriação linear localizada na hemiface direita medindo 6 cm e compatível com unhada e fenómenos dolorosos do cotovelo esquerdo, tendo sido concluído pelo perito médico que as lesões terão resultado de traumatismo de natureza corto contundente o que é compatível com a informação e que as lesões determinaram 5 dias para a cura, sem afetação da capacidade de trabalho geral e sem afetação da capacidade de trabalho profissional. F. S. referiu que, no dia 23 de novembro de 2013, que a seu pedido, o arguido T. F. estava a fazer uns trabalhos com o trator e que depois o seu vizinho J. A. apareceu, tendo havido uma confusão entre aqueles dois, que a testemunha não logrou concretizar porque alegadamente não viu e como tal não assistiu a quaisquer agressões. M. A. que ajudava o arguido T. F. em trabalhos declarou que não assistiu ao episódio da agressão. M. C., que no dia da agressão ia a passar de bicicleta, e apercebeu-se de uma confusão, tendo identificado o T. F. e o J. A. a envolverem-se fisicamente estando mais pessoas no local. Ora concatenando a prova, resultou que o arguido T. F. esteve, de facto, envolvido fisicamente com o arguido J. A.. E tal decorreu do depoimento da testemunha invocada em último lugar, que ao tribunal pareceu credível, em face do total desinteresse que demonstrou, conjugado com as declarações dos arguidos que se imputaram mutuamente agressões, e ainda com as lesões que foram atestadas pelos relatórios periciais. O arguido T. F., reitera-se até negou in tottum que tivesse tocado no arguido J. A.. Não nos parece, porém, que a sua versão mereça acolhimento, pois este de facto apresentava lesões. Assim, em face das declarações dos arguidos, não surgiram dúvidas que ambos os arguidos andaram envolvidos fisicamente. Os acontecimentos não se deram como o arguido T. F. referiu, que negou qualquer agressão ao arguido J. A.. Este de facto apresentou lesões e não foram os restantes coarguidos que lhas infligiram, pois esses estavam todos a acompanhá-lo no diferendo que ele tinha com o arguido T. F.. Não descortinou o tribunal porém apurar com segurança quem iniciou o envolvimento físico, em face da prova produzida e das declarações dos arguidos. Contudo, e reitera-se, foram diagnosticadas lesões mútuas e as sofridas pelo arguido J. A. não poderiam ter sido provocadas por mais ninguém, para além do arguido T. F. atentas as regras da experiência comum - a discussão do J. A. teve lugar com o arguido T. F. e aquele estava acompanhado dos restantes arguidos que certamente não lhe iriam agredir, pois estavam todos do seu lado e não resultou provado que eles se tivessem envolvido fisicamente com o arguido J. A.. Atendeu-se ainda às declarações complementares do arguido T. F. quanto à sua situação socioeconómica e ao crc do arguido.» 3. APRECIAÇÃO DO RECURSO 3.1 – Da impugnação da matéria de facto por erro de julgamento Em sede de recurso sobre a matéria de facto, sustenta o recorrente que a sua condenação se alicerça em factos que, tendo sido dados como provados, necessariamente teriam de ser apreciados pelo tribunal a quo de forma diversa, por não se encontrar fundamento para dar como provada qualquer ofensa da integridade física por si perpetrada na pessoa do arguido J. A.. 3.1.1 – Nos termos do art. 428º do Código de Processo Penal, diploma a que pertencem os preceitos doravante citados sem qualquer referência, os tribunais da relação conhecem não só de direito mas também de facto, assim se concretizando a garantia do duplo grau de jurisdição na matéria de facto, sendo que uma das vertentes aqui admitida é a da impugnação ampla, visando o chamado erro de julgamento. Este erro resulta da forma como foi valorada a prova produzida e ocorre quando o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tenha sido feita prova, pelo que deveria ter sido considerado não provado, ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado. O erro de julgamento pressupõe que a prova produzida, analisada e valorada não podia conduzir à fixação da matéria de facto provada e não provada nos termos em que o foi. Nesta forma de impugnação ampla, os poderes de cognição do tribunal de recurso não se restringem ao texto da decisão recorrida (como acontece com os vícios previstos no art. 410º, n.º 2), alargando-se à apreciação do que contém e se pode extrair da prova documentada e produzida em audiência, nomeadamente pela audição da prova gravada pelo tribunal de recurso, sempre delimitada pelo recorrente através do ónus de especificação previsto nos n.ºs 3 e 4 do art. 412º, tendo em vista o reexame dos erros de procedimento ou de julgamento e visando a modificação da matéria de facto, nos termos do art. 431º, al. b). Todavia, conforme jurisprudência constante [4], esse recurso sobre a matéria de facto não visa a realização de um segundo e novo julgamento, com base na audição de gravações e na apreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, como se esta não existisse, destinando-se antes a obviar a eventuais erros ou incorreções da mesma, na forma como apreciou a prova, quanto aos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente. Ao apreciar-se o processo de formação da convicção do julgador, importa ter presente que entre nós vigora o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art. 127º, segundo o qual “salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”. Tal não significa que a atividade de valoração da prova seja arbitrária, pois está vinculada à busca da verdade, sendo limitada pelas regras da experiência comum e por algumas restrições legais. Concedendo esse princípio uma margem de discricionariedade na formação do seu juízo de valoração, o julgador deverá ser capaz de o fundamentar de modo lógico e racional. A livre apreciação da prova (ou do livre convencimento motivado) não se pode confundir com a íntima convicção do juiz, assente numa apreciação arbitrária dos meios de prova, impondo-lhe a lei que extraia deles um convencimento lógico e motivado, avaliando-os com sentido de responsabilidade e bom senso. Mais se exige que o julgador indique os fundamentos que foram decisivos para a formação da sua convicção, ou seja, os meios concretos de prova e as razões ou motivos pelos quais relevaram ou obtiveram credibilidade no seu espírito. Não basta indicar o concreto meio de prova gerador do convencimento, urgindo expressar a razão pela qual, apoiando-se nas regras de experiência comum, o julgador adquiriu, de forma não temerária, a convicção sobre a realidade de um determinado facto. Embora a reapreciação da matéria de facto esteja igualmente subordinada ao princípio da livre apreciação da prova e sem limitação (à exceção da prova vinculada), no processo de formação da sua convicção, deverá o tribunal da relação ter em conta que a ausência de imediação determina que o tribunal superior, no recurso da matéria de facto, só possa alterar o decidido pela primeira instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida [cf. art. 412º, n.º 3, al. b)]. Significa isto que se a decisão factual da primeira instância se baseia numa livre convicção objetivada numa fundamentação compreensível, optando por uma das soluções permitidas pela razão e pelas regras de experiência comum, a fonte de tal convicção, obtida com os benefícios da imediação, apenas pode ser afastada se ficar demonstrado ser inadmissível a sua utilização, pelas mesmas regras da lógica e da experiência comum. A imediação, que se traduz no contacto pessoal entre o juiz e os diversos meios de prova, podendo também ser definida como “a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de modo tal que aquele possa obter uma perceção própria do material que haverá que ter como base da sua decisão” [5], confere ao julgador em primeira instância certos meios de apreciação da prova pessoal de que o tribunal da relação não dispõe. Para além da comunicação verbal, que é suscetível de ser escrutinada pelo tribunal de recurso mediante a audição das gravações, o julgador, para a complementar e interpretar, também deve atender à comunicação não verbal, a qual, porém, já não lhe é acessível. Não basta, pois, que no recurso sobre a matéria de facto, o recorrente pretenda fazer uma revisão da convicção alcançada pelo tribunal recorrido por via de argumentos que permitam concluir que uma outra convicção era possível, sendo imperioso demonstrar que as provas indicadas a impõem. É necessária a demonstração que a convicção obtida pelo tribunal recorrido é uma impossibilidade lógica, uma impossibilidade probatória, uma violação de regras de experiência comum, uma patentemente errada utilização de presunções naturais, ou seja, que se demonstre não só a possível incorreção decisória, mas a imperatividade de uma diferente convicção. Na realidade, ao tribunal de recurso cabe, sem esquecer a apontada limitação, analisar o processo de formação da convicção do julgador do tribunal a quo, verificando se os juízos de racionalidade, de experiência e de lógica confirmam ou não o raciocínio e a avaliação feita em primeira instância sobre o material probatório constante dos autos e os factos cuja veracidade cumpria demonstrar, não bastando, para uma eventual alteração, uma diferente convicção ou avaliação do recorrente quanto à prova testemunhal produzida. Por isso, a decisão recorrida só é de alterar quando for evidente que as provas não conduzem a ela, já não o devendo ser quando, perante duas versões, o juiz optou por uma, fundamentando-a devida e racionalmente. Ou seja, o tribunal da relação só pode e deve determinar uma modificação da matéria de facto quando concluir que os elementos de prova impõem uma decisão diversa e não apenas permitem uma outra decisão [6]. Conforme já referimos, o recurso da matéria de facto não tem por finalidade nem pode ser confundido com a realização de um segundo julgamento, visando antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos pontos de facto que o recorrente especifique como incorretamente julgados, através da avaliação das provas que, em seu entender, imponham decisão diversa da recorrida. Como é salientado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20-01-2010 [7], «(…) o regime do recurso em matéria de facto, se não exige do tribunal de recurso uma avaliação global, impõe-lhe, todavia, como se referiu, que confronte o juízo sobre os factos do tribunal recorrido com a sua própria convicção determinada pela valoração autónoma das provas que o recorrente identifica nas conclusões da motivação. A decisão do recurso sobre a matéria de facto exige que aprecie se, no caso concreto, a matéria de facto, rectius, os pontos questionadas da matéria de facto, tem efetivo suporte, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados na decisão recorrida e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem «decisão diversa». (…) Mas a convicção autónoma sobre o sentido da decisão em matéria de facto relativamente aos pontos questionados só poderá resultar da ponderação, em concreto, das provas identificadas pelo recorrente que o tribunal de recurso deve analisar em juízo e ponderação autónomos; as razões da convicção têm de ser as razões da convicção do próprio tribunal formadas perante os elementos de prova que ponderou nos limites do recurso, e não a assunção ou a recuperação genéricas da convicção ou dos termos da convicção do tribunal recorrido. (…) Com efeito, a garantia do duplo grau de jurisdição em matéria de facto tem como pressuposto que o princípio da livre apreciação da prova (e a livre convicção, no sentido materialmente adequado do conceito) não esteja deferido, ou seja passível de aplicação, apenas ao tribunal de 1ª instância, mas também à instância de recurso no limite dos poderes de cognição definidos pela delimitação do recorrente. A livre convicção do tribunal de recurso substitui-se, nos limites da cognição, à convicção do tribunal recorrido, aceitando-a na identidade de apreciação, ou sobrepondo-lhe, se for o caso, a sua própria convicção.» Assim, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova nela indicados e os meios de prova apontados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa, cabendo-lhe confrontar o juízo que sobre esses pontos foi realizado pelo tribunal a quo com a sua própria convicção, determinada por uma autónoma valoração probatória. Daí a exigência que é feita nas als. a), b) e c) do n.º 3 do art. 412º, no sentido de o recorrente que pretenda impugnar amplamente a decisão sobre a matéria de facto ter de especificar, respetivamente, os concretos pontos da mesma que considera incorretamente julgados, as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida e, sendo caso disso, as que devem ser renovadas. Para cumprir o ónus de especificação das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, o recorrente terá de indicar os elementos de prova que não foram tomados em conta pelo tribunal quando o deveriam ter sido ou que foram considerados quando não o podiam ser, nomeadamente por haver alguma proibição a esse respeito, ou então, de pôr em causa a avaliação da prova feita pelo tribunal, assinalando as deficiências de raciocínio que levaram a determinadas conclusões ou a insuficiência (atenta, sobretudo, a respetiva qualidade) dos elementos probatórios em que se estribaram tais conclusões. Exige-se, pois, que o recorrente refira o que é que nos meios de prova por si especificados não sustenta o facto dado por provado ou sustenta o facto dado por não provado, de forma a relacionar o seu conteúdo específico, que impõe a alteração da decisão, com o facto individualizado que se considera incorretamente julgado. De acordo com o n.º 4 do art. 412º, quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas als. b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado em ata, nos termos do n.º 2 do art. 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação, cabendo ao tribunal da relação proceder à audição e visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e boa decisão da causa (art. 412º, n.º 6). 3.1.2 – No caso em apreciação, o recorrente não especifica nas conclusões, como impõe o art. 417º, n.º 3, os pontos de facto que considera terem sido incorretamente julgados, nem indica a localização das passagens da gravação em que se encontram registados os depoimentos e as declarações em que estriba o alegado erro de julgamento, limitando-se apenas a invocar, como concretas provas que, em seu entender, impõem uma decisão diversa da proferida sobre a matéria de facto impugnada, as suas próprias declarações, as do arguido J. A. e o depoimento da testemunha M. C., explicitando o conteúdo específico desses meios de prova e das razões da imperatividade de decisão diferente da recorrida. Porém, fá-lo no corpo da motivação, onde indica especificamente os factos vertidos nos pontos 1º a 6º e 12º da matéria de facto provada, que transcreve integralmente, embora claramente se perceba que apenas se pretende reportar aos segmentos relativos à agressão física por si desferida ao arguido J. A.. E também aí indica determinados excertos das declarações deste e do depoimento da mencionada testemunha, fazendo-o por referência aos minutos e segundos das passagens da gravação em que se encontram registados, procedendo inclusivamente à sua transcrição. Daí que se tenha optado por não dirigir ao recorrente o convite ao aperfeiçoamento da respetiva peça processual previsto no art. 417º, n.º 3, pois a indicação das especificações legais, embora não constando das conclusões, consta do corpo da motivação de forma suficiente para se compreender o móbil do recorrente, não se justificando ser demasiado formalista ao ponto de atrasar a tramitação de um processo quando existem conclusões e se consegue das mesmas deduzir, mesmo que parcialmente e por recurso ao texto das motivações, as mencionadas indicações, como é claramente o caso. Acresce que em relação à especificação das passagens das gravações, ainda por uma outra razão não se justificaria proceder ao referido convite, tanto mais que o seu não acatamento não conduziria à rejeição do recurso na parte relativa à questão da impugnação da matéria de facto, ao abrigo do disposto no art. 417º, n.º 3. Isto porque, como o Supremo Tribunal de Justiça vem considerando [8], ainda que no âmbito do processo civil, mas que é transponível para o processo penal [9], relativamente aos pressupostos do exercício do duplo grau de jurisdição sobre a matéria de facto, é possível distinguir um ónus primário ou fundamental de delimitação do objeto e de fundamentação concludente da impugnação, e um ónus secundário, este tendente, não propriamente a fundamentar e delimitar o recurso, mas a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pelo tribunal da relação aos meios de prova gravados relevantes, atualmente consubstanciado na exigência de indicação concreta das passagens da gravação dos meios de prova oralmente produzidos e em que se funda a impugnação (art. 412º, n.º 4, in fine). Este ónus de indicação concreta das passagens relevantes das declarações e dos depoimentos gravados deve ser interpretado em termos funcionalmente adequados e em conformidade com o princípio da proporcionalidade, mostrando-se satisfeito quando não exista dificuldade relevante na localização pelo tribunal dos excertos da gravação em que a parte se haja baseado para demonstrar o invocado erro de julgamento. Por conseguinte, é de considerar cabalmente cumprido o ónus de especificação previsto, não só nas als. a) e b) do n.º 3 do art. 412º, mas também no n.º 4 do mesmo artigo, permitindo, assim, a este Tribunal proceder à fácil localização e audição dessas passagens. 3.1.3 – Posto isto, apreciemos a impugnação da matéria de facto. Insurge-se o recorrente contra a decisão da Mm.ª Juíza em dar como provados os factos com base nos quais foi condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, ou seja, que no circunstancialismo em apreço nos auto, se embrulhou em luta com o arguido J. A., retirou a este a canadiana em que o mesmo se apoiava, brandiu-a em direção à cabeça do mesmo, atingindo-o de raspão no rosto, do lado direito, assim como no braço esquerdo, tendo agido livre, deliberada e voluntariamente, com o propósito concretizado de lesar a integridade física do referido arguido e de lhe produzir ferimentos do tipo dos verificados. Para demonstrar a imposição de uma decisão diversa quanto a tais factos, alega o recorrente não ter havido produção de prova suficiente para os dar como provados, uma vez que, desconsideradas as declarações do arguido J. A., restam apenas as suas próprias declarações, ao negar tê-lo agredido, e o depoimento da testemunha M. C., que em momento algum refere qualquer agressão por si desferida àquele, e os relatórios médicos constantes dos autos, tendo sido apenas ele quem se dirigiu ao hospital nesse dia, havendo relatório médico a dar conta das lesões sofridas. Efetivamente, como a Mm.ª Juíza refere na motivação da decisão de facto, supra transcrita, e se constata pela audição das respetivas declarações, o recorrente afirmou que, ao aproximar-se do arguido J. A., na sequência de este o ter insultado, o mesmo, aproveitando essa aproximação, desferiu-lhe uma pancada com uma das muletas no braço direito, tendo-se ele limitado a agarrar na canadiana e a atirá-la ao chão, negando tê-lo arranhado na face direita e tê-lo atingido no rosto e no braço esquerdo com a canadiana, conforme foi dado como provado nos pontos 5º (parte final) e 6º da matéria assente. Mais resulta da motivação factual que, não obstante essa postura negatória dos factos por parte do arguido, a Mm.ª Juíza formou a convicção no sentido de o mesmo ter agredido fisicamente o arguido J. A. com base nas declarações deste último, ao referir que no seio da discussão que teve com aquele por causa do trator, que queria levar consigo, envolveram-se ambos fisicamente, puxando-se mutuamente, e, no meio da contenda, desferiu uma pancada com a muleta do braço do arguido T. F., o qual lhe caçou a muleta e lhe desferiu a si uma pancada com ela, após o que foram separados. Procedendo à audição dessas declarações, constata-se que, efetivamente, não só o declarante depôs em conformidade com o que foi percecionado pela Mm.ª Juíza e que a mesma fez constar no referido segmento da motivação da decisão de facto, como depôs de forma que nos pareceu isenta, imparcial e merecedora de credibilidade, assumindo a existência de um envolvimento físico recíproco e de ele próprio ter desferido uma pancada com a canadiana no braço do seu opositor. Acresce que, como também foi ponderado pela Mm.ª Juíza, a existência desse envolvimento físico recíproco, negado pelo arguido T. F., foi corroborado pelas testemunhas F. S. e M. C., que se aperceberam de uma confusão entre aqueles dois, concretizando a segunda testemunha que os mesmos se envolveram fisicamente, depoimento este que, tal como também pareceu à Mm.ª Juíza, é efetivamente merecedor de credibilidade, em face do total desinteresse que demonstrou, tanto mais que se encontrava a passar casualmente no local de bicicleta, não sendo de estranhar que tais testemunhas não consigam concretizar as concretas agressões, atenta a circunstância de terem ocorrido rapidamente e no decurso do aludido envolvimento. Igualmente não causa estranheza que a testemunha M. C., para separar os contendentes, tenha agarrado o arguido J. A., circunstância da qual o recorrente pretende, a nosso ver em vão, retirar a conclusão de que aquele seria agressor e não agredido. Na verdade, tratando-se de um envolvimento recíproco, ambos ocupavam essas duas posições na contenda. Por outro lado, ao invés do que parece pressupor o recorrente, não corresponde à realidade que apenas em relação às lesões por si sofridas exista outro tipo de comprovação, concretamente através da documentação clínica junta a fls. 42 e 168, relativa ao episódio de urgência, e do relatório pericial de fls. 176 e ss., por ter sido o único que se deslocou ao hospital. Com efeito, como mais uma vez é mencionado na motivação da decisão de facto, quanto à existência de lesões por parte do arguido J. A., foi valorado o relatório da perícia do dano corporal junto a fls. 7 do apenso A, onde se alude a uma escoriação linear na hemiface direita, medindo 6 cm, e compatível com unhada, e fenómenos dolosos no cotovelo esquerdo, lesões estas que terão resultado de traumatismo de natureza corto contundente, compatível com a versão dos factos apresentada pelo mesmo. E como assertivamente ponderou a julgadora, tais lesões não terão seguramente sido infligidas pelos restantes arguidos, pois estavam todos a acompanhar o arguido J. A. no diferendo que este mantinha com o arguido T. F.. Por todas estas razões, não é de acolher a versão do recorrente, ao negar in totum que tenha sequer tocado no arguido J. A., como bem considerou a Mm.ª Juíza. Por fim, também não se vislumbra qualquer razoabilidade na sua alegação de que não se consegue encontrar fundamento para haver da sua parte qualquer intenção de perpetrar uma violência física contra o arguido J. A., uma vez que foi abordado por este enquanto trabalhava, munido dos seus instrumentos de trabalho, nomeadamente o seu trator, tendo procurado defender a propriedade sobre o mesmo, reclamada por aquele, que procurava desapossá-lo desse bem. Com efeito, olvida o recorrente que o envolvimento físico recíproco dado como provado, em cujo âmbito agrediu o arguido J. A., ocorreu na sequência de ambos se terem travado de razões por questões relacionadas com a propriedade do trator. Bem como que, ao atingir aquele arguido no rosto e ao desferir-lhe uma pancada no braço esquerdo, fê-lo com a canadiana que lhe retirou das mãos, imediatamente após o mesmo o ter agredido com esse objeto, sendo, pois, perfeitamente consentâneo com as regras da experiência comum a assunção do seu comportamento agressivo dado como provado. Em face do que se vem de expor, é de concluir que relativamente à factualidade impugnada pelo recorrente, o tribunal a quo, norteando-se pelo princípio da livre apreciação da prova e pelas regras da experiência comum, e podendo contar ainda com os indiscutíveis benefícios derivados da imediação, procedeu a uma avaliação global da prova produzida, nada havendo a censurar no processo lógico e racional subjacente à formação da sua convicção, o qual se mostra explicitado em termos perfeitamente percetíveis e assimiláveis, não se evidenciando qualquer afrontamento às regras da experiência comum, ou qualquer apreciação manifestamente incorreta, desadequada, fundada em juízos ilógicos ou arbitrários, de todo insustentáveis, pelo que nenhuma censura pode merecer o juízo valorativo acolhido em primeira instância, subtraído a qualquer dúvida, não tendo, assim, o recorrente logrado demonstrar a existência de provas que imponham uma decisão diferente daquela que foi proferida. Improcede, assim, a questão da impugnação ampla da matéria de facto, mantendo-se esta inalterada. 3.2 – Da legítima defesa Subsidiariamente, para o caso de se manter a factualidade relativa à sua conduta, com base na qual foi condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física, invoca o recorrente a causa de exclusão da ilicitude de legítima defesa, prevista no art. 32º do Código Penal, alegando que apenas tentou repelir uma agressão atual e ilícita a um bem jurídico legalmente protegido, como seja a sua propriedade sobre o trator, sendo certo não se poder afirmar que excedeu essa legítima defesa. 3.2.1 - Dispõe o art. 31º, n.º 2, do Código Penal que: "Nomeadamente, não é ilícito o facto praticado: a) Em legítima defesa; (…)". Nos termos do artigo seguinte, "constitui legítima defesa o facto praticado como meio necessário para repelir a agressão atual e ilícita de interesses juridicamente protegidos do agente ou de terceiro." Como claramente decorre desse texto legal, a legítima defesa, enquanto causa de exclusão da ilicitude, apresenta os seguintes requisitos objetivos: - A ocorrência de uma agressão, entendida como tal qualquer lesão ou perigo de lesão de um interesse próprio ou de outra pessoa, protegido pelo ordenamento jurídico [10]; - A atualidade da agressão, ou seja, estar esta a realizar-se, em desenvolvimento ou iminente, aferindo-se a iminência, habitualmente, pela verificação de uma situação perigosa, caracterizada pela prática de atos que, segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, forem de natureza a fazer esperar que se lhes siga o ato agressivo. A atualidade da agressão exige que esta ainda não tenha terminado, ou seja, que a defesa ocorra em momento em que ainda possa ter êxito. - A ilicitude da agressão, isto é, ser a mesma contrária a uma norma geral e abstrata e violar um interesse juridicamente protegido, não tendo o agressor direito a praticá-la, independentemente de se comportar dolosamente, com mera culpa ou se tratar de um inimputável [11]. - A necessidade da defesa, apresentando-se o ato defensivo como indispensável para evitar ou neutralizar a agressão. - A necessidade do meio, a significar que a defesa se deve limitar à utilização do meio idóneo e suficiente para repelir a agressão e, em caso de vários meios adequados, àquele que for menos gravoso para o agressor [12]. Daí que meios adequados mas mais danosos do que aqueles que, sem deixarem de ser suficientes e eficazes, causariam menores lesões ou prejuízos ao agressor, serão considerados desnecessários e, como tal, excluirão a justificação do facto, devendo também ser tidos como inadequados os meios que, ainda que pouco danosos para o agressor, não dispõem de quaisquer possibilidades de impedir a agressão ou de dissuadir o agressor. Assim, o juízo sobre a adequação do meio de defesa não pode deixar de ter em consideração as circunstâncias concretas de cada caso: o bem ou interesse agredidos, o tipo e a intensidade da agressão, a perigosidade do agressor e o seu modo de atuar, a capacidade físico-atlética do agressor e do agredido, bem como os meios de defesa disponíveis e as demais circunstâncias relevantes ocorrentes [13]. Trata-se, pois, de um juízo objetivo e ex ante, pelo que o julgador se terá de colocar na posição que assumiria uma pessoa prudente perante as circunstâncias concretas, sem esquecer que a exigência de utilização do meio menos gravoso para o agressor não pode levar a fazer recair sobre o agredido riscos para a sua vida ou integridade física, não estando o defendente obrigado a recorrer a meios ou medidas de eficácia duvidosa ou incerta para a sua defesa. No que concerne ao elemento subjetivo da ação de legítima defesa, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-07-2006 [14] é referido que, «conquanto parte da nossa jurisprudência e certo setor da doutrina continuem a exigir, como elemento ou requisito essencial da legítima defesa, a ocorrência de animus defendendi, isto é, a vontade ou intenção de defesa, muito embora com essa vontade possam concorrer outros motivos, tais como indignação, vingança e ódio, a verdade é que a doutrina mais representativa defende que o elemento subjetivo da ação de legítima defesa se restringe à consciência da «situação de legítima defesa», isto é, ao conhecimento e querer dos pressupostos objetivos daquela concreta situação, o que se justifica e fundamenta no facto de a legítima defesa ser a afirmação de um direito e na circunstância de o sentido e a função das causas de justificação residirem na afirmação do interesse jurídico (em conflito) considerado objetivamente como o mais valioso, a significar que em face de uma agressão atual e ilícita se deve ter por excluída a ilicitude da conduta daquele que, independentemente da sua motivação, pratica os atos que, objetivamente, se mostrem necessários para a sua defesa». 3.2.2 - Tendo presentes estas considerações, revertendo ao caso em apreciação, impõe-se reparar que, face à matéria de facto definitivamente assente, a conduta do recorrente não pode, desde logo do ponto de vista objetivo, integrar uma atuação ao abrigo da causa de exclusão em análise. Alega o recorrente que ao arranhar a face direita do arguido J. A. e ao atingi-lo de raspão no rosto, assim como no braço direito, com a canadiana que lhe acabara de tirar das mãos, tentou apenas repelir a agressão atual e ilícita de que estava a ser vítima, relativamente ao seu direito de propriedade sobre o trator. Ora, o que a este respeito consta do elenco da matéria provada é que o arguido J. A. se travou de razões com o arguido T. F. por questões relacionadas com a propriedade do referido trator e que, no decurso dessa contenda, se embrulharam em luta, tendo o arguido J. A., com uma das canadianas em que se apoiava, desferido uma pancada no antebraço direito do arguido T. F., o qual, avançando sobre aquele, o arranhou na face direita e, de seguida, lhe retirou a referida canadiana, que brandiu em direção à cabeça do mesmo, atingindo-o de raspão no rosto, do lado direito, assim como no braço esquerdo. Acresce que, em termos de elemento subjetivo, provou-se que o arguido T. F. agiu livre, deliberada e voluntariamente, com o propósito concretizado de lesar a integridade física do ofendido J. A. e de lhe produzir ferimentos do tipo dos verificados. Em face de tal factualidade, definitivamente assente, nada permite concluir no sentido de que o recorrente, ao agredir da forma descrita o arguido J. A., o fez para defender o seu direito de propriedade sobre o trator, conforme sustenta. Com efeito, como evidencia o Exmo. Procurador-Geral Adjunto no seu parecer, não se inclui entre os factos dados como provados que o recorrente tenha agredido o ofendido como forma de evitar que o mesmo o desapossasse do trator, ou que tenha atuado desse modo para fazer cessar tal atividade, para além de que também nunca se descortinaria a inexistência de outros meios para fazer cessar semelhante agressão à sua alegada propriedade. Por outro lado, embora o recorrente não coloque nesse prisma a sua atuação em legítima defesa, refira-se que a agressão por si desferida no arguido J. A. nunca surgiria como necessária para fazer cessar a agressão por parte deste com a canadiana, uma vez que bastava para tanto a reação, igualmente dada como provada, de lhe ter retirado esse objeto das mãos, nem, por outro lado, necessitava de o arranhar na cara, tanto mais que o mesmo estava debilitado fisicamente, movimentando-se com o apoio de canadianas por ter sofrido uma fratura no tornozelo direito. Ademais, da descrita factualidade não resulta que o recorrente teve em vista afastar uma agressão atual e ilícita de que estava a ser vítima, mas sim que agiu com o propósito de lesar a integridade física do arguido J. A. e de lhe produzir ferimentos do tipo dos verificados, ficando desse modo excluído qualquer intuito defensivo ou sequer uma ação conscientemente dirigida à defesa, afirmando-se, ao invés, a intenção agressiva. Impõe-se, assim, concluir que também nesta parte o recurso improcede. III. DISPOSITIVO Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido T. F. e, em consequência, confirmar a sentença recorrida. Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça em quantia correspondente a três unidades de conta (arts. 513º, n.º 1, do Código de Processo Penal e 8º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais, e Tabela III anexa a este último diploma). * * (Texto elaborado pelo relator e revisto por ambos os signatários - art. 94º, n.º 2, do CPP) * Guimarães, 17 de dezembro de 2018 (J. A. Bispo) (Pedro Miguel Cunha Lopes) [1]- Todas as transcrições efetuadas respeitam o respetivo original, salvo a correção de gralhas evidentes, a ortografia e a formatação, que são da responsabilidade do relator. [2]- Deve-se a manifesto lapso de escrita do recorrente a referência feita na parte final das conclusões à pluralidade de crimes e aos pedidos cíveis, atento o teor da condenação proferida na sentença recorrida. [3]- Conforme jurisprudência uniformizada pelo acórdão n.º 7/95 do STJ, de 19-10-1995, in Diário da República – I Série, de 28-12-1995). [4]- Cf., nomeadamente, os acórdãos do STJ de 18-01-2018 (processo n.º 563/14.3TABRG.S1), de 17-03-2016 (processo n.º 849/12.1JACBR.C1.S1), de 20-01-2010 (processo n.º 149/07.9JELSB.E1.S1), de 14-03-2007 (processo n.º 07P21) e de 23-05-2007 (processo n.º 07P1498) e do TRP de 11-07-2001 (processo n.º 110407), todos disponíveis em http://www.dgsi.pt. [6]- Vd. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Coimbra, 1984, Volume I, pág. 232. [6]- Cf. os acórdãos do STJ de 18-01-2018 (processo n.º 563/14.3TABRG.S1) e de 25-03-2010 (processo n.º 427/08.OTBSTB.E1.S1), disponíveis em http://www.dgsi.pt. [7]- Proferido no processo n.º 149/07.9JELSB.E1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt. [8]- Cf., nomeadamente, o acórdão de 29-10-2015 (processo n.º 233/09.4TBVNG.G1.S1), disponível em http://www.dgsi.pt. [9]- Conforme foi entendido no acórdão desta Relação de 11-07-2017 (processo n.º 376/11.4TACHV.G2), disponível em http://www.dgsi.pt. [10]- Vd. Jescheck, Tratado de Derecho Penal Parte General - 4ª edição - 1993, pág. 303. [11]- Vd. Maia Gonçalves, Código Penal Anotado e Comentado, 8ª edição – 1995, Almedina, pág. 277, Eduardo Correia, Direito Criminal, II, Livraria Almedina, Coimbra, 1988, págs. 40-42, e Jescheck, ob. cit., pág. 306. [12]- Vd. Taipa de Carvalho, A Legítima Defesa (1995), pág. 317. [13]- Vd. Taipa de Carvalho, ob. cit., pág. 318. [14]- Proferido no processo n.º 06P1932, disponível em http://www.dgsi.pt. |