Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | JOSÉ CARLOS PEREIRA DUARTE | ||
Descritores: | INSOLVÊNCIA ENCERRAMENTO POR INSUFICIÊNCIA DA MASSA APENSO DE VERIFICAÇÃO E GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS EXTINÇÃO PENDÊNCIA DO INCIDENTE DE QUALIFICAÇÃO DE INSOLVÊNCIA | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 06/07/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | APELAÇÃO PROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | I - Tendo sido encerrado o processo de insolvência por insuficiência da massa e estando pendentes e a correr os seus termos, o apenso de verificação e graduação de créditos e o incidente de qualificação de insolvência, no caso de ser proferida sentença que qualifique a insolvência como culposa, condene as pessoas afectadas a indemnizar e seja instaurada acção executiva contra as mesmas, a sentença de verificação de créditos terá relevância, por completar o titulo executivo constituído pela decisão de qualificação, pois nesta não tem de constar a identificação dos credores e dos créditos. II - Neste contexto, encontrando-se o apenso de verificação e graduação de créditos num ponto em que, muito embora já tenha sido praticado um conjunto relevante de actos, ainda faz sentido evitar a prática de actos inúteis, dada a incerteza do desfecho do incidente de qualificação e a relevância dos actos que ainda estão em falta (sessões de julgamento, sentença, eventuais recursos) e considerando que, se a insolvência for culposa, já não falta tudo para terminar o apenso de verificação e se a insolvência for considerada fortuita, já não se perde tudo, havendo ganhos de eficiência relevantes para o sistema de justiça, impõe-se determinar a suspensão daquele apenso até que seja proferida e transite em julgado sentença no incidente de qualificação. | ||
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Decisão Texto Integral: | Recorrente: Q..., Lda * ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES 1. Relatório No processo de insolvência, de que os presentes autos são apenso, a 19/01/2022 foi proferida sentença que declarou insolvente Q..., Ld.ª. A 14/09/2022 foi proferido o seguinte despacho: “Atenta a informação veiculada pelo AI no apenso de liquidação, entretanto já encerrado, notifiquem-se a devedora, a assembleia de credores, os credores da massa insolvente e o Ministério Público de acordo com a previsão do art.º 232º, n.º 2 do CIRE.” Ninguém se pronunciou. A 07/10/2022 foi proferida a seguinte decisão: “Não havendo lugar a distribuição do produto na sequência de liquidação, porque insuficiente, impõe-se, ao abrigo do disposto no art.º 230.º, n.º 1, al. d) do CIRE, declarar encerrado o processo de insolvência, com os efeitos a que aludem as als. a) e b) do n.º 1 do art.º 233.º do CIRE.--- Registe, notifique e publicite [art.º 230.º, n.º 2 do CIRE].--- * Notifique o AI para dar cumprimento ao disposto no artigo 233º, nº 5, do CIRE.-* Verifique e dê-se pagamento a adiantar pelo IGFPJ das quantias devidas a título de remuneração e despesas devidas que ainda não tenham sido pagas ao AI.”A notificação às partes da referida decisão foi elaborada a 10/10/2022. A 18/10/2022 o anterior AI, Dr. AA, veio dizer: “Conforme resulta do apenso de prestação de contas, do período de exercício de funções do signatário, resulta um saldo de 17.041,20€, sendo que, depois de liquidadas as despesas aprovadas e honorários ainda não recebidos pelo signatário, a conta bancária da massa insolvente apresenta um saldo de 16.014,16€ (doc. ...). Deste modo, não poderão os presentes autos ser encerrados, devendo os mesmos ser remetidos à conta com vista a liquidação das custas, e cálculo da remuneração variável do aqui signatário, após a qual o signatário procederá à devolução do saldo remanescente para a conta bancária da massa insolvente aberta pelo novo AJ.” Na mesma data foi proferido o seguinte despacho “Antes do mais, notifique-se o AI em funções para que, no prazo de 5 dias, esclareça o que tiver por conveniente.” O 24/10/2022 o AI em funções veio dizer: 1. O Signatário não tinha conhecimento da existência de valores em depósito em conta aberta pelo anterior AJ; 2. Com efeito, nem no Relatório art 155 CIRE nem nos autos de arrolamento e apreensão, elaborados pelo anterior AJ, é feita menção a quaisquer valores; 3. De igual modo, salvo erro ou omissão, não constará também dos autos a prestação de contas pelo anterior AJ que, nos termos do disposto no art 62/1 CIRE, há muito deveria ter sido apresentada; 4. Nem mesmo na documentação que foi, oportunamente, facultada ao Signatário pelo anterior AJ foi feita referência a quaisquer valores; 5. A conta actual da Massa Insolvente junto do Banco 1... apresenta o IBAN ...26. Na mesma data foi proferido o seguinte despacho: “Determina-se a renovação da instância.--- Deverá o AI anterior diligenciar pelo depósito dos valores em causa na conta da massa insolvente, juntando aos autos o respectivo comprovativo.--- * Diligencie-se nos termos oportunamente solicitados pelo anterior AI com vista a permitir que o mesmo, entretanto, proceda ao cálculo da respectiva remuneração variável.---A devedora interpôs recurso da citada decisão, o qual foi admitido a subir em separado e constituiu o Processo n.º 210/22.0T8VCT-M.G1 (doravante apenso “M”). Nos referidos autos, a 02/02/2023 foi proferido Acórdão que julgou o recurso procedente e revogou a decisão de renovação da instância, Acórdão esse que, conforme certidão junta no Processo n.º 210/22.0T8VCT-F.G1, transitou em julgado a 22/02/2023. * A 21/04/2022, a M... – Empreendimentos Turísticos e Imobiliários, Ldª deduziu Incidente de Qualificação da Insolvência, requerendo que fossem afectadas as seguintes pessoas: BB; CC; S..., SL. A 24/06/2022 foi proferido despacho a determinar a abertura do incidente de qualificação da insolvência, com carácter pleno. A 04/01/2023 o MP pronunciou-se considerando que deveria ser afectado pela qualificação da insolvência BB. A 04/01/2023 foi proferido despacho a ordenar a notificação da devedora e a citação de BB para se oporem, querendo, no prazo de 15 dias. * A 27/01/2022 foi iniciado o apenso de Reclamação de Créditos (Apenso C). A 06/04/2022 o Sr. AI juntou aos autos a lista dos créditos reconhecidos. Foram apresentadas diversas impugnações. A 03/10/2022 foi proferido despacho saneador, em que foi consignado o objecto do litígio e os temas da prova em relação os créditos impugnados. A 14/12/2022 foram designadas data para julgamento. A 06/02/2023 e 13/02/2023 realizaram-se sessões de julgamento. A 17/02/2023 a devedora invocando que o processo de insolvência tinha sido encerrado por insuficiência de massa antes do rateio final, que o Ac. desta RG proferido no apenso M tinha considerado ineficaz o despacho que ordenou a renovação da instância e o disposto no art.º 233º n.º 2, alínea b) do CIRE, requereu a extinção dos autos de verificação de créditos por inutilidade superveniente da lide. A 20/02/2023 foi proferido o seguinte despacho: “Sem prejuízo de os autos aguardarem a descida do recurso e a certificação do trânsito da respectiva decisão, cumpre esclarecer o entendimento deste Tribunal. --- Desde logo, ainda que persista o encerramento, com a subsequente distribuição, pela secretaria, das importâncias em dinheiro existentes na massa insolvente, depois de pagas as custas, pelos credores, na proporção dos seus créditos, terá sempre de se ter em atenção aqueles que estejam reconhecidos, o que dependerá, in casu, da prévia decisão quanto às impugnações nestes autos deduzidas.--- Efectivamente, à semelhança do que acontece quando for concedida liminarmente ao devedor a exoneração do passivo restante, não importando o encerramento do processo de insolvência antes do rateio final a extinção da instância incidental de verificação dos créditos, não ocorrendo inutilidade superveniente daquela lide, também neste caso, em que apesar do encerramento há quantias a ratear, terá de haver uma decisão quanto aos créditos impugnados e respectiva graduação. Situação análoga encontraremos, ainda, fazendo apelo aos casos de encerramento do processo que resulte de aprovação de plano de insolvência, em que o processo de verificação dos créditos continuará, pelo menos se tiverem sido apresentadas impugnações, até julgamento final.--- Por outro lado, persistindo o encerramento, sempre prosseguirá o incidente de qualificação da insolvência, o qual, pese embora passe a assumir carácter limitado, poderá importar a condenação das pessoas afectadas a indemnizarem os credores do devedor até ao montante máximo dos créditos não satisfeitos, o que, mais uma vez, importa que se apurem previamente os créditos efectivamente devidos.--- Por fim, esclareça-se que o critério que presidiu ao entendimento seguido nos apensos de restituição e separação de bens (apensos E e F), e que consta claramente exposto nas decisões que determinaram a extinção das respectivas instâncias por inutilidade superveniente – as quais foram, aliás, objecto de recurso por parte da Devedora – resulta do facto de os bens cuja separação da massa insolvente e consequente restituição à Requerente se pretendia não se mostrarem (mais) apreendidos.--- Desta feita, e pese embora a previsão do art.º 233.º, n.º 2, al. b) do CIRE, pelos fundamentos supra expostos, designadamente fazendo apelo ainda ao princípio da adequação processual por forma acautelar a posição que melhor se ajusta aos interesses em presença, entendemos não estarem reunidos os pressupostos que importem a extinção dos presentes autos por inutilidade superveniente da lide, pelo que prosseguirão os mesmos os respectivos termos tal como oportunamente determinado.---“ A 28/02/2023 a devedora Q..., Ldª interpôs recurso da referida decisão, tendo terminado as suas alegações com as seguintes Conclusões: I. Vem o presente recurso interposto do despacho proferido em 20.02.2023 – ref.ª citius ...63 -, o qual indeferiu a extinção do apenso de verificação e graduação de créditos por impossibilidade superveniente da lide nos termos do disposto no art.º 233º, n.º 2, alínea b), do CIRE. II. A única questão a apreciar no presente recurso consiste em decidir se deve ou não ser determinada a extinção, por impossibilidade superveniente da lide, do presente apenso de verificação e graduação de créditos, com fundamento no facto de o processo de insolvência (autos principais) ter sido encerrado por insuficiência de bens, ao abrigo do disposto no art.º 230.º, n.º 1, al. d) do CIRE, com os efeitos a que aludem as alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 233.º do CIRE. III. O despacho recorrido fundamenta o indeferimento da extinção do apenso de verificação de créditos por inutilidade superveniente da lide em duas ordens de razões, concretamente: a) Por um lado, entende que havendo quantias a ratear, terá que haver uma decisão quanto aos créditos impugnados e respetiva graduação para efeitos de rateio proporcional pelos credores da insolvente após o pagamento das dívidas da massa; b) Por outro lado, defende que estando pendente o incidente de qualificação de insolvência, este poderá conduzir a eventual condenação das pessoas afetadas a indemnizarem os credores do devedor até ao montante máximo dos créditos não satisfeitos, importando por isso que o apenso de verificação prossiga para apurar previamente os créditos devidos; IV. O entendimento vertido em tal despacho não só não encontra enquadramento ou respaldo em qualquer norma do CIRE, como colide frontalmente com a fundamentação do Acórdão de 02.02.2023 do TRG (proc. n.º 210/22.0T8VCT-M.G1), pelo que deve o despacho que antecede ser revogado e substituído por outro que determine a extinção, por impossibilidade superveniente da lide, do presente apenso de verificação de créditos, conforme decorre do disposto no art.º 233º n.º 2, alínea b), do CIRE. V. Quanto ao primeiro dos fundamentos constantes do despacho recorrido (se terá que haver uma decisão quanto aos créditos impugnados e respetiva graduação para efeitos de rateio proporcional pelos credores da insolvente após o pagamento das dívidas da massa), cumpre dizer o seguinte: VI. Por despacho proferido nos autos principais em 07.10.2022 – ref.ª citius ...99 –, foi decretado, ao abrigo do disposto no art.º 230.º, n.º 1, al. d) do CIRE, o encerramento do processo de insolvência com os efeitos a que aludem as als. a) e b) do n.º 1 do art.º 233.º do CIRE. VII. No que releva para o presente apenso de verificação e graduação de créditos, nos termos do disposto no art.º 233º, n.º 2, alínea b), do CIRE, o encerramento do processo de insolvência antes do rateio final determina a extinção da instância dos processos de verificação de créditos e de restituição e separação de bens já liquidados que se encontrem pendentes, exceto se tiver já sido proferida a sentença de verificação e graduação de créditos prevista no artigo 140.º. VIII. Como resulta dos autos principais e deste apenso de verificação de créditos, o processo de insolvência foi encerrado antes do rateio final e sem que tivesse sido proferida a sentença de verificação e graduação de créditos prevista no artigo 140.º do CIRE. IX. Tendo o processo de insolvência sido encerrado por insuficiência de massa antes do rateio final, impõe-se a declaração de extinção dos presentes autos por inutilidade superveniente da lide, nos termos do art.º 233º n.º 2, alínea b) do CIRE. X. Quanto ao argumento de que obsta à extinção destes autos de verificação de créditos a necessidade de haver uma decisão quanto aos créditos impugnados e respetiva graduação para efeitos de rateio proporcional pelos credores da insolvente após o pagamento das dívidas da massa, o despacho recorrido confunde os créditos sobre a massa insolvente com os créditos sobre a insolvente. XI. Quanto aos efeitos da decisão de encerramento, decorre do n.º 3 do art. 232º do CIRE, que “3 - A secretaria do tribunal, quando o processo for remetido à conta e em seguida a esta, distribui as importâncias em dinheiro existentes na massa insolvente, depois de pagas as custas, pelos credores da massa insolvente, na proporção dos seus créditos.” (sublinhado nosso). XII. Contrariamente ao que resulta do despacho recorrido, estando o processo de insolvência encerrado por insuficiência de massa antes do rateio final, só haverá lugar à distribuição das importâncias existentes na massa insolvente pelos credores da massa insolvente, e já não pelos credores da insolvente. XIII. Quanto ao facto de os bens apreendidos a favor da massa insolvente virem, porventura, a exceder as dívidas da massa e as custas processuais, importa ter presente os efeitos do encerramento constantes do art. 233º, n.º 1, alínea a) do CIRE. XIV. Após o encerramento do processo de insolvência cessam todos os efeitos que resultam da declaração de insolvência, recuperando designadamente o devedor o direito de disposição dos seus bens e a livre gestão dos seus negócios, podendo os credores da insolvência exercer os seus direitos contra a devedora nos termos gerais, recorrendo aos competentes meios processuais autónomos ao seu dispor. XV. Daí que, da eventual prolação de sentença de graduação de créditos nunca resultaria o efeito prático que o despacho recorrido lhe atribui, isto é, que se venha a proceder a eventual rateio pelos credores da insolvente. XVI. O despacho recorrido viola a alínea b) do n.º 2 do art.º 233º do CIRE, bem como viola o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães de 02.02.2023 (proc. n.º 210/22.0T8VCT-M.G1), já transitado em julgado, em especial a fundamentação supra transcrita (vide pág. 20/21), da qual resulta que face ao encerramento do processo de insolvência por insuficiência de massa antes do rateio final, deverá ser extinto o presente apenso de verificação de créditos por impossibilidade de nele serem praticados quaisquer outros atos processuais. XVII. Termos em que deverá o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que determine a extinção do apenso de verificação e graduação de créditos ao abrigo do art.º 233º, n.º 2, alínea b), do CIRE. XVIII. Por outro lado, também não obsta à extinção dos autos de verificação e graduação de créditos o facto de se encontrar a correr o incidente de qualificação de insolvência, o qual poderá, em tese, conduzir à eventual condenação das pessoas afetadas a indemnizarem os credores do devedor até ao montante máximo dos créditos não satisfeitos. XIX. Tal entendimento é meramente teórico e futurológico, não tendo sustentação legal, pelo que tal questão não obsta à extinção do apenso de verificação de créditos em conformidade com o disposto no artigo 233.º, n.º 2, al. b), do CIRE. XX. Efetivamente, nos termos do disposto no artigo 233.º, n.º 2, al. b), do CIRE, o encerramento do processo de insolvência antes do rateio final, determina a extinção da instância dos processos de verificação de créditos, excepto se já tiver sido proferida a sentença de verificação de créditos prevista no artigo 140.º, ou se o encerramento decorrer da aprovação do plano de insolvência, caso em que prosseguem até final os recursos interpostos dessa sentença. XXI. Ora, in casu ainda não foi proferida a sentença de verificação de créditos, pelo que não se verifica nenhuma das excepções ali previstas à regra geral, de acordo com a qual, o encerramento do processo de insolvência determina a extinção da instância dos processos de verificação de créditos. XXII. Trata-se de uma opção legislativa, tanto mais que relativamente ao incidente de qualificação da insolvência, segundo o artigo 232.º, n.º 5, do CIRE “Encerrado o processo de insolvência por insuficiência da massa, nos casos em que tenha sido aberto incidente de qualificação da insolvência e se o mesmo ainda não estiver findo, este prossegue os seus termos como incidente limitado.” XXIII. O legislador, no caso da reclamação e verificação de créditos, poderia ter optado por idêntica solução, mas não o fez, determinando expressamente que neste caso se determina a extinção da instância nos termos do disposto no artigo 233.º, n.º 2, al. b), do CIRE. XXIV. Termos em deverá o recurso ser julgado procedente e revogar-se a decisão recorrida, substituindo-a por outra que determine a extinção do apenso de verificação e graduação de créditos ao abrigo do art.º 233º, n.º 2, alínea b), do CIRE. Não consta tenham sido apresentadas contra-alegações. 2. Questões a apreciar O objecto do recurso, é balizado pelo teor do requerimento de interposição (artº 635º nº 2 do CPC), pelas conclusões (art.ºs 608º n.º 2, 609º, 635º n.º 4, 637º n.º 2 e 639º n.ºs 1 e 2 do CPC), pelas questões suscitadas pelo recorrido nas contra-alegações em oposição àquelas, ou por ampliação (art.º 636º CPC) e sem embargo de eventual recurso subordinado (art.º 633º CPC) e ainda pelas questões de conhecimento oficioso cuja apreciação ainda não se mostre precludida. Tendo em consideração as conclusões da recorrente e o desenvolvimento dos autos a única questão que cabe apreciar é a de saber se deve, ou não, ser declarada a extinção, por impossibilidade superveniente da lide, do apenso de verificação e graduação de créditos (apenso C), com fundamento no facto de o processo de insolvência ter sido declarado encerrado por insuficiência de bens, ao abrigo do disposto no art.º 230.º, n.º 1, al. d) do CIRE. 3. Fundamentação de facto A factualidade a considerar é que resulta do Relatório do Acórdão. 4. Direito O aqui Relator foi, também, o Relator nos recursos que constituíram os apensos F e M. Seguiremos muito de perto o que já escrevemos no último. O encerramento do processo de insolvência ocorre nas situações referidas no n.º 1 do art.º 230º do CIRE: a) Após a realização do rateio final, sem prejuízo do disposto no n.º 6 do artigo 239.º; b) Após o trânsito em julgado da decisão de homologação do plano de insolvência, se a isso não se opuser o conteúdo deste; c) A pedido do devedor, quando este deixe de se encontrar em situação de insolvência ou todos os credores prestem o seu consentimento; d) Quando o administrador da insolvência constate a insuficiência da massa insolvente para satisfazer as custas do processo e as restantes dívidas da massa insolvente. e) Quando este ainda não haja sido declarado, no despacho inicial do incidente de exoneração do passivo restante referido na alínea b) do artigo 237.º f) Após o encerramento da liquidação, quando não haja lugar à realização do rateio final, por a massa insolvente ter sido consumida pelas respetivas dívidas. Resulta das incidências processuais relevantes que a 07/10/2022, no processo de insolvência, foi proferida decisão a declarar encerrado o processo de insolvência, ao abrigo do disposto na alínea d) do n.º 1 do art.º 233º do CIRE, ou seja por insuficiência da massa. Entretanto, o Sr. AI anterior, veio declarar que a conta bancária da massa insolvente apresentava um saldo de 16.014,16€. Nessa sequência veio a ser proferido despacho, também nos autos principais, que determinou a “renovação da instância” e ordenou: “Deverá o AI anterior diligenciar pelo depósito dos valores em causa na conta da massa insolvente, juntando aos autos o respectivo comprovativo.---“ A devedora interpôs recurso da citada decisão, que, nesta Relação, constitui o Processo n.º 210/22.0T8VCT-M.G1 (doravante apenso “M”), onde, a 02/02/2023 foi proferido Acórdão que julgou o recurso procedente e revogou a decisão de renovação da instância, o qual conforme certidão junta no Processo n.º 210/22.0T8VCT-F.G1, transitou em julgado a 22/02/2023. Destarte, a decisão de encerramento do processo de insolvência vigora em pleno na ordem jurídica. Entretanto, no processo de verificação e graduação de créditos apenso ao processo de insolvência, a devedora invocando que o processo de insolvência tinha sido encerrado por insuficiência de massa antes do rateio final, que o Ac. desta RG proferido no apenso M tinha considerado ineficaz o despacho que ordenou a renovação da instância e o disposto no art.º 233º n.º 2, alínea b) do CIRE, requereu a extinção dos autos de verificação de créditos por inutilidade superveniente da lide. O requerido foi indeferido com diversos fundamentos. Impõe-se analisar os efeitos do encerramento do processo de insolvência. A norma que dispõe expressamente os efeitos do encerramento do processo de insolvência é o art.º 233º. No que aos autos releva impõe-se ter em consideração o seu n.º 1 donde decorre que encerrado o processo: a) Cessam todos os efeitos que resultam da declaração de insolvência, recuperando designadamente o devedor o direito de disposição dos seus bens e a livre gestão dos seus negócios, sem prejuízo dos efeitos da qualificação da insolvência como culposa e do disposto no artigo seguinte; b) Cessam as atribuições da comissão de credores e do administrador da insolvência, com excepção das referentes à apresentação de contas e das conferidas, se for o caso, pelo plano de insolvência; c) Os credores da insolvência poderão exercer os seus direitos contra o devedor sem outras restrições que não as constantes do eventual plano de insolvência e plano de pagamentos e do n.º 1 do artigo 242.º, constituindo para o efeito título executivo a sentença homologatória do plano de pagamentos, bem como a sentença de verificação de créditos ou a decisão proferida em acção de verificação ulterior, em conjugação, se for o caso, com a sentença homologatória do plano de insolvência; d) Os credores da massa podem reclamar do devedor os seus direitos não satisfeitos. O n.º 2 do mesmo normativo dispõe que o encerramento do processo de insolvência antes do rateio final determina: “(…) b) A extinção da instância dos processos de verificação de créditos e de restituição e separação de bens já liquidados que se encontrem pendentes, exceto se tiver já sido proferida a sentença de verificação e graduação de créditos prevista no artigo 140.º, ou se o encerramento decorrer da aprovação do plano de insolvência, caso em que prosseguem até final os recursos interpostos dessa sentença e as ações cujos autores ou a devedora assim o requeiram, no prazo de 30 dias; (…) Como decorre da alínea b) do n.º 2 do art.º 233º do CIRE, apenas estão previstas duas excepções à extinção da instância do processo de verificação de créditos: - se tiver já sido proferida a sentença de verificação e graduação de créditos prevista no artigo 140.º; - se o encerramento decorrer da aprovação do plano de insolvência. Na situação dos autos não se verifica nenhuma delas. No entanto a decisão recorrida elencou diversos fundamentos para indeferir a extinção da instância no processo de verificação de créditos. Assim, começa por afirmar. Desde logo, ainda que persista o encerramento, com a subsequente distribuição, pela secretaria, das importâncias em dinheiro existentes na massa insolvente, depois de pagas as custas, pelos credores, na proporção dos seus créditos, terá sempre de se ter em atenção aqueles que estejam reconhecidos, o que dependerá, in casu, da prévia decisão quanto às impugnações nestes autos deduzidas.--- Um dos efeitos não elencados no art.º 233º do CIRE, consta do n.º 3 do art.º 232º: o processo é remetido à conta, que é elaborada pela secretaria do tribunal e em seguida a esta, distribui as importâncias em dinheiro existentes na massa insolvente, depois de pagas as custas, pelos credores da massa insolvente, na proporção dos seus créditos. Uma realidade são os créditos sobre a massa, outra são os créditos sobre a insolvente. Como se afirma no Ac. desta RG de 31/03/2022, proc. 1/08.0TJVNF-ER, não publicado, “a massa insolvente é um património autónomo (uma unidade com personalidade judiciária, atento ao disposto, nomeadamente, nos artºs 12º, alª a) do CPC e 46º, 89º, 99º, 125º, 146º, nº 1 do CIRE (…); cfr também acórdão citado pela recorrente do STJ de 16.06.2016, 775/12.4TTMTS.P3.S1, www.dgsi.pt, sítio onde também estão publicados outros arestos). (…) ….esse património autónomo, em virtude dessa declaração no âmbito do processo de insolvência beneficia de identidade própria e por isso diferencia-se da própria insolvente porquanto, além do mais, proporciona a precipuidade do produto dos seus bens e direitos na satisfação das dívidas que lhe são diretamente imputáveis, liquidáveis, desde logo, nas datas dos seus vencimentos (artºs 46º, n º 1, 51º e 172º).” A Massa insolvente está adstrita, em primeiro lugar, à satisfação das suas próprias dívidas, que o CIRE identifica no art.º 51º e, só depois de satisfeitas as suas obrigações, a massa está vocacionada para o cumprimento, na medida do possível, das obrigações do devedor para com a globalidade dos credores, respeitadas as regras próprias da hierarquia de créditos (cfr. Carvalho Fernandes e João Labareda, in CIRE Anotado, 3ª edição, pág. 291-292). Isto mesmo decorre de vários preceitos. Desde logo do art.º 46º n.º 1 do CIRE, cuja epígrafe é “Conceito de massa insolvente” dispõe que: “ 1 - A massa insolvente destina-se à satisfação dos credores da insolvência, depois de pagas as suas próprias dívidas….” Como referido, é no art.º 51º do CIRE que são definidas as dívidas da massa, ali se dispondo: 1 - Salvo preceito expresso em contrário, são dívidas da massa insolvente, além de outras como tal qualificadas neste Código: a) As custas do processo de insolvência; b) As remunerações do administrador da insolvência e as despesas deste e dos membros da comissão de credores; c) As dívidas emergentes dos actos de administração, liquidação e partilha da massa insolvente; d) As dívidas resultantes da actuação do administrador da insolvência no exercício das suas funções; e) Qualquer dívida resultante de contrato bilateral cujo cumprimento não possa ser recusado pelo administrador da insolvência, salvo na medida em que se reporte a período anterior à declaração de insolvência; f) Qualquer dívida resultante de contrato bilateral cujo cumprimento não seja recusado pelo administrador da insolvência, salvo na medida correspondente à contraprestação já realizada pela outra parte anteriormente à declaração de insolvência ou em que se reporte a período anterior a essa declaração; g) Qualquer dívida resultante de contrato que tenha por objecto uma prestação duradoura, na medida correspondente à contraprestação já realizada pela outra parte e cujo cumprimento tenha sido exigido pelo administrador judicial provisório; h) As dívidas constituídas por actos praticados pelo administrador judicial provisório no exercício dos seus poderes; i) As dívidas que tenham por fonte o enriquecimento sem causa da massa insolvente; j) A obrigação de prestar alimentos relativa a período posterior à data da declaração de insolvência, nas condições do artigo 93.º 2 - Os créditos correspondentes a dívidas da massa insolvente e os titulares desses créditos são neste Código designados, respectivamente, por créditos sobre a massa e credores da massa. Ainda nesta sequência dispõe o art.º 172º do CIRE, cuja epigrafe é “Pagamento das dívidas da massa”: “1 - Antes de proceder ao pagamento dos créditos sobre a insolvência, o administrador da insolvência deduz da massa insolvente os bens ou direitos necessários à satisfação das dívidas desta, incluindo as que previsivelmente se constituirão até ao encerramento do processo. (…) 3 - O pagamento das dívidas da massa insolvente tem lugar nas datas dos respetivos vencimentos, qualquer que seja o estado do processo. (…)” Refira-se a este propósito o Ac. desta RG de 07.10.2021, proc. 1/08.0TJVNF-ET.G1 (apenso de prestação de contas), consultável in www.dgsi.pt/jtrg em cujo sumário consta: 1- No âmbito do processo de insolvência impõe-se distinguir entre dívidas da insolvência e dívidas da massa insolvente. 2- As dívidas da insolvência são aquelas que se constituíram antes da declaração da insolvência do devedor e são as únicas que se encontram submetidas ao regime do pagamento fixado nos arts. 173º e ss. do CIRE. 3- Já as dívidas da massa insolvente encontram-se enunciadas a título exemplificativo, no art. 51º do CIRE e correspondem, grosso modo, a dívidas que se constituíram após a declaração da insolvência do devedor e o respetivo pagamento apenas se encontra submetido ao regime da pontualidade previsto no art. 172º, n.º 3 do CIRE, cumprindo ao administrador de insolvência pagá-las mal se vençam com os rendimentos provenientes da massa insolvente e, na insuficiência destes, com o produto da venda dos bens que integram a massa insolvente, incluindo, derradeiramente, os bens onerados com garantia real, posto que a massa insolvente destina-se em primeiro lugar, à satisfação dos credores da massa insolvente e, apenas em segundo lugar, à satisfação dos credores da insolvência. Além disso existem diferenças no que diz respeito aos meios processuais convocáveis para exercer direitos de crédito sobre a insolvência e direitos de crédito sobre a Massa. Os credores da insolvência apenas podem exercer os seus direitos em conformidade com os preceitos do CIRE, durante o processo de insolvência (90º), o que significa que devem reclamar o seu crédito através de reclamação de créditos dirigida ao AI e no prazo de reclamação de créditos fixado na sentença de insolvência (cfr. art.º 36º n.º 1, alínea j) do CIRE), tal como dispõe o art.º 128º do CIRE. Decorrido aquele prazo e verificando-se os necessários requisitos, através de ação de verificação ulterior de créditos (146º e ss), que corre por apenso ao processo de insolvência e segue a forma de processo comum (148º). Destarte, a acção de verificação ulterior de créditos apenas tem por objecto créditos sobre a insolvência e não sobre a Massa insolvente. O pagamento dos créditos sobre a insolvência apenas contempla os que estiverem verificados por sentença (proferida no apenso de reclamação de créditos) transitada em julgado (173º). Quanto aos credores da massa, como já ficou referido supra, nos termos do disposto no art.º 172º n.º 3, a dívida da massa deve ser paga na data do vencimento, qualquer que seja o estado do processo. Mas não havendo pagamento na data do vencimento, o credor poderá intentar acção declarativa ou executiva, conforme possua ou não título executivo, a pedir a condenação no seu cumprimento, nos termos do art.º 89º n.º 2 do CIRE, acção essa que corre termos por apenso ao processo de insolvência. Assim e para créditos em geral, o Ac desta RG de 18/06/2009, proc. 269/07.0TYVNG-O.P1 consultável in www.dgsi.pt/jtrg em que cujo sumário consta: I – As dívidas emergentes de actos de administração da massa insolvente – designadamente as que resultam de fornecimentos efectuados à empresa após a declaração da sua insolvência, nas situações em que a empresa se mantém em funcionamento – correspondem a dívidas da massa insolvente, nos termos do art. 51º, nº1, al. c), do CIRE. II – Os créditos a que se reportam essas dívidas (créditos sobre a massa insolvente) não podem ser reclamados pelo meio previsto no art. 128º do CIRE, na medida em que este meio processual apenas se destina à reclamação e verificação dos créditos sobre a insolvência. III – Os créditos sobre a massa insolvente – se não forem pagos, na data do vencimento, em conformidade com o disposto no art. 172º, nº3, do CIRE – terão que ser reclamados em acção própria (declarativa ou executiva) que corre por apenso ao processo de insolvência, nos termos do art. 89º, nº2, do mesmo diploma. IV – Assim, o Tribunal de Comércio (onde corre o processo de insolvência) tem competência para preparar e julgar a referida acção, ao abrigo do disposto no art. 89º, nº/s 1, al. a) e 3, da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (Lei nº 3/99, de 13.01). E também o Ac. da RL de 06/07/2017, proc. 1856/07.1TBFUN-K.L1-8, consultável in www.dgsi.pt/jtrl em cujo sumário consta: - Os credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos, em conformidade com os preceitos do Código, durante o processo de insolvência (art. 90º), o que significa que, para obterem a satisfação dos seus direitos, terão que reclamar o seu crédito, nos termos do art. 128º ou, desde que verificados os necessários requisitos, através da acção sumária a que aludem os arts. 146º e segs., que corre por apenso ao processo de insolvência. - Sendo certo que, em conformidade com o disposto no art. 173º, o pagamento dos créditos sobre a insolvência apenas contempla os que estiverem verificados por sentença transitada em julgado. - As dívidas da massa insolvente deverão ser pagas nas datas dos respectivos vencimentos, qualquer que seja o estado do processo (art. 172º, nº3) e, não sendo pagas, poderão ser objecto de acção declarativa ou executiva a instaurar, nos termos do art. 89º nº2, por apenso ao processo de insolvência. Destarte e em síntese, havendo encerramento do processo de insolvência, o saldo da massa insolvente, depois de pagas as custas, dá pagamento aos credores da massa insolvente, na proporção dos seus créditos, não dá ao pagamento dos credores da insolvente. E, sendo assim, se a decisão recorrida ponderou, apropriadamente, que “…ainda que persista o encerramento, com a subsequente distribuição, pela secretaria, das importâncias em dinheiro existentes na massa insolvente, depois de pagas as custas, pelos credores, na proporção dos seus créditos…”, tendo, assim presente, em parte, o disposto no n.º 3 do art.º 232º do CIRE, olvidou que a norma refere expressamente “….pelos credores da massa insolvente…”, que são os elencados, nomeadamente, no art.º 51º do CIRE e para os quais não há processo de verificação e graduação de créditos e que são distintos dos credores da insolvente, pelo que já não é ajustado afirmar-se que “….terá sempre de se ter em atenção aqueles que estejam reconhecidos, o que dependerá, in casu, da prévia decisão quanto às impugnações nestes autos deduzidas.” Em face do exposto, o pagamento aos credores da insolvente não constitui fundamento para o prosseguimento do apenso de verificação e graduação de créditos. Prosseguindo, refere a decisão recorrida: Efectivamente, à semelhança do que acontece quando for concedida liminarmente ao devedor a exoneração do passivo restante, não importando o encerramento do processo de insolvência antes do rateio final a extinção da instância incidental de verificação dos créditos, não ocorrendo inutilidade superveniente daquela lide, também neste caso, em que apesar do encerramento há quantias a ratear, terá de haver uma decisão quanto aos créditos impugnados e respectiva graduação. Situação análoga encontraremos, ainda, fazendo apelo aos casos de encerramento do processo que resulte de aprovação de plano de insolvência, em que o processo de verificação dos créditos continuará, pelo menos se tiverem sido apresentadas impugnações, até julgamento final.--- A primeira observação que se impõe é que o legislador, apesar de, havendo encerramento do processo de insolvência, ter previsto excepções à extinção da instância da verificação e graduação de créditos, no caso não integrou nelas a admissão liminar do pedido de exoneração do passivo. Mas já foi considerado (cfr. Ac. da TRC de 12/07/2022, processo 2259/21.0T8ACB-A.C1, consultável in www.dgsi.pt/jtrc) que: “I- O encerramento do processo de insolvência antes do rateio final não determina a extinção da instância incidental de verificação dos créditos quando, como sucedeu no caso, for concedida liminarmente ao devedor a exoneração do passivo restante. II – Nesse caso, apesar do encerramento daquele processo por insuficiência de bens da massa insolvente, o incidente de verificação e graduação dos créditos deve prosseguir, não ocorrendo inutilidade superveniente desta lide incidental. Decorre do Acórdão citado que, em função das especificidades e necessidades da exoneração do passivo e, nomeadamente, tendo em vista o disposto na alínea d) do n.º 1 do art.º 241º do CIRE – o fiduciário notifica a cessão dos rendimentos do devedor àqueles de quem ele tenha direito a havê-los, e afecta os montantes recebidos, no final de cada ano em que dure a cessão: (…) d) À distribuição do remanescente pelos credores da insolvência, cujos créditos se mostrem verificados e graduados por sentença, nos termos prescritos para o pagamento aos credores no processo de insolvência –, se tiver sido concedida liminarmente ao devedor a exoneração do passivo restante, o encerramento do processo de insolvência antes do rateio final não determina a extinção da instância incidental de verificação dos créditos. Estamos perante uma excepção à extinção da instância de verificação de créditos que se alcança por interpretação sistemática. Sucede que tal instituto não é aplicável nos autos, uma vez que o mesmo só se aplica a insolventes pessoas singulares e a aqui insolvente é uma sociedade comercial. E não sendo aqui aplicável tal instituto, também não o é a referida excepção. A decisão recorrida ponderou ainda: Por outro lado, persistindo o encerramento, sempre prosseguirá o incidente de qualificação da insolvência, o qual, pese embora passe a assumir carácter limitado, poderá importar a condenação das pessoas afectadas a indemnizarem os credores do devedor até ao montante máximo dos créditos não satisfeitos, o que, mais uma vez, importa que se apurem previamente os créditos efectivamente devidos.--- Vejamos Um outro efeito do encerramento do processo de insolvência está previsto no n.º 5 do art.º 232º, o qual dispõe: 5 - Encerrado o processo de insolvência por insuficiência da massa, nos casos em que tenha sido aberto incidente de qualificação da insolvência e se o mesmo ainda não estiver findo, este prossegue os seus termos como incidente limitado. Apesar de determinar o prosseguimento do incidente de qualificação de insolvência, o legislador não previu tal facto como excepção à extinção da instância da verificação e graduação de créditos, o que podia ter feito. Poder-se-á, assim, argumentar, que não o tendo feito e tendo em consideração que, nos termos do art.º 9º n.º 2 do CC, “na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas …”, temos que concluir que o legislador considerou que as pessoas afetadas pela qualificação fossem condenadas a indemnizar os credores do devedor insolvente, sem haver sentença de verificação e graduação de créditos. Mas, cabe perguntar se, à semelhança do que sucede na exoneração do passivo restante, existem razões de ordem sistemática que justifiquem que, prosseguindo o incidente de qualificação da insolvência limitado, prossiga também o apenso de verificação e graduação de créditos. O incidente de qualificação limitado está regulado no art.º 191.º e no seu n.º 1 prevê-se que o mesmo é aplicável na situação prevista no n.º 5 do art.º 232º do CIRE. Na alínea c) do n.º 1 do art.º 191º dispõe-se que da sentença que qualifique a insolvência como culposa constam apenas as menções referidas nas alíneas a) a c) e e) do n.º 2 do artigo 189.º. Na redacção anterior à Lei n.º 9/2022, de 11/01, a alínea e) do n.º 2 do art.º 189º dispunha: e) Condenar as pessoas afetadas a indemnizarem os credores do devedor declarado insolvente no montante dos créditos não satisfeitos, até às forças dos respetivos patrimónios, sendo solidária tal responsabilidade entre todos os afetados. A Lei n.º 9/2022, de 11/01, alterou a redacção deste normativo, mediante a introdução de duas palavras: “até” e “máximo”, tendo passado a dispor: e) Condenar as pessoas afetadas a indemnizarem os credores do devedor declarado insolvente até ao montante máximo dos créditos não satisfeitos…” Por outro lado, o n.º 4 do art.º 189º dispõe que: “Ao aplicar o disposto na alínea e) do n.º 2, o juiz deve fixar o valor das indemnizações devidas ou, caso tal não seja possível em virtude de o tribunal não dispor dos elementos necessários para calcular o montante dos prejuízos sofridos, os critérios a utilizar para a sua quantificação, a efetuar em liquidação de sentença.” No âmbito da redacção anterior da alínea e) do n.º 2 do art.º 189º, a jurisprudência dividia-se em duas grandes correntes (cfr. Catarina Serra, in O Incidente de Qualificação da Insolvência Depois da Lei n.º 9/2022 – Algumas Observações ao Regime Com Ilustrações de Jurisprudência, in Julgar, 48, Setembro/Dezembro de 2002, pág. 24-25, com recensão de jurisprudência) quanto à sua interpretação: uma defendia que a indemnização correspondia, automaticamente, ao montante dos créditos não satisfeitos; outra, defendia que deviam ser ponderadas certas circunstâncias como o grau de culpa, a gravidade da ilicitude, o nexo de causalidade entre a conduta e o dano ou a situação patrimonial do sujeito, com base no principio constitucional da proporcionalidade. Assim e neste último sentido e a titulo meramente exemplificativo, o Ac. do STJ de 22/06/2021, proc. 439/15.7T8OLH-J.E1.S1, consultável in www.dgsi.pt/jstj, em cujo sumário consta: III - Assim, no caso de indemnização consagrada no art. 189.º, n.º 2, al. e), do CIRE, será atendendo e apreciando as circunstâncias do caso (tudo o que está provado no processo: o que levou à qualificação e o que o afetado alegou e provou em sua “defesa”) que o juiz pode/deve fixar as indemnizações em que condenará as pessoas afetadas. IV - E entre as circunstâncias com relevo para apreciar a proporcionalidade ou desproporcionalidade da indemnização a fixar encontram-se os elementos factuais que revelam o grau de culpa e a gravidade da ilicitude da pessoa afetada (da contribuição do comportamento da pessoa afetada para a criação ou agravamento da insolvência): mais estes (os elementos respeitantes à gravidade da ilicitude) que aqueles (os elementos respeitantes ao grau de culpa), uma vez que, estando em causa uma insolvência culposa, o factor/grau de culpa da pessoa afetada não terá grande relevância como limitação do dever de indemnizar, sendo o factor/proporção em que o comportamento da pessoa afetada contribuiu para a insolvência que deve prevalecer na fixação da indemnização. V - Não perdendo o juiz de vista, na fixação das indemnizações, que a responsabilidade consagrada no art. 189.º, n.º 2, al. e), do CIRE (sobre as pessoas afetadas pela qualificação da insolvência como culposa) tem uma função/cariz misto, ou seja, sem prejuízo da sua função/cariz ressarcitório, tem também uma dimensão punitiva ou sancionatória (da pessoa afetada/culpada na insolvência), pelo que a observância do princípio da proporcionalidade não exige que a indemnização a impor tenha que ser avaliada como justa, razoável e proporcionada, mas sim e apenas, num controlo mais lasso, que a indemnização a impor não seja avaliada como excessiva, desproporcionada e desrazoável”. Para a referida corrente terá contribuído o Ac. do Tribunal Constitucional, no seu Ac. nº 280/2015, de 20/05/2015, considerou que: “....a determinação do período de tempo de cumprimento das medidas inibitórias previstas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 189º do CIRE (inibição para a administração de patrimónios alheios, exercício de comércio e ocupação de cargo de titular de órgão nas pessoas coletivas aí identificadas) e, naturalmente, a própria fixação do montante da indemnização prevista na alínea e) do n.º 2 do mesmo preceito legal, deverá ser feita em função do grau de ilicitude e culpa manifestado nos factos determinantes dessa qualificação legal.”. Tendo em consideração a articulação entre a alteração introduzida na alínea e) do n.º 2 do art.º 189º, com o seu n.º 4 (resulta deste que “o juiz deve fixar o valor das indemnizações devidas“, calculando “o montante dos prejuízos sofridos”), há que concluir que o quantum da indemnização não é, necessariamente, o “montante dos créditos não satisfeitos”, mas o montante dos prejuízos sofridos, o qual tem de ser encontrado pelo juiz em função das circunstâncias do caso, bem podendo acontecer a medida dos mesmos corresponder ao valor do património destruído, danificado, inutilizado, ocultado, ou feito desaparecer, no todo ou em parte considerável ( alínea a) do n.º 2 do art.º 186º, ao valor dos negócios ruinosos em seu proveito ou no de pessoas com eles especialmente relacionadas ( alínea b) do mesmo normativo), ao valor dos bens do devedor disposto em proveito pessoal ou de terceiros ( alínea d)), ao valor prejuízo causado à empresa, com o exercício, a coberto da personalidade colectiva da empresa, se for o caso, uma actividade em proveito pessoal ou de terceiros ( alínea e)), ao valor dos proveitos obtidos com o uso do crédito ou dos bens do devedor contrário ao interesse deste ( alínea f)), ao valor da exploração deficitária ( alínea g)). Como refere Catarina Serra, in ob. cit., pág. 26 “…depois da alteração legislativa, já não é possível fazer prevalecer o critério do montante dos créditos não satisfeitos. Resulta, agora, inequivocamente, do articulado que o montante dos créditos não satisfeitos é só o montante máximo da indemnização, nos termos da alínea do n.º 2 do art. 189. A preposição “até”, como qualquer outra preposição essencial, é uma unidade linguística dependente de outra e serve, justamente, para estabelecer, de forma explicita ou implícita, uma ligação entre os dois termos O montante dos créditos não satisfeitos deixa de poder ser utilização como ponto de partida ou como padrão para o cálculo da indemnização e o (novo) critério, disponibilizado no art.º 189º, n.º 4, passa a ser o montante dos prejuízos sofridos.” E mais adiante (pág. 30-31) refere: “Ora, enquanto antes a lei autorizava a que se reconduzisse, pelo menos de início, a indemnização ao montante dos créditos não satisfeitos, agora é preciso apurar a diferença entre a situação que existe e a situação que existiria se a conduta ilícita não tivesse tido lugar – apurar, mais precisamente, o dano diferencial.” Em face do exposto, cabe perguntar se é necessária a sentença de verificação e graduação de créditos para a prolação da sentença de qualificação, como está subjacente à decisão recorrida, ao afirmar que “o incidente de qualificação da insolvência (…) poderá importar a condenação a condenação das pessoas afectadas a indemnizarem os credores do devedor até ao montante máximo dos créditos não satisfeitos, o que, mais uma vez, importa que se apurem previamente os créditos efectivamente devidos.--- ? A resposta é negativa, porque a lei e nomeadamente o art.º 189º, que contém o regime da sentença de qualificação, não manda indicar os credores do devedor e os créditos englobados na condenação, pese embora a alínea e) do n.º 2 do art.º 189º, determine que na sentença de qualificação o juiz condene “as pessoas afetadas a indemnizarem os credores do devedor declarado insolvente até ao montante máximo dos créditos não satisfeitos…” e o n.º 4 determine que “o juiz deve fixar o valor das indemnizações devidas”. As expressões “credores do devedor declarado insolvente” e “valor das indemnizações devidas” têm um carácter genérico, não visando a fixação de um quantum indemnizatório para cada um dos credores. Como refere Catarina Serra, in ob. supra citada, pág. 37 (sublinhado nosso):“A sentença que condena os afectados no pagamento de uma indemnização (sentença condenatória) declara um direito que cabe à generalidade dos credores…”, A expressão “valor das indemnizações devidas” tem o sentido, de permitir a fixação de um quantum indemnizatório individualizado para cada um dos afectados, já que a mesma é fixada em função das circunstâncias do caso, que podem não ser iguais para todos. E tanto assim é que, na segunda parte do n.º 4 do art.º 189º se dispõe que “caso tal não seja possível, em virtude de o tribunal não dispor dos elementos necessários para calcular o montante dos prejuízos sofridos, os critérios a utilizar para a sua quantificação, a efetuar em liquidação de sentença”. Destarte, para a prolação da sentença de qualificação e concretamente para a fixação da indemnização, não é necessária a sentença de verificação e graduação de créditos (em sentido diferente, se bem interpretamos, Alexandre Soveral Martins, in Curso de Direito da Insolvência, I, 4ª edição, 2022, pág. 591 ao afirmar: “O art.º 189º, 4, permite afirmar que na sentença de qualificação da insolvência como culposa o juiz, se o puder fazer, terá de fixar o valor da indemnização devida. Mas essa fixação parece depender não apenas da liquidação, como da verificação e graduação de créditos. Esses são aspectos que estarão certamente entre os critérios a utilizar para a quantificação em liquidação da sentença.”) E será necessária a sentença de verificação e graduação de créditos para o pagamento da indemnização aos credores ? Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, 7ª edição, 2020, pág. 166-167 refere: “O beneficiário direto da responsabilidade é a massa insolvente. (…) Em nosso entender, os valores entrados serão distribuídos pelos credores cujos créditos tenham ficado por satisfazer, na medida dessa insatisfação e segundo a graduação fixada na sentença de graduação e verificação dos créditos.” Alexandre de Soveral Martins, in ob. cit., pág. 588 refere: “Os credores com direito à indemnização são os credores do devedor que não viram os seus créditos (totalmente) satisfeitos. Integram-se aqui, sem dúvida, os credores da insolvência que viram os seus créditos verificados por sentença transitada em julgado (cfr. o art. 173º).” E mais adiante, pág. 589, refere que “as indemnizações devem, por isso, integrar primeiro a massa insolvente e só depois servir para pagar aos credores.” Catarina Serra, in ob. supra cit., pág. 34 refere: Enquanto o processo de insolvência estiver em curso, o pagamento da indemnização deve, evidentemente, ser feito ao administrador da insolvência, passando o montante indemnizatório a integrar a massa insolvente e só depois ser distribuído aos e pelos credores. Esclareça-se que a o montante deve ser repartido sem atender à graduação dos créditos. E esclarece a sua posição na nota 67, pág. 34, com referência ao disposto no art.º 174, n.º 1, 2ª parte, aplicável aos créditos garantidos e aplicável, por força do art.º 175º, n.º 2, quando dispõe que “quanto [aos credores garantidos] que não fiquem integralmente pagos e perante os quais o devedor responda com a generalidade do seu património, são os saldos respectivos incluídos entre os créditos comuns, em substituição dos saldos estimados, caso não se verifique coincidência entre eles.” Destarte, a doutrina está de acordo que, estando a decorrer o processo de insolvência e o administrador em funções, o pagamento da indemnização deverá ser efectuado ao Administrador, que rateará a mesma pelos credores constantes da sentença de verificação de créditos. Há divergência quanto à questão de saber se a graduação deve ser considerada. Mas não cabe aqui analisá-la, porque a questão dos autos se situa no âmbito do encerramento do processo de insolvência. Cabe, apenas, concluir que estando o processo de insolvência em curso, tendo sido instaurado incidente de qualificação de insolvência, para o administrador dar pagamento da indemnização que venha a ser obtida, a sentença de verificação e graduação de créditos tem relevância. E se o processo de insolvência for encerrado por insuficiência da massa ? O art.º 233º n.º 1 alínea b) dispõe que encerrado o processo, cessam as atribuições do administrador da insolvência, com excepção das referentes à apresentação de contas e das conferidas, se for o caso, pelo plano de insolvência. Destarte, não pode haver pagamento da indemnização ao administrador da insolvência, nem o mesmo pode promover acção executiva nos termos do art.º 82º, n.º 3, alínea b) do CIRE. A alínea c) dispõe que os credores da insolvência poderão exercer os seus direitos contra o devedor… E a alínea d) dispõe que os credores da massa podem reclamar do devedor os seus direitos não satisfeitos. Se o afectado for o devedor (como sucede nas pessoas singulares), as normas em causa serão aplicáveis. Mas se os afectados forem “administradores, de direito ou de facto, técnicos oficiais de contas e revisores oficiais de contas” (art.º 189º, n.º 2, alínea a)), as referidas normas não são aplicáveis. Nestas circunstâncias, encerrado o processo de insolvência “os credores individualmente considerados (re)adquirem a legitimidade processual habitual e, em particular, o poder de executar o património dos responsáveis.” (cfr. Catarina Serra, in ob. cit. pág. 36). Mas em que termos ? A questão tem sido colocada no âmbito de acções executivas intentadas contra pessoas afectadas pela qualificação. Assim consta do sumário do Ac. da RC de 17/11/2020, processo 3657/16.7T8VIS.1.C1, consultável in www.dgsi.pt/jtrc I – A sentença proferida no âmbito de um incidente de qualificação da insolvência que condena os afectados pela qualificação da insolvência como culposa “…até às forças do respetivo património, o que inclui todos os seus bens suscetíveis de penhora, a indemnizarem os credores da insolvente no montante dos créditos não satisfeitos” – sem indicar expressamente esses credores e os créditos englobados nessa condenação – só constitui título executivo para o efeito de exigir a indemnização correspondente ao valor de determinado(s) crédito(s) quando conjugada ou complementada por outro título que ateste a existência e valor desse(s) crédito(s). II – Por regra, esse título corresponderá à sentença de verificação de créditos proferida no âmbito do processo de insolvência ou a eventual sentença que tenha sido proferida no âmbito de acção para verificação ulterior de créditos. III – Não existindo esses títulos – em virtude de o processo ter sido encerrado por força do disposto no art. 39.º do CIRE sem que houvesse lugar a reclamações e verificações de créditos – aquela sentença só constituirá título executivo se for conjugada ou complementada por qualquer outro título que ateste a existência e valor do crédito que se pretende exigir na execução. IV – Para esse efeito, não vale a sentença de declaração de insolvência ainda que nesta tenham sido julgados provados em função dos quais seria possível concluir pela existência do(s) crédito(s) que se pretende(m) exigir, uma vez que a decisão aí proferida – que se limitou a declarar a insolvência – não reconheceu esse(s) crédito(s) e o caso julgado que com ela se formou não inclui os factos que ali se julgaram provados para o efeito de deles se extraírem outras consequências (designadamente o reconhecimento dos créditos) além das contidas na decisão aí proferida e que se limitou à declaração da insolvência. E no mesmo sentido se pronunciou o Ac. da RE de 30/06/2021, processo 644/17.1T8STR-B.E1, consultável in www.dgsi.pt/jtre), constando do respectivo sumário: 1. A sentença proferida no âmbito de um incidente de qualificação da insolvência que condena os afetados pela qualificação da insolvência como culposa“ - até às forças do respetivo património, o que inclui todos os seus bens suscetíveis de penhora, a indemnizarem os credores da insolvente no montante dos créditos não satisfeitos” – sem indicar expressamente esses credores e os créditos englobados nessa condenação – só constitui título executivo para o efeito de exigir a indemnização correspondente ao valor de determinado(s) crédito(s) quando conjugada ou complementada por outro título que ateste a existência e valor desse(s) crédito(s). 2. Por regra, esse título corresponderá à sentença de verificação de créditos proferida no âmbito do processo de insolvência ou a eventual sentença que tenha sido proferida no âmbito de ação para verificação ulterior de créditos. Mas a situação coloca-se de forma idêntica na situação em que a sentença de qualificação fixe como indemnização uma quantia (correspondente ao “montante do prejuízo” apurado) a distribuir pelo colectivo de credores do devedor, na proporção dos respectivos créditos, caso não chegue para a satisfação de todos os créditos (art.º 604º do CC). Só quem demonstrar ser credor do devedor declarado insolvente pode instaurar uma execução contra as pessoas afectadas pela sentença de qualificação de insolvência. Neste contexto, o título executivo é constituído, não apenas pela sentença de qualificação de insolvência, mas também pelo título que atesta a existência e valor do crédito sobre o devedor. Uma vez que não tem de constar da sentença de qualificação a identificação dos credores e dos créditos, coloca-se a questão de saber qual o título susceptível de comprovar a existência e valor do crédito sobre o devedor. Como refere a jurisprudência citada, em regra essa comprovação, no âmbito da insolvência, advém da sentença de verificação de créditos ou da sentença proferida no âmbito de acção para verificação ulterior de créditos. Não existindo tais sentenças, a sentença de qualificação só constituirá título executivo se for conjugada ou complementada por qualquer outro título que ateste a existência e valor do crédito sobre o devedor. Do exposto decorre que, no caso de ser proferida sentença que qualifique a insolvência como culposa e condene as pessoas afectadas a indemnizar, em caso de acção executiva contra os afectados, a sentença de verificação de créditos terá relevância, por completar o titulo executivo. Na situação dos autos, aquela sentença ainda não foi proferida, pese embora a mesma deva ser proferida. Mas o seu desfecho é incerto. E aqui podem ser consideradas duas possibilidades: - ordenar a extinção do apenso de verificação de créditos, independentemente do estado em que o mesmo se encontre, tendo em consideração a incerteza do desfecho do incidente de qualificação de insolvência e a possibilidade de virem a ser praticados actos inúteis, caso não se venha a considerar a insolvência culposa; - determinar a suspensão da instância, considerando, por um lado, a incerteza do desfecho da qualificação e, por outro, o principio da economia de processos - que dita “o aproveitamento da ação proposta e, indiretamente, evitar a propositura de nova ação para conseguir a solução do litigio” (cfr. Lebre de Freitas, in Introdução ao Processo Civil, 3ª edição, pág. 204). No caso verifica-se que: - a 27/01/2022 foi iniciado o apenso de Reclamação de Créditos (Apenso C). - a 06/04/2022 o Sr. AI juntou aos autos a lista dos créditos reconhecidos. - foram apresentadas diversas impugnações. - a 03/10/2022 foi proferido despacho saneador, em que foi consignado o objecto do litígio e os temas da prova em relação os créditos impugnados. - a 14/12/2022 foram designadas data para julgamento. - a 06/02/2023 e 13/02/2023 realizaram-se sessões de julgamento. Verifica-se, assim, que o apenso de verificação de créditos se encontra num ponto em que, muito embora já tenha sido praticado um conjunto relevante de actos, ainda faz sentido evitar a prática de actos inúteis, dada a incerteza do desfecho do incidente de qualificação e a relevância dos actos que ainda estão em falta (sessões de julgamento, sentença, eventuais recursos). Assim, se a sentença for no sentido de qualificar a insolvência como culposa, já não falta tudo para terminar o apenso de verificação; se a sentença for no sentido de considerar a insolvência fortuita, já não se perde tudo, havendo ganhos de eficiência relevantes para o sistema de justiça. Em face de tudo o exposto, não há que ordenar a extinção do apenso de verificação de créditos, como pretende a recorrente, mas sim a sua suspensão até que seja proferida sentença no incidente de qualificação. A isto não obsta o facto de no Acórdão proferido no apenso M se ter referido: Em terceiro lugar e como resulta da fundamentação de facto, verifica-se que os autos de reclamação de créditos prosseguiram os seus termos, tendo, por despacho de 03/01/2023, sido designada audiência de julgamento para 03.03.2023, quando nos termos do disposto no art.º 233º n.º 2, alínea b) do CIRE, o encerramento do processo de insolvência implica a extinção da instância dos processos de verificação de créditos que se encontrem pendentes. Declarado encerrado o processo de insolvência por insuficiência da massa, independentemente de quaisquer erros de julgamento em que tal decisão tenha assentado e sem prejuízo da eventual responsabilidade que esteja na base desse erro (art.º 59º n.º 1 do CIRE) extingue-se a instância e, consequentemente, não é possível praticar nele actos processuais relativos ao objecto do processo, nomeadamente, caso não tenha sido proferida sentença de verificação e graduação de créditos prevista no artigo 140.º, proferir tal sentença e os actos subsequentes. Apenas haverá lugar à remessa à conta, que é elaborada pela secretaria do tribunal e em seguida a esta, distribui as importâncias em dinheiro existentes na massa insolvente, depois de pagas as custas, pelos credores da massa insolvente, na proporção dos seus créditos, sem que para tal seja necessário renovar a instância. E isto porque não foi tido em consideração o facto de estar pendente um incidente de qualificação e as respectivas implicações, sendo certo que o objecto do recurso não era aquela questão. Destarte e considerando que caso venha a ser proferida sentença que qualifique a insolvência como culposa, a mesma só será titulo executivo complementada com a sentença de verificação de créditos, estando pendente o incidente de qualificação, o apenso de verificação de créditos deverá ser suspenso até que seja proferida e transite em julgado sentença naquele, decidindo-se então e em conformidade, o prosseguimento ou não do referido apenso. Neste contexto, a decisão recorrida deve ser revogada e substituída por outra que determine a suspensão do apenso de verificação de créditos até que seja proferida sentença no incidente de qualificação, decidindo-se então e em conformidade, o prosseguimento ou não daquele apenso e, em consequência, o recurso deve ser julgado improcedente, na medida em que a recorrente pretendia a pura e simples extinção do citado apenso. Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º, do CPC, a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte que a elas houver dado causa, entendendo-se que lhes deu causa a parte vencida, na respetiva proporção, ou, não havendo vencimento, quem do processo tirou proveito. No caso em análise, não foram apresentadas contra-alegações. Assim, conclui-se que não há parte vencida. Há assim que recorrer ao critério do proveito, pelo que as custas devem ficar a cargo do recorrente, pois obteve proveito do recurso. 5. Decisão Termos em que acordam os Juízes que compõem a 1ª secção da Relação de Guimarães em revogar a decisão recorrida, que se substitui por outra que determina a suspensão do apenso de verificação de créditos até que seja proferida e transite em julgado sentença no incidente de qualificação, decidindo-se então e em conformidade, o prosseguimento ou não daquele apenso e, em consequência, julga-se o recurso improcedente. * Custas pela recorrente – art.º 527º n.º 1 do CPC* Notifique-se Guimarães, 07/06/2023 (O presente acórdão é assinado electronicamente) Relator: José Carlos Duarte Adjuntos: Maria Gorete Morais Maria João Matos |