Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
7403/18.2T8VNF.9.G1
Relator: MARIA LEONOR BARROSO
Descritores: FAT
INDEMNIZAÇÕES POR INCAPACIDADE TEMPORÁRIA
JUROS DE MORA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/01/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
No caso de acidente de trabalho ocorrido em 10-09-1982, o FAT, em substituição do extinto FGAT, responde nos mesmos termos em que este respondia, pagando apenas as pensões por incapacidade permanente ou morte, e não as indemnizações por incapacidades temporárias, nem tão pouco juros de mora.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

AUTOR/SINISTRADO: AA.
RÉ/ENTIDADES RESPONSÁVEIS: ““EMP01..., S.A” e FAT Fundo de Acidente de Trabalho.
Nestes autos de acção especial emergente de acidente de trabalho requereu o sinistrado a revisão da incapacidade permanente parcial (IPP) anteriormente fixada em 51,4375 % (por força de anterior revisão) alegando agravamento da incapacidade para o trabalho.
O acidente em causa ocorreu em 10-09-1982.
Foi realizada perícia médica singular junto do GML que considerou haver agravamento das sequelas.  A seguradora não se conformando com este resultado requereu perícia por junta médica- 145º, 5 CPT. Por unanimidade os peritos médicos concluíram que não houve agravamento das sequelas, mantendo-se a incapacidade permanente anteriormente atribuída, considerando, porém, um período de ITA desde 30.05.2018 até 09.02.2023.

DECISÃO RECORRIDA (DISPOSITIVO): foi então proferida a decisão recorrida a decidir o incidente de revisão nos seguintes termos:
“Face ao exposto, julga-se parcialmente procedente o presente incidente de revisão e, em conformidade:
» mantém-se a pensão já atribuída nestes autos;
» condena-se a entidade seguradora no pagamento da quantia de € 2.630,20 a título de indemnização pelo período de incapacidade temporária sofrido;
» condena-se o FAT no pagamento da quantia de € 219,11, a título de indemnização pelo período de incapacidade sofrido.
Nos termos do artigo 135.º do Código de Processo do Trabalho e 804º a 806º do Código Civil, às quantias agora apuradas acrescem juros de mora, à taxa legal, até efectivo e integral pagamento desde a data do vencimento de cada uma das prestações;
Custas do incidente pelos responsáveis (artigo 17.º, n.º 8 do Regulamento das Custas Processuais), fixando-se no mínimo legal.
Valor do incidente: € 2.849,31.”

O FAT recorreu, insurgindo-se contra a sua condenação no pagamento de indemnizações por incapacidade temporária e juros de mora.
CONCLUSÕES DO RECURSO:

“1. O acidente de trabalho a que se reportam os autos em 10-09-1982, sendo-lhe por isso aplicável a Lei n.º 2127, de 03-08-1965.
2. A responsabilidade do FAT pelo pagamento de prestações emergentes de acidentes de trabalho ocorridos até 31-12-1999, corresponde, nos exatos termos, àquela que cabia ao ex- FGAP, ou seja, de acordo com o estipulado no Anexo à Portaria n.º 642/83, de 01-06, por aplicação da Portaria n.º 291/2000, de 25 de maio.
3. Dispõe o artigo 6º do Anexo à Portaria n.º 642/83 que o ex-FGAP, não responde por eventuais prestações a que o trabalhador possa ter direito na situação de incapacidade temporária.
4. Nestes termos, tendo o acidente sofrido pelo sinistrado ocorrido em 1982, não responde o FAT pelo pagamento da indemnização por incapacidades temporárias agora fixada.
5. A decisão recorrida condena também o recorrente no pagamento de juros de mora. Contudo, os mesmos não serão devidos.
6. Os juros de mora são devidos se houver mora do devedor. Nos termos do artigo 804º do Código Civil, considera-se que o devedor está em mora quando, por razão que lhe seja imputável, a prestação ainda possível, não foi efetuada em devido tempo.
7. Os juros de mora não são uma prestação emergente de acidente de trabalho, já que não fazem parte do elenco constante do art.º 25º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro e como tal o FAT não pode ser responsabilizado pelo seu pagamento uma vez que apenas responde por prestações decorrentes de acidente de trabalho nos termos do art.º 1º, n.º 1, al. a) do DL n.º 142/99, de 30 de abril.
8. Nestes termos, não será o recorrente Fundo de Acidentes de Trabalho responsável pelo pagamento dos juros de mora constantes da decisão de revisão de incapacidade.
Nestes termos e nos melhores de direito, deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se parcialmente a decisão recorrida e, em consequência, ser substituída por outra que defira a pretensão do Recorrente.”
CONTRA-ALEGAÇÕES - não constam.
PARECER DO MINSTÉRIO PÚBLICO- sustenta-se a procedência da apelação.
O recurso foi apreciado em conferência – art.s 657º, 2, 659º, do CPC.

QUESTÕES A DECIDIR [1]: - Saber se o FAT é ou não é responsável pelo pagamento da indemnização por incapacidade temporária e juros de mora referentes a acidente de trabalho ocorrido em 10-09-1982, no âmbito da Lei nº 2127, de 03-08-1965.

I.I FUNDAMENTAÇÃO

A - Os factos em que se baseia o acórdão constam do relatório, em especial a data do acidente de trabalho.
B - Responsabilidade do FAT pelo pagamento de indemnizações por incapacidade temporária e juros de mora:
O acidente em causa ocorreu em 10-09-1982, altura em que regime jurídico dos acidentes de trabalho[2] constava da Lei nº 2127, de 3 de Agosto de 1965, regulamentada pelo Decreto 360/71 de 21 de agosto. Destes diplomas emergia, em caso de acidente de trabalho, o direito dos trabalhadores e familiares à reparação em dinheiro (entre outras), mormente pensões por incapacidades permanentes/morte e indemnizações por incapacidades temporárias - Bases IX, b) e XVI, da Lei 2127 e 47º a 57º da referida regulamentação
A referida Lei 2127, acautelando a eventualidade de insolvência de entidades responsáveis, no intuito de protecção dos beneficiários, criou o Fundo de Garantia e Actualização de Pensões, doravante FGAP. Nos termos da base XLV, nº 1, da referida Lei, tal fundo destinava-se a “assegurar o pagamento das prestações, por incapacidade permanente ou morte, da responsabilidade de entidades insolventes”. Ou seja, a garantia e protecção assegurada pelo FGAT restringia-se a estas prestações e não abrangia todas as conferidas pela Lei 2127, sendo mais reduzida, não englobando, mormente, as indemnizações por incapacidades temporárias.
O FGAT, em termos orgânicos, era um fundo gerido pela Caixa Nacional de Seguros de Doenças Profissionais, doravante Caixa Nacional, que se regia por vários diplomas, entre eles a legislação de reparação de acidentes de trabalho e doenças profissionais já referida, e por um Regulamento, sendo o último aprovado pela Portaria nº 642/83, de 1 de junho (artigo 1º e 89º). Ora, em reforço do acima dito, também este diploma dispunha que o FGAT, gerido pela Caixa Nacional, no âmbito da reparação de acidentes de trabalho, na substituição de entidades insolventes só assegurava aos trabalhadores e familiares o pagamento de prestações por incapacidade permanente ou morte.
(artigo 1º do Anexo da Portaria “Nos termos da base XLV da Lei n.º 2127, compete à Caixa Nacional de Seguros de Doenças Profissionais a gestão do Fundo de Garantia e Actualização de Pensões, destinado a assegurar o pagamento das prestações, por incapacidade permanente ou morte, da responsabilidade de entidades insolventes.”)
Mais, a referia portaria (6º do Anexo) excluía expressamente da responsabilidade do FGAT as indemnizações por incapacidade temporária (artigo 6º Incapacidade temporária “O Fundo de Garantia não responde pelas eventuais prestações a que o trabalhador possa ter direito na situação de incapacidade temporária.)
Donde se conclui que no âmbito da legislação em que se moveu o então FGAT, este não assegurava o pagamento de indemnização por incapacidades temporárias, regime jurídico aplicável ao acidente dos autos datado de 10-09-1982. Os juros são uma obrigação acessória da principal, penalizando o seu não cumprindo atempado. Não existindo esta (indemnização por IT), desde logo também não existe aquela.
Acontece que o FGAP foi extinto (a partir de 15 de Junho de 2000), tendo sido criado o actual Fundo de Acidentes de Trabalho (em 1-01-2000), doravante FAT[3], para este tendo transitado as respectivas responsabilidades e saldos - art.s 1º, 15º, 2 do  Decreto-Lei nº 142/99, de 30 de Abril, 15º do Decreto-Lei  nº 382-A/99, de 22 de Setembro, 1º da Portaria nº 291/2000 de 25 de maio.
Esta última portaria, em diversas das suas normas, define os termos da transição de responsabilidade e, por mais do que uma vez, refere que o novo FAT em substituição do FGAT, na vez de entidades insolventes ou equiparadas, apenas responde nos mesmos termos em que este respondia. Ou seja, satisfaz apenas o pagamento das pensões por incapacidade permanente ou morte em caso de acidente de trabalho (1º, 3º, 4º e 5º da portaria).
Em particular veja-se o artigo 3º da referida portaria “As responsabilidades do Fundo de Garantia e Actualização de Pensões, que transitam para o Fundo de Acidentes de Trabalho, correspondentes a acidentes de trabalho ocorridos até 31 de dezembro de 1999, ficam limitadas às obrigações legais e regulamentares do anterior fundo”.
Ou seja, a responsabilidade do FAT no que refere aos acidentes de trabalho ocorridos até o final do ano de 1999 (caso dos autos) é igual e decalcada na responsabilidade do FGAT.
É mister referir que o FAT passou a assumir uma responsabilidade mais ampla do que a prevista para o anterior FGAT, englobando o pagamento de indemnização por incapacidades temporárias[4]- 1º e 15º, 2, do Decreto-Lei nº 142/99, de 30 de abril.
Tal decorreu, em primeira linha, da entrada em vigor de outro regime jurídico dos acidentes de trabalho, a Lei 100/97 de 13 de setembro[5] (LAT),  apenas aplicável aos acidentes ocorridos a partir de 1-01-2000[6]. Passando-se a consagrar que o fundo garante o pagamento, não só das pensões por incapacidade permanente ou morte, mas também das indemnizações por incapacidade temporárias quando não possam ser pagas pela entidade responsável por motivo de incapacidade económica objectivamente caracterizada em processo judicial de falência ou processo equivalente, ou processo de recuperação de empresa ou por motivo de ausência, desaparecimento ou impossibilidade de identificação - 39º da Lei 100/97, de 13 de setembro.
Contudo, nos termos acima referidos, tendo o acidente ocorrido em data anterior ao da entrada em vigor da referida lei, face ao mencionado regime de transição, o FAT apenas responde nos mesmos termos que o anterior FGAT, estando excluído o pagamento de indemnizações por incapacidades temporárias. E também os juros de mora por, desde logo, não estarem previstos na referida legislação como obrigação decorrente do acidente e, ainda, por, ontologicamente, serem acessórios de uma obrigação principal que no caso inexiste (o fundo não assegurava o pagamento de indemnizações por IT) e, ainda, porque a mora no pagamento da prestação não é imputável ao FAT, mas sim à entidade empregadora - 3º da Portaria nº 291/2000 de 25 de maio.
Deste quadro legal resulta que o recorrente tem razão. Para a determinação do âmbito da competência do FAT a lei consagra como único critério a atender a data da ocorrência do acidente e não qualquer outro, designadamente a data da decisão judicial que declara a entidade patronal insolvente e responsabiliza o Fundo.
Também a jurisprudência do STJ vai no sentido de que a responsabilidade do Fundo de Acidentes de Trabalho deve ser aferida em função da legislação em vigor à data em que ocorreu o acidente de trabalho que vitimou o sinistrado - ac. STJ de 22-06-2017, Proc. 905/05.2TTLSB.L1.S1. Sobre a questão de, em caso de falência da entidade responsável, o FAT não assumir o pagamento da indemnização por incapacidades temporárias e respectivos juros de mora nos acidentes de trabalho ocorridos antes de 1 de janeiro de 2000, seja a decisão que responsabiliza o Fundo anterior ou posterior à extinção do FGAP, vejam-se os acórdãos do STJ de 26-11-2003, Proc. 02S4680 e acórdão de 15-11-2006, Proc. 06S3408 e, desta RG, acórdão de 13-07-2021, Proc. 409/14.2T8VRL-C. G1, in www.dgsi.pt.

III. DECISÃO

Pelo exposto, concede-se provimento ao recurso e revoga-se a decisão na parte em que condena o FAT.
Custas a cargo dos recorridos.
Notifique.

Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso (relatora)
Francisco Sousa Pereira
Antero Dinis Ramos Veiga


[1] Segundo os artigos 635º/4, e 639º e 640º do CPC, o âmbito do recurso é balizado pelas conclusões do/s recorrente/s salvo as questões de natureza oficiosa.
[2] E doenças profissionais.
[3] Previsto no artigo 39.º da Lei n.º 100/97, de 13 de setembro que aprovou um novo regime de acidentes de trabalho
[4] Art. 1º, nº 1 - É criado o Fundo de Acidentes de Trabalho, dotado de autonomia administrativa e financeira, adiante designado abreviadamente por FAT, a quem compete: a) Garantir o pagamento das prestações que forem devidas por acidentes de trabalho sempre que, por motivo de incapacidade económica objectivamente caracterizada em processo judicial de falência ou processo equivalente, ou processo de recuperação de empresa, ou por motivo de ausência, desaparecimento ou impossibilidade de identificação, não possam ser pagas pela entidade responsável;”
[5] Que revogou a anterior lei de acidentes de trabalho e doenças profissionais- Lei n.º 2127, de 3 de agosto de 1965.
[6] Arts 41º da Lei 100(87, de 13 de setembro, 71º DA Lei 143/99 de 30 de abril, alterado pelo DL 382-A/99 de 22 de setembro (art. 1º).