Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1057/10.1TBEPS.G1
Relator: RAQUEL REGO
Descritores: INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE
CADUCIDADE
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/10/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I - O artº 1817º do Código Civil não viola os direitos constitucionais da paternidade biológica e do estabelecimento do respectivos vínculo jurídico, abrangidos pelos direitos fundamentais à identidade pessoal, previsto no artº 26º nº1 e o direito a constituir família, previsto no artº 36º nº1, ambos da Constituição da República Portuguesa e, consequentemente, não está ferido de inconstitucionalidade.
II – Em acção de investigação da paternidade, compete ao réu a prova do decurso do prazo de caducidade.
III - A recusa injustificada do réu em submeter-se a exames hematológicos terá de ser sancionada com a inversão do ónus da prova, nos termos do artº 344º, nº2, presumindo-se a paternidade.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO Tribunal DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES



I – RELATÓRIO.


Z…, residente na Avª Arantes de Oliveira, casa 6, Esposende, intentou a presente acção ordinária contra M…, M… e M…, todas com residência em Avª. De Goios, 45, Marinhas, Esposende, na qualidade de herdeiras da “herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de H…”.

Invoca, em suma, que a sua mãe, falecida em 5 de Agosto de 2010, só lhe revelou mesmo antes do seu falecimento que ela nasceu das relações sexuais ocorridas entre a sua mãe e o aludido H… e peticiona que seja reconhecido e declarado que é filha deste.

As RR. contestaram invocando a caducidade do direito de propor a presente acção e, no mais, impugnando os fundamentos da presente acção, concluindo a final pela sua improcedência.

Prosseguiu então a acção os termos normais, proferindo-se sentença que julgou procedente a excepção peremptória da caducidade, absolvendo as rés do pedido.

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Discordando desta decisão, dela interpôs recurso de apelação a autora, vindo a ser proferido acórdão que anulou o julgamento com vista a sanar contradição da matéria de facto.
Proferida nova decisão, foi outra vez julgada procedente a excepção peremptória da caducidade, absolvendo as rés do pedido.
A autora interpôs nova apelação, tendo apresentado tão extensas conclusões, que nos dispensamos de reproduzir.

Termina pedindo que se revogue a decisão que julgou procedente a excepção peremptória de caducidade, substituindo-se por outra que condene no peticionado.
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As rés apresentaram contra-alegações, pugnando pela manutenção do decidido.
Ao mesmo tempo, ao abrigo do artº 636º, nº2, do Código de Processo Civil, requerem que a matéria do quesito 3º seja respondido provado e a dos quesitos 4º e 5º se responda não provado.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO.

Na sentença recorrida fez-se constar ter-se considerados provados os seguintes factos:
a) A A. nasceu no dia 23 de Maio de 1954.
b) Do assento de nascimento consta como sua mãe F… .
c) A mãe da A. casou no dia 17 de Março de 1984 com M… .
d) A mãe da A. faleceu no dia 5 de Agosto de 2010.
e) H… faleceu no dia 28 de Outubro de 2004.
f) A mãe da A. travou conhecimento com o referido H… em finais do ano de 1952, princípios de 1953.
g) Nos primeiros 120 dias dos 300 que precederam o nascimento da A., a sua mãe manteve relações sexuais de cópula completa com o falecido H… .
h) Tendo sido em consequência de tais relações sexuais que a A. foi gerada e sua mãe deu à luz em 23 de Maio de 1954.

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O objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (arts. 684º, nº3 e 690º, nºs 1 e 3, do C. P. Civil);
Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.
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São três as questões submetidas à apreciação deste tribunal de recurso:
a) A inconstitucionalidade material do artº 1817º, nº1, do Código Civil.
b) Sobre quem recai o ónus da prova da excepção da caducidade da acção.
c) Alteração da resposta à matéria dos quesitos 1º, 2º, 3º, 4º e 5º.
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Quanto à primeira:
É inquestionável que tem sido objecto de controvérsia saber se a acção de investigação de paternidade deve, ou não, ser limitada no tempo.
Anteriormente à Lei 14/2009, por acórdão nº23/2006, de 10/01, publicado a 08.02.2006, o Tribunal Constitucional declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, do artº 1817º do Código Civil, na medida em que previa, para a caducidade do direito de investigar a paternidade, um prazo de dois anos a partir da maioridade do investigante, com fundamento em violação das disposições conjugadas dos artºs 26º nº1, 36º nº1 e 18º nº2 da Constituição da República Portuguesa.
Nessa sequência e pela citada lei, o legislador ordinário veio conferir nova redacção ao preceito, passando a consagrar, que, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 1817º, nº1 e 1873º do Código Civil, a acção de investigação de paternidade possa ser proposta durante a menoridade do investigante ou nos dez anos posteriores à sua maioridade ou emancipação, ao mesmo tempo que prevê, nos nº 2 e 3 do primeira norma, um leque de situações em que a investigação possa ir para além do prazo geral de dez anos.
Ainda assim, inúmera jurisprudência continuou a entender que o prazo de dez anos também é inconstitucional, por limitar a possibilidade de investigação a todo o tempo, constituindo uma restrição não justificada, desproporcionada e não admissível do direito do filho de saber de quem descende.
São disso exemplo os acórdãos do STJ datados de 08.06.2010, de 21.09.2010 e de 27.01.2011, disponíveis in www.dgsi.pt.
De novo instado a pronunciar-se, agora já no domínio do novo prazo, o mesmo Tribunal Constitucional decidiu que a norma não padece já da falada inconstitucionalidade, alicerçando-se no entendimento de que “não deixa de relevar que alguém a quem é imputada uma possível paternidade – vínculo de efeitos não só pessoais, como também patrimoniais – tem interesse em não ficar ilimitadamente sujeito à “ameaça”, que sobre ele pesa, de instauração da acção de investigação.
Note-se que este interesse do suposto pai não é auto-tutelável, uma vez que nas situações de dúvida a realização de testes científicos exige a colaboração do suposto filho, além de que nas situações de completo desconhecimento, apesar de não se registar uma vivência de incerteza, a propositura da acção de investigação potencialmente instaurada largos anos volvidos após a procriação é de molde a “apanhar de surpresa” o investigado e a sua família, com as inerentes perturbações e afectações sérias do direito à reserva da via privada.” – cf. acórdão nº 401/2011.
Como por ele é referido, “Apesar da inexistência de qualquer prazo de caducidade para as acções de investigação da paternidade, permitindo que alguém exerça numa fase tardia da sua vida um direito que anteriormente negligenciou, poder corresponder a um nível de protecção máximo do direito à identidade pessoal, isso não significa que essa tutela optimizada corresponda ao constitucionalmente exigido”.
E, ainda: “o direito ao estabelecimento do vínculo da filiação não é um direito absoluto que não possa ser harmonizado com outros valores confituantes, incumbindo ao legislador a escolha das formas de concretização do direito que, dentro das que se apresentem como respeitadoras da Constituição, se afigure mais adequada ao seu programa legislativo”.
“Ao ter optado por proteger simultaneamente outros valores relevantes da vida jurídica através da consagração de prazos de caducidade, o legislador não desrespeitou as fronteiras da suficiência da tutela, uma vez que essa limitação não impede o titular do direito de o exercer, impondo-lhe apenas o ónus de o exercer num determinado prazo”.
Conclui o Acórdão que “apesar de na actual conjuntura a cada vez mais tardia inserção estável no mundo profissional poder acarretar falta de autonomia financeira, eventualmente desincentivadora de uma iniciativa, por exclusiva opção própria, a alegada falta de maturidade e experiência do investigante perde muito da sua evidência quando se reporta aos vinte e oito anos de idade, ou um pouco mais cedo nos casos de emancipação. Neste escalão etário, o indivíduo já estruturou a sua personalidade, em termos suficientemente firmes e já tem tipicamente uma experiência de vida que lhe permite situar-se autonomamente, sem dependências externas, na esfera relacional, mesmo quando se trata de tomar decisões, como esta, inteiramente fora do âmbito da gestão corrente de interesses.
O prazo de 10 anos após a maioridade ou emancipação, consagrado no artigo 1817º, nº1, do Código Civil, revela-se, pois, como suficiente para assegurar que não opera qualquer prazo de caducidade para a instauração pelo filho duma acção de investigação da paternidade, durante a fase da vida deste em que ele poderá ainda não ter a maturidade, a experiência de vida e a autonomia suficientes para sobre esse assunto tomar uma decisão suficientemente consolidada”.
Acresce que no nº2 da norma ora em análise se estipulou que se não fosse possível estabelecer a maternidade em consequência de constar do registo maternidade determinada, a acção já podia ser proposta nos três anos seguintes à rectificação, declaração de nulidade ou cancelamento do registo inibitório e no nº3 permitiu-se que a acção ainda pudesse ser proposta nos três anos posteriores à ocorrência de algum dos seguintes factos: a) ter sido impugnada por terceiro, com sucesso, a maternidade do investigante; b) quando o investigante tenha tido conhecimento, após o decurso do prazo previsto no nº1, de factos ou circunstâncias que justifiquem a investigação, designadamente quando cesse o tratamento como filho pela pretensa mãe; c) e em caso de inexistência de maternidade determinada, quando o investigante tenha tido conhecimento superveniente de factos ou circunstâncias que possibilitem e justifiquem a investigação.
Curiosamente, no âmbito do processo 733/12.9TBFAF.G1 desta Relação (com o mesmo colectivo dos presentes autos), decidiu-se pela insconstitucionalidade da norma, com um voto de vencida da aqui e ali relatora.
Interposto recurso, o Tribunal Constitucional voltou a decidir pela constitucionalidade, sendo, por via disso, proferido novo acórdão em conformidade.
Assim, considerando todo o exposto, entende-se que o teor do artº 1817º do Código Civil não viola os direitos constitucionais da paternidade biológica e ao estabelecimento do respectivos vínculo jurídico, abrangidos pelos direitos fundamentais à identidade pessoal, previsto no artº 26º nº1 e o direito a constituir família, previsto no artº 36º nº1, ambos da Constituição da República Portuguesa e, consequentemente, não está ferido de inconstitucionalidade.

Segunda questão:
Trata-se, aqui, de decidir sobre quem recai o ónus da prova da excepção da caducidade desta acção.
“A caducidade, também dita preclusão, é o instituto pelo qual os direitos que, por força da lei ou de convenção, se devem exercer dentro de certo prazo, se extinguem pelo seu não exercício durante esse prazo” (Luís A. Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, II, 4ª ed., Lisboa, 2007, p. 699).
Se é inquestionável que se mostrava decorrido o prazo consignado no nº1 do artº 1817º do Código Civil e, portanto, caduco o direito da autora intentar a presente acção ao abrigo do mesmo, certo é que, face ao seu nº3, b), a mesma ainda poderia estar em tempo, tendo em conta que alegou só ter tido conhecimento da identidade do pretenso pai no dia 15.07.2010.
Embora se encontrem arestos contendo diferente posição da que adoptaremos, acercade sobre quem recai o ónus da prova quanto à eventual caducidade da acção, de que constituem exemplos os acórdãos do STJ datados de 07.10.1992 e 26.01.88 (itij), certo é que os mesmos têm publicados somente os respectivos sumários.
Ora, não tendo acesso aos argumentos aí aduzidos, nada nos leva a afastar-nos das razões contidas no acórdão de 17.05.2012 do mesmo tribunal e com as quais nos vemos completamente identificados, isto é, que «em face do direito vigente, não pode haver outra solução senão aquela que onera a ré com a prova do decurso do prazo de caducidade.
Em primeiro lugar, porque tratando-se de um facto extintivo do direito invocado pela autora, competiria aquela ré fazer a sua prova, conforme se dispõe no nº2 do artigo 342º do Código Civil.
Em segundo lugar, porque no nº2 do artigo 343º do mesmo diploma se impõe ao réu, no caso de acções que devam ser propostas dentro de certo prazo a contar do conhecimento de um facto, o ónus da prova de o facto já ter decorrido».
Temos, assim, que competia às rés a prova da caducidade da acção.

Terceira questão: alteração da matéria de facto.
Neste domínio, impõe-se chamar à colação a recusa das rés em submeter-se a testes hematológicos e as consequências daí advindas.
Diz o artº 1801º do Código Civil que, nas acções relativas à filiação, são admitidos como meios de prova os exames de sangue e quaisquer outros métodos cientificamente comprovados.
Por seu turno, estabelece o artº 1871º, do mesmo diploma, que a paternidade se presume quando se prove que o pretenso pai teve relações sexuais com a mãe durante o período legal de concepção (nº1, al.e)).
O momento da concepção do filho é fixado, para os efeitos legais, dentro dos primeiros cento e vinte dias dos trezentos que precederem o seu nascimento, salvas as excepções dos artigos seguintes- artº 1798º.
A recusa do réu nas acções de reconhecimento de paternidade em submeter-se a exame hematológico tem sido discutida na doutrina e na jurisprudência à volta de três questões: se a recusa é legítima; se o exame pode ser realizado coercitivamente; se a recusa inverte o ónus da prova.
Tal como o artº 519º do anterior Código de Processo Civil, dispõe agora o artº 417º que todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspecções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os actos que forem determinados.
Nos termos do nº 2 do mesmo normativo, aqueles que recusem a colaboração devida, serão condenados em multa, sem prejuízo dos meios coercitivos que forem possíveis; e se o recusante for parte, o tribunal apreciará livremente o valor da recusa para efeitos probatórios, sem prejuízo da inversão do ónus da prova decorrente do preceituado no nº 2 do artº 344º do Código Civil.
O citado artº 344º, nº 2 estabelece que há inversão do ónus da prova quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado.
Lebre de Freitas (“Código de Processo Civil Anotado”, vol. II, pág. 409) entende que se verifica o condicionalismo daquele normativo quando a conduta do recusante impossibilita a prova do facto a provar, a cargo da contraparte, por não ser possível consegui-la com outros meios de prova, já por a lei o impedir (exs.: artº 313º, nº 1 e artº 365º do Código Civil), já por concretamente não bastarem para tanto os outros meios produzidos.
Se outra prova dos factos em causa não existir ou, existindo, for insuficiente, a recusa pode dar lugar à inversão do ónus da prova, que ficará a cargo da parte não cooperante.
No mesmo sentido, Rui Rangel [“O Ónus da Prova no Processo Civil”, pág. 301] entende que o regime previsto no nº 2 do artº 344º não pressupõe que o único meio de prova idóneo para a demonstração de determinado facto seja o inviabilizado pela conduta culposa da parte. Basta que se trate de meio de prova de especial relevância, isto é, que só por si fosse idóneo para garantir a procedência da acção.
No que respeita à recusa da parte em se submeter a exame hematológico nas acções de reconhecimento de paternidade, entendem aqueles autores que há lugar à inversão do ónus da prova quando o exame for o único meio de provar a filiação biológica e a recusa implique a impossibilidade de o autor fazer essa prova, privando-o da prova directa, por meios científicos [Lebre de Freitas, obra e lugar citados na nota 7 e ainda “A Acção Declarativa Comum”, pág, 185; e Rui Rangel, obra e lugar citados na nota anterior.].
Também Lopes do Rego [“Comentários do Código de Processo Civil”, pág. 361.] refere que se o exame se configurar como absolutamente essencial à determinação da filiação biológica – implicando consequentemente a recusa do pretenso pai verdadeira impossibilidade de o autor fazer prova da invocada filiação biológica – deverá aplicar-se o preceituado no nº 2 do artº 334º, presumindo-se a paternidade.
Já Alberto dos Reis [“Código de Processo Civil Anotado”, III vol., 3ª ed., pág. 326.] defendia que se a parte não se submete a inspecção tendente a verificar certo facto, se deve ter esse facto por provado.
A jurisprudência tem-se mostrado dividida quanto a esta questão, propendendo alguns arestos para a posição doutrinária acima exposta (Cfr., por exemplo, o Acs. do STJ de 28.05.02,) e entendendo outros que, para além da multa prevista na 1ª parte do nº 2 do artº 519º do CPC, a sanção de ordem probatória da recusa só pode ser a sua livre apreciação pelo tribunal nos termos da 2ª parte do mesmo normativo [Ac. do STJ de 04.10.94].
Por outro lado, o Ac. do TC 616/98 de 21.10.98, DR-II série, de 17.03.99 considerou constitucional a valoração da recusa nos termos do artº 519º do CPC.
De resto, as provas têm de criar no espírito do julgador tão só a probabilidade bastante da existência do facto, tendo em consideração as regras da experiência.
Como afirma Antunes Varela [Manual de Processo Civil, 421], a prova assenta numa certeza subjectiva da realidade do facto, ou seja, no alto grau de probabilidade de verificação do facto, suficiente para as necessidades práticas da vida.
Ora, o exame hematológico, mau grado continuar a ver a sua força probatória sujeita à livre apreciação do tribunal – art. 389º – não pode ser encarado como um qualquer elemento de prova em paridade com quaisquer outros igualmente de livre apreciação e valoração.
Com efeito, do que se trata é de prova por métodos científicos que, no actual estádio de desenvolvimento do conhecimento, bem distante dos tempos em que os exames apenas permitiam concluir pela rejeição de paternidade, não podem deixar de levar ao seu reconhecimento pela jurisprudência, atento o grau de quase certeza sobre o vínculo biológico que podem transmitir.
Pode continuar a dizer-se, anota Guilherme Oliveira [Temas de Direito da Família, 1, 214], que a afirmação da paternidade ainda se funda numa probabilidade e não numa certeza; mas trata-se de uma probabilidade muito mais alta do que aquela que os tribunais usam, quotidianamente, para fundamentar todas as suas convicções e as suas sentenças.
Assim, também no nosso entendimento, a recusa injustificada do réu em submeter-se a exames hematológicos terá de ser sancionada com a inversão do ónus da prova, nos termos do artº 344º, nº2, presumindo-se a paternidade.
Tendo presente o que agora se escreveu, é manifesto que a prova das rés não teve a virtualidade de afastar a presunção a que nos reportamos; bem antes pelo contrário, são as próprias testemunhas das demandadas que vêm sustentar essa prova ao afirmarem de modo peremptório que a mãe da autora manteve relações sexuais com o pretenso pai, de que é exemplo o depoimento da testemunha L…, repetindo-o quase à exaustão, embora com propósito diverso. Aliás, esta testemunha depôs de modo a causar dúvidas no julgador acerca das exactas motivações das afirmações que fez, bem como do alcance e veracidade de algumas delas, não transmitindo aquela postura distanciada e sem interesse que se exige de um depoimento.
Veja-se, ainda, o depoimento da testemunha M…, que pouco demonstrou saber e depôs de modo algo comprometido.
Ora, como se disse e se vê, ainda recentemente no acórdão do STJ de 23.02.2012 (itij), «Aquele que, culposamente, se recusa a se submeter as testes de ADN em acção de investigação da paternidade em que é réu, fica onerado com o encargo de provar que não é pai, nos termos do artº 344º nº2 do C. Civil», só podemos concluir que as rés não lograram afastar essa presunção.
Portanto, os quesitos relativos à prova da paternidade do pretenso pai terão de obter resposta positiva, nos quais se inclui o 3º, que mereceu a resposta dada na sequência do nosso anterior acórdão, actual alínea f) dos factos considerados na sentença ora recorrida.
Estão, assim, provados os quesitos 3º, 4º e 5º da Base Instrutória.

Resta, por último, averiguar se as rés provaram o decurso do prazo que a autora dispunha para propor a acção.
Deparamo-nos nesta sede com três depoimentos muito circunstanciados, repletos de pormenores e alguma emotividade e outros que apenas podem suscitar dúvidas.
(…)
Assim, oferece credibilidade a prova produzida pela autora, considerando-se provados os factos atinentes aos quesitos 1º e 2º.
Tudo sem prejuízo de se ter decidido que o ónus da prova recaía sobre as rés, pelo que a procedência da acção não se encontrava dependente da resposta positiva a estes quesitos.

De acordo com o disposto no artº 1796º, nº2, do Código Civil, a paternidade presume-se em relação ao marido da mãe e, nos casos de filiação fora do casamento, estabelece-se pelo reconhecimento que tem, todavia, eficácia retroactiva por força do normativo seguinte.
A paternidade pode ser reconhecida em acção especialmente intentada pelo filho se a maternidade já se achar estabelecida ou for pedido conjuntamente o reconhecimento de uma e outra – artº 1869º.
Tal paternidade é presumida quando se prove que o pretenso pai teve relações sexuais com a mãe durante o período legal de concepção – artº 1871ºnº, al.e).
O momento da concepção do filho é fixado, para os efeitos legais, dentro dos primeiros cento e vinte dias dos trezentos que precederam o seu nascimento – artº 1798º
No caso em apreço, vem provado que a autora nasceu no dia 23 de Maio de 1954 e que nos primeiros 120 dias dos 300 que precederam o nascimento da autora, a sua mãe manteve relações sexuais de cópula completa com H…, tendo sido em consequência de tais relações sexuais que a A. foi gerada.
Portanto, deve concluir-se que a autora é filha do mencionado H…, procedendo a pretensão da apelante.
***

III. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes que constituem esta Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar procedente a apelação da autora, revogar a sentença recorrida e, em consequência, declarar que a autora Z… é filha de H…, falecido no dia 28 de Outubro de 2004, mais determinando o correspondente averbamento da filiação paterna no assento de nascimento nº 356 do ano de 1954, lavrado em 22.06.1954 na Conservatória de Esposende.
Custas pelas rés.
Guimarães, 10 de julho de 2014
Raquel Rego
António Sobrinho
Isabel Rocha

Sumário (da exclusiva responsabilidade da relatora):
I - O artº 1817º do Código Civil não viola os direitos constitucionais da paternidade biológica e do estabelecimento do respectivos vínculo jurídico, abrangidos pelos direitos fundamentais à identidade pessoal, previsto no artº 26º nº1 e o direito a constituir família, previsto no artº 36º nº1, ambos da Constituição da República Portuguesa e, consequentemente, não está ferido de inconstitucionalidade.
II – Em acção de investigação da paternidade, compete ao réu a prova do decurso do prazo de caducidade.
III - A recusa injustificada do réu em submeter-se a exames hematológicos terá de ser sancionada com a inversão do ónus da prova, nos termos do artº 344º, nº2, presumindo-se a paternidade.