Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
351/11.9TBGMR-B.G1
Relator: ANA CRISTINA DUARTE
Descritores: APOIO JUDICIÁRIO
DEFERIMENTO TÁCITO
REVOGAÇÃO
PRAZO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/18/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1 – O facto de existir um prazo a partir do qual se presume o deferimento tácito da pretensão formulada, não obsta a que, posteriormente, a competente entidade aprecie e indefira a referida pretensão expressamente, porquanto pode ser revogado o acto de deferimento tácito com fundamento na sua ilegalidade.
2 – Mas a revogação dos actos administrativos, ainda que tácitos, só pode ocorrer dentro do prazo do respetivo recurso contencioso, sendo que tal prazo geral de recurso é de três meses.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO
J…, oponente na oposição à execução que lhe foi deduzida por A…, interpôs recurso de apelação do despacho que o condenou no pagamento da taxa de justiça devida pela dedução da oposição à execução e em multa, nos termos do n.º 3 do artigo 486.º-A do CPC, tendo, nas respetivas alegações, formulado as seguintes
Conclusões:
1 – Para deduzir a oposição à execução o recorrente, em 25/02/2011, procedeu à junção de documento comprovativo do pedido de apoio judiciário requerido, mas ainda não concedido, ao abrigo do disposto no n.º 5 do artigo 467.º do CPC.
2 – No dia 12/05/2011, em virtude de se encontrar ultrapassado o prazo de 30 dias para efeitos de formação do acto de deferimento tácito, o recorrente invocou nos autos a formação do acto tácito de deferimento do pedido de apoio judiciário, nos termos do disposto no n.º 1 e 2 do art. 25.º da Lei n.º 34/2004 de 29 de julho.
3 – O tribunal a quo em face do requerimento em causa solicitou junto da respetiva entidade administrativa, informação acerca do pedido de apoio judiciário formulado pelo recorrente.
4 – Perante o ofício que a Segurança Social juntou aos autos, o tribunal a quo proferiu despacho no qual determinou a notificação do recorrente para proceder ao pagamento da taxa de justiça devida pela dedução de oposição à execução acrescida de multa.
5 – O recorrente, atenta a violação do princípio do contraditório, uma vez que desconhecia os documentos em apreço, requereu a revogação desse mesmo despacho para se poder pronunciar, no que foi atendido.
6 – A 14/08/2012 a Segurança Social procedeu à junção aos autos de um ofício contendo uma carta datada de 25/07/2011 que, alegadamente, havia remetido ao recorrente, referente a uma proposta de indeferimento do pedido de apoio judiciário formulado.
7 – Não obstante o desconhecimento da mesma, o certo é que a carta encontra-se datada de 25/07/2011, ou seja, mais de dois meses depois da invocação da formação do acto tácito de deferimento por parte do recorrente, que ocorreu a 12/05/2011, mais de dois meses depois do ofício remetido pelo tribunal à Segurança Social de Braga, enviado em 23/05/2011 e mais de quatro meses depois do término do prazo de trinta dias para a Segurança Social se pronunciar após a formulação do pedido de apoio judiciário, que ocorreu a 28/03/2011.
8 – Pese embora se aceite o envio do ofício de 25/07/2011 pela entidade administrativa ao recorrente contendo a proposta de indeferimento do pedido de apoio judiciário, o certo é que a prática de tal acto administrativo é manifestamente extemporâneo, inválido e ineficaz, ante a formação e invocação no processo anteriores do acto tácito de deferimento.
9 – No caso dos autos, atenta a formação do acto tácito de deferimento do pedido de apoio judiciário, o mesmo só poderá deixar de se verificar caso o mesmo venha a ser revogado nos termos previstos na lei.
10 – A notificação da Segurança Social efetuada em 25/07/2011, a qual é absolutamente extemporânea, não tem o condão de revogar o acto tácito de deferimento em causa nos autos.
11 – No caso vertente, verificam-se todos os pressupostos legais a considerar para efeitos de reconhecimento de concessão de apoio judiciário nas modalidades de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo.
12 – Ao não reconhecer a formação do acto tácito de deferimento, o tribunal a quo violou as disposições dos n.º 1 e n.º 2 do art. 25.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho (Lei do Apoio Judiciário), alterada pela Lei n.º 47/2007.
13 – Sendo reconhecida a concessão do apoio judiciário por deferimento tácito, não é devido o pagamento de taxa de justiça nem tão pouco poderá ser o recorrente condenado no pagamento de qualquer multa.
14 – Assim, deve revogar-se o douto despacho em mérito e, em consequência, dar sem efeito a notificação nos termos e para os efeitos do n.º 3 do artigo 486.º-A do CPC, reconhecendo o deferimento tácito do pedido de apoio judiciário.
15 – A douta decisão impugnada não pode manter-se, pois violou, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos n.º 1, 2 e 3 do artigo 25.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho (Lei do Apoio Judiciário).
Termina pedindo que seja concedido provimento ao recurso, revogando-se o despacho impugnado.

Não foram oferecidas contra alegações.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, em separado e com efeito suspensivo.
Foram colhidos os vistos legais.

A única questão a resolver traduz-se em saber se ocorreu deferimento tácito do pedido de apoio judiciário formulado pelo apelante.

II. FUNDAMENTAÇÃO
No despacho sob recurso não foram fixados quaisquer factos, pelo que importa, agora, fixá-los, tendo em conta a certidão constante do apenso que subiu a este Tribunal da Relação:
1 – Com data de 25 de fevereiro de 2011, o apelante deu entrada nos Serviços da Segurança Social de Braga, de um requerimento para concessão do benefício do apoio judiciário, na modalidade de isenção do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo.
2 – Tal requerimento foi rececionado pela Segurança Social nesse mesmo dia 25/02/2011.
3 – Com o articulado de oposição à execução, o apelante fez juntar cópia do requerimento referido em 1).
4 – Em 12 de maio de 2011, o apelante juntou requerimento em que invoca o deferimento tácito do pedido de apoio judiciário, requerendo que o mesmo lhe seja reconhecido.
5 – A 23 de maio de 2011, o tribunal solicitou à Segurança Social informação sobre o pedido de apoio judiciário do apelante.
6 – A 27 de julho de 2011, a Segurança Social respondeu ao tribunal, juntando cópia de ofício enviado ao apelante solicitando a apresentação de prova, sob pena da proposta de decisão de indeferimento se converter em definitiva.
7 – A 14 de agosto de 2012, após nova solicitação do tribunal, a Segurança Social juntou aos autos ofício, esclarecendo que o ofício referido no número anterior, foi enviado ao apelante em 25 de julho de 2011.
8 – Em 8 de outubro de 2012, o apelante voltou a solicitar ao tribunal o reconhecimento da formação do acto tácito de deferimento do apoio judiciário.
9 – Em 1 de fevereiro de 2013, foi proferido o despacho de que o apelante recorre em que se considera que a proposta de decisão da Segurança Social se tornou definitiva, sem que a mesma tenha sido impugnada judicialmente, pelo que se ordenou o cumprimento do disposto no artigo 486.º-A, n.ºs 3 e 4 do C.P.Civil.

Assim fixada a matéria de facto, vejamos o seu enquadramento jurídico.
Estabelece o artigo 25.º da Lei n.º 34/2004, de 29/07 (Lei do Acesso ao Direito e aos Tribunais, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 47/2007, de 28/08 que, na parte que aqui interessa, permaneceu inalterada) o seguinte:
«1 – O prazo para a conclusão do procedimento administrativo e decisão sobre o pedido de proteção jurídica é de 30 dias, é contínuo, não se suspende durante as férias judiciais e, se terminar em dia em que os serviços da segurança social estejam encerrados, transfere-se o seu termo para o 1.º dia útil seguinte.
2 – Decorrido o prazo referido no número anterior sem que tenha sido proferida uma decisão, considera-se tacitamente deferido e concedido o pedido de proteção jurídica.
3 – No caso previsto no número anterior, é suficiente a menção em tribunal da formação do acto tácito (…)».
Face a este regime, conclui-se que, tendo o pedido de apoio judiciário dado entrada em 25/02/2011, o acto tácito de deferimento do pedido formou-se em 28/03/2011.
É certo que o artigo 108.º, n.º 4 do Código de Procedimento Administrativo, aqui aplicável subsidiariamente por força do disposto no artigo 37.º da Lei 34/2004, estabelece que os prazos de formação do acto administrativo de deferimento tácito se suspendem sempre que o procedimento administrativo estiver parado por motivo imputável ao particular.
Contudo, no nosso caso, até à data da formação do acto tácito – 28/03/2011 – o avanço do processo administrativo não esteve dependente de qualquer acto imputável ao requerente, pois, só em 25/07/2011 foi o mesmo notificado para proceder à junção de documentos de prova.
Mas pode o acto tácito vir a ser revogado?
O acto tácito constitui uma manifestação de vontade presumida.
“A lei, em determinadas circunstâncias, manda interpretar para certos efeitos a passividade ou o silêncio de um órgão administrativo como significando o deferimento ou o indeferimento do pedido sobre o qual tinha obrigação de se pronunciar. Não obstante e, porque assim é, a manifestação expressa da vontade contrária à vontade presumida faz com que deixe de fazer sentido falar em vontade presumida, pelo que existindo vontade real expressa através de um acto administrativo deixa de haver vontade presumida” - cfr. Acórdão do TCAN de 15/11/2007, processo n.º 00845/06.8BEPRT, in www.dgsi.pt/jtcn.
Ou seja, o facto de existir um prazo a partir do qual se presume o deferimento tácito da pretensão formulada, não obsta a que, posteriormente, a competente entidade aprecie e indefira a referida pretensão expressamente, porquanto pode ser revogado o acto de deferimento tácito com fundamento na sua ilegalidade – no caso porque o requerente não estaria em condições objetivas para poder beneficiar da proteção jurídica na modalidade por si requerida porque, notificado para efeitos de audiência prévia, não se pronunciou no prazo que lhe foi concedido (artigo 23.º, n.º 1 da Lei 34/2004, na redação da Lei n.º 47/2007, de 28/08).
A sanação da anulabilidade passa, necessariamente, pela revogação do acto administrativo, sendo que a revogação dos actos administrativos, ainda que tácitos, está sujeita à disciplina decorrente dos artigos 136.º e seguintes do Código de Procedimento Administrativo, podendo ler-se no n.º 1 desse artigo que “O acto administrativo anulável pode ser revogado nos termos do artigo 141.º”, estabelecendo este artigo 141.º, no seu n.º 1 que “os actos administrativos que sejam inválidos só podem ser revogados com fundamento na sua invalidade e dentro do prazo do respetivo recurso contencioso ou até à resposta da entidade recorrida”, sendo que tal prazo geral de recurso contencioso é de três meses, nos termos do artigo 58.º, n.º 2, alínea b) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
Veja-se, a este propósito, Diogo Freitas do Amaral e outros, in “Código do Procedimento Administrativo Anotado”, Almedina, 1992, pág. 216 e 217: «É que o decurso do prazo para interposição do recurso contencioso sem que se haja verificado a impugnação do acto tem por consequência a sanação dos vícios que determinam a ilegalidade do mesmo, que deixam de poder ser jurisdicionalmente apreciados. Como decorrência deste regime, impõe-se a conclusão de que também os órgãos administrativos deixam, a partir desse momento, de os poder invocar (os actos inválidos) como fundamento para a revogação».
No caso em apreço, a revogação do deferimento tácito pelos serviços da Segurança Social teria, assim, que ser efetuada até 28/06/2011 – três meses após a formação do acto tácito de deferimento – pelo que, a notificação da segurança social ao requerente, em 25/07/2011, de que a proposta de indeferimento de 22/07/2011 se converteria em definitiva, caso o mesmo não juntasse, em 10 dias, documentos de prova que sustentassem o seu pedido (a considerar-se que tal constitui uma decisão de indeferimento nessa data ou no fim do prazo de 10 dias concedido), é manifestamente extemporânea, não tendo, em nosso entender, a virtualidade de revogar o acto tácito.
Veja-se, neste sentido, o Acórdão da Relação do Porto de 15/04/2010, proferido no processo 2001/06.6TBPRD-A.P1, in www.dgsi.pt, onde, além do mais, ainda se pode ler: “A revogação anularia a eficácia de concessão do apoio judiciário por deferimento tácito, ao passo que o indeferimento equivale a negação originária da procedência do pedido de apoio judiciário. São actos com alcance e fundamento distinto. O ISS – até …(data só com interesse para o processo respetivo) – não estava desobrigado de anular a eficácia do deferimento tácito, não equivalendo os efeitos do indeferimento do pedido de apoio judiciário à revogação do deferimento tácito, na certeza de que o acto de revogação teria de ser expressamente tomado por imposição das normas conjugadas dos citados arts. 135, 136 nº 1 e 141 do CPA. Sem revogação, manteve-se como consolidado o acto de deferimento tácito. O disposto nos arts. 8 B nº 4 e 23 nº 2 da Lei 34/2004 só tem aplicação dentro do prazo de 30 dias em que o art. 25 nº 1 manda concluir e decidir o procedimento administrativo, sendo correcta a afirmação do recorrente de que “o indeferimento a que se reportam as disposições do nº 4 do art. 8 B e 23 nº 2 pressupõe ainda não ter ocorrido deferimento (expresso ou tácito)”.

Procedem, assim, as conclusões da alegação do apelante, pelo que o despacho recorrido terá de ser revogado, declarando-se que o apelante beneficia de apoio judiciário, na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos do processo, concedido por deferimento tácito não validamente revogado.

Sumário:
1 – O facto de existir um prazo a partir do qual se presume o deferimento tácito da pretensão formulada, não obsta a que, posteriormente, a competente entidade aprecie e indefira a referida pretensão expressamente, porquanto pode ser revogado o acto de deferimento tácito com fundamento na sua ilegalidade.
2 – Mas a revogação dos actos administrativos, ainda que tácitos, só pode ocorrer dentro do prazo do respetivo recurso contencioso, sendo que tal prazo geral de recurso é de três meses.

III. DECISÃO
Em face do exposto, decide-se julgar procedente a apelação, revogando-se o despacho recorrido, e declarando-se que o apelante beneficia de apoio judiciário, na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, concedido por deferimento tácito.
Sem custas.

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Guimarães, 18 de junho de 2013
Ana Cristina Duarte
Fernando Freitas
Purificação Carvalho