Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
292/20.9T8VLN-A.G1
Relator: PAULO REIS
Descritores: ARROLAMENTO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
COMUNHÃO DE ADQUIRIDOS
DIVÓRCIO
RELAÇÃO DE BENS
INVENTÁRIO
PERICULUM IN MORA
FUMUS BONI JÚRIS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/15/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - Vigorando entre os cônjuges o regime da comunhão de adquiridos, o artigo 1724.º do CC prevê que fazem parte da comunhão o produto do trabalho dos cônjuges (al. a) bem como os bens adquiridos pelos cônjuges na constância do matrimónio, que não sejam excetuados por lei (al. b), mais dispondo o artigo 1725.º do CC que, quando haja dúvidas sobre a comunicabilidade dos bens móveis, estes consideram-se comuns.
II - Discutindo-se para efeitos de partilha subsequente a divórcio se é próprio ou comum um estabelecimento comercial revela-se fundamental determinar quais os elementos essenciais que o compõem, por forma a aferir com que meios foram adquiridos e quando o mesmo foi criado e adquirido.
III - O arrolamento, enquanto providência cautelar de garantia ou de natureza conservatória, está sempre na dependência de uma ação à qual interessa a especificação dos bens ou a prova da titularidade dos direitos relativos às coisas arroladas.
IV - A finalidade do arrolamento como preliminar ou incidente do processo de divórcio é idêntica à do arrolamento como preliminar ou incidente do processo de inventário subsequente a divórcio, mantendo-se até à subsequente partilha do património comum dos ex-cônjuges;
V - Justifica-se a aplicação do regime especial previsto no artigo 409.º, n.º 3, do CPC quanto à dispensa da necessidade de alegação e de prova do justo receio de extravio, ocultação ou dissipação de bens, ou de documentos, ao arrolamento requerido após o trânsito em julgado da decisão que decretou o divórcio e enquanto incidente do inventário instaurado para partilha do património comum dos ex-cônjuges, porquanto nesses casos ocorre situação merecedora de idêntica tutela.
VI - Comprovado o regime de bens do casal (comunhão de adquiridos) e considerada a presunção de comunicabilidade dos bens móveis (artigo 1725.º do CC), bem como a notória dificuldade do requerente em aceder às contas que não estão em seu nome, por via do sigilo bancário, está preenchido o fumus boni juris que justifica o decretamento do arrolamento dos saldos e/ou valores de qualquer conta de depósitos, à ordem ou a prazo, poupança, fundos de investimento mobiliário, ações ou quaisquer outros títulos e valores depositados que a requerida seja titular ou cotitular em qualquer Banco ou instituição financeira a operar em Portugal, tanto mais que a titularidade de uma conta não predetermina a propriedade dos fundos nela contidos.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. Relatório

No decurso de processo de inventário para partilha de bens em consequência de divórcio veio F. P., divorciado, intentar procedimento cautelar de arrolamento de diversos bens que qualifica como bens comuns do extinto casal, contra M. D., divorciada, alegando para o efeito, em síntese: a requerida desempenha as funções de cabeça de casal no referido inventário e não relacionou diversos bens que compõem o património comum do extinto casal, permanecendo aquela na posse de todos os bens cuja relacionação foi já reclamada pelo requerente e deles dispondo como bem entende; com o pedido de divórcio por mútuo consentimento apresentado junto da competente conservatória do registo civil o extinto casal apresentou a relação de bens comuns do casal, relacionando diversos bens como fazendo parte dos bens comuns, conforme documento n.º 7 junto pela requerida aos autos de inventário com a resposta à reclamação de bens; o incidente de reclamação nos autos de inventário não está decidido, sendo a requerida quem administra em exclusivo o estabelecimento comercial então relacionado, não informando o requerente como é que efetuou as movimentações das contas bancárias, à ordem ou a prazo, aplicações financeiras e ativos financeiros pertencentes a ambos, nem relacionando bens que pertencem ao ex-casal e que antes já havia admitido como comuns, como é o caso de diversas contas bancárias, de imóveis e do estabelecimento comercial, denominado “Casa ...”, composto de loja de pronto a vestir, para venda a retalho de vestuário de cerimónia, designadamente, casamentos e batizados, sito na Rua …, n.º .., em Valença, constituído por todos os elementos que o integram, designadamente, móveis, direito ao arrendamento do local, onde está instalado, licenças, alvará e recheio.
Dispensada a audição prévia da requerida, foi proferida decisão que julgou procedente a providência e decretou o arrolamento requerido.
A requerida foi notificada após realização do arrolamento, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 366.º, n.º 6 e 372.º do Código de Processo Civil (CPC) vindo deduzir oposição ao procedimento. Pede o levantamento do arrolamento decretado ou, subsidiariamente, das contas bancárias de que apenas a requerida seja titular e do estabelecimento comercial da requerida, designadamente, ao seu recheio, direito ao arrendamento e trespasse.
Foi determinada a audição das testemunhas indicadas pela requerida, após o que foi proferida decisão a julgar improcedente a oposição deduzida, mantendo a providência decretada.

Inconformada, a requerida apresentou-se a recorrer, pugnando no sentido da revogação da decisão proferida, terminando as respetivas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem):

«1 - A recorrente entende que o arrolamento não devia ter sido decretado por inexistir a necessidade de tutela judicial, no momento, da instauração dos presentes autos, por apenso aos autos de inventário atenta a fase processual destes últimos.
2 - Em 19 de janeiro de 2022, o recorrido instaurou os presentes autos de arrolamento.
3 - Recorrente e Recorrida estão divorciados desde 6 de abril de 2017.
4 - Os autos de Inventário foram instaurados em 1 de setembro de 2020.
5 - A relação de bens foi apresentada em 16 de novembro de 2020, e a reclamação foi apresentada pelo recorrido em 7 de abril de 2021.
6 - A audiência prévia dos autos de inventário realizou-se em 11 de janeiro de 2022.
7 - Encontrando-se os autos de inventário pendentes desde setembro de 2020, e estando as divergências entre recorrente e recorrido quanto aos bens que fazem parte do património do extinto casal assentes desde junho de 2021, entende a Recorrente que os presentes autos de arrolamento estão desprovidos de fundamento legal.
8 - Encontrando-se o arrolamento a correr termos é necessário ter-se em atenção a fase em que o mesmo se encontra, para aferir se, se assume como fundamental, e se como se pretende retirar a necessidade de prevenir a ocultação de bens através do arrolamento.
9 - A recorrente apresentou oposição, com a supra alegação fática, requerendo que fosse ordenado o levantamento do arrolamento, juntando prova documental aos autos para o efeito, designadamente certidão judicial de todas as peças processuais do inventário, pertinentes para a boa decisão da causa, no entanto, o Tribunal de que se recorre entendeu que, nos termos do artigo 409º do CPC o arrolamento como incidente de inventário incide sobre bens que devam ser partilhados e tem como finalidade garantir que os bens existam no momento da patilha.
10 - O Tribunal de que se recorre desvalorizou, fazendo “tábua rasa” dos motivos invocados pela Recorrente, no sentido de que, é necessário ter-se em conta o estado dos autos de inventário para aferir da necessidade de tutela judicial.
11 - E nesse sentido, e comungando da posição da Recorrente já se pronunciou o Tribunal da Relação de Lisboa, Acórdão proferido em 13/10/2020 “Estando pendente um processo de inventário para partilha de bens comuns, importa referir que o conhecimento do estado em que este processo se encontra se assume como fundamental, na medida em que daí se pode retirar a necessidade de prevenir a ocultação de bens através do arrolamento.”
12 - Nos autos de inventário que correm por apenso a estes autos de arrolamento já foi apresentada relação de bens, reclamação da mesma e realizada audiência prévia, entende a recorrente que já inexiste a necessidade de tutela judicial.
13 - O arrolamento só podia ser decretado na fase em que os autos já encontravam, salvo melhor e douta opinião, se existisse risco sério e grave receio de violação de um direito.
14 - Era necessária a existência de uma situação excecional que aconselhasse uma decisão de caráter extraordinário que aconselhasse uma decisão de caráter extraordinário.
15 - Em sede de arrolamento foi ordenado o arrolamento de todas as contas bancárias à ordem ou a prazo, aplicações financeiras e quaisquer ativos financeiros titulados pela requerida, ora requerente ou co-titulados pela mesma.
16 - O arrolamento decretado como incidente de processo de inventário deve incidir sobre bens comuns ou bens próprios de quem o requer mas que se encontra na administração do outro.
17 - O Requerente do arrolamento deve, assim, fazer prova sumária do direito relativo aos bens que se presumem comuns e dos próprios que se encontrem na administração do outro.
18 - No caso dos presentes autos, o Recorrido, salvo melhor e douta opinião não fez tal prova em relação às contas bancárias.
19 - O Recorrido limitou-se a enunciar o nome de instituições bancárias e montantes que aí estariam presumivelmente depositados à data do divórcio, atenta a relação de bens apresentada na conservatória de Registo civil à data de divórcio.
20 - Contudo, tal relação de bens não vincula os outorgantes para o futuro, já que ela não faz caso julgado quanto á natureza, qualidade e quantidade ou valor dos bens relacionados.
21 - Tal relação de bens não afasta a necessidade de em sede de inventário, se fazer prova da comunhão ou não dos bens.
22 - O Recorrido a ser co-titular com a Recorrente de contas bancárias teriam de informar os autos de arrolamento das contas bancárias que pretendiam arrolar, identificando devidamente as mesmas, por instituição e número de conta.
23 - Recorrente e Recorrido encontram-se divorciados há, pelo menos 5 anos, o que legitima a existência de contas bancárias unicamente em nome da Recorrente, e das quais não podem ser dadas informações ao Recorrido, por violação da lei da proteção de dados.
24 - Assim, entende a Recorrente que não deveria ter sido deferido o pedido de decretamento de arrolamento de contas bancárias tituladas unicamente pela Requerida, sem que o Recorrido fizesse prova sumária de que tais quantias aí depositadas eram comuns.
25 - No que concerne ao estabelecimento comercial ser bem próprio ou comum, entendeu o tribunal de que se recorre que “… no que toca ao estabelecimento comercial, conforme ficou devidamente esclarecido pela prova testemunhal arrolada pela requerida, se é certo que a requerida iniciou a sua actividade comercial, como costureira, ainda antes de casar com o requerente, a verdade é que o objecto da sua actividade comercial não foi sempre o mesmo, tendo-se iniciado como costureira e, mais tarde, pelo ano de 2007, alterado o CAE para abranger mais actividades, designadamente um estabelecimento de roupas par...s e ocasiões de festa, actividade que agora exerce por naquela altura ter adquirido os materiais a uma senhora que trabalhava nesse ramo e ter inclusivamente ficado a laborar no local onde aquela laborava. A requerida, conforme ficou indiciariamente demonstrado com base na prova testemunhal produzida, por volta do ano de 2007, passou de costureira a titular de um estabelecimento de venda de vestidos de noiva e roupa de festa, tendo assim, transformado o objecto da sua actividade. Esta alteração ocorreu já depois de celebrado o casamento pelo requerido e a aquisição dos meios necessários à realização de tal negócio também, pelo que se presume, ainda que indiciariamente, que o estabelecimento seja também bem comum do casal.
26 - E com base em tal fundamentação foi dado como não provado o facto 5. “O estabelecimento comercial da requerida foi adquirido pela mesma previamente à celebração do casamento”.
27- A Recorrente entende que tal factualidade devia ser dada como provada atento o depoimento prestado pelas duas testemunhas arroladas pela Recorrente, designadamente N. T. e M. G..
28 - Na verdade, existe, salvo melhor e douta opinião, um claro erro na apreciação da prova a este respeito, devendo a mesma ser reapreciada por esse Venerando Tribunal da Relação.
29 - Do depoimento da testemunha N. T. resulta que, no ano de 1997 a Recorrente já possuía um estabelecimento comercial e que à data ainda não era casada, gravação transcrita supra nas alegações, e que aqui se reproduz por uma questão de economia processual, Gravação de 1:30 a 2:04.
30 - Mais resulta do referido depoimento que no ano de 2007, a recorrente adquiriu uma mercadoria e mudou de instalações, gravação transcrita supra nas alegações, e que aqui se reproduz por uma questão de economia processual, gravação de 2:41 a 2:57.
e 3:59 a 4:27
31 - Mais esclareceu, a Instâncias da Meritíssima Juiz, que efetivamente, a Recorrente já tinha um negócio no ano de 1997, no qual fazia roupa e vendi-a, não fazia somente arranjos de costura, e que em 2007 comprou uma mercadoria e ocupou um novo espaço, gravação transcrita supra nas alegações, e que aqui se reproduz por uma questão de economia processual, Gravação de 6:45 a 7:22.
32 - Do depoimento da testemunha M. G. resulta que, a Recorrente já possuía um estabelecimento comercial, de venda de tecidos e que executava peças de vestuário que lhe pediam, gravação transcrita supra nas alegações, e que aqui se reproduz na íntegra por uma questão de economia processual, gravação de 2:33 a 3:07
33 - Mais resulta do depoimento da referida testemunha que, uma senhora de nome M. G. lhe terá vendido a mercadoria da sua loja, por volta do ano de 2007, e explicou que não se tratou de qualquer trespasse, gravação transcrita supra nas alegações, e que aqui se reproduz na íntegra por questões de economia processual, gravação 3:15 a 4:08
34 - Questionada a testemunha acerca da forma de pagamento esclareceu que foi pagando conforme efetuava as vendas, no âmbito da sua atividade, gravação transcrita supra nas alegações, e que aqui se reproduz por uma questão de economia processual, gravação de 3:15 a 4:39.
35 - Questionada a testemunha acerca do CAE que possuía a Recorrente esclareceu que adicionou CAE, ou seja, não alterou, mas sim adicionou ao que já possuía, gravação transcrita supra nas alegações, e que aqui se reproduz por uma questão de economia processual, gravação de 6:50 a 7:02.
35 - As referidas testemunhas explicaram ambas, que o início de atividade da Recorrente foi em data anterior ao seu casamento, que fazia roupas, não era uma mera costureira, ou seja, que não fazia somente arranjos, mas sim roupas de cerimónia e mais acrescentou a testemunha M. G. que a mesma possuía uma loja onde para além de fazer roupa de cerimónia à medida, vendia tecidos.
36 - Ambas as testemunhas esclareceram que em 2007 a Recorrente adquiriu parte da mercadoria numa loja de vestidos de noivas.
36 - É verdade que, a testemunha M. G. esclareceu que a Recorrente acrescentou alguns CAE.
37 - Mais acrescentaram que a mesma foi mudando de local, por serem locais com maior visibilidade.
38 - Fez o Tribunal de que se recorre, salvo melhor e douta opinião, uma interpretação errada da prova produzida, quando é certo que, do depoimento de ambas as testemunhas arroladas ficou claro que a Recorrente já possuía um estabelecimento comercial, adquirido antes do seu casamento, no qual efetivamente vendia as roupas de cerimónia por si efetuadas e que posteriormente adquiriu no âmbito da sua atividade uma mercadoria, nomeadamente, vestidos de noiva, batizados, entre outros, e que tal mercadoria foi paga com dinheiro dessa atividade.
39 - A recorrente com o passar dos anos, com as poupanças que foi fazendo da sua atividade comercial, foi evoluindo.
40 - Inicialmente, foi procurando espaços com maior visibilidade que lhe permitiam ter mais clientela e posteriormente, surgiu-lhe a oportunidade de adquirir a mercadoria de uma loja que se enquadrava no âmbito da sua atividade.
41 - É verdade que, com a compra da mercadoria, e porque quem lhe vendeu a mesma ia encerrar o seu estabelecimento, aproveitou que o espaço ia ficar livre e arrendou-o ao seu proprietário, que nada tinha a ver com quem lhe vendeu a mercadoria, eram pessoas distintas.
42 - A Recorrente aproveitou o momento para evoluir no negócio, para ter mais oferta para os seus clientes, o que é perfeitamente aceitável e razoável.
43 - Aliás, podia a Recorrente liquidar o negócio que tinha e adquirir um novo, o que, não foi o caso, mas nada a impedia de o fazer.
44 - Nesse sentido, já se pronunciou o Tribunal da Relação do Porto, no seu Acórdão datado de 13/11/2007, “Pode acontecer que o seu proprietário pretenda evoluir e alargar-se a outras áreas. Se para isso tiver alvará e consentimento das autoridades competentes. Ou desenvolver uma atividade mais do que outra.
O estabelecimento em exercício é algo mutável – “um estabelecimento em exercício é verdadeiramente uma organização en faizant, não uma organização definitivamente já fait, Orlando Carvalho, Critério e Estrutura do estabelecimento, p. 719.
Ora o proprietário do estabelecimento, como qualquer proprietário, tem poderes amplos relativamente ao mesmo pode modifica-lo, até no sentido de evolução.
Passar de “vinhos”, isto é, taberna, para café e restaurante, sem que haja uma transformação do seu objeto (….).
O titular de um estabelecimento pode inclusive liquidá-lo e abrir outro de novo.” (sublinhados e negritos nosso).
45 - Mais das declarações prestadas pela testemunha M. G. ficou claro que a mercadoria foi comprada pela Recorrente no âmbito da atividade que já possuía, e paga com o fruto desse negócio.
46 - Mesmo que, se entenda que houve efetivamente uma alteração da atividade comercial desenvolvida pela Recorrente – o que se equaciona por mera hipótese académica – continua o referido estabelecimento comercial a ser bem próprio da Recorrente.
47 - Isto porque, a Recorrente podia efetivamente liquidar o negócio que possuía e adquirir outro, desde que o fizesse com recurso a dinheiro próprio e é certo que das declarações prestadas pela testemunha M. G., supra vertidas, ficou provado que a mercadoria adquirida no ano de 2007 foi paga pela Recorrente.
48 - Pelo que, entende a Recorrente que das declarações prestadas pelas testemunhas por si arroladas, deveria o tribunal de que se recorre, ter decidido que o estabelecimento comercial é bem próprio da Recorrente pelos motivos supra aduzidos, dando assim como provada a factualidade do ponto 5.
49 – A douta sentença recorrida viola, entre outros, a interpretação a ser dada aos artigos 409º do CPC, bem como fez uma interpretação errada da matéria de facto, devendo a mesma ser reapreciada por esse Venerando Tribunal da Relação, por força do n.º 1 do artigo 662º do CPC.

Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando a decisão proferida em 1ª Instância e, em consequência:
a) ser ordenado o levantamento do arrolamento, por improcedente e não provado.

Caso assim não se entenda:
b) deve ser reduzido o arrolamento, ordenando o cancelamento imediato dos saldos bancários de todas as contas bancárias tituladas somente pela requerida; e
c) deve ser reduzido o arrolamento, na parte respeitante ao recheio do estabelecimento comercial, bem como o direito ao arrendamento e trespasse pelos motivos supra indicados».

O requerente apresentou contra-alegações, sustentando a improcedência da apelação e a consequente manutenção do decidido em 1.ª instância.
O recurso foi admitido como apelação, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Os autos foram remetidos a este Tribunal da Relação, confirmando-se a admissão do recurso nos mesmos termos.

II. Delimitação do objeto do recurso

Face às conclusões das alegações da recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso - artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC -, o objeto do presente recurso circunscreve-se às seguintes questões:
A) Impugnação da decisão relativa à matéria de facto;
B) Saber se deve ser levantado o arrolamento decretado quanto a todos os bens arrolados ou, subsidiariamente, em relação às contas bancárias de que apenas a requerida seja titular e ao estabelecimento comercial, designadamente ao seu recheio, direito ao arrendamento e trespasse.
Corridos os vistos, cumpre decidir.

III. Fundamentação

1. Os factos
1.1. Os factos, as ocorrências e elementos processuais a considerar na decisão deste recurso são os que já constam do relatório enunciado em I. relevando ainda os seguintes factos considerados indiciariamente provados pela 1.ª instância na decisão recorrida:
1. Requerente e Requerida casaram, entre si, civilmente, no dia 31 de janeiro de 1997, sem convenção antenupcial - cfr. decorre dos autos principais.
2. Por decisão proferida pela Conservatória do Registo de …, em 06 de abril de 2017, e transitada em julgado, na mesma data, foi dissolvido, por divórcio, o referido casamento - cfr. decorre dos autos principais.
3. Na sequência da dissolução do casamento foi intentado o processo de inventário, com vista à partilha dos bens comuns do extinto casal - cfr. decorre dos autos principais.
4. Constituem bens comuns do casal os bens cujo arrolamento foi determinado na decisão preliminar de arrolamento.
1.2. Factos considerados indiciariamente não provados pela 1.ª instância na decisão recorrida:
5. O estabelecimento comercial da requerida foi adquirido pela mesma previamente à celebração do casamento.
6. Os saldos das contas bancárias tituladas apenas da requerida foram adquiridos previamente à celebração do casamento.

2. Apreciação sobre o objeto do recurso
2.1. Impugnação da decisão relativa à matéria de facto.

A requerida/apelante impugna a decisão relativa à matéria de facto incluída na decisão recorrida, sustentando que o Tribunal a quo incorreu em erro na apreciação da prova ao dar como não provado o facto constante do ponto 5 dos factos não provados - «O estabelecimento comercial da requerida foi adquirido pela mesma previamente à celebração do casamento» - pretendendo que o mesmo seja aditado ao elenco dos factos provados.
Tal como resulta da análise conjugada do disposto nos artigos 639.º e 640.º do CPC, os recursos para a Relação tanto podem envolver matéria de direito como de facto, sendo este último o meio adequado e específico legalmente imposto ao recorrente que pretenda manifestar divergências quanto a concretas questões de facto decididas em sede de sentença final pelo Tribunal de 1.ª instância que realizou o julgamento, o que implica o ónus de suscitar a revisão da correspondente decisão.

O artigo 640.º do CPC prevê diversos ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, prescrevendo o seguinte:

«Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º».

No caso a apelante indica expressamente o concreto ponto que considera incorretamente julgado.
Mais especifica suficientemente a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre o facto impugnado, tal como também decorre do anteriormente enunciado.
Por último, a apelante enuncia os concretos meios probatórios que, no seu entender, determinam uma decisão diversa da proferida, indicando os elementos que permitem minimamente a sua identificação.
Quanto à discordância manifestada relativamente a esta matéria, a recorrente defende que o facto impugnado deveria ser dado como provado atento o depoimento prestado pelas duas testemunhas arroladas pela recorrente - N. T. e M. G. - reportando-se para o efeito a alguns excertos das respetivas declarações, com indicação das concretas passagens da gravação, bem como à prova documental junta aos autos.
Analisada a motivação da decisão de facto constante da decisão recorrida, observamos que na ponderação da prova produzida o Tribunal a quo atendeu aos depoimentos das testemunhas agora referenciadas pela recorrente como relevantes para a alteração da concreta matéria de facto impugnada, em conjunto com a prova documental constante dos autos, visando concretizar as questões de facto suscitadas.
Assim, com relevância para a presente impugnação, pode ler-se na decisão recorrida: «Na decisão preliminar, ainda sem o contraditório da requerida, o Tribunal fundou a sua convicção na prova documental junta aos autos, cfr. melhor resulta do teor da referida decisão, que aqui se considera integralmente reproduzido, designadamente com os documentos que instruem os autos principais.
Com esta prova documental, articulou o Tribunal os depoimentos das testemunhas entretanto inquiridas, N. T. e M. G., que depuseram de forma espontânea, desinteressada, fluida e mutuamente corroborada e ainda a prova documental junta pela requerida e a resultante da instrução da causa.
A prova produzida pela requerida não foi de molde a abalar a convicção do Tribunal formulada na decisão preliminar que decretou o arrolamento.
Por um lado, quanto às contas bancárias, as testemunhas revelaram não ter conhecimento directo que pudesse atestar a propriedade própria ou comum das mesmas. Por sua vez, dos documentos juntos não resulta que os valores depositados em tais contas bancárias sejam exclusivamente titulados pela requerida. É que, importa aqui salientar que, independentemente da data em que as contas bancárias foram abertas ou de estarem apenas em nome da requerida, o que importa é apurar, ainda que indiciariamente, se os valores nelas contidos são próprios ou comuns. E no regime da comunhão de adquiridos, os bens adquiridos na constância do matrimónio, presumem-se comuns, pelo que os valores entrados nas referidas contas bancárias após a data do casamento, presumem-se efectivamente comuns. A requerida não afastou, de forma convincente, esta presunção.
Acresce que, no que toca ao estabelecimento comercial, conforme ficou devidamente esclarecido pela prova testemunhal arrolada pela requerida, se é certo que a requerida iniciou a sua actividade comercial, como costureira, ainda antes de casar com o requerente, a verdade é que o objecto da sua actividade comercial não foi sempre o mesmo, tendo-se iniciado como costureira e, mais tarde, pelo ano de 2007, alterado o CAE para abranger mais actividades, designadamente um estabelecimento de roupas par...s e ocasiões de festa, actividade que agora exerce por naquela altura ter adquirido os materiais a uma senhora que trabalhava nesse ramo e ter inclusivamente ficado a laborar no local onde aquela laborava. A requerida, conforme ficou indiciariamente demonstrado com base na prova testemunhal produzida, por volta do ano de 2007, passou de costureira a titular de um estabelecimento de venda de vestidos de noiva e roupa de festa, tendo assim, transformado o objecto da sua actividade. Esta alteração ocorreu já depois de celebrado o casamento pelo requerido e a aquisição dos meios necessários à realização de tal negócio também, pelo que se presume, ainda que indiciariamente, que o estabelecimento seja também bem comum do casal.
Quanto ao mais, nenhum outro meio de prova trouxe a requerida aos autos que pudesse abalar ou afastar a convicção do tribunal já formada em sede de decisão preliminar de arrolamento».
Com vista à completa perceção da matéria de facto impugnada pela recorrente, e a fim de evitar conclusões descontextualizadas sobre a matéria impugnada, foram revistos e analisados criticamente e de forma atenta os depoimentos das testemunhas e os documentos juntos pelas partes ao processo, nos quais se incluem todos os documentos que instruem os autos principais de inventário, em apenso.
Assim, procedemos à audição integral das declarações prestadas pelas testemunhas arroladas pela recorrente - N. T. e M. G. - deles não se extraindo qualquer elemento ou esclarecimento relevante que imponha se considere verificado o facto impugnado, antes resultando de tais depoimentos que a requerida, por volta do ano de 2007, deixou de desenvolver a sua atividade como costureira, passando a gerir e a explorar economicamente uma loja de venda de vestidos de noiva e roupa de cerimónia, por ter adquirido então a mercadoria de uma loja desse ramo de atividade, instalando-se no local onde aquela laborava, assim alterando o objeto da sua atividade.
Neste domínio, a testemunha N. T. referiu que a requerida já em 1997, sendo ainda solteira, tinha uma loja no Centro Comercial … em que fazia trabalhos de costura, desconhecendo se já vendia peças de roupa nessa altura, sendo que posteriormente, em momento que não soube precisar, passou a exercer a mesma atividade noutro local, mudando-se para o Centro Comercial …. Só mais tarde, em 2006/2007, começou a exercer a sua atividade atual, gerindo e explorando uma loja de venda de vestidos de noiva, por ter adquirido então toda a mercadoria que já existia numa loja que se dedicava a esse ramo de atividade. Passou então a desenvolver atividade no local onde já anteriormente existia a referida loja de vestidos de noiva, a qual se localizava então no Edifício …, atribuindo-lhe a denominação de “...”, conforme referiu. Também a testemunha M. G. esclareceu que por volta de 2007 a requerida adquiriu o recheio de uma loja de venda de vestidos já confecionados de noiva e de cerimónia, passando então a dedicar-se a esse ramo de atividade no espaço ocupado por aquela loja. Mais decorreu do depoimento desta testemunha que a requerida é cliente do seu escritório de contabilidade desde 1996 e que nessa altura a requerida já tinha uma pequena loja aberta ao público onde trabalhava como costureira, fazendo arranjos de costura e executando as peças de vestuário que lhe pediam, mas não tinha peças de vestuário expostas para venda ao público, ainda que tivesse alguns tecidos em exposição. Mais esclareceu que o ramo de atividade a que a requerida se dedicava inicialmente não é igual ao que passou a desenvolver por volta de 2007 e que ainda desenvolve atualmente. Referiu que o valor que a requerida pagou pelo recheio da loja, que adquiriu por volta de 2007, não foi pago de imediato, mas à medida que a requerida ia vendendo e conforme podia.
Não obstante toda a problematização doutrinária sobre a caracterização do estabelecimento comercial, afigura-se consensual que o estabelecimento comercial se consubstancia num complexo de elementos heterogéneos, corpóreos e incorpóreos, integrados numa organização dinâmica destinada ao exercício de uma atividade económica comercial, consubstanciando uma universalidade de direito, suscetível de ser objeto de relações jurídicas (1).
Tal organização versa, antes de mais nada, sobre um conjunto de bens. Bens de variada natureza: coisas corpóreas, móveis ou imóveis - dinheiro, títulos de crédito, mercadorias, máquinas, mobiliário, prédios - e incorpóreas ou imateriais: patentes de invenção, modelos e desenhos industriais, marcas, o nome ou insígnia do estabelecimento, a própria firma, os próprios direitos ou relações jurídicas como instrumentos do exercício do comércio (2).
Deste modo, discutindo-se, para efeitos de partilha subsequente a divórcio, se é próprio ou comum um estabelecimento comercial, no caso, o estabelecimento comercial denominado “D...”, sito na Avenida do ..., Edifício …, n.º .., Valença, e dadas as características peculiares da estrutura do estabelecimento comercial «revela-se fundamental determinar quando o mesmo foi criado e adquirido e, para tal, quando se reuniram, tornaram consistentes e ganharam vida os diversos elementos essenciais dele integrantes por forma a conferir-lhe - ainda que apenas com âmbito mínimo ou necessário - a substância, solidez e definitiva identidade capaz de, enquanto unidade jurídica, lhe dar imagem reconhecível no tráfico mercantil e, assim, de o tornar objeto de relações jurídicas, nomeadamente de ser coisa sobre que incida o direito de propriedade passível de ser adquirido. Numa palavra, importa fixar em que consiste o estabelecimento comercial, qual o “critério” definidor do mesmo, de modo a que, perante certa realidade, se possa concluir que ele está constituído como um bem a se e apto a ser objecto de negócios jurídicos» (3).
Revertendo ao caso dos autos, temos que dos depoimentos das testemunhas em causa apenas resulta que a aquisição dos meios necessários à prossecução da atividade comercial que a requerida exerce atualmente (venda de vestidos de noiva) foi concretizada por volta do ano de 2007, como tal posteriormente ao casamento celebrado entre requerente e requerida (em 31 de janeiro de 1997), e que o valor que a requerida suportou com tais meios não foi pago de imediato mas à medida que a requerida ia vendendo e conforme podia.
No mais, os referidos depoimentos são totalmente omissos quanto aos meios e valências que a requerida já reunia anteriormente a 2007 e se os mesmos foram integrados, e de que modo, na nova estrutura inerente à atividade desde então prosseguida pela mesma, nada levando a inferir em termos probatórios que se trate de um mesmo estabelecimento, alegadamente já detido pela requerida e que esta transpôs para outro local passando a exercer um novo ramo de atividade ou de comércio.
Com efeito, para sabermos se se trata do mesmo estabelecimento, apenas com transferência de local e alteração do ramo de atividade, importava aferir quais os elementos essenciais que compõem o(s) estabelecimento(s), circunstância que as indicadas testemunhas não lograram esclarecer em termos suficientemente objetivos e inteligíveis.
Acresce que, conforme resulta assente nos autos, requerente e requerida casaram civilmente entre si no dia 31 de janeiro de 1997, sem convenção antenupcial.
Relativamente a este casamento vigorou o regime da comunhão de adquiridos, por ser este o regime supletivo de bens em vigor desde 1 de junho de 1967, data da entrada em vigor do Código Civil (CC), aprovado pelo Dec. Lei n.º 47344/66, de 25-11.
Assim, conforme prevê o artigo 1717.º do CC (regime de bens supletivo), na falta de convenção antenupcial, ou no caso de caducidade, invalidade ou ineficácia da convenção, o casamento considera-se celebrado sob o regime da comunhão de adquiridos.
Ora, vigorando entre os cônjuges o regime da comunhão de adquiridos, o artigo 1724.º do CC prevê que fazem parte da comunhão o produto do trabalho dos cônjuges (al. a) bem como os bens adquiridos pelos cônjuges na constância do matrimónio, que não sejam excetuados por lei (al. b).

Ao invés, nos termos previstos no artigo 1722.º, n.º 1, do CC são considerados bens próprios dos cônjuges:

a) Os bens que cada um deles tiver ao tempo da celebração do casamento;
b) Os bens que lhes advierem depois do casamento por sucessão ou doação;
c) Os bens adquiridos na constância do matrimónio por virtude de direito próprio anterior.
2. Consideram-se, entre outros, adquiridos por virtude de direito próprio anterior, sem prejuízo da compensação eventualmente devida ao património comum:
a) Os bens adquiridos em consequência de direitos anteriores ao casamento sobre patrimónios ilíquidos partilhados depois dele;
b) Os bens adquiridos por usucapião fundada em posse que tenha o seu início antes do casamento;
c) Os bens comprados antes do casamento com reserva de propriedade;
d) Os bens adquiridos no exercício de direito de preferência fundado em situação já existente à data do casamento.

No essencial, resulta de tal regime que na comunhão de adquiridos os bens adquiridos a título oneroso na constância do casamento são comuns, o mesmo sucedendo com o produto do trabalho dos cônjuges, sendo excluídos do património comum os bens levados para o casamento e os bens adquiridos a título gratuito por sucessão ou doação apenas a um dos cônjuges.
Deste modo, os valores que a requerida pagou pelo recheio da loja que adquiriu por volta de 2007, o qual não foi pago de imediato mas à medida que a requerida ia vendendo e conforme podia, consoante resultou do depoimento da testemunha M. G., não podem deixar de ser considerados integrados na comunhão, enquanto rendimentos retirados da atividade comercial desenvolvida pela requerida, sendo certo que faz parte da comunhão, nos termos do artigo 1724.º, al. a), do CC, o produto do trabalho dos cônjuges. Ainda que assim não se entendesse, sempre haveria que considerar tais valores como fazendo parte do património comum do ex-casal uma vez que não se trata de bens ou rendimentos excetuados por lei e porque foram adquiridos na pendência do casamento, integrando a comunhão nos termos da al. b), do citado artigo 1724.º do CC.
Ademais, nos termos previstos no artigo 1725.º do CC, quando haja dúvidas sobre a comunicabilidade dos bens móveis, estes consideram-se comuns, pelo que, mesmo admitindo-se que o recheio da loja que a requerida adquiriu por volta de 2007 foi pago com valores provenientes da venda dos produtos vendidos no âmbito da atividade prosseguida pela requerida, na constância do casamento, não pode presumir-se que esses valores integram o seu património próprio, porquanto a regra é que pertencem ao património comum, atenta a presunção antes aludida.
Aliás, com o pedido de divórcio por mútuo consentimento, apresentado junto da competente conservatória do registo civil, o extinto casal apresentou a relação de bens comuns do casal, relacionando diversos bens como fazendo parte dos bens comuns, conforme certidão junta como documento n.º 7 junto pela requerida aos autos de inventário com a resposta à reclamação de bens.
Conforme resulta da referida certidão, na relação de bens comuns apresentada para efeitos de divórcio, assinada por ambos os cônjuges, ora requerente e requerida, foi relacionado como bem comum, entre outros, o «estabelecimento comercial, denominado “Casa ...”, sito na Rua ..., Edifício …, n.º .., Valença, com valor atribuído de 500 €».
Tratando-se de um documento não concretamente impugnado, que foi assinado por cada um dos cônjuges e apresentado perante uma autoridade pública, encontra-se assente a respetiva força probatória formal, assim fazendo prova plena quanto às declarações atribuídas aos seus autores, nos termos do disposto no artigo 376.º do CC. Significa isto, no mínimo, que o cônjuge que pretender ilidir a força probatória do documento que foi junto ao processo, contrariando a sua própria declaração, terá o encargo de contrariar a prova feita, demonstrando que não foi incluído naquela lista um bem que devia ter sido nela integrado, ou que dela consta um bem que não o deveria ter sido (4).
Da motivação exposta pelo Tribunal a quo na decisão recorrida verificamos que na análise da prova aquele Tribunal equacionou a prova testemunhal produzida, mas também a prova documental constante dos autos, concluindo que relativamente aos factos indiciariamente não provados nenhum outro meio de prova trouxe a requerida aos autos que pudesse abalar ou afastar a convicção do Tribunal já formada em sede de decisão preliminar de arrolamento.
Ora, feita a reapreciação crítica e concatenação de toda a prova produzida, partindo da ponderação dos concretos meios de prova invocados pela recorrente, não se alcança fundamento probatório suficiente para dar como provado o facto constante do impugnado ponto 5 dos factos não provados.
Pelo exposto, julga-se integralmente improcedente a impugnação da decisão relativa à matéria de facto apresentada pelo apelante e, em consequência, decide-se manter a decisão proferida pelo Tribunal a quo sobre o facto vertidos em 1.1. supra.

2.2. Da reapreciação do mérito da decisão recorrida
Atenta a improcedência da impugnação da matéria de facto resulta evidente que os factos a considerar na apreciação das questões de direito são os que se mostram enunciados sob o ponto 1.1., supra.
O quadro fáctico que releva para a subsunção jurídica é exatamente o mesmo que serviu de base à decisão recorrida.
Mantendo-se o quadro factual julgado provado, importa agora apreciar se deve manter-se a decisão recorrida à luz dos demais fundamentos constantes da apelação apresentada pela recorrente.
Considerando a matéria de facto agora reapreciada, e que permanece inalterada, o Tribunal a quo entendeu, no essencial, que o arrolamento como preliminar ou incidente da ação de divórcio e, neste caso, de ação de inventário para bens comuns do casal dissolvido, incide sobre os bens que devam vir a ser partilhados e tem como finalidade garantir que tais bens existam no momento em que se efetue a partilha.
Mais considerou que nas hipóteses referidas no artigo 409.º, do CPC, a lei admite o arrolamento sem que haja de provar-se indiciariamente o “justo receio”, pelo que, cumpridos os demais requisitos, o pedido de divórcio ou de partilha justifica por si só o decretamento da providência sem se ouvir a parte contrária, exatamente por causa desse justo receio já estar presumido na lei e poder concretizar-se com a audição da parte contrária.
Em consequência, entendeu aquele Tribunal ser de manter integralmente a decisão proferida previamente ao cumprimento do princípio do contraditório relativamente à requerida, por estarem verificados os requisitos que a lei faz depender o decretamento da providência cautelar de arrolamento como incidente de ação de inventário para partilha dos bens comuns do dissolvido casal: requerente e requerida foram casados, sem convenção antenupcial, estando já decretado o divórcio e correndo já processo de inventário para partilha dos bens; o requerente fez prova indiciária de que os bens arrolados são comuns; a requerida não abalou de forma convincente tal prova indiciária.
Contra esta decisão insurge-se a ora apelante. Sustenta, no essencial, que o arrolamento não devia ter sido decretado por inexistir a necessidade de tutela judicial no momento da instauração dos presentes autos, por apenso aos autos de inventário, atenta a fase processual destes últimos pois que os mesmos estão pendentes desde setembro de 2020, já foi apresentada relação de bens, reclamação contra a mesma e realizada audiência prévia, pelo que o arrolamento só podia ser decretado se existisse risco sério e grave receio de violação de um direito pelo que a correspondente decisão estava dependente de uma situação excecional que aconselhasse uma decisão de caráter extraordinário. Sustenta, por outro lado, que não deveria ter sido deferido o pedido de decretamento de arrolamento de contas bancárias tituladas unicamente pela requerida, sem que o recorrido fizesse prova sumária de que tais quantias aí depositadas eram comuns, posto que o recorrido limitou-se a enunciar o nome de instituições bancárias e montantes que aí estariam presumivelmente depositados à data do divórcio, atenta a relação de bens apresentada na conservatória de registo civil à data de divórcio. Contudo, tal relação de bens não vincula os outorgantes para o futuro, já que ela não faz caso julgado quanto à natureza, qualidade e quantidade ou valor dos bens relacionados nem afasta a necessidade de em sede de inventário se fazer prova da comunhão ou não dos bens, devendo informar os autos de arrolamento das contas bancárias a arrolar, identificando devidamente as mesmas, por instituição e número de conta. Por último, e na sequência da impugnação desta parte da decisão de facto, defende a apelante que, dando-se como provada a factualidade acima elencada no ponto 5 dos factos não provados dela resulta que o estabelecimento comercial é bem próprio da recorrente, devendo então o arrolamento ser reduzido na parte respeitante ao recheio do estabelecimento comercial, bem como o direito ao arrendamento e trespasse.
Vejamos.
Havendo justo receio de extravio, ocultação ou dissipação de bens, móveis ou imóveis, ou de documentos, pode requerer-se o arrolamento deles, sendo este dependência da ação à qual interessa a especificação dos bens ou a prova da titularidade dos direitos relativos às coisas arroladas e consiste na descrição, avaliação e depósito dos bens - cf. artigos 403.º e 406.º do CPC.
Neste domínio, acrescentam ainda os artigos 404.º e 405.º do CPC, o arrolamento pode ser requerido por qualquer pessoa que tenha interesse na conservação dos bens ou dos documentos, devendo o requerente fazer prova sumária do direito relativo aos bens e dos factos em que fundamenta o receio do seu extravio ou dissipação devendo ainda, caso o direito relativo aos bens dependa de ação proposta ou a propor, convencer o Tribunal da provável procedência do pedido correspondente. O juiz ordenará as providências se adquirir a convicção de que, sem o arrolamento, o interesse do requerente corre risco sério.

Contudo, o artigo 409.º, do CPC com a epígrafe «Arrolamentos especiais» prevê, no seu n.º 3, não ser aplicável o disposto no n.º 1 do artigo 403.º do CPC aos arrolamentos previstos nos n.ºs 1 e 2 do preceito, ou seja, dispensa a necessidade de alegação e de prova do justo receio de extravio, ocultação ou dissipação de bens, ou de documentos, nos seguintes casos:
- arrolamento, requerido por qualquer dos cônjuges, de bens comuns, ou de bens próprios que estejam sob a administração do outro, como preliminar ou incidente da ação de separação judicial de pessoas e bens, divórcio, declaração de nulidade ou anulação de casamento (n.º 1);
- arrolamento de bens abandonados, por estar ausente o seu titular, por estar jacente a herança, ou por outro motivo, e tornando-se necessário acautelar a perda ou deterioração (n.º 2).
Ponderando o âmbito e a finalidade de tal dispensa, esclarecem José Lebre de Freitas/Isabel Alexandre (5): «A situação de conflito que normalmente acompanha o tipo de situação em causa faz assim “presumir”, juris et de jure, o periculum in mora, quer no plano da prova, quer no da própria alegação (…), poupando, aliás, mais um motivo de discussão entre os cônjuges. Mas a dispensa não é extensível ao fumus boni juris, pelo que o cônjuge requerente tem de provar que é casado com o requerido e que há séria probabilidade de os bens a arrolar serem comuns, ou serem seus, mas estarem sob a administração do outro cônjuge (…), entendendo-se também que o requerente está igualmente dispensado de demonstrar a probabilidade da procedência da acção proposta ou a propor (…)».

No caso dos autos não estamos perante preliminar ou incidente de ação judicial de separação de pessoas e bens ou de divórcio uma vez que, tal como resulta assente, o matrimónio existente entre requerente e requerido foi dissolvido em 06 de abril de 2017, por decisão proferida pela Conservatória do Registo de … no processo de divórcio por mútuo consentimento, e transitada em julgado na mesma data, sendo que na sequência da dissolução do casamento foi intentado o processo de inventário, com vista à partilha dos bens comuns do extinto casal.
Assim sendo, resulta manifesto que o arrolamento aqui em apreço surge como incidente e como dependência de processo de inventário para partilha do património comum do casal, após a dissolução do casamento por divórcio.
A questão de saber se a dispensa da verificação do requisito previsto no n.º 1 do artigo 403.º do CPC (periculum in mora), estatuída no artigo 409.º, n.º 3 do CPC, é aplicável ao arrolamento requerido por ex-cônjuge como preliminar ou incidente de processo de inventário para partilha do património comum do casal após a dissolução do casamento por divórcio tem sido objeto de controvérsia jurisprudencial.
Ora, conforme se refere no acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 19-11-2015 (6) «Embora o legislador tenha concebido os arrolamentos especiais previstos no art.º 409º, nº 1, do CPC, como preliminares ou incidentes das acções aí referidas, não pode deixar de se reconhecer que a finalidade última deste tipo de arrolamentos não é tanto o desfecho da acção, mas os actos subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, onde sobressai a partilha do património comum. O arrolamento não se esgota na acção de divórcio, separação ou anulação, mas mantém-se e subsiste até se mostrar efectuada a partilha, uma vez que, até lá, não obstante o divórcio decretado, permanece o perigo de dissipação e extravio dos bens. E por isso já se entendeu que nos arrolamentos previstos no art.º 409º, nº 1, do CPC, cabe também o arrolamento requerido após o divórcio, separação de bens ou declaração de nulidade ou anulação de casamento, desde que não tenha sido realizada a partilha, ou seja como preliminar ou incidente, já não daquelas acções, mas sim do inventário para partilha de meações» (7).
Acresce que, tal como se elucida no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10-03-2016 (8), «a norma do artigo 409º, n.º 3 “sem contrariar substancialmente o princípio (…) contido” na regra geral do artigo 403º, n.º 1, “a adapta a um domínio particular”.
Confrontando-nos pois, no artigo 409º, n.º 3 – e diversamente do julgado na decisão recorrida – com uma regra especial, como tal passível de aplicação analógica, quando na situação nela prevista e no caso omisso exista “um núcleo fundamental (…) que exige a mesma estatuição.”, cfr. artigo 10º do Código Civil.
O que ocorre tendencialmente no arrolamento de bens por dependência de ação de divórcio…e no arrolamento de bens depois de decretado o divórcio, por dependência de inventário (especial) em consequência daquele.
Não fora assim, de resto, e teriam os ex-cônjuges, a existirem bens comuns e acordo quanto a essa existência, procedido à partilha amigável daqueles».
A este propósito, sublinha Marco Carvalho Gonçalves (9): «visando o arrolamento conservar os bens comuns do casal até que se verifique a sua partilha, afigura-se que o regime previsto no art. 409.º, n.º 1, deve igualmente ser aplicado, por interpretação analógica e extensiva, aos casos em que o arrolamento seja requerido como preliminar ou incidente do processo de inventário subsequente à dissolução patrimonial ou pessoal do vínculo conjugal, pois que é possível presumir que, mesmo após essa dissolução, a conflituosidade entre os ex-cônjuges continuará a existir até à concretização da partilha do património comum».
Daí que seja de sufragar o entendimento no sentido de que a dispensa da verificação do requisito previsto no n.º 1 do artigo 403.º do CPC (periculum in mora), estatuída no artigo 409.º, n.º 3, CPC é aplicável ao arrolamento requerido por ex-cônjuge como incidente de processo de inventário para partilha do património comum do casal, após a dissolução do casamento por divórcio.
Por conseguinte, sendo o presente arrolamento instaurado como incidente de processo de inventário para partilha do património comum do casal, após a dissolução do casamento por divórcio, estava o ora recorrido, na qualidade de ex-cônjuge requerente, dispensado de alegar e demonstrar a existência de justo receio de extravio, ocultação ou dissipação dos bens que identifica.
Pelo exposto, improcedem, nesta parte, as correspondentes conclusões da apelação.
A apelante alegou que não deveria ter sido deferido o pedido de decretamento de arrolamento de contas bancárias tituladas unicamente pela requerida sem que o recorrido fizesse prova sumária de que tais quantias aí depositadas eram comuns, posto que o recorrido limitou-se a enunciar o nome de instituições bancárias e montantes que aí estariam presumivelmente depositados à data do divórcio atenta a relação de bens apresentada na Conservatória do registo civil.
No caso em apreciação, o requerente alegou logo no requerimento inicial, além do mais, que aquando do pedido de divórcio por mútuo consentimento o extinto casal relacionou como fazendo parte dos bens comuns, conforme documento n.º 7 junto pela requerida aos autos de inventário com a resposta à reclamação de bens, mais alegando que, no inventário instaurado posteriormente, a requerida, enquanto cabeça de casal, não relacionou bens que pertencem ao ex-casal e que antes já havia admitido como comuns, como é o caso de diversos depósitos bancários, pois em sede de resposta à reclamação em sede de inventário a requerida não admitiu a respetiva omissão. Mais alegou que a requerida deu ordem de resgate ou venda das aplicações financeiras e transferência das contas bancárias do extinto casal sem autorização, nem conhecimento do requerente, não informando o requerente como é que efetuou as movimentações das contas bancárias, à ordem ou a prazo, aplicações financeiras e ativos financeiros pertencentes a ambos. Para concretização do arrolamento o requerente solicitou ainda se oficiasse o Banco de Portugal para identificar todas as contas bancárias, à ordem ou a prazo, aplicações financeiras e quaisquer ativos financeiros titulados ou co titulados pela requerida e identificar a instituição bancária em que as mesmas estão sedeadas, após o que tais instituições bancárias deverão ser notificadas para indicar os saldos existentes nas contas bancárias e cotação de todos os ativos existentes, o que veio a ser deferido pelo Tribunal na decisão preliminar que decretou o arrolamento (10).
Como se viu, a lei apenas dispensa a aplicabilidade do estatuído no artigo 403.º, n.º 1, do CPC ao presente procedimento de arrolamento.
Deste modo, a dispensa da lei quanto à alegação e prova do periculum in mora não é extensível ao fumus boni juris, pelo que sempre cabe ao requerente demonstrar a séria probabilidade de tais bens serem comuns, ou serem seus, mas estarem sob a administração do outro cônjuge.
Porém, para que o arrolamento seja decretado a lei não exige um juízo de certeza quanto à propriedade do bem a arrolar, sendo antes suficiente a mera aparência no que diz respeito à titularidade desse direito, bastando a prova sumária quanto à probabilidade séria da existência do direito invocado (11).
Como decorre do supra enunciado, o presente procedimento cautelar de arrolamento foi instaurado como dependência de processo de inventário para partilha do património comum do casal, após a dissolução do casamento por divórcio, vigorando entre os cônjuges o regime da comunhão de adquiridos.
Deste modo, comprovado o regime de bens do casal (comunhão de adquiridos) e considerada a presunção de comunicabilidade dos bens móveis (artigo 1725.º do CC), bem como a notória dificuldade do requerente em aceder às contas que não estão em seu nome, por via do sigilo bancário, está preenchido o fumus boni juris que justifica o decretamento do arrolamento dos saldos e/ou valores de qualquer conta de depósitos, à ordem ou a prazo, poupança, fundos de investimento mobiliário, ações ou quaisquer outros títulos e valores depositados que a requerida seja titular ou cotitular em qualquer Banco ou instituição financeira a operar em Portugal (12), tanto mais que a titularidade de uma conta não predetermina a propriedade dos fundos nela contidos (13).
Em consequência, desconhecendo o requerente a existência dos bens ou documentos a arrolar, essa identificação e concretização dos bens ou documentos objeto de arrolamento apenas terá lugar aquando da execução dessa providência, só operando o arrolamento de saldos de depósitos relativamente aos bens que vierem a ser encontrados (14).
Acresce que no caso a oposição foi deduzida pela requerida após a realização do arrolamento, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 366.º, n.º 6, e 372.º do CPC, sem que se mostre alegado que os valores efetivamente arrolados, referentes aos saldos das contas bancárias encontradas (conforme auto de arrolamento de 07-03-2022) não integram o património comum do extinto casal.
Assim sendo, não existem razões para censurar a solução adotada na decisão impugnada sobre esta questão, improcedendo as correspondentes conclusões da apelação.
Por último, e na sequência da impugnação desta parte da decisão de facto, defende a apelante que, dando-se como provada a factualidade acima elencada no ponto 5 dos factos não provados dela resulta que o estabelecimento comercial é bem próprio da recorrente, devendo então o arrolamento ser reduzido na parte respeitante ao recheio do estabelecimento comercial, bem como o direito ao arrendamento e trespasse.
Porém, a solução que a recorrente defende para a pretendida redução do arrolamento na parte respeitante ao recheio do estabelecimento comercial, bem como o direito ao arrendamento e trespasse assenta exclusivamente na pretendida modificação da decisão de facto no que respeita ao facto constante do ponto 5 dos “Factos não provados”, que a apelante sustenta ter sido indevidamente julgado.
Deste modo, a pretendida alteração da solução jurídica alcançada na decisão impugnada quanto a esta questão dependia integralmente do prévio sucesso da modificação/alteração do facto constante do ponto 5 dos “Factos não provados”, no sentido de passar a integrar o elenco dos factos provados, o que não sucedeu.
Como tal, mostra-se nesta parte necessariamente prejudicada a apreciação da solução jurídica apresentada pelo apelante e o conhecimento do pedido de alteração do decidido na decisão recorrida, o que se declara, nos termos previstos no artigo 608.º, n.º 2, do CPC, aplicável por força do artigo 663.º, n.º 2, in fine, do mesmo diploma.
Pelo exposto, cumpre julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Tal como resulta da regra enunciada no artigo 527.º, n.º 1, do CPC, a responsabilidade por custas assenta num critério de causalidade, segundo o qual, as custas devem ser suportadas, em regra, pela parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento, pela parte que tirou proveito do processo. Neste domínio, esclarece o n.º 2 do citado preceito, entende-se que dá causa às custas a parte vencida, na proporção em que o for.
No caso em apreciação, como a apelação foi julgada improcedente, as custas da apelação são integralmente da responsabilidade da recorrente, atento o seu decaimento.

Síntese conclusiva:

I - Vigorando entre os cônjuges o regime da comunhão de adquiridos, o artigo 1724.º do CC prevê que fazem parte da comunhão o produto do trabalho dos cônjuges (al. a) bem como os bens adquiridos pelos cônjuges na constância do matrimónio, que não sejam excetuados por lei (al. b), mais dispondo o artigo 1725.º do CC que, quando haja dúvidas sobre a comunicabilidade dos bens móveis, estes consideram-se comuns.
II - Discutindo-se para efeitos de partilha subsequente a divórcio se é próprio ou comum um estabelecimento comercial revela-se fundamental determinar quais os elementos essenciais que o compõem, por forma a aferir com que meios foram adquiridos e quando o mesmo foi criado e adquirido.
III - O arrolamento, enquanto providência cautelar de garantia ou de natureza conservatória, está sempre na dependência de uma ação à qual interessa a especificação dos bens ou a prova da titularidade dos direitos relativos às coisas arroladas.
IV - A finalidade do arrolamento como preliminar ou incidente do processo de divórcio é idêntica à do arrolamento como preliminar ou incidente do processo de inventário subsequente a divórcio, mantendo-se até à subsequente partilha do património comum dos ex-cônjuges;
V - Justifica-se a aplicação do regime especial previsto no artigo 409.º, n.º 3, do CPC quanto à dispensa da necessidade de alegação e de prova do justo receio de extravio, ocultação ou dissipação de bens, ou de documentos, ao arrolamento requerido após o trânsito em julgado da decisão que decretou o divórcio e enquanto incidente do inventário instaurado para partilha do património comum dos ex-cônjuges, porquanto nesses casos ocorre situação merecedora de idêntica tutela.
VI - Comprovado o regime de bens do casal (comunhão de adquiridos) e considerada a presunção de comunicabilidade dos bens móveis (artigo 1725.º do CC), bem como a notória dificuldade do requerente em aceder às contas que não estão em seu nome, por via do sigilo bancário, está preenchido o fumus boni juris que justifica o decretamento do arrolamento dos saldos e/ou valores de qualquer conta de depósitos, à ordem ou a prazo, poupança, fundos de investimento mobiliário, ações ou quaisquer outros títulos e valores depositados que a requerida seja titular ou cotitular em qualquer Banco ou instituição financeira a operar em Portugal, tanto mais que a titularidade de uma conta não predetermina a propriedade dos fundos nela contidos.

IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, assim confirmando a decisão recorrida.
Custas da apelação pela recorrente.
Guimarães, 15 de setembro de 2022
(Acórdão assinado digitalmente)

Paulo Reis
(Juiz Desembargador - relator)
Luísa Duarte Ramos
(Juíza Desembargadora - 1.º adjunto)
Eva Almeida
(Juíza Desembargadora - 2.º adjunto)




1. Cf., por todos, o Ac. do STJ de 22-02-2018 (Relator: Manuel Tomé Soares Gomes), p. 223/12.0TBGRD.C1. S1, disponível em www.dgsi.pt.
2. Cf., A. Ferrer Correia, Estudos de Direito Civil, Comercial e Criminal, 2.ª edição - Almedina, Coimbra, 1985, pgs. 255-256.
3. Cf., o Ac. TRG de 23-01-2020 (Relator: José Amaral), p. 2134/16.0T8VRL.G1 disponível em www.dgsi.pt.
4. Neste sentido, cf., Rita Lobo Xavier, A Relação Especificada de Bens Comuns: Relevância jurídica da sua apresentação no divórcio por mútuo consentimento, Revista Julgar, n.º 8-2009, Wolters Kluwer/Coimbra Editora, pgs. 19 e 22.
5. Cf. José Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, 3.ª Edição, Coimbra, Almedina, 2017, p. 198.
6. Relator Bernardo Domingos; p. 1423/15.6T8STR.E1 disponível em www.dgsi.pt.
7. Em sentido idêntico, cf. ainda, entre outros, os Acs. TRG de 26-05-2022 (relator: António Figueiredo de Almeida), p. 323/11.3TMBRG-A. G1; TRL de 28-06-2018 (relator: António Valente), p. 21568/17.7T8SNT.L1-8; de 10-03-2016 (relator: Ezagüy Martins), p. 169/13.4TMFUN-A-L1-2; de 18-09-2014 (relatora: Teresa Pais) p. 2170/14.1TBSXL.L1-8; de 19-12-2013 (relatora: Graça Amaral), p. 7669/12.1TCLRS-C. L1-7; do TRP de 17-11-2009 (relatora: Maria Eiró) p. 2186/06.1TBVCD-A. P1; em sentido divergente, cf. Acs. TRP de 2-05-2005 (relator: Sousa Lameira); do TRL de 17-07-2000 (relator: Sampaio Beja) p. 070091; todos disponíveis em www.dgsi.pt.
8. Relator Ezagüy Martins; p. 169/13.4TMFUN-A-L1-2, disponível em www.dgsi.pt.
9. Cf. Providências Cautelares Conservatórias: Questões Práticas Atuais”, 16-03-2018, disponível em: https://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/53693/1/Provid%C3%AAncias%20cautelares%20conservat%C3%B3rias-%20Quest%C3%B5es%20pr%C3%A1ticas%20atuais.pdf
10. O Tribunal determinou se oficiasse ao Banco de Portugal para, no prazo de 10 dias, identificar todas as contas bancárias, à ordem ou a prazo, aplicações financeiras e quaisquer ativos financeiros titulados ou co-titulados pela requerida e identificar a instituição bancária em que as mesmas estão sedeadas, após o que tais instituições bancárias deverão ser notificadas para indicar os saldos existentes nas contas bancárias e cotação de todos os ativos existentes.
11. Cf. Marco Carvalho Gonçalves, Providências Cautelares, 3.ª Edição, Coimbra, Almedina, 2017, pgs. 252-253.
12. Neste sentido, cf., por todos, o Ac. TRE de 12-10-2006 (Relator: Manuel Marques), p. 368/06-3 disponível em www.dgsi.pt.
13. Cf. o Ac. TRG de 23-01-2020 (Relatora: Sandra Melo), p. 264/17.0T8FAF.G1 disponível em www.dgsi.pt.
14. Cf. o Ac. TRL de 11-12-2019 (Relator: Nelson Borges Carneiro), p. 453/19.3T8PTG-A. L1-2 disponível em www.dgsi.pt.