Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
55/14.0YRGMR
Relator: ANA TEIXEIRA E SILVA
Descritores: CONTAGEM DOS PRAZOS
DESCONTO NA PENA DE PRISÃO ANTERIOR
CUMPRIMENTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/06/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO
Sumário: Os períodos de privação da liberdade que devam ser descontados no cumprimento da pena de prisão, devem igualmente ser tidos em consideração no cálculo da metade e dos dois terços da pena.
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes, em conferência, na Secção Criminal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO
O MINISTÉRIO PÚBLICO veio interpor recurso do despacho do Mmº Juiz do 1º Juízo de Esposende que, em 10/07/2014, procedeu a diferente liquidação da pena de prisão do arguido Paulo A....
O Arguido não respondeu.
Nesta instância, o Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da integral procedência do recurso.
II - FUNDAMENTOS
1. O OBJECTO DO RECURSO.
A única razão de discordância diz respeito à forma de cálculo da pena imposta ao Arguido.

2. O DESPACHO RECORRIDO (no que agora interessa).
Com o grande respeito que se lhe guarda e guardará, discorda-se da douta liquidação de pena que antecede.
Tal liquidação parte do pressuposto erróneo, provavelmente induzido pela redacção do despacho de 3 de Outubro de 2013, de que a pena de prisão a cumprir é de um ano. Mas a pena de prisão em que o arguido foi condenado em sentença cúmulo jurídico de 7 de Dezembro de 2011 foi de dezanove meses.
Embora a tendência jurisprudencial actual vá em sentido contrário, a verdade é que em tal sentença, já transitada em julgado, foi cumulada um pena de prisão de sete meses com execução suspensa que tinha sido declarada extinta, sem cumprimento, com uma pena de prisão de prisão de quinze meses, com execução suspensa, que estava ainda em cumprimento.
Na mesma sentença se determinou expressamente, e desde logo, que no caso de revogação da suspensão, os sete meses já cumpridos seriam descontados na pena a cumprir efectivamente, nos termos do art. 78.°, n. 1, do CP.
Estamos perante segmentos decisório que, não obstante contrariarem a actual jurisprudência, estão transitados em julgado e naturalmente vinculam a liquidação de pena.
Pelo exposto procede-se à seguinte contagem da pena de prisão em que o arguido Paulo A... foi condenado nos presentes autos:
Metade da pena: 13 de Setembro de 2014
Dois terços da pena: 19 de Dezembro de 2014
Termo da pena: 29 de Junho de 2015

3. APRECIAÇÃO DO MÉRITO.
Resulta dos autos:
- em resultado do cúmulo jurídico das sanções aplicadas nos processos sumários nº 237/10.4GAEPS e 230/10.7PAPVZ, o Arguido foi condenado na pena única de 19 meses de prisão, suspensa na execução Em termos que não interessa especificar, porque irrelevantes para a presente decisão. (sentença de 07/12/2011 Fls. 2-6.);
- na mesma sentença, transitada em julgado, consignou-se que “no caso de revogação da suspensão, devem ser descontados na pena sete meses de prisão, já cumpridos nos autos de processo sumário, com o nº 230/10.7PAPVZ Fls. 6.;
- a suspensão da execução da pena foi revogada por despacho datado de 03/10/2013, confirmado nesta Relação Fls. 7-10, 11-16.;
- no citado despacho, consignou-se que o Arguido devia “cumprir em regime efectivo o remanescente de um ano de prisão Fls. 10vº.;
- em 08/07/2014, o Ministério Público – com base nos pressupostos “o arguido tem que cumprir um ano de prisão, foi detido no dia 30 de Junho de 2014, sofreu 1 dia de detenção” – procedeu à seguinte liquidação da pena:
• Metade: 29 de Dezembro de 2014.
• 2/3: 28 de Fevereiro de 2015 [art 479°, n 1, al. b), in fine, do Código de Processo Penal].
• Termo: 29 de Junho de 2015.” Fls. 17-18.
Em jeito de nota prévia, cumpre salientar que quer o despacho recorrido quer a motivação de recurso suscitam algumas perplexidades.
O primeiro (decisão recorrida), porque procede a uma “contagem da pena” sem situar o seu início Requisito obviamente essencial às operações subsequentes, de fixação do meio, 2/3 e fim. e não explica adequadamente a razão da “discordância” relativamente ao Ministério Público (a qual se cingirá, como salienta o Digno Recorrente, ao cálculo da metade e dos 2/3).
A segunda (motivação de recurso), porque situa o “pomo da discórdia” no “desconto” de “uma pena não cumprida em clausura” (“a pena de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução, que ao arguido foi aplicada no processo sumário nº 230/10.7PAPVZ”); ora, se não se devesse subtrair tal pena, então mal se compreenderia o termo da pena calculado pelo próprio Recorrente.
Apesar de tais “confusões”, certo é que o processo parece fornecer já os dados necessários à resolução da questão suscitada Se assim não fosse, anular-se-ia o despacho recorrido para que o Mmº Juiz o fundamentasse adequadamente, com as inevitáveis, e indesejáveis, delongas no desenrolar do processo (para mais, de natureza urgente). , cuja decisão só pode ser favorável ao Digno Recorrente.
São eles:
1º - a pena única imposta ao Arguido é de 19 meses de prisão;
2º - há que descontar-lhe 7 meses de prisão (já “cumprida É o que consta, expressamente, de decisão transitada; ora, não se vê que outro significado se possa atribuir ao “desconto” ordenado de uma pena de prisão já “cumprida” que não seja o de uma pena executada em “clausura”. num dos processos englobado no cúmulo, nos termos do artº 78º, nº1, do CP) e 1 dia de detenção sofrida Embora não documentada nestes autos, o Mmº Juiz a quo dela não dissente. (nos termos do artº 80º, nº1, do CP).
E é perante o remanescente assim encontrado que se deverão calcular as datas relevantes.
Semelhante forma de cômputo é consentânea com o já decidido por esta Relação, no acórdão de 06/02/2012, donde se extraem os seguintes excertos mais esclarecedores:
Em linguagem corrente, qualquer pessoa, mormente o arguido, entende e tem por certo que, se por hipótese foi condenado a 4 anos de prisão, terá cumprido metade e faltar-lhe-á a outra metade (aritmeticamente igual) após ter estado detido 2 anos, momento em que lhe faltarão os outros 2. Isto, repete-se, sem qualquer ficção.
Tal entendimento, de resto, e ao contrário do que temos visto seguir, é o defendido por Figueiredo Dias, quando ensina que "Para efeito de se considerar «cumprida» metade da pena, contabiliza-se seguramente qualquer redução que a pena tenha sofrido, nomeadamente por via de perdão parcial ou de outra medida graciosa; como igualmente se contabiliza qualquer privação de liberdade sofrida no processo que conduziu à condenação ou por causa dele, nomeadamente, o tempo de prisão preventiva. Deste modo, pode acontecer que logo no momento da condenação o arguido esteja em condições - ao menos formais - de ser colocado em liberdade condicional" - Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 536. (…)
E o único modo coerente para isso se dar cumprimento ao estatuído, é o de, encontrada a pena final, se proceder à contagem, dia a dia, de todo o tempo de privação de liberdade já sofrido, descontá-lo como tempo já cumprido naquela pena e, então sim, encontrar o remanescente para se acharem as datas exactas do meio da pena e dos 2/3 exigidos pelo artº 61º Relatado pelo Desemb. Filipe de Melo no proc. 296/06.4JABRG-B, www.dgsi.pt. ”.
Consequentemente, não oferece dúvida que as datas calculadas pelo Digno Recorrente para a metade (29/12/2014), dois terços (28/02/2015) e termo da pena (29/06/2015) a cumprir estão correctas.
Em conclusão: impõe-se a substituição do despacho recorrido por outro que confirme a contagem da pena a que procedeu o Ministério Público (artº 477º, nº4, do CPP).
III - DECISÃO
Concede-se provimento ao recurso interposto e em consequência, revoga-se o despacho recorrido, o qual deverá ser substituído por outro que homologue a liquidação da pena efectuada pelo Ministério Público Em 08/07/2014, documentada neste Apenso a fls. 17-18..
Sem tributação.

6 de Outubro de 2014