Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
605/08.1TBFAF.G1
Relator: ANTÓNIO SOBRINHO
Descritores: ARRENDAMENTO RURAL
DENÚNCIA DE CONTRATO
SENHORIO
EXPLORAÇÃO AGRÍCOLA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/11/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I - Por força do artº 20º, nº 3º, do Decreto-Lei nº 385/88, de 25.10(LAR), no caso de denúncia motivada do arrendamento pelo senhorio, deve o senhorio, por um lado, passar a explorar, agricultar todo o prédio ou prédios que foram objecto do contrato de arrendamento ( e não apenas 1/3 deles) e, por outro, que o faça directamente.
II - A má exploração directa pelo senhorio não se confunde com o abandono e não cultivo de 2/3 dos prédios arrendados, sem causa justificativa.
III - Inexiste essa causa justificativa se os senhorios não provaram sequer que deixaram o cultivo de milho e centeio por falta de rendimento agrícola.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

***

I – Relatório;

Apelantes e apelados: - Albino ..., Deolinda ..., Emília ... e Ermelinda ... (AA.);
- José ... e Margarida ... (RR.);

Albino ..., Deolinda ..., Emília ... e Ermelinda ... intentaram contra José e Margarida autos de acção ordinária nos seguintes termos:

Pedido:
- que se condenem os RR. a pagar-lhes a quantia de €21.437,50, acrescida de juros à taxa de 4%, a contar da citação até pagamento.

Causa de pedir:
Entre autores e réus foi celebrado um contrato de arrendamento da “Quinta da Mourisca”, composta de casa de habitação e de lavoura, eira, lagares, dependências agrícolas, logradouro, terras de lavradio e montados, o qual os réus denunciaram, tendo entrado na posse da “Quinta” em 10 de Abril de 2000.
Após a denúncia e entrada na posse do locado, os réus não o exploraram, tendo deixado os terrenos por cultivar (não mais cultivando milho, feijão, batatas, erva), bem como deixado de podar as vinhas e vindimar as uvas, igualmente não habitaram a casa, deixando-a num estado de ruína, não roçara, o mato ou esgalharam a lenha nos prédios incultos.
A “Quinta da Mourisca” produzia anualmente vinho, batatas, feijão, milho e centeio, sendo a renda metade da respectiva produção, razão por que os autores têm direito à indemnização em função do valor da renda.

Na sua contestação os réus invocaram a caducidade do arrendamento por os autores não terem efectuado a comunicação da transmissão do mesmo por morte dos anteriores arrendatários.
No mais, aceitando que abandonaram parte das culturas anteriormente existentes na “Quinta”, por não serem rentáveis, deduziram reconvenção com base na falta de pagamento das rendas dos últimos cinco anos, concluindo com o pedido de improcedência da acção ou, no caso de procedência, condenarem-se os autores a pagar-lhes a quantia de €21.437,50.
Os autores replicaram, impugnando as excepções invocadas e concluindo como na p.i..

Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença na qual se decidiu:
- julgar a acção procedente e condenar os réus a pagarem aos autores o montante em dinheiro a liquidar no competente incidente, correspondente ao quíntuplo de metade da produção de vinho, milho, feijão e batatas que a “Quinta da Mourisca” podia, se explorada, ter produzido nos anos de 2001 a 2005 (inclusive).
- julgar a reconvenção parcialmente procedente e condenar os autores a pagarem aos réus a renda (metade da produção de vinho, milho, feijão e batatas) correspondente aos anos de 1995, 1996, 1997 e 1998, em quantia a liquidar no competente incidente.

Desta decisão foi interposto recurso independente de apelação pelos RR. e recurso subordinado pelos AA., em cuja alegação apresentam as seguintes conclusões:
A – Apelação dos RR.:
1ª- Tendo a sentença produzida considerado que os RR. ocuparam e usaram a casa de habitação da Quinta e cultivaram 1/3 da parte rústica, não podia ter considerado - sob pena de comissão de nulidade prevista pelo artº. 668º nº 1, alínea c) do CPC - totalmente incumprido o pretenso dever de os RR. explorarem directamente a Quinta antes locada e daí condená-los ao pagamento aos AA. de uma indemnização equivalente à renda total que seria devida em 5 anos, mas antes a essa indemnização deduzida do que à renda correspondente à casa fosse de considerar e de que ao 1/3 dos prédios efectivamente ocupados fosse atribuído.
2ª- Os AA., porém, não têm o direito que pedem que se lhes reconheça, pois denúncia para “exploração directa” facultada pelo artigo 20º da Lei do Arrendamento Rural (Decreto Lei nº 385/88 de 25 de Outubro) é uma forma especial de denúncia do contrato em relação à forma geral prevista no artigo 18º da mesma lei, e tem que ver, não com o tipo e modo de exploração, mas antes com o facto de os prédios serem ou não utilizados para novo arrendamento, a pessoa diversa do anterior arrendatário.
3ª- Com efeito a denúncia pura e simples tal como se prevê pelo artigo 18º não precisa de ser motivada, enquanto a denúncia especial, motivada, prevista pelo artigo 20º deve ser expressamente motivada, por o senhorio dever expressamente comunicar ao arrendatário, por escrito, que pretende passar ele próprio - ou filhos seus que satisfaçam as condições de jovem agricultor estipuladas na lei - a explorar directamente o prédio ou prédios arrendados;
4ª- Por isso se compreende e explica a diversidade de regime entre as duas formas de denúncia, pois à denúncia prevista pelo artº. 18º pode o arrendatário opôr-se, nos termos do artigo 19º da lei, enquanto à denúncia motivada prevista pelo artº. 20º o arrendatário não pode opôr-se, porque lho não consente o nº 1 desse artº. 20º.
5ª- O arrendatário que viu cessar o arrendamento por força da denúncia prevista pelo artº. 18º, fica com direito de preferência em qualquer arrendamento que se faça nos 5 anos seguintes, nos termos do artº. 27º, enquanto na denúncia para exploração directa, o senhorio não pode arrendar os prédios a outrém, mas apenas explorá-los ele próprio, durante o prazo mínimo de 5 anos, salvo caso de força maior, sob pena de o arrendatário ter direito a uma indemnização igual ao quíntuplo das rendas relativas ao período de tempo em que o arrendatário este ausente e à reocupação, se assim o desejar, iniciando-se outro contrato, conforme prescrito pelo artº. 20º nºs 3, 4 e 5.
6ª- A “exploração directa” dos prédios antes locados não é a que o
senhorio faça com o seu próprio trabalho braçal ou executivo, mas a que faça sob sua orientação, e não tem qualquer relação com a exploração efectiva dos prédios, visto que a lei não estabelece qualquer sanção ou consequência para o subaproveitamento total ou parcial dos prédios pelo senhorio (cfr. entre muitos, o Ac. Rel. Lisboa de 26/5/1981 in BMJ 312, 291).
7ª- No conceito de “exploração directa” dos prédios, para efeito da lei, não cabe qualquer obrigação de o senhorio - contra a solução da sentença - exercer no locado o mesmo aproveitamento anterior, ou a mesma actividade ou as mesmas culturas ou até fazê-las na mesma extensão, que o arrendatário, como se se tratasse de transmissão de um “estabelecimento agrícola” quo tale e in integrum do locatário para o senhorio, porque nem a lei o impõe, nem de perto nem de longe, nem, se o impusesse, a solução podia considerar-se conforme com a Constituição, já que decorre do artº. 62º da Constituição a garantia do direito à propriedade privada que seria insuportavelmente constrangido se o proprietário ficasse obrigado a, nos seus prédios, fazer apenas determinadas culturas ou usar apenas certos métodos de aproveitamento, mesmo que desaconselháveis.
8ª- O conceito de “exploração directa” para efeitos da lei coincide com aquele que é feito pelo proprietário, nos termos referidos, e opõe-se à que é feita por terceiros a quem o proprietário a ceda designadamente por arrendamento (e só esta é vedada pelo artº. 20º).
9ª- No caso sub judice os AA. - invocando, como sucessores de pregressos arrendatários, seus pais, falecidos respectivamente em 8/12/1978 e 28/11/1987, a qualidade de agricultores autónomos, cujo arrendamento fora feito cessar pelos RR. por denúncia para “exploração directa” nos termos do indicado artigo 20º, e alegando que os RR. violaram os nºs 3 e 4 do artigo 20º - por não terem explorado, e apenas por isso, os prédios nos 5 anos subsequentes à entrega - pediram a condenação dos RR. a pagar-lhes uma indemnização equivalente à renda de 5 anos que a Quinta produziria, pretensão que não tem enquadramento legal naquele normativo.
10ª- De resto, e sem prescindir, logo da petição inicial se podia e devia ter constatado que os AA. não tinham o direito que se arrogavam e que a acção devia soçobrar por mais do que um motivo. Com efeito:
a) os AA. não “sucederam na posição contratual de seus pais e sogros”, pois para sucederem teriam de (artº. 22º nº 5 da Lei 76/77 de 29/9, então em vigor), ter declarado - e agora ter alegado que declararam, para poderem prová-lo - que haviam exercido o direito à transmissão do arrendamento nos 3 meses seguintes à morte desses pais e sogros, o que, não tendo ocorrido, determinou a caducidade do arrendamento, que o tribunal devia ter declarado, mesmo oficiosamente (artº. 333º do Código Civil);
b) prescrevendo o nº 5 do artº. 35º do Decreto-Lei nº 365/88 que nenhuma acção judicial pode ser recebida ou prosseguir, sob pena de extinção da instância, se não for acompanhada de um exemplar do contrato de arrendamento, a menos que “logo se alegue que a falta é imputável à parte contrária”, o tribunal não podia considerar cumprido esse ónus de alegação apenas porque os AA. declararam que notificaram os RR. para comparecerem no Cartório Notarial de Fafe para subscreverem o contrato, ao que eles, não acederam porque nem os RR. podiam ser forçados a deslocar-se de Guimarães, onde residem, a Fafe, nem o documento carece de intervenção notarial, nem sequer estava esclarecido o clausulado do contrato, que os AA. não propuseram
sequer (e esse clausulado era essencial, visto que, além do mais, a renda praticada não podia ser legalmente fixada - ut - artº. 7º nº 2 da LAR);
c) Os AA. não tinham, nem têm, o direito que se arrogam porquanto esse direito dependeria não de os RR. efectuarem uma exploração deficiente, ou até de nenhuma fazerem como os RR. alegaram, mas de terem cedido a exploração a outrém, por qualquer forma, designadamente por arrendamento, o que os RR. não alegaram, nem sequer ocorreu (cfr. Aragão Seia / Manuel Costa Calvão, Arrendamento Rural ed. Livraria Almedina, 1989, pág. 77: “A exploração directa durante o prazo mínimo de cinco anos (...) não impede que o senhorio possa praticar impunemente actos referidos nas alíneas b), c), d) e f) do artº. 21º a saber: faltar ao cumprimento de obrigações legais com prejuízo para a produtividade, substância ou função económica e social do prédio; utilizar processos de cultura ou culturas comprovadamente depauperantes da potencialidade produtiva dos solos; não velar pela boa conservação dos bens ou causar prejuízos graves, nos que, sendo objecto do contrato, existam no prédio arrendado; não atingir os níveis mínimos de utilização do solo estabelecidos na legislação em vigor. Não há nenhuma sanção para a má exploração directa”).
11ª- A prova produzida em julgamento foi, porém, absolutamente decisiva no sentido de levar à total e irrefragável improcedência da acção por que aí se demonstrou que os Réus nos últimos cinco anos fizeram obras de restauro na casa, plantaram fruteiras e sulfataram e trataram a vinha, colhendo as uvas, para além de fazerem uma horta, aí cultivando e colhendo produtos hortícolas utilizando, pois, além da casa de habitação, 1/3 da área agrícola - o que exclui qualquer hipótese de catalogação do seu comportamento como ausência de “exploração directa por si” a que alude o nº 3 do artº. 20º da Lei.
12ª- Não obstante o exposto, a sentença julgou a acção parcialmente procedente - condenando os RR. a pagarem aos AA. o quíntuplo das rendas relativas ao período que vai de 10/04/2000 a 10/04/2005 - ao arrepio da lei, para o que decidiu as várias questões supra enunciadas do modo seguinte:
a) não havia motivo para declarar extinta a instância nos termos do nº 5 do artº. 35º da LAR porque os RR. não arguiram a competente nulidade, limitando-se a impugnar os factos invocados pelos AA., o que não é exacto (cfr. os artºs. 22º a 25º da contestação);
b) o arrendamento rural transmitiu-se para os AA. nos termos do artº. 23º nº 1 da actual LAR (que ainda nem sequer tinha, então, sido publicada à data dos factos-suporte);
c) os AA. tinham o direito à indemnização peticionada – que podiam pedir independentemente de quererem ou não iniciar um novo contrato de arrendamento (apesar do texto dos nº 4 e 5 do artº. 20º da LAR) – porquanto, tendo os RR. ocupado apenas a casa de habitação e 1/3 da área agrícola da Quinta, “dúvidas não restarão de que desrespeitaram o comando ínsito no citado artº. 20º nº 3 do DL 385/88 de 25 de Outubro, designadamente porque continuaram a explorar apenas uma parte do objecto do arrendamento, deixando o restante por cultivar e amanhar, em conformidade com a exploração agrícola”.
13ª- Tal decisão, porém, é, pelo menos incongruente, pois os RR. não podem ser condenados a pagar aos AA. uma indemnização equivalente às rendas de 5 anos (por sua vez correspondente ao equivalente à não exploração total da Quinta) quando o tribunal deu como provado que exploraram 1/3 da área agrícola e ocuparam a casa de habitação, pelo que a condenação, a existir, só podia reportar-se à renda equivalente à área não explorada.
14ª- Para além disso, mesmo a decisão mitigada referida na conclusão precedente é ilegal e não fundamentada em qualquer jurisprudência, nem na lei, visto que os proprietários, recebida a terra, antes locada, são absolutamente livres, desde que o façam em regime de exploração directa (boa ou má, total ou parcial), de nela praticarem as culturas que entenderem, como entenderem, na extensão que entenderam, pela forma que entenderem, sem qualquer reserva, não sendo obrigados a manterem o tipo de exploração precedente, como por
exemplo o cultivo de cereais que é absolutamente ruinoso, como é geralmente sabido.
15ª- Mas se o tribunal entendesse, mesmo assim, que os RR. deviam em princípio cultivar precisamente os mesmos produtos e pela mesma forma que os AA. cultivavam, como os RR. alegavam que o não faziam por (artº. 26º da contestação) estava por eles invocado caso de força maior impeditivo resultante da manifesta falta de rendimentos agrícolas dessa agricultura tradicional, e como a lei exclui a aplicabilidade do nº 3 do artº. 21º da LAR em “caso de força maior”, forçoso seria ter-se pelo menos formulado, nos termos do artº. 650º nº 2 f) do Código de Processo Civil, quesitos novos inquirindo dessa questão que era relevante, na sequência lógica do raciocínio que a sentença seguiu.
16ª- A sentença recorrida violou manifestamente a lei (cfr. o artº. 20º nºs 1, 3, 4 e 5 da LAR), não podendo manter-se.
Termos em que na procedência do recurso, deve a sentença recorrida ser revogada e a acção ser julgada não provada e improcedente, ou quando assim se não entenda, desde já, deve anular-se para serem formulados quesitos suplementares sobre a matéria da alegada força maior, e novamente se decidir.

Os AA. contra alegaram, pugnando pela improcedência do recurso.

B – Apelação dos AA.:
1- Na acção sumária n.º 1247/03.3TBFAF, que correu termos pelo 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Fafe, os RR. reconhecem – confissão expressa – que até 1997, AA. e RR. tinham todas as suas contas rigorosa e integralmente quites e pagas entre eles – cfr. ponto 64.º da contestação do processo pretérito.
2- É certo que, relativamente às contas de 1998 os RR. não dizem, expressamente, que os AA. tivessem rendas em atraso, porém, atentos ao alegado no ponto 65.º da contestação, conjugado com os arts. 76 e 77.º e, bem assim, com a cláusula terceira do acordo verificamos que os RR. renunciaram ao recebimento de qualquer importância conexa com o ali pedido, mormente, com as rendas.
3- Ora, o vulgar cidadão, o “bonus pater famílias” apercebe e apreende com facilidade que, dos termos do acordo homologado por sentença transitada em julgado, resulta bem claro que a renuncia ao recebimento de qualquer importância conexa com o referido nos arts. 76.º e 77.º da contestação, abrange todas as rendas que, eventualmente, os RR. tivessem direito a exigir dos AA., pois que, se as partes apenas tivessem querido englobar as rendas de 1999 teriam feito constar no acordo apenas que “os RR.renunciavam ao recebimento das importâncias referidas nos arts.76.º e 77.º da contestação”;
4- Prova disso está, desde logo, a posição assumida pelos Apelados, quando foram notificados do despacho com a referência
2798781 para se pronunciaram sobre a excepção de caso julgado quanto ao pedido reconvencional, que defendem, tão só, que in casu não se verifica tal excepção, não diferenciando, porém, o valor das rendas peticionadas relativas aos anos de 1995, 1996,
1997, 1998 e 1999.
5- Pelo exposto, mister é concluir que não andou bem a sentença apelada ao considerar, apenas, procedente a excepção de caso julgado no que se refere à renda relativa ao ano de 1999, em violação do disposto nos arts. 236.º, 238.º, 352.º e 358.º do CC e no art. 498.º do CPC.
Termos em que deve ser revogada a douta sentença apelada, substituindo-se por outra que absolva os AA. da instância reconvencional.

II – Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar;

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelos apelantes, sendo certo que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 660º, nº 2, 664º, 684º, nºs 3 e 4 e 685ºB, todos do CPC.

As questões suscitadas são as que emanam das conclusões supra, a saber sumariamente:
A – Apelação dos RR.:
- nulidade da sentença – artº 668º, nº1, al. c) do CPC;
- inexistência do direito a indemnização pelos arrendatários por denúncia do contrato de arrendamento rural por parte do senhorio;
- caducidade do arrendamento/extinção da instância ;
- anulação parcial do julgamento para ampliação da matéria de facto;
- erro de direito – falta dos pressupostos do direito à indemnização;
B – Apelação dos AA.:
- erro de direito: a excepção de caso julgado invocado abrange também as rendas de 1995 a 1998?


III – Fundamentos;

1. De facto;

A factualidade dada como assente na sentença recorrida é a seguinte:
1. Há cerca de 70 anos que os antecessores dos réus José ... e Margarida ..., declararam, verbalmente, dar de arrendamento aos pais e sogros dos autores, que por sua vez, declaram tomar de arrendamento a “Quinta da Mourisca”, sita do lugar da Mourisca, freguesia de Estorãos, concelho de Fafe, composta de habitação e lavoura.
2. Os autores Albino ... e Deolinda ..., Emília ... e Ermelinda ... ficaram na “Quinta da Mourisca”, até à denúncia do acordo referido em 1), o que aconteceu em 16 de Abril de 2000, porquanto os réus alegaram pretender explorar directamente a “Quinta da Mourisca”, conforme notificação judicial avulsa feita aos autores (cujo documento foi junto e dá-mos por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos).
3. O acordo referido em 1) foi celebrado pelo prazo de 1 ano, com início em 1 de Novembro e sucessivamente prorrogado por períodos iguais de tempo, mediante o pagamento anual de uma renda dos autores aos réus, até ao dia 01 de Novembro de cada ano, em vinho ou cereais, que ultimamente era de metade de vinho, milho, feijão e batatas.
4. Os réus foram notificados por carta registada, com aviso de recepção, datada de 20 de Novembro de 2007, para comparecerem no Cartório Notarial da Drª Maria Cristina Azevedo Pinho de Sousa, sita na Urbanização Montenegro, nºs 90 e 98, Fafe, pelas 10h00, do dia 05 de Dezembro de 2007;
5. Os réus não compareceram no dia e hora referido em 4).
6. Encontra-se junto aos autos documento denominado de Documento de arrendamento ao agricultor autónomo”, onde surgem como primeiros outorgantes os réus e segundos outorgantes os réus, e de onde constam os seguintes dizeres:
“Que celebram entre si o seguinte contrato de arrendamento de agricultor
autónomo:
1- Há cerca de 70 anos, os antepassados dos primeiros outorgantes deram de arrendamento aos pais e sogros dos segundos outorgantes, a sua Quinta, denominada de Quinta da Mourisca”, sita no lugar da Mourisca, freguesia de Estorãos, do concelho Fafe, composta de casa de habitação e lavoura, eira, lagares, dependências agrícolas, logradouro, terras de lavradio e moutados, que por serem bem conhecidos de todos, melhor se não identificam e nem descrevem, não tendo tal contrato porém, sido reduzido a escrito;
2- Que há cerca de quinze anos, os segundos outorgantes sucederam na
posição contratual dos seus progenitores, ficando, assim, conforme usos locais, no exercício dos correspondentes poderes de uso e fruição da Quinta;
3- Tendo o referido contrato sido celebrado pelo prazo de um ano, com início no dia 01 de Novembro, sucessivamente renovável por iguais períodos;
4- Que, pelo presente, reduzem a escrito aquele contrato verbal que teve
o seu início há cerca de 70 anos;
5- A renda, actualmente praticada, é de metade da produção do vinho, milho, feijão e batatas, a pagar no fim do ano agrícola a que disse respeito na referida Quinta da Mourisca;
6- Os segundos outorgantes obrigam-se a cultivar devidamente os prédios, não utilizando processo de cultura depauperantes;
7- Os segundos obrigam-se, findo o prazo, a entregar os prédios devidamente limpos e devolutos de pessoas e coisas;
8- Em tudo o mais aplica-se a este contrato o disposto no Decreto-Lei nº 385/88 de 25 de Outubro.
Fafe, 05 de Dezembro de 2007”
7. O acordo descrito em 1) abrangia a eira, lagares, dependências agrícolas, logradouro, terras de lavradio e montados.
8. Os réus não compareceram no dia e hora referidos em 4) e 5);
9. Nos termos do acordo referido em 1), a renda anual era de metade da produção do vinho, milho, feijão e batatas.
10. As despesas anuais com sulfato, adubos, pesticidas e sementes eram, pelo menos na proporção de metade, por conta dos réus.
11. Os réus entraram na posse da “Quinta” em 10 de Abril de 2000, a partir do que passaram apenas a cultivar vinho e fruteiras no campo junto à casa de habitação, campo este que constitui cerca de 1/3 da totalidade rústica (não habitacional) da “Quinta”.
12. Não continuaram a cultivar nos campos milho, feijão, batatas e erva, não roçaram o mato ou esgalharam a lenha nos prédios incultos, o que aconteceu entre 10.04.2000 e 9.04. 2005.
13. A “Quinta da Mourisca” produzia anualmente vinho, milho, batatas, feijão e centeio.
14. Os réus ocuparam e fizeram obras de restauro na casa de habitação.
15. No âmbito do processo nº 1247/03.3TBFAF, que correu termos pelo 2º Juízo do Tribunal de Fafe, em que eram autores Albino ... e Deolinda ..., os aqui réus afirmaram, na sua contestação, que a “Quinta da Mourisca” era “composta por casa de habitação e de lavoura, com eira, dependências agrícolas, lagares, cortes, logradouros, conjunto de terras de lavradio e moutados” (…) “quinta essa que, por contrato celebrado há cerca de 70 anos os antepossuidores dos RR deram de arrendamento aos pais dos AA”.
“Os AA, há mais de 20 anos sucederam na posição contratual daqueles
progenitores, ficando, assim, conforme os usos locais, no exercício dos
correspondentes poderes de uso e fruição da Quinta”.
*****

2. De direito;

A – Apelação dos RR.:

- Nulidade da sentença;

Nenhum dos recorrentes-RR./AA impugnou a matéria de facto, cingindo-se o seu recurso à matéria de direito.

Insurgem-se, desde logo, os RR. quanto à sentença recorrida com o argumento de que a mesma padece de nulidade porque existe oposição entre os seus fundamentos e a decisão por nela se considerar quem por um lado, os RR. ocuparam e usaram a casa de habitação da Quinta e cultivaram 1/3 da parte rústica e, por outro lado, nela se condenarem os RR. ao pagamento aos AA. de uma indemnização equivalente à renda total que seria devida em 5 anos e não antes que a essa indemnização seja deduzida do que à renda correspondente à casa fosse de considerar e de que ao 1/3 dos prédios efectivamente ocupados fosse atribuído.
As nulidades da decisão previstas no artº. 668 do CPC são deficiências da sentença que não podem confundir-se com o erro de julgamento, o qual se traduz antes numa desconformidade entre a decisão e o direito (substantivo ou adjectivo) aplicável. Nesta última situação, o tribunal fundamenta a decisão, mas decide mal; resolve num certo sentido as questões colocadas porque interpretou e/ou aplicou mal o direito (cfr. Ac. RC de 15.4.08, in www.dgsi.pt).
Como se resumiu no Ac. RL de 10.5.95 (in CJ, 1995, t. 3, pág. 179), “As nulidades da sentença estão limitadas aos casos previstos nas diversas alíneas do nº 1 do art. 668º do C.P.C.. Não se verificando nenhuma das causas previstas naquele número pode haver uma sentença com um ou vários erros de julgamento, mas o que não haverá é nulidade da decisão.”
Assim, a sentença seria nula, além do mais e no que ao caso reverte, se os seus fundamentos estivessem em oposição com a decisão – al. c) do nº1, do artº 668º, do CPC.
Como é bom de ver, tal vício consubstancia-se na existência de uma contradição lógica entre os fundamentos da sentença e a decisão: o julgador segue determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão e, em vez de a tirar, decide noutro sentido, oposto ou divergente.
No caso em apreço, tal não se verifica pelo facto de o tribunal a quo ter considerado que os RR. exploraram 1/3 da parte rústica da Quinta e os condenaram a pagar uma determinada indemnização que teve em conta os rendimentos totais.
Isso pode (ou não) traduzir um erro de julgamento por errónea subsunção dos factos à norma jurídica ou erro na interpretação desta, mas não uma oposição geradora de nulidade da sentença.
Na sentença posta em crise a condenação dos RR. nos termos expostos decorre do entendimento nela expresso na fundamentação e nessa medida não está inquinada do apontado vício de nulidade.

- Caducidade do arrendamento/extinção da instância;
Abordemos agora, por razões de enquadramento sistemático-jurídico, a questão da caducidade do arrendamento/extinção da instância.
Os apelantes/RR. reiteram a argumentação veiculada na contestação de que o arrendamento rural em causa caducou porque os AA. não “sucederam na posição contratual de seus pais e sogros”, por não terem declarado - e agora deveriam ter alegado que declararam, para poderem prová-lo - que haviam exercido o direito à transmissão do arrendamento nos 3 meses seguintes à morte desses pais e sogros (artº. 22º nº 5 da Lei 76/77 de 29/9, então em vigor).
Por outro lado, que ocorre a excepção de extinção da instância: prescrevendo o nº 5 do artº. 35º do Decreto-Lei nº 365/88 que nenhuma acção judicial pode ser recebida ou prosseguir, sob pena de extinção da instância, se não for acompanhada de um exemplar do contrato de arrendamento, a menos que “logo se alegue que a falta é imputável à parte contrária”, o tribunal não podia considerar cumprido esse ónus de alegação apenas porque os AA. declararam que notificaram os RR. para comparecerem no Cartório Notarial de Fafe para subscreverem o contrato, ao que eles, não acederam porque nem os RR. podiam ser forçados a deslocar-se de Guimarães, onde residem, a Fafe, nem o documento carece de intervenção notarial, nem sequer estava esclarecido o clausulado do contrato, que os AA. não propuseram
sequer.
Com o devido respeito, carecem de razão.
Como se salienta na decisão recorrida e nesta parte se transcreve “Nesta matéria prescreve o art. 23º, nº 1, 2, al. b) e 3, do D.L. nº 385/88, de 25 de Outubro, que o arrendamento rural não caduca por morte do arrendatário, transmitindo-se, para além do mais, aos parentes e afins em linha recta, que com o mesmo vivam habitualmente em comunhão de mesa e habitação ou em economia comum há mais de um ano consecutivo, transmissão esta – a favor de parentes em linha recta e afins, que também se verifica por morte do cônjuge sobrevivo quando, nos termos do mesmo preceito, lhe tenha sido transmitido o direito ao arrendamento.
Com efeito, atentando na notificação judicial avulsa que os próprios réus endereçaram a todos os autores, em Maio de 1997, constata-se que reconheceram desde logo a posição destes como arrendatários, nos termos que se transcrevem: “Por contrato verbal celebrado há mais de 70 anos, os antepossuidores dessa Quinta deram-na de arrendamento, aos Pais dos Requeridos Albino, Ermelinda e Emília -, que, por sua vez, a transmitiram há vários anos, mais de 7, para os requeridos – para quem, consequentemente, conforme os usos locais, transferiram os correspondentes poderes de uso e fruição” (cfr. fls. 12, destes autos).
Acresce que, no âmbito do processo nº 1247/03.3TBFAF, que correu termos pelo 2º Juízo do Tribunal de Fafe, em que eram autores Albino ... e Deolinda ..., os aqui réus afirmaram, na sua contestação, que a “Quinta da Mourisca” era “composta por casa de habitação e de lavoura, com eira, dependências agrícolas, lagares, cortes, logradouros, conjunto de terras de lavradio e moutados” (…) “quinta essa que, por contrato celebrado há cerca de 70 anos os antepossuidores dos RR deram de arrendamento aos pais dos AA”.
“Os AA, há mais de 20 anos sucederam na posição contratual daqueles progenitores, ficando, assim, conforme os usos locais, no exercício dos correspondentes poderes de uso e fruição da Quinta”.
Inequívoco se mostra que os ora réus sempre reconheceram os autores como arrendatários da “Quinta da Mourisca”, pelo que a excepção que agora invocam está inelutavelmente votada à improcedência.
É que estas circunstâncias integram a existência de abuso de direito, na vertente de um venire contra factum proprium, em que o titular do direito com o seu exercício excede manifestamente os limites impostos pela boa fé e princípio da confiança”.
Na verdade, é por demais evidente que tal actuação dos RR. se enquadra nos pressupostos legais do instituto de abuso de direito, por exceder manifestamente o princípio da boa fé, já que denota, como sublinha também o tribunal recorrido, uma posição jurídica contraditória com um comportamento anteriormente exercido pelo exercente e que legitima a convicção de que o direito não virá a ser exercido, uma situação objectiva de confiança, o investimento na confiança e a boa fé da contraparte que confiou (obra citada, Jorge Manuel Coutinho de Abreu, Do Abuso de Direito, 1999, Almedina, pag. 55 e ss).
Os réus reconheceram, ao longo do tempo, inclusive quando lhes conveio, para efeitos de denúncia do contrato de arrendamento, todos os autores como arrendatários da “Quinta da Mourisca”, ficando estes imbuídos dessa confiança incutida pelos AA., pondo agora em causa essa sua qualidade, na adopção de um comportamento diametralmente oposto, evidenciando claro desrespeito do princípio da confiança.
A denúncia do contrato de arrendamento levada a cabo pelos RR. pressupôs, por parte destes, a sua existência e validade, designadamente quanto à sua forma e legitimidade dos seus sujeitos passivos.
A verificação do abuso de direito, de acordo com o art. 334º, do Código Civil (adiante CC), tem como efeito prático a ilegitimidade do seu exercício, o que determina, como decidido, in casu, que os réus não possam excepcionar, com procedência, a caducidade do contrato por falta de comunicação ao senhorio do falecimento dos primitivos arrendatários.
Acresce que, não obstante o Mm.º Juiz "a quo" ter analisado e decidido a questão da transmissão do arrendamento em discussão por morte dos primitivos arrendatários à luz do Dec. Lei n.º 385/88, de 25/10, que aprovou a lei de arrendamento rural (LAR), mais concretamente do seu art. 23°, fê-lo tendo em conta o preceituado no seu art. 36°, n.º1, que manda aplicar o regime nele previsto "aos contratos existentes à data da entrada em vigor da presente lei".
Logo, como sublinham os recorridos, perdurando o contrato, pois são os próprios apelantes a reconhecer que os AA./apelados há mais de 20 anos sucederam na posição contratual dos seus progenitores, ficando assim, conforme os usos locais, no exercício dos correspondentes poderes de uso e fruição da Quinta – cfr. fls. 12 dos autos e teor da contestação apresentada pelos ora apelantes no Processo n.º 1247/03.3TBFAF - não podem agora os apelantes arvorar, num autêntico “venire contra factum proprium”, a caducidade do mesmo a pretexto de que a lei aplicável seria (e, como aduzido, não é) a Lei n.º 76/77, de 29.09, e não a LAR então vigente (Dec.Lei nº 385/88).
Aliás, essa caducidade, não podia ser declarada oficiosamente, na medida em que se está perante matéria não excluída da disponibilidade das partes – cfr. artº 303º, do CC, por remissão do nº2, do seu artº 333º.
Por último, quanto à temática da extinção da instância, por falta de um exemplar do contrato de arrendamento, por força do estatuído no artº 35º, nº5, do Dec.Lei nº 385/88, foi decidido em 1ª instância, no sentido de que “os réus não invocaram expressamente esta excepção, limitando-se, na contestação, a impugnar os factos alegados pelos autores e conducentes à demonstração de que tentaram reduzir a escrito o contrato. (…) Impugnaram os factos nessa matéria alegados, aduzindo também que não tomaram conhecimento do documento que, supostamente, constituiria a redução a escrito do contrato e que não lhes podia ser imposta a comparência num quer Cartório Notarial.
Esta mera impugnação de factos, com falta de invocação expressa da excepção a que pretendiam obviar, designadamente peticionando a extinção da instância, impede o tribunal de, a título oficioso, se pronunciar sobre tal questão”.
Logo, consequentemente, não conhecendo o tribunal a quo de tal questão, nem sendo suscitada a nulidade da sentença com base nesse fundamento [artº 668º, nº1, al. d), do CPC], o seu conhecimento em sede de recurso sempre equivaleria a tomar-se posição sobre questão nova, o que é vedado por lei, salvo se imposto por esta ou de conhecimento oficioso – o que não é o caso (trata-se de nulidade atípica e que não é de conhecimento oficioso).
A latere, sempre se dirá que a factualidade provada e constante dos pontos 4, 5 e 6, e o teor dos documentos de fls. 8 e 9 dos autos inculcam a ideia de que os AA. diligenciaram pela redução a escrito do contrato, sendo a sua falta imputável à parte contrária.

- Inexistência do direito a indemnização pelos arrendatários por denúncia do contrato de arrendamento rural por parte do senhorio;
- Erro de direito – falta dos pressupostos do direito à indemnização;

Analisemos agora o cerne da instância recursiva e que se prende com o preenchimento ou não do requisito legal inserto no artº 20º, nº3, do citado Dec.Lei nº 385/88, a saber o relativo à exploração directa do prédio ou prédios arrendados, salvo caso de força maior, pelo senhorio.
Mais concretamente, se se verifica esse pressuposto quando os senhorios, aqui AA., após denúncia do contrato, se limitam a agricultar 1/3 dos prédios arrendados, abandonando a exploração dos restantes 2/3.
Importará assimilar a ratio legis de tal faculdade de denúncia por parte do senhorio.
Nesta vertente, estabelece o artº 18º, nº2, desse diploma, que a denúncia do contrato de arrendamento inclui obrigatoriamente todo o seu objecto.
Por sua vez, o nº 2, do seu artº 20º, consagra que o senhorio que pretenda denunciar o contrato para vir a explorar directamente o prédio ou prédios arrendados deve expressamente indicar aquela finalidade na comunicação de denúncia.
Decorre do exposto que na dialéctica da relação locatícia, no binómio senhorio-arrendatário rural, o legislador deu primazia aos interesses daquele, desde que destine o prédio à exploração directa (o que até se compreende, nomeadamente por ser o seu dono, a maioria das vezes).
Mas faz impender sobre o senhorio denunciante que explore efectivamente o prédio ou prédio arrendados e que o faça directamente.
No caso em análise, embora os apelantes argumentem incisivamente que o citado nº3, do artº 20º apenas exige que o senhorio proceda à exploração directa dos prédios, o que os AA. fizeram, já que não passaram a ser cultivados por terceiros (ainda que se trate de cultivo de 1/3 parte dos prédios), tal previsão normativa (e a dita ratio legis do instituto de denúncia do arrendamento por banda do senhorio) comporta a necessidade de, por um lado, o senhorio explorar, agricultar todo o prédio ou prédios que foram objecto do contrato de arrendamento (vide o assinalado artº 18º, nº2) e, por outro, que o faça directamente.
Tal não contende nem se confunde com a dita má exploração directa (desde que se agricultasse de alguma forma a totalidade dos prédios), relativamente à qual o senhorio não pode ser sancionado.
No caso sub judice, portanto, configura-se uma situação de agricultar parte dos prédios rústicos objecto do contrato de arrendamento, através de abandono do cultivo de 2/3 dos mesmos, sem causa justificativa.
Com efeito, a lei, naquele normativo, excepciona o caso de força maior e os apelantes aludem-no, ao alegarem que deixaram de cultivar tais terrenos por o cultivo de milho e centeio não possibilitar rendimento agrícola (artºs 32º e 33º da contestação e quesito 27º da base instrutória).
Simplesmente não lograram sequer prová-lo, face à resposta negativa ao mencionado quesito 27º da base instrutória.
Em resumo, uma vez que os AA., enquanto senhorios, passaram a agricultar apenas 1/3 dos prédios rústicos arrendados, abandonando o cultivo dos restantes 2/3, sem causa justificativa, não pode aferir-se que exploram directamente os prédios objecto do arrendamento, nos termos prescritos no apontado artº 20º.
Este normativo deve, assim, ser interpretado com o duplo sentido de que o legislador quis, por um lado, ter em conta o facto de a exploração passar a ser feita agora (directamente) pelo senhorio, mas, por outro lado, não quis deixar de ter em conta o pendor de que estava em causa ainda assim a exploração, enquanto aproveitamento agrícola, como um todo, desses terrenos objecto do contrato, ou seja, esta dupla vertente é aquela que salvaguarda e considera o duplo fim económico e social da terra.
Destarte, não procede a argumentação dos apelantes também nesta parte, assistindo aos AA. o direito à indemnização prevista no artº 20º, nºs 4 e 5, da LAR, como decidido em 1ª instância.
Não colhe assim o argumento dos recorrentes de que o quantum indemnizatório a atribuir aos AA. deveria corresponder a 2/3 do valor da indemnização fixado na sentença e à luz do estabelecido no nº5 do supracitado preceito, em virtude de ter ficado demonstrado que os RR. não deixaram de explorar 1/3 da parte rústica, além de terem realizado obras de restauro na casa de habitação.
Como dito ficou, o facto de os AA. não terem agricultado 2/3 dos prédios arrendados, sem causa justificativa, corresponde a uma real não exploração directa dos prédios objecto do arrendamento, sendo que a indemnização contemplada naquele preceito atende “às rendas relativas ao período de tempo em que o arrendatário esteve ausente”, independentemente do destino dado ao prédio ou prédios pelo senhorio.
Atende-se, neste critério indemnizatório/sancionatório (quíntuplo das rendas), a um previsível prejuízo patrimonial que o arrendatário sofreu e não sofreria, caso estivesse presente, isto é, a cultivar e a rentabilizar os terrenos, aproveitando-os economicamente.

- anulação parcial do julgamento para ampliação da matéria de facto;

Resta abordar a questão da ampliação da matéria de facto, com vista à prova de “caso de força maior” a que alude o artº 20º, nº3, da LAR.
Caso de força maior será um facto insuperável e imprevisível, resultante de um facto de terceiro ou de um acontecimento natural, desde que não haja culpa do senhorio[1].
Os apelantes invocam que tal caso de força maior ocorre porque, como alegaram nos artºs 32º e 33º da contestação, deixaram de explorar os ditos 2/3 dos prédios arrendados porque o cultivo do milho e centeio não era rentável agricolamente.
Afigura-se-nos que tal motivo genérico, sem outras considerações fácticas justificativas, não configura um caso de força maior, por não se tratar de fenómeno imprevisível, estranho à actividade agrícola e devido à actuação de terceiro ou a um acontecimento natural.
Todo o circunstancialismo inerente ao cultivo de milho e cereal em tais terrenos, mesmo segundo uma agricultura de moldes tradicionais, não podia deixar de ser conhecido dos senhorios, já que os arrendatários os agricultavam nesses moldes e lhes pagavam a renda com base na produtividade e rentabilidade desses terrenos com tais culturas.
Ademais, sem conceder, ainda assim a apontada matéria fáctica contida nos assinalados artºs 32º e 33º da contestação não deixou de ser levada à base instrutória, no seu artº 27º (Deixaram o cultivo de milho e centeio por falta de rendimento agrícola?), tendo merecido resposta negativa.
Razão pela qual não pode proceder a pretensão de repetir afinal essa factualidade com a formulação de denominados, erradamente, “novos” quesitos.
Soçobra, assim, a apelação dos RR.

B – Apelação dos AA.:
- erro de direito: a excepção de caso julgado invocado abrange também as rendas de 1995 a 1998.

Os recorrentes/AA. contrapõem que deviam ter sido absolvidos do pedido reconvencional com o fundamento de que a excepção de caso julgado devia ter abrangido também o valor das rendas peticionadas relativas aos anos de 1995, 1996, 1997 e 1998, por força do acordo homologado judicialmente na acção sumária n.º 1247/03.3TBFAF, que correu termos pelo 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Fafe – cfr. fls. 177 a 179 e 180 a 188.
Não lhes assiste razão.
Como é manifesto, a relação material objecto dessa transacção judicial reporta-se apenas às rendas do ano de 1999 – o que também é evidenciado no conteúdo dos artºs 76º [cfr. alínea a)] e 77º da contestação nesses autos e se faz referência na cláusula terceira dessa transacção.
E o específico teor desta não tem a virtualidade de fazer presumir ou demonstrar que contém uma renúncia de recebimentos das rendas relativas aos demais anos de 1995 a 1998 por parte dos RR. quando o objecto dessa transacção se refere exclusivamente à renda do ano de 1999 e a alusão ali a “qualquer importância conexa” se reporta à renúncia a outros valores indemnizatórios, que não rendas, alegados pelos RR. [cfr. restantes alíneas b) a f) do artº 76º dessa contestação].
Não procede, portanto, a apelação dos AA..

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Sintetizando:
1. Por força do artº 20º, nº 3º, do Dec.Lei nº 385/88, de 25.10(LAR), no caso de denúncia motivada do arrendamento pelo senhorio, deve o senhorio, por um lado, passar a explorar, agricultar todo o prédio ou prédios que foram objecto do contrato de arrendamento ( e não apenas 1/3 deles) e, por outro, que o faça directamente.
2. A má exploração directa pelo senhorio não se confunde com o abandono e não cultivo de 2/3 dos prédios arrendados, sem causa justificativa.
3. Inexiste essa causa justificativa se os senhorios não provaram sequer que deixaram o cultivo de milho e centeio por falta de rendimento agrícola.

IV – Decisão;

Em face do exposto, acordam os Juizes da 1ª Secção Cível deste Tribunal em julgar improcedentes a apelação dos AA. e dos RR, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pelos apelantes e apelados, na proporção do decaimento.

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Guimarães, 11 de Julho de 2013
António Sobrinho
Isabel Rocha
Moisés Silva
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[1] Neste sentido, J. A. Aragão Seia e M. Costa Galvão, Arrendamento Rural, pág. 77.