Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
472/12.5TBFAF-F.G1
Relator: MARIA CRISTINA VERDEIRA
Descritores: INSOLVÊNCIA
CONTRATO-PROMESSA
CUMPRIMENTO
ÓNUS
CONSUMIDOR
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/25/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I) - O cumprimento, pelo Administrador da Insolvência, de um contrato-promessa celebrado anteriormente à declaração de insolvência (no âmbito do regime previsto nos artºs 102º e seguintes do CIRE), não consubstancia uma venda que se insira na liquidação do activo do devedor, não tendo a virtualidade, em razão da sua realização, de extinguir os direitos reais de garantia que onerem os bens transmitidos com fundamento no disposto no artº. 824º, nº. 2 do Código Civil.
II) - Estando em causa a celebração de contratos com inteira observância do regime jurídico que o direito civil lhe impõe, a venda a realizar com esse fundamento implicará que qualquer ónus ou direito real de garantia que onere o bem objecto do negócio acompanhe esse bem, atento o princípio da “sequela” que norteia os direitos reais, cabendo depois ao adquirente, se o pretender, diligenciar pela extinção do ónus ou da garantia e sub-rogar-se nos direitos do titular da garantia sobre o devedor.
III) - Mesmo defendendo-se a tese de que o cumprimento do contrato-promessa equivaleria a uma venda judicial, feita no âmbito da liquidação da massa insolvente, a mesma não seria de aplicar no caso do promitente-comprador que pagou integralmente o preço estipulado para a aquisição do imóvel, antes da declaração de insolvência, uma vez que não estaria salvaguardada a posição dos credores hipotecários, devendo a transmissão do imóvel objecto desse contrato-promessa operar-se com a oneração da hipoteca.
IV) – Para a verificação do direito de retenção previsto na al. f) do nº. 1 do artº. 755º do Código Civil, exige-se que o detentor no contrato-promessa em causa revista a qualidade de consumidor prevista no artº. 2º, nº. 1 da Lei nº. 24/96 de 31/7.
V) - A uniformização de jurisprudência operada pelo AUJ nº. 4/2004 de 20/03/2014, publicado no D.R. - I Série, nº. 95, de 19/05/2014, reporta-se, exclusivamente, ao promitente-comprador que detenha, simultaneamente, a qualidade de consumidor.
VI) - O conceito de consumidor que o referido AUJ acolheu foi o conceito restrito e funcional, segundo o qual é consumidor a pessoa singular a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados exclusivamente a uso não profissional, por pessoa (singular ou colectiva) que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios.
VII) - Não podem ser tidos por consumidores os promitentes-compradores que, embora sejam pessoas singulares e tenham celebrado os contratos-promessa com uma sociedade actuando no exercício da sua actividade profissional, deram uma das lojas que prometeram comprar de arrendamento a uma instituição bancária, dali recebendo as correspondentes rendas, e na outra loja instalaram, por sua conta, um estabelecimento de pronto a vestir onde eles próprios exploram uma actividade económica, e ainda aqueles que celebraram o contrato-promessa tendo em vista a aquisição de uma loja para a prossecução da sua actividade profissional, tal como veio a suceder, tendo inclusive constituído uma sociedade comercial para o efeito
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
I. RELATÓRIO
Nos presentes autos de reclamação de créditos, que correm por apenso ao processo de insolvência da sociedade Ribeiro, P, Lda., tendo sido a própria que se apresentou à insolvência em 24/02/2012, a qual foi declarada por sentença proferida em 7/03/2012, o Sr. Administrador da Insolvência (doravante AI) apresentou, nos termos do artº. 129º do CIRE, a lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos inserta a fls. 3 a 20, da qual constam como reconhecidos os créditos de 131 credores.
A referida lista apresentada pelo AI foi objecto de impugnações dos seguintes credores:
1. Jorge M e esposa Clara F (fls. 23 a 30) que vieram impugnar o facto do AI não ter cumprido os contratos-promessa de compra e venda de um prédio urbano destinado a loja comercial, com garagem e de uma fracção autónoma e respectiva garagem que celebraram com a insolvente, como se lhe impunha nos termos do artº. 106º do CIRE, porquanto aos mesmos foi atribuída eficácia real e os imóveis foram-lhes entregues, caducando com a venda os ónus e encargos incidentes sobre os prédios, bem como o não reconhecimento do crédito no valor de € 350 000,00 correspondente ao dobro do sinal prestado, dado o incumprimento do contrato ser da culpa da devedora, acrescido de € 9 909,78 referente ao IMT que suportaram e dos juros de mora correspondentes (e não apenas o crédito de € 184 907,78 de capital e € 8 099,18 de juros de mora reconhecido pelo AI), sendo tal crédito garantido por direito de retenção sobre os prédios.
2. António L e esposa Delfina O (fls. 88 a 96) que vieram impugnar o facto do AI não ter cumprido o contrato-promessa de compra e venda de uma fracção autónoma com garagem que celebraram com a insolvente, que lhes entregou o prédio em causa, tendo aqueles pago a totalidade do preço, promessa essa que foi dotada de eficácia real, bem como o não reconhecimento do crédito no valor de € 238 177,85 correspondente ao dobro do sinal prestado, acrescido do IMT despendido e dos juros de mora (e não apenas o crédito de € 123 175,85 reconhecido pelo AI, correspondente ao valor do preço e do IMT que suportaram), sendo tal crédito garantido por direito de retenção sobre o prédio.
3. Caixa E (fls. 101 a 116, tendo a fls. 128 a 130 vindo rectificar a impugnação), alegando, em síntese, que:
- os credores António J, Casimiro M, Friar, Lda., Júlio S, Manuel A e Maria D não reclamaram os seus créditos, pelo que estes, nos termos do artº. 128º, nº. 3 do CIRE, não poderiam ter sido reconhecidos;
- no que diz respeito aos referidos credores e aos credores António L e esposa Delfina O, César A, Joaquim L e esposa Maria M, Jorge M e Ricardo A, os seus créditos também não poderiam ter sido reconhecidos, por não estar demonstrado que ocupassem, como possuidores, os imóveis objecto dos contratos-promessa celebrados, ou que o respectivo gozo lhes tivesse sido transmitido por tradição, para além de não estar demonstrado quais as quantias pecuniárias entregues à insolvente;
- no plano do direito aplicável, nunca poderia ser reconhecido aos credores em apreço o crédito pelo sinal em dobro e que estivessem garantidos por direito de retenção.
A impugnante também pôs em causa o teor da lista de credores, no que diz respeito ao reconhecimento do crédito reclamado pela Fazenda Nacional, baseando-se essencialmente no facto de tal reconhecimento ter sido feito sem discriminação do privilégio atribuído aos créditos reclamados, o que levou, nomeadamente, ao reconhecimento do crédito por IRS como privilegiado a par com o crédito por IMI.
4. Marfafe, Lda. (fls. 260 a 262) que veio impugnar o não reconhecimento do crédito no valor de € 5 773,14, proveniente do fornecimento de granitos à insolvente no exercício da actividade de ambas (e não apenas o crédito de € 2 177,98 reconhecido pelo AI).
5. Sopref, Lda. (fls. 265 a 267) que veio impugnar o não reconhecimento do crédito no valor de € 17 277,10, proveniente do fornecimento de vigas e tijolos à insolvente no exercício da actividade de ambas (e não apenas o crédito de € 338,39 reconhecido pelo AI).
6. César A (fls. 274 a 279) que veio impugnar o facto do AI não ter cumprido o contrato-promessa de compra e venda de um aparcamento que celebrou com a insolvente, que lhe entregou o imóvel em causa, tendo aquele pago a totalidade do preço, promessa essa que foi dotada de eficácia real, bem como o não reconhecimento do crédito no valor de € 22 000,00 correspondente ao dobro do sinal prestado, garantido por direito de retenção (e não apenas o crédito de € 11 000,00 reconhecido pelo AI), por o incumprimento se dever a culpa da devedora.
7. Daniel & F, Lda. (fls. 293 a 300) que veio impugnar o facto do AI não ter cumprido o contrato-promessa de compra e venda de uma fracção autónoma destinada a loja para comércio que celebrou com a insolvente, que lhe entregou o imóvel em causa, tendo a credora pago a totalidade do preço, promessa essa que foi dotada de eficácia real, bem como o não reconhecimento do crédito no valor de € 120 000,00 correspondente ao dobro do sinal prestado, garantido por direito de retenção (e não apenas o crédito de € 60 000,00 reconhecido pelo AI), por o incumprimento se dever a culpa da devedora.
8. Ricardo A (fls. 316 a 323) que veio impugnar o facto do AI não ter cumprido o contrato-promessa de compra e venda de uma fracção autónoma e uma garagem que celebrou com a insolvente, que lhe entregou o imóvel em causa, tendo aquele pago a totalidade do preço, promessa essa que foi dotada de eficácia real, bem como o não reconhecimento do crédito no valor de € 260 000,00 correspondente ao dobro do sinal prestado, garantido por direito de retenção (e não apenas o crédito de € 130 000,00 reconhecido pelo AI), por o incumprimento se dever a culpa da devedora.
9. Cristina E e marido Jorge M (fls. 381 a 402), alegando, em síntese, que:
- a insolvente e a sociedade José G Imobiliária, Lda. celebraram entre si, em 17/05/2004, um contrato-promessa de compra e venda, através do qual a primeira prometeu vender à segunda e esta prometeu comprar, pelo preço de € 135 000,00, um prédio urbano correspondente a uma loja comercial;
- por contrato de cessão da posição contratual celebrado em 17/05/2004, os impugnantes assumiram no dito contrato-promessa a posição da promitente compradora, passando, assim, a ter o direito de aquisição fundado no contrato-promessa inicialmente celebrado;
- o preço acordado, juntamente com o IMT no valor de € 8 775,00, foi integralmente pago pelos impugnantes, a quem o imóvel foi entregue pela insolvente, possuindo-o desde então, sendo que nele foram feitas obras cujo custo, suportado pela sociedade que o ocupa, ascendeu a € 97 200,97 e tendo ainda direito de retenção sobre o mesmo.
Impugnam, ainda, o facto do AI ter reconhecido o seu crédito como crédito comum, estribado no facto do contrato-promessa celebrado não dispor de eficácia real e de não haver acção judicial a reconhecer-lhes o direito de retenção e pugnam pelo cumprimento do contrato-promessa livre de quaisquer ónus ou encargos, ou se assim não se entender, pelo reconhecimento do crédito garantido de € 240 200,97, acrescido de juros compensatórios sobre a quantia de € 8 775,00 calculados desde 17/05/2004.
10. Albano J e esposa Hermínia A (fls. 432 a 445) que vieram impugnar o facto do AI não ter cumprido o contrato-promessa de compra e venda de uma fracção autónoma que celebraram com a insolvente, pelo preço de € 110 000,00, apesar da devedora lhes ter entregue o imóvel em causa e os credores já terem pago a quantia de € 109 928,34, bem como o não reconhecimento do crédito no valor de € 219 856,68, correspondente ao dobro do sinal prestado, garantido por direito de retenção (e não apenas o crédito comum de € 109 928,34 reconhecido pelo AI), por o incumprimento se dever a culpa da devedora e existirem acções judiciais em que pedem o reconhecimento do seu crédito nos termos aqui peticionados.
11. António J, Casimiro M, Friar, Lda., Júlio S, Manuel A e Maria D (fls. 631 a 636), alegando, em síntese, que são todos titulares de créditos provenientes de contratos-promessa com eficácia real, pelo que devem ser qualificados como garantidos sem qualquer condição, devendo o AI proceder à venda dos imóveis em questão, caducando as hipotecas que sobre eles incidem.
12. Joaquim L e esposa Maria M (fls. 762 a 768) que vieram impugnar o facto do AI não ter cumprido os contratos-promessa de compra e venda de três fracções autónomas que celebraram com a insolvente, tendo aqueles já pago a quantia de € 394 720,00 e havido tradição das fracções autónomas, sendo os contratos dotados de eficácia real, bem como o não reconhecimento do crédito no valor de € 598 905,00, correspondente ao dobro do sinal prestado, acrescido de € 31 086,00 referente ao IMT que pagaram, de despesas e juros de mora até integral cumprimento, sendo este crédito garantido pelo direito de retenção de que gozam sobre as fracções autónomas.
Na sequência das impugnações deduzidas, foram apresentadas as respostas a seguir indicadas:
A impugnação da credora Caixa E mereceu a resposta dos credores António J, Casimiro M, Friar, Júlio S, Manuel A e Maria D a fls. 562 a 568; dos credores Jorge M e esposa Clara F a fls. 699 a 706; dos credores Joaquim L e esposa Maria M a fls. 848 a 865 e dos credores António L e esposa Delfina O a fls. 871 a 880.
Em todas as respostas, os credores pugnaram pela improcedência da argumentação expendida pela impugnante no seu articulado e mantiveram a posição vertida nas impugnações que os próprios deduziram.
O Sr. Administrador da Insolvência apresentou a sua resposta às impugnações dos credores António L e esposa Delfina O, Jorge M e esposa Clara F e Caixa E, na qual reitera os argumentos aduzidos nas notas finais da lista de créditos reconhecidos que apresentou nos autos (cfr. fls. 895 a 898), bem como às impugnações dos credores Ricardo A, César A, Daniel & F, Lda., Cristina E e marido Jorge M, Albano J e esposa Hermínia A, na qual pugna pela improcedência das mesmas e pela procedência das impugnações apresentadas por Marfafe, Lda. e Sopref, Lda. (fls. 1055 a 1058).
Quanto às impugnações dos credores Jorge M, António L e esposa Delfina O, Ricardo A e César A referiu que:
- todos estes credores gozam do direito de retenção sobre os imóveis a que se reportam os contratos-promessa por eles celebrados;
- esses contratos, contudo, ainda podem ser cumpridos, pelo que a relação dos créditos correspondentes ocorreu sob a condição da sua recusa por parte dos promitentes-compradores;
- de todo o modo, a indemnização a que os impugnantes têm direito reporta-se ao valor do preço e do IMT pagos e não ao dobro do sinal prestado, pelo facto de a não outorga do contrato definitivo não se dever a culpa da devedora;
- no que diz respeito à impugnação dos credores António L e esposa Delfina O, seria de considerar, ainda, que o sinal por eles prestado ascendeu a € 50 000,00, pelo que seria em torno desse valor que a indemnização correspondente deveria ser apurada.
Quanto à impugnação do credor Caixa E referiu que os créditos que não foram reclamados nos autos mas que foram por si reconhecidos tinham de o ser, por se tratar de factos levados a registo e dos quais tinha conhecimento.
Finalmente, quanto às impugnações dos credores Daniel & F, Lda., Cristina E e marido Jorge M, Albano J e esposa Hermínia A, referiu que estes não têm título que comprove que são titulares do direito de retenção sobre os prédios que pretendem adquirir, nomeadamente uma sentença judicial a reconhecer o incumprimento dos promitentes-compradores e a tradição dos prédios, pelo que teve de reputá-los comuns.
A credora Caixa E respondeu, a fls. 901 a 905, à impugnação do credor Ricardo A, alegando que o contrato-promessa a que este credor alude é nulo, por não cumprir os requisitos previstos no nº. 3 do artº. 410º do Código Civil.
Acrescentou que o impugnante sempre teria de comprovar o pagamento do sinal respeitante ao contrato-promessa em causa, além de que, tal como foi reconhecido pelo Sr. Administrador da Insolvência, nunca teria direito ao sinal em dobro, já que a recusa da celebração do contrato definitivo por este não exprime um incumprimento, mas apenas o uso de uma faculdade legal.
O Ministério Público também respondeu, a fls. 1045 a 1046, às impugnações deduzidas, pugnando pela manutenção dos termos da relação dos créditos fiscais que foi efectuada pelo Sr. Administrador da Insolvência.
A Caixa G apresentou a sua resposta a fls. 1064 a 1073, na qual arguiu a nulidade por falta de notificação do despacho proferido em 28/05/2013 ao seu mandatário.
Quanto às impugnações dos credores César A e Ricardo A referiu que:
- estando em causa contratos-promessa com eficácia real, o AI tem de cumpri-los, pelo que os promitentes-compradores não são titulares de qualquer crédito sobre a insolvente, ou sendo-o, tratar-se-ia de créditos comuns e equivalentes ao valor em singelo do sinal prestado;
- por outro lado, o cumprimento dos contratos-promessa faz-se mediante uma venda que não pode ser entendida como venda judicial, pelo que a sua concretização manteria as hipotecas que oneram os prédios abrangidos pelos contratos celebrados;
- mesmo que se entendesse que se tratava de uma venda judicial, o certo é que daí nunca poderia advir prejuízo para o titular da garantia, pelo que não advindo do cumprimento dos contratos em questão qualquer ganho para a massa insolvente, a venda processar-se-ia sempre com a manutenção das hipotecas existentes.
Quanto às impugnações dos credores Daniel & F, Lda., Cristina E e marido Jorge M, Albano J e esposa Hermínia A referiu que:
- não sendo os respectivos contratos-promessa dotados de eficácia real, o AI é livre de cumpri-los ou não;
- os créditos em causa devem reputar-se, assim, créditos comuns e equivalem ao valor em singelo do sinal prestado, pois que o incumprimento não advirá de culpa da devedora;
- mesmo que se entenda que há culpa, os créditos sempre seriam comuns, pois que o direito de retenção só é reconhecido aos promitentes-compradores que tenham a qualidade de consumidores, o que não é o caso dos credores impugnantes.
Impugnou, ainda, a matéria de facto alegada por estes credores nos seus articulados.
Relativamente à resposta da Caixa G, o credor impugnante César A exerceu o contraditório a fls. 1098 a 1101, invocando que aquela resposta é extemporânea e que a nulidade invocada pela CGD decorrente da falta de notificação do mandatário se mostra sanada.
Ainda quanto à resposta da Caixa G, os credores impugnantes Cristina E e marido Jorge M exerceram o contraditório a fls. 1103 a 1108, pugnando pela improcedência da argumentação expendida pela Caixa G e acrescentando que pretenderam adquirir o imóvel em causa no contrato-promessa que celebraram em proveito pessoal, sendo, assim, consumidores e beneficiando, em razão desse facto, do direito de retenção sobre o mesmo.
Em 8/07/2013 foi proferido despacho que considerou ter havido omissão de um acto processual, porquanto o despacho de fls. 938 só foi notificado à Caixa G e não ao seu mandatário, bem como tempestiva a resposta apresentada, mas entendeu não ser necessário proceder à anulação de qualquer acto, uma vez que a credora veio praticar o acto para o qual fora notificada (fls. 1110 e 1111).
Foi realizada tentativa de conciliação quanto à matéria das impugnações apresentadas, não tendo sido alcançado qualquer entendimento entre os intervenientes processuais (cfr. fls. 1131).
O Sr. Administrador da Insolvência veio a fls. 1179 requerer a rectificação da lista de credores inicialmente apresentada, no sentido do reconhecimento de que os créditos nela elencados sob os nºs 9 a 12, 15, 24, 25, 33, 45, 56, 59, 63, 66, 70 a 72, 79, 80, 85, 87, 88, 103, 108 e 128 – todos eles correspondentes a créditos de natureza laboral – beneficiassem, não apenas do privilégio mobiliário geral, como constava da lista inicialmente apresentada, mas também de privilégio imobiliário geral sobre os imóveis apreendidos para a massa insolvente, pelo facto de se tratar de prédios em cuja construção participaram aqueles credores.
A este requerimento opuseram-se os credores Caixa G (fls. 1312 a 1314) e Caixa E (fls. 1318 a 1324), tendo o mesmo sido indeferido por despacho de fls. 1336 a 1338.
O Sr. Administrador da Insolvência, na sequência de determinação judicial nesse sentido, veio a fls. 1455 a 1457 apresentar um mapa com a discriminação dos valores de IMI reclamados nos autos, relativos a cada um dos imóveis apreendidos para a massa insolvente a que aquele imposto dizia respeito.
A fls. 1483 dos autos veio o AI requerer novamente a rectificação da lista de credores inicialmente apresentada, no sentido do reconhecimento de que os créditos laborais acima identificados são créditos garantidos por privilégio imobiliário especial sobre o imóvel que constitui a verba nº. 21 do auto de apreensão de bens, por se tratar da sede da insolvente e do local onde sempre funcionaram os escritórios daquela sociedade.
Tal pedido, após ter sido objecto de oposição expressa por parte dos credores Cristina E e marido Jorge M e Caixa G, foi indeferido por despacho de fls. 1653 a 1655.
Foi proferido despacho saneador a fls. 1756 a 1773, no qual se decidiu:
A - Julgar verificados os créditos reclamados pelos seguintes credores:

B - Julgar procedentes as impugnações deduzidas pelos credores Marf - M G, Lda. e Sopr, Lda. e, consequentemente, julgar verificados os créditos nos termos que constam de tais impugnações.
C - Julgar a impugnação deduzida pela credora Caixa E:
- parcialmente extinta a respectiva instância por inutilidade superveniente da lide, na parte referente aos termos do relacionamento do crédito por IMI;
- improcedente no que tange aos termos do relacionamento do crédito por IRS.
D - Relegar para a sentença a proferir a final a graduação de todos os créditos, inclusive dos que foram reconhecidos, nos termos do disposto no artº. 136º, nº. 7 do CIRE, por haver créditos reclamados nos autos cuja apreciação carecia de prova.
Quanto aos créditos controvertidos, foi identificado o objecto do litígio, enunciados os temas da prova e designada data para a realização da audiência de julgamento.
A enumeração dos temas da prova sofreu reclamação por parte dos credores Jorge M e esposa, a qual foi desatendida.
Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, com observância do legal formalismo.
Após, foi proferida sentença de verificação e graduação de créditos com a seguinte decisão [transcrição]:
A.
- Na procedência da impugnação do credor Júlio S e na procedência parcial das restantes impugnações, julgar - consequentemente - verificados os créditos não abrangidos pela decisão de fls. 1756 a 1773 nos seguintes termos:
a) o crédito de Jorge M e esposa Clara F ascende a € 350 000,00, acrescido do valor de € 9 907,78 e de juros de mora vincendos, à taxa de 4%, a partir desta sentença; tal crédito, relativamente ao valor de € 190 000,00, goza de direito de retenção sobre a fracção autónoma que constitui a verba nº. 31 do auto de apreensão de bens imóveis; é subordinado relativamente aos juros e, na parte restante, é comum;
b) o crédito de António L e esposa Delfina O ascende a € 230 000,00, acrescido de € 8 177,85 e de juros de mora vincendos, a partir desta sentença; tal crédito é, pelo valor de € 230 000,00, garantido por direito de retenção sobre o imóvel a que se refere o contrato-promessa que celebraram; é subordinado quanto aos juros de mora e comum na parte restante;
c) o crédito de César A ascende a € 22 000,00 e é garantido por direito de retenção sobre o imóvel a que se refere o contrato-promessa que celebrou;
d) o crédito de Ricardo A ascende a € 260 000,00 é garantido por direito de retenção sobre o imóvel a que se refere o contrato-promessa que celebrou;
e) o crédito de Cristina E e marido Jorge M ascende a 135 000,00, acrescido de € 8 775,00 e é comum;
f) o crédito de Daniel & F, Lda. ascende a € 120 000,00 e é comum;
g) o crédito de Albano J e Hermínia A ascende a € 219 856,68 e é garantido por direito de retenção sobre o imóvel a que se refere o contrato-promessa que celebraram;
h) O crédito de António J ascende a € 13 500,00 e é garantido por direito de retenção sobre o imóvel a que se refere o contrato-promessa que celebrou;
i) o crédito de Casimiro M ascende a € 4 000,00 e é garantido por direito de retenção sobre o imóvel a que se refere o contrato-promessa que celebrou;
j) o crédito de Maria D ascende a € 66 100,00 e é comum;
k) o crédito de Friar, Lda, fundado no contrato-promessa que celebrou com a devedora ascende a € 100 000,00 e é comum; reconhece-se, também, como comum, o seu crédito de € 271 974,99, o qual não foi impugnado mas ainda não fora reconhecido na decisão de fls. 1756 a 1773;
l) o crédito de Manuel A ascende a € 10 000,00 e é garantido por direito de retenção sobre o imóvel a que se refere o contrato-promessa que celebrou;
m) o crédito de Joaquim L e esposa Maria M ascende a € 598 905,00, acrescido de € 31 086,00; é subordinado relativamente aos juros de mora e comum na parte restante;
n) o crédito de Júlio S é reconhecido como crédito sob condição da recusa de cumprimento do contrato-promessa por parte do Sr. Administrador da Insolvência; nesse caso, constituirá um crédito pecuniário indemnizatório de € 46 000,00 e será garantido por direito de retenção sobre o imóvel a que se refere o contrato-promessa que celebrou.
B - Graduar todos os créditos verificados nos autos nos seguintes termos:
B.1.
- Pelo produto da venda dos bens móveis apreendidos para a massa insolvente será dado pagamento aos créditos segundo a seguinte ordem de prioridade:
1.º créditos laborais;
2.º crédito da Autoridade Tributária e Aduaneira por IRS e respectivos juros de mora, na parte privilegiada, bem como crédito do Instituto da Segurança Social, IP, na parte privilegiada;
3.º créditos comuns;
4.º créditos subordinados.
B.2.
- Pelo produto da venda dos bens imóveis apreendidos para a massa insolvente será dado pagamento aos créditos verificados nos autos nos termos que se seguem.
- Pelo produto da venda de cada um dos imóveis que constituem as verbas nºs 1, 2, 3 e 4 do auto de apreensão de bens imóveis será dado pagamento de acordo com a seguinte ordem de prioridade:
1.º IMI respeitante a cada um dos prédios, pelo produto da venda do prédio a que respeita;
2.º crédito por IRS e juros de mora, na parte privilegiada, a par do crédito por contribuições, na parte privilegiada;
3.º créditos comuns;
4.º créditos subordinados.
- Pelo produto da venda dos imóveis que constituem as verbas nºs 5, 6, 8, 9, 10, 12, 13, 14, 15, 17, 18, 19, 20, 21 e 22 do auto de apreensão de bens imóveis será dado pagamento de acordo com a seguinte ordem de prioridade:
1.º IMI respeitante a cada um dos prédios, pelo produto da venda do prédio a que respeita;
2.º crédito da Caixa G;
3.º crédito por IRS e juros de mora, na parte privilegiada, a par do crédito por contribuições, na parte privilegiada;
4.º créditos comuns;
5.º créditos subordinados.
- Pelo produto da venda do imóvel que constitui a verba nº. 7 do auto de apreensão de bens imóveis será dado pagamento de acordo com a seguinte ordem de prioridade:
1.º crédito por IMI respeitante ao prédio;
2.º crédito de Manuel A, pelo valor de € 10 000,00;
3.º crédito da Caixa G;
4.º crédito por IRS e juros de mora, na parte privilegiada, a par do crédito por contribuições, na parte privilegiada;
5.º créditos comuns;
6.º créditos subordinados.
- Pelo produto da venda do imóvel que constitui a verba nº. 11 do auto de apreensão de bens imóveis será dado pagamento de acordo com a seguinte ordem de prioridade:
1.º crédito por IMI respeitante ao prédio;
2.º crédito de Casimiro M, pelo valor de € 4 000,00;
3.º crédito da Caixa G;
4.º crédito por IRS e juros de mora, na parte privilegiada, a par do crédito por contribuições, na parte privilegiada;
5.º créditos comuns;
6.º créditos subordinados.
- Pelo produto da venda do imóvel que constitui a verba nº. 16 do auto de apreensão de bens imóveis será dado pagamento de acordo com a seguinte ordem de prioridade:
1.º crédito por IMI respeitante ao prédio;
2.º crédito de César A, pelo valor de € 22 000,00;
3.º crédito da Caixa G;
4.º crédito por IRS e juros de mora, na parte privilegiada, a par do crédito por contribuições, na parte privilegiada;
5.º créditos comuns;
6.º créditos subordinados.
- Pelo produto da venda do imóvel que constitui a verba nº. 23 do auto de apreensão de bens imóveis será dado pagamento de acordo com a seguinte ordem de prioridade:
1.º crédito por IMI respeitante ao prédio;
2.º crédito de Albano J e esposa Hermínia A, pelo valor de € 219 856,68;
3.º crédito da Caixa G;
4.º crédito por IRS e juros de mora, na parte privilegiada, a par do crédito por contribuições, na parte privilegiada;
5.º créditos comuns;
6.º créditos subordinados.
- Pelo produto da venda do imóvel que constitui a verba nº. 24 do auto de apreensão de bens imóveis será dado pagamento de acordo com a seguinte ordem de prioridade:
1.º crédito por IMI respeitante ao prédio;
2.º crédito de António L e esposa Delfina O, pelo valor de € 230 000,00;
3.º crédito da Caixa E, na parte abrangida pela hipoteca;
4.º crédito do Instituto S, IP, na parte abrangida pela hipoteca;
5.º crédito por IRS e juros de mora, na parte privilegiada, a par do crédito por contribuições, na parte privilegiada;
6.º créditos comuns;
7.º créditos subordinados.
- Pelo produto da venda do imóvel que constitui a verba nº. 25 do auto de apreensão de bens imóveis será dado pagamento de acordo com a seguinte ordem de prioridade:
1.º crédito por IMI respeitante ao prédio;
2.º crédito de Ricardo A, pelo valor de € 260 000,00;
3.º crédito da Caixa E, na parte abrangida pela hipoteca;
4.º crédito por IRS e juros de mora, na parte privilegiada, a par do crédito por contribuições, na parte privilegiada;
5.º créditos comuns;
6.º créditos subordinados.
- Pelo produto da venda do imóvel que constitui a verba nº. 26 do auto de apreensão de bens imóveis será dado pagamento de acordo com a seguinte ordem de prioridade:
1.º crédito por IMI respeitante ao prédio;
2.º crédito de António J, pelo valor de € 13 500,00;
3.º crédito da Caixa E, na parte abrangida pela hipoteca;
4.º crédito por IRS e juros de mora, na parte privilegiada, a par do crédito por contribuições, na parte privilegiada;
5.º créditos comuns;
6.º créditos subordinados.
- Pelo produto da venda do imóvel que constitui a verba nº. 27 do auto de apreensão de bens imóveis será dado pagamento de acordo com a seguinte ordem de prioridade:
1.º crédito por IMI respeitante ao prédio;
2.º crédito da Caixa E, na parte abrangida pela hipoteca;
3.º crédito por IRS e juros de mora, na parte privilegiada, a par do crédito por contribuições, na parte privilegiada;
4.º créditos comuns;
5.º créditos subordinados.
- Pelo produto da venda do imóvel que constitui a verba nº. 28 do auto de apreensão de bens imóveis será dado pagamento de acordo com a seguinte ordem de prioridade:
1.º crédito por IMI respeitante ao prédio;
2.º crédito da Caixa E, na parte abrangida pela hipoteca;
3.º crédito do Instituto S, IP, na parte abrangida pela hipoteca;
4.º crédito por IRS e juros de mora, na parte privilegiada, a par do crédito por contribuições, na parte privilegiada;
5.º créditos comuns;
6.º créditos subordinados.
- Pelo produto da venda do imóvel que constitui a verba nº. 29 do auto de apreensão de bens imóveis será dado pagamento de acordo com a seguinte ordem de prioridade:
1.º crédito por IMI respeitante ao prédio;
2.º crédito da Caixa E, na parte abrangida pela hipoteca;
3.º crédito do Instituto S, IP, na parte abrangida pela hipoteca;
4.º crédito por IRS e juros de mora, na parte privilegiada, a par do crédito por contribuições, na parte privilegiada;
5.º créditos comuns;
6.º créditos subordinados.
- Pelo produto da venda do imóvel que constitui a verba nº. 30 do auto de apreensão de bens imóveis será dado pagamento de acordo com a seguinte ordem de prioridade:
1.º crédito por IMI respeitante ao prédio;
2.º crédito de Ricardo A, pelo valor de € 260 000,00;
3.º crédito da Caixa E, na parte abrangida pela hipoteca;
4.º crédito por IRS e juros de mora, na parte privilegiada, a par do crédito por contribuições, na parte privilegiada;
5.º créditos comuns;
6.º créditos subordinados.
- Pelo produto da venda do imóvel que constitui a verba nº. 31 do auto de apreensão de bens imóveis será dado pagamento de acordo com a seguinte ordem de prioridade:
1.º crédito por IMI respeitante ao prédio;
2.º crédito de Jorge M e esposa Clara F, pelo valor de € 190 000,00;
3.º crédito da Caixa E, na parte abrangida pela hipoteca;
4.º crédito por IRS e juros de mora, na parte privilegiada, a par do crédito por contribuições, na parte privilegiada;
5.º créditos comuns;
6.º créditos subordinados.
- Pelo produto da venda do imóvel que constitui a verba nº. 32 do auto de apreensão de bens imóveis será dado pagamento de acordo com a seguinte ordem de prioridade:
1.º crédito por IMI respeitante ao prédio;
2.º crédito de Júlio S;
3.º crédito por IRS e juros de mora, na parte privilegiada, a par do crédito por contribuições, na parte privilegiada;
4.º créditos comuns;
5.º créditos subordinados.
Em ambos os casos – produto da venda dos bens móveis e produto da venda dos bens imóveis – o pagamento das dívidas da massa detém absoluta preferência relativamente a todos e quaisquer créditos.
*
Custas pelos impugnantes Jorge M e esposa Clara F; António L e esposa Delfina O; César A; Ricardo A; Cristina E e marido Jorge M; Daniel & F, Lda.; Albano J e Hermínia A; António J; Casimiro M; Maria D; Friar; Manuel A; Joaquim L e Maria M; Caixa E e Caixa G, na proporção de 1/30 por cada (considerando cada uma das impugnações deduzidas) e pela massa insolvente, na proporção de 15/30.
*
Registe.
Notifique.

Inconformados com tal decisão, os credores impugnantes Maria D e Friar, Lda. dela interpuseram recurso, extraindo das respectivas alegações as seguintes conclusões [transcrição]:
1 - Os créditos dos apelantes, pese embora, com origem em contratos-promessa com eficácia real (alínea F) dos factos provados pontos IV e X), foram qualificados como comuns;
2 - Como resulta dos arts. 102º e seguintes do CIRE, a declaração de insolvência tem efeitos sobre os negócios em curso do insolvente, no entanto relativamente aos contratos-promessa prevê, especificamente, o artº 106º, nº 1 que, no caso de insolvência do promitente vendedor, o administrador da insolvência não pode recusar o cumprimento de contrato-promessa com eficácia real, se já tiver havido tradição da coisa a favor do promitente-comprador.
3 - Assim, se o contrato-promessa for dotado de eficácia real e tiver havido tradição da coisa a favor do promitente-comprador, o administrador da insolvência não pode recusar o cumprimento da promessa (artigo 106º, 1 do CIRE).
4 - Pelo que, o contrato-promessa com eficácia real não é afectado, em circunstância alguma, pela declaração de insolvência. Na verdade, constituindo um direito real de aquisição a favor do beneficiário da promessa, não pode ser afectado pela declaração de insolvência, sendo a impossibilidade de recusa de cumprimento nas promessas com eficácia real a normal consequência da eficácia erga omnes da obrigação.
5 - No entanto, entendeu o Tribunal "a quo" que efectuando-se tais vendas no âmbito do processo de insolvência, já que o Administrador de Insolvência não as fez, tais vendas integram-se na liquidação do activo do devedor, não tendo a virtualidade, em razão da sua realização, de extinguir os direitos reais de garantia que onerem os bens.
6 - Ora, tal entendimento faz letra morta do previsto no art. 106º do CIRE, transferindo para a óptica da realização da venda, administrativa (administração da massa insolvente) ou judicial (liquidação), os efeitos da venda, permitindo que o Administrador de Insolvência contorne uma exigência legal de cumprimentos dos contratos-promessa com eficácia real em que tenha havido tradição da coisa, como se encontra provado nos presentes Autos relativamente aos ora apelantes;
7 - Para o efeito, argumenta o Mmo. Juiz "a quo" que, no presente caso, os imóveis já se encontram na posse do promitentes-compradores, tendo sido pago integralmente o preço ao devedor, antes da declaração de insolvência, o que determina que a formalização do contrato prometido não tenha o correspondente incremento pecuniário da massa, que possa garantir a preferência do pagamento da hipoteca que recai sobre o imóvel. Alcançando o promitente-comprador a tutela do seu direito sem a participação no concurso falimentar, já não pode ser directa a satisfação do direito do credor hipotecário, uma vez que não existe na massa a correspectiva contraprestação.
8 - No entanto, não cremos, ao contrário do decidido na sentença recorrida, que a única solução compaginável com a defesa do crédito hipotecário seja a de admitir o cumprimento do contrato-promessa com a oneração da fracção, conferindo ao promitente-comprador a faculdade de recusar o seu cumprimento e de exercitar os seus direitos na insolvência, reclamando o seu crédito, já reconhecido pelo administrador da insolvência, beneficiando, se for caso disso, do direito de retenção.
9 - Sabemos que o beneficiário da promessa de transmissão que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido goza do direito de retenção sobre essa coisa pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte (artigo 755º, 1, f) do Código Civil). Assim, para além da função de coerção que está na origem do direito de retenção, o retentor tem faculdade de realização pecuniária com pagamento preferencial pelo valor da coisa. E no concurso do direito de retenção com a hipoteca aquele prefere a esta, a significar que o crédito garantido por direito de retenção é graduado antes do crédito hipotecário, ainda que a hipoteca tenha sido registada anteriormente (artigo 759º, 2 do Código Civil).
10 - Desta asserção facilmente intuímos que, a verificar-se o evocado direito de retenção do promissário recorrente, também neste caso o credor hipotecário poderá ver esbatida ou consumida a garantia conferida pela hipoteca, ficando tão desprotegido como se o imóvel tivesse sido transferido livre de ónus e encargos, isto é, num e noutro caso, será tratado como um credor comum, pelo que não se vê o porquê de um tratamento diferente em caso de existência de contrato-promessa com eficácia real, devendo, também aqui e por maioria de argumentos serem os bens transmitidos livres de ónus e encargos.
11 - Face a tudo o que ficou dito, gozando os contratos-promessa de eficácia real devem os mesmos ser cumpridos, por força do estatuído no nº 1 do art. 106º CIRE.
12 - Não importando nesta sede apurar da qualidade de consumidores ou não dos apelantes, porque, repete-se, in casu está-se perante contratos-promessa com eficácia real cujo cumprimento está expressamente previsto na lei e não mediante simples contratos-promessa com eficácia meramente obrigacional, em que aí sim importa indagar da tradição da coisa e da qualidade em que intervêm os promitentes-compradores no contrato-promessa.
13 - Ao decidir como decidiu, fez o Mmo Juiz "a quo" errada interpretação e aplicação, entre outros, do disposto no art. 106º, nº 1 do CIRE.
Termos em que deve a apelação ser julgada procedente e, em consequência, ser revogada a douta sentença apelada, substituindo-se por outra que ordene o cumprimento dos contratos-promessa com eficácia real celebrados pelos apelantes, realizando-se os contratos prometidos e transmitindo-se os bens deles objecto livres de quaisquer ónus ou encargos, com as legais consequências.

Assim decidindo, farão V.Exas, Venerandos Desembargadores, a habitual
JUSTIÇA.

Os credores Caixa E e Caixa G contra-alegaram, pugnando ambos pela improcedência do recurso e consequente manutenção da sentença recorrida.

Também a credora impugnante Daniel & F, Lda., não se conformando com tal decisão, dela interpôs recurso, extraindo das respectivas alegações as seguintes conclusões [transcrição]:
1° - Elaborada pelo Sr. Administrador da Insolvência a lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos, veio a credora Daniel & F, Ldª, ao abrigo do subsequente artigo 130º do CIRE, impugnar o crédito reconhecido e qualificado pelo Sr. Administrador da Insolvência como crédito comum, por considerar, a impugnante, que tendo a posse da fração prometida comprar à insolvente, devia ser-lhe reconhecido o direito de retenção.
2° - Termina no sentido de que, na procedência da impugnação, seja reconhecido, para efeitos de verificação e graduação de créditos, um crédito no valor de 120.000,00€ (Cento e vinte mil euros) e o direito de retenção sobre a fração autónoma que identifica.
3° - Instruída a causa, foi proferida douta sentença de verificação e graduação dos créditos, que procedeu à classificação e graduação dos créditos reclamados e reconhecidos.
4° - No que se refere à credora reclamante Daniel & F, Ldª, temos que a douta sentença aqui posta em crise, embora lhe reconheça um crédito no montante de 120.000,00€ (cento e vinte mil euros), classifica-o como crédito comum, pelas razões que infra se identificarão, mas que a reclamante não aceita.
5° - Portanto, a razão de ser do presente recurso prende-se com o simples facto de não ter sido reconhecido à credora reclamante Daniel & F, Ldª, o alegado direito de retenção.
6° - Assim sendo, o cerne da questão prende-se com a verificação do alegado direito de retenção a favor da credora Daniel & F, Ldª, sendo que se mostram provados todos os factos de que depende esse reconhecimento, mormente no que diz respeito à entrega da fração.

7° - De facto, depois de reconhecer: (i) o crédito da impugnante no valor de 120.000,00€ (Cento e vinte mil euros); (ii) dar como assente que houve tradição da fração prometida vender; e (iii) reconhecer o incumprimento definitivo imputável ao Sr. Administrador; a douta sentença recorrida considera que não se mostram preenchidos todos os requisitos para reconhecer o direito de retenção da impugnante Daniel & Fátima - Tintas e Ferragens, Ldª. uma vez que esta, como promitente compradora, não tem a qualidade de consumidor, por se tratar de uma pessoa coletiva.
8° - Apesar do respeito devido, a recorrente considera que a douta sentença proferida fez errada apreciação e interpretação dos factos e, consequentemente, errada aplicação do direito, violando o disposto nos artigos 754º e 755º do Código Civil.
9° - De facto, salvo melhor opinião, não é pacífico que para beneficiar do direito de retenção, o promitente comprador tenho de assumir a qualidade de consumidor.
10° - De qualquer modo, antes de nos debruçarmos sobre essa concreta questão, é necessário analisar se a impugnante, aqui recorrente, Daniel & F, Ldª. pode ser automaticamente excluída do conceito de consumidor, por se tratar de uma pessoa coletiva.
11° - Em nosso modesto entendimento, diremos que não. Com efeito,
12° - Ao contrário do que vem referido na douta sentença recorrida, os diplomas nela mencionados não fazem qualquer distinção entre "pessoa singular" e "pessoa coletiva" para aferir do conceito de consumidor.
13° - A douta decisão proferida laborou em manifesto erro, uma vez que dos diplomas que refere não resulta que no conceito de "consumidor" apenas entram as "pessoas singulares" ficando de fora as "pessoas coletivas": Neles apenas se faz referência a "todo aquele a quem" e "por uma pessoa" não se referindo expressamente "pessoa singular" por oposição a "pessoa coletiva".
14° - Ao fazer tal distinção sem que a mesma tenha qualquer correspondência verbal com os preceitos dos diplomas citados, a douta decisão recorrida, partiu de um pressuposto errado, o que acarreta a errada decisão tomada no que concerne à impugnante/recorrente Daniel & F, Ldª.
15° - Em conformidade, deve a douta decisão proferida ser revogada por violar de forma clara e inequívoca, além do mais, o disposto no artigo 2° da Lei 24/96 de 31/01 e, por decorrência, o preceituado no artigo 755° n° 1 al. f) do Código Civil.
De qualquer modo, independentemente disso,
a impugnante/recorrente não aceita o entendimento exposto na douta sentença no sentido de que só pode beneficiar do direito de retenção o promitente comprador que tenha a qualidade de consumidor.
16° - No coso em apreço, como se deixou dito, relativamente à impugnante, aqui recorrente Daniel & F, Ldª. resultam verificados todos pressupostos enunciados no artigo 755°, n° 1, alínea f) do Código Civil.
17° - Com efeito, a recorrente Daniel & F, Ldª. é beneficiária de promessa de transmissão sobre uma coisa; obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, exercendo sobre ela um verdadeiro direito de propriedade e agindo como se dona dela fosse, e tem um crédito formado nos termos do artigo 442° do Código Civil resultante do incumprimento do contrato promessa imputável ao promitente transmitente.
18° - Por isso, não obstante o entendimento do S.T.J. acolhido no Acórdão n° 4/2014 de 20/03/2014 (in DR I-S, n° 95, de 19/05/2014), seguimos de perto o entendimento ali manifestado na declaração de voto do M.mº Juiz Conselheiro Abrantes Geraldes, que entre outros Sr.s Juízes Conselheiros que também fizeram declaração de voto, refere o seguinte:
"A minha discordância relativamente ao decidido circunscreve-se apenas à explicitação de que o direito de retenção conferido pelo art. 755°, n° 1, al. f) do CC apenas pode ser invocado no processo de insolvência nos casos em que o promitente-comprador, titular do crédito reclamado, tem a qualidade de consumidor.
Como decorre dos preâmbulos do Dec. Lei n° 236/80 de 18 de Julho, e do Dec. Lei n° 379/86 de 11 de Novembro, o objectivo fundamental das modificações que foram introduzidas no regime do contrato-promessa de compra e venda, designadamente no que se reporta à atribuição do direito de retenção em situações de traditio do bem, foi o de tutelar os interesses dos promitentes-compradores em geral sem que o legislador tenha assumido formalmente a aludida limitação subjectiva. Por isso, não encontro motivos para a sua inscrição num acórdão de uniformização de jurisprudência proferido num processo em que, aliás, nem sequer foi discutida a qualidade em que o reclamante interveio no contrato-promessa de compra e venda.
Por conseguinte, além de sustentar a exclusão dessa limitação da fundamentação do acórdão, considero que a súmula jurisprudencial deveria ser a seguinte:
"No âmbito da graduação de créditos em processo de insolvência, o crédito do promitente-comprador emergente de contrato-promessa, ainda que com eficácia meramente obrigacional, em que tenha havido tradição da coisa, goza do direito de retenção, nos termos previstos no art. 755°, n° 1, al. f) do CC".
19° - Por fim, sem prescindir do que se deixou dito, resta referir que não sofre dúvida que a promitente compradora, Daniel & F, Ldª. é in casu um consumidor no sentido de ser um utilizador final com o significado comum do termo, que utiliza a fração para seu uso próprio.
20° - Com efeito, como vem defendido no Acórdão do STJ de 14-10-2014, disponível em www.dgsi.pt, "É assim a finalidade do acto de consumo que determina, essencialmente, a qualificação do consumidor como sujeito do regime de benefício que aquele diploma instituiu - e ainda os que lhe seguiram na senda da mesma protecção do consumidor, como os decretos-leis nºs 67/2003 de 8/04 e 84/2008 de 21/05, operando a transposição de Directivas da União Europeia."
21° - No caso sub judice, a credora recorrente e promitente compradora alegou e provou a qualidade de consumidor, nomeadamente quando alega e prova que na sequência da entrega da fração passou a usá-la para guardar e armazenar tintas e ferragens, tudo produtos da sua atividade comercial.
22° - Ou seja, dos factos provados não resulta que subjacente ao contrato promessa celebrado com a insolvente esteja uma atividade económica de natureza comercial ou industrial. Trata-se, assim, de uma pessoa que com o negócio realizado, pretendeu obter um benefício de cariz não profissional, pese embora tenha colocado na fração utensílios relacionados com a sua atividade profissional.
23° - Assim, face ao que se deixou alegado, não obstante o contrato promessa relativo à fração autónoma designada pela letra "D", gozar de eficácia meramente obrigacional, tendo havido tradição da coisa, deve ser reconhecido o direito de retenção à credora reclamante Daniel & F, Ldª.
24° - Ao decidir como decidiu, o M.mº Juiz a quo fez errada interpretação e aplicação, entre outros, do disposto no disposto no artigo 2° da Lei 24/96 de 31/01, e artigo 755°, n° 1, alínea f) do Código Civil.
25°- Assim, por decorrência do que ficou dito, sustenta-se, com o devido respeito, que o crédito da reclamante Daniel & F, Ldª. deve ser garantido pelo direito de retenção referido, para ser graduado no lugar que lhe compete, atento o que dispõe o artigo 759°, n° 1 do Código Civil.

Nestes termos, e nos melhores de Direito que mui douta mente serão supridos, deve a sentença ser revogada, e consequentemente a impugnação deduzida pela reclamante Daniel & F, Ldª ser julgada totalmente procedente, reconhecendo-se-lhe o direito de retenção de que beneficia sobre a fração em crise, como crédito privilegiado, para ser graduado no lugar que lhe compete.

A credora Caixa G contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso e manutenção da sentença recorrida.

Inconformados com a referida decisão, também os credores impugnantes Joaquim L e esposa Maria M dela interpuseram recurso, extraindo das respectivas alegações as seguintes conclusões [transcrição]:
1 - Da lista de credores apresentada pelo Sr. Administrador da Insolvência nos termos do disposto no art.º 129.º, n.º 1 do CIRE, inserta a fls. 3 a 20, constam como reconhecidos os créditos da titularidade dos ora apelantes JOAQUIM L e esposa MARIA M, credor n.º 81, como Garantido sob Condição pelo Direito de Retenção, no valor de €394.720,00.
2 - Os créditos dos apelantes, pese embora, com origem em contratos - promessa com eficácia real (alínea G) dos factos provados pontos II, IV e VI), foram considerados pela douta sentença de que se recorre, como subordinados relativamente aos juros de mora e comuns na parte restante, não gozando do direito de retenção.
3 - Nestes termos, constam dos factos provados que os ora apelantes celebraram três contratos-promessa, ao qual lhe conferiram eficácia real, tendo entrado na posse das sobreditas fracções, desde 6 de Abril de 2005, 16 de Abril de 2007 e em 29 de Julho de 2009, respectivamente.
4 - Pagaram integralmente o preço das mesmas tudo num valor total de € 394.220,00 (€324.220,00 + 8.000,00 + 62.500,00), e ainda despenderam os apelantes, a título de IMT tendo como facto tributário a celebração dos acordos referidos em I a VI e a tradição dos imóveis neles contemplados, a quantia de € 31.086,00.
5 - Os contratos-promessa celebrados são dotados de eficácia real e houve tradição das fracções autónomas, sendo os apelantes, desde então, possuidores das mesmas.
6 - Como resulta dos arts. 102º e seguintes do CIRE, a declaração de insolvência tem efeitos sobre os negócios em curso do insolvente, no entanto relativamente aos contratos-promessa prevê, especificamente, o artº 106º, nº 1 que, no caso de insolvência do promitente vendedor, o administrador da insolvência não pode recusar o cumprimento de contrato-promessa com eficácia real, se já tiver havido tradição da coisa a favor do promitente-comprador.
7 - Assim, se o contrato-promessa for dotado de eficácia real e tiver havido tradição da coisa a favor do promitente-comprador, o administrador da insolvência não pode recusar o cumprimento da promessa (artigo 106º, 1, do CIRE).
8 - Pelo que, o contrato-promessa com eficácia real não é afectado, em circunstância alguma, pela declaração de insolvência. Na verdade, constituindo um direito real de aquisição a favor do beneficiário da promessa, não pode ser afectado pela declaração de insolvência, sendo a impossibilidade de recusa de cumprimento nas promessas com eficácia real a normal consequência da eficácia erga omnes da obrigação.
9 - No entanto, entendeu o Tribunal "a quo" que efectuando-se tais vendas no âmbito do processo de insolvência, já que o Administrador de Insolvência não as fez, tais vendas integram-se na liquidação do activo do devedor, não tendo a virtualidade, em razão da sua realização, de extinguir os direitos reais de garantia que onerem os bens.
10 - Ora, tal entendimento faz letra morta do previsto no art. 106º do CIRE, transferindo para a óptica da realização da venda, administrativa (administração da massa insolvente) ou judicial (liquidação), os efeitos da venda, permitindo que o Administrador de Insolvência contorne uma exigência legal de cumprimentos dos contratos-promessa com eficácia real em que tenha havido tradição da coisa, como se encontra provado nos presentes Autos relativamente aos ora apelantes;
11 - Para o efeito, argumenta o Mmo. Juiz "a quo" que, no presente caso, os imóveis já se encontram na posse do promitentes-compradores, tendo sido pago integralmente o preço ao devedor, antes da declaração de insolvência, o que determina que a formalização do contrato prometido não tenha o correspondente incremento pecuniário da massa, que possa garantir a preferência do pagamento da hipoteca que recai sobre o imóvel. Alcançando o promitente-comprador a tutela do seu direito sem a participação no concurso falimentar, já não pode ser directa a satisfação do direito do credor hipotecário, uma vez que não existe na massa a correspectiva contraprestação.
12 - No entanto, não cremos, ao contrário do decidido na sentença recorrida, que a única solução compaginável com a defesa do crédito hipotecário seja a de admitir o cumprimento do contrato-promessa com a oneração da fracção, conferindo ao promitente-comprador a faculdade de recusar o seu cumprimento e de exercitar os seus direitos na insolvência, reclamando o seu crédito, já reconhecido pelo administrador da insolvência, beneficiando, se for caso disso, do direito de retenção.
13 - Sabemos que o beneficiário da promessa de transmissão que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido goza do direito de retenção sobre essa coisa pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte (artigo 755º, 1, f) do Código Civil). Assim, para além da função de coerção que está na origem do direito de retenção, o retentor tem faculdade de realização pecuniária com pagamento preferencial pelo valor da coisa. E no concurso do direito de retenção com a hipoteca aquele prefere a esta, a significar que o crédito garantido por direito de retenção é graduado antes do crédito hipotecário, ainda que a hipoteca tenha sido registada anteriormente (artigo 759º, 2 do Código Civil).
14 - Desta asserção facilmente intuímos que, a verificar-se o evocado direito de retenção do promissário recorrente, também neste caso o credor hipotecário poderá ver esbatida ou consumida a garantia conferida pela hipoteca, ficando tão desprotegido como se o imóvel tivesse sido transferido livre de ónus e encargos, isto é, num e noutro caso, será tratado como um credor comum, pelo que não se vê o porquê de um tratamento diferente em caso de existência de contrato promessa com eficácia real, devendo, também aqui e por maioria de argumentos serem os bens transmitidos livres de ónus e encargos.
15 - Face a tudo o que ficou dito, gozando os contratos-promessa de eficácia real devem os mesmos ser cumpridos, por força do estatuído no nº 1 do art. 106º CIRE.
16 - Não importando nesta sede apurar da qualidade de consumidores ou não dos apelantes, porque, repete-se, in casu está-se perante contratos-promessa com eficácia real cujo cumprimento está expressamente previsto na lei e não mediante simples contratos-promessa com eficácia meramente obrigacional, em que aí sim importa indagar da tradição da coisa e da qualidade em que intervêm os promitentes - compradores no contrato-promessa.
17 - Sem prescindir, com o devido respeito, não foi esse o entendimento do Meritíssimo Juiz "a quo", e tratou de forma igual os contratos com eficácia meramente obrigacional e os contractos com eficácia real, aplicando o acórdão uniformizador, a todos, incluindo, aos contratos com eficácia real, para aferir do direito de retenção de cada um dos credores, incluindo dos ora apelantes, indo ainda mais longe na interpretação estrita do próprio acórdão uniformizador e qualificando os credores como consumidores ou não consumidores, considerando que em relação aos ora apelantes, estavam preenchidos 3 dos 4 requisitos, para que estes gozam de direito de retenção, porém, considerou não estar preenchido o ultimo requisito, ou seja a sua qualidade de consumidor.
18 - Com o devido respeito, (e ainda que não concordemos como atrás referimos com a aplicação do acórdão uniformizador, para situação em que esta em causa uma vez, que salvo melhor opinião, não tem aplicação aos contratos-promessa dotados de eficácia real), não podem concordar os ora apelantes com tal qualificação, de terem sido considerados não consumidores.
19 - E vejamos neste sentido o Acórdão proferido pelo STJ no processo n.º 1092/10.0TBLSO-G.P1.S1 de 29/05/2014 e disponível para consulta em www.dgsi.pt., pelo que deste texto, conjugado com o que vimos referindo em abstrato, cremos poder concluir que do conceito de "consumidor" inserto no texto da uniformização só está excluído aquele que adquire o bem no exercício da sua actividade profissional de comerciante de imóveis.
20 - Podendo até estender-se o conceito às pessoas coletivas, se provarem que não dispõem nem deveriam dispor de competência específica para a transação em causa e desde que a solução se mostre de acordo com a equidade e às pessoas singulares que atuem na prossecução de fins que pertençam ao âmbito da sua atividade profissional, se provarem o que acaba de ser referido relativamente às pessoas coletivas.
21 - Ora, a terminologia "consumidor", foi amplamente debatida incluindo a sua inclusão ou não no acórdão uniformizador, porém ainda com votos de vencido, acabou por ser introduzido, porém tendo o único e principal objectivo, a exclusão daqueles que utilizam o objecto a que se refere o contrato prometido, a sua actividade profissional, o que in casu teria que ser obrigatoriamente a compra e venda de imoveis."
22 - Sendo assim, não releva no sentido da exclusão, supra exposta, as fracções prometidas objectos dos contratos de promessa dos ora apelantes, por um lado porque estes exercem a actividade de comerciantes têxteis, como ficou demonstrado nos factos provados: (Pág. 98 da sentença proferida que se presume que por lapso não foi indicada a letra G (Alínea G), relativamente quanto à fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, dos factos respeitantes à reclamação dos credores ora apelantes).
23 - E ainda através dos depoimentos das seguintes testemunhas: "O depoente João A referiu que do que se trata aqui é de duas lojas, uma delas com garagem. Uma das lojas foi ocupada pelo Finibanco, atualmente Montepio, no âmbito de um contrato de arrendamento no qual figurava como senhorio o impugnante. A outra loja, tinha "roupa de criança, da fábrica dele". As lojas foram integralmente pagas em dinheiro e entregues ao impugnante, que as explora, sendo que as lojas foram entregues "em grosso", sendo o impugnante a providenciar pela sua conclusão. (sublinhado e negrito nosso)"
"A testemunha Nuno Óscar Peixoto corroborou, no essencial, o depoimento do legal representante da devedora, acrescentando que foi quem recebeu o dinheiro entregue para pagamento da "loja pequena". Por outro lado, porque nunca exerceram a actividade de compra e venda de imóveis.
24 - Havendo, então, que seguir a orientação favorável ao direito de retenção constante da mesma uniformização, em relação aos aqui apelantes, uma vez que estes não exercem nem nunca exerceram a actividade profissional de compra e venda de imóveis, mas sim a actividade de produção e venda de produtos têxteis, aliás como todas as outras testemunhas tiveram igualmente oportunidade de referir nos seus depoimentos, e tomadas em consideração pelo Meritíssimo Juiz "a quo".
25 - O traço distintivo do conceito reside, assim, como também se disse, na "finalidade do acto de consumo", que no caso dos ora apelantes foi tão somente a compra de duas lojas, em seu nome pessoal, e não em nome de nenhuma empresa ou pessoa colectiva, para aumentar o seu património pessoal e familiar, nunca para que posteriormente as pretendessem revender.
26 - Pelo que, e ainda na falta de qualquer referência literal, no artigo n.º 755 n.º 1 f), mencionando este requisito, há muito que se vem defendendo que o direito de retenção, apenas se pode atribuir ao promitente-comprador que seja consumidor no contrato de que resulta o crédito garantido pelo direito de retenção.
27 - Tal deriva de uma interpretação restritiva daquele dispositivo, por ter sido a protecção dos promitentes-compradores que sejam consumidores que motivou o legislador ao introduzir aquele direito, tal como se pode ver do relatório do Decreto-Lei nº 379/86 de 11/11, nomeadamente do seu ponto 4 onde consta "Neste conflito de interesses, afigura-se razoável atribuir a prioridade à tutela dos particulares. Vem na lógica da defesa do consumidor.
28 - Pelo que os ora apelantes, assumem e continuam a assumir a qualidade de consumidores no contrato, ao qual resulta o crédito garantido pelo direito de retenção, tendo ainda demonstrado, como se supra mencionou e ficado provado e não posta em crise pelo Meritíssimo juiz "a quo", essa mesma qualidade, nos termos do art. 342º, nº 1 do Cód. Civil, mas sim tão somente, fundamentando a sua não qualidade de consumidor, pela natureza e o fim a que se destinavam as fracções, tal como supra se mencionou.
29 - O Meritíssimo Juiz "a quo", considerou não só em relação aos ora apelantes mas em relação a todos os outros promitentes compradores de lojas que todos eles não são consumidores, e como tal não cumprem o quarto e último requisito, para que possam gozar de direito de retenção.
30 - Ao assim fazer, reduz o carácter distintivo e classificativo do próprio normativo, não à sua qualidade subjectiva, de saber se o promitente-comprador tem ou não características de consumidor, mas sim ao carácter objectivo da própria natureza ou fim a que se destina a fracção prometida comprar, desvirtuando por completo, o sentido estrito e o sentido lato do conceito de consumidor.
31 - Pelo que, com o devido respeito, considerando a interpretação errada do Meritíssimo Juiz "a quo", a problemática, não estaria na qualidade ou característica do próprio promitente-comprador em si, mas sim na natureza da fracção.
32 - Pelo que, não cremos, não acreditamos e não podemos aceitar esta interpretação e a consequente qualificação de não consumidores, aos ora apelantes.
Originado assim, e seguindo do raciocínio do Meritíssimo Juiz "a quo", a perda do direito de retenção, aos ora apelantes e todos os promitentes-compradores de fracções destinadas ao comércio.
33 - Aliás e corroborando com o raciocínio supra exposto, em contraponto, mais uma vez o Meritíssimo Juiz "a quo", decidiu que em relação aos restantes credores, que todos aqueles que adquiriram apartamentos ou garagens (fracções não aptas aos serviços ou comércio), revestem por seu lado a qualidade de consumidores, mesmo que os arrendam a terceiros.
34 - Apraz-nos dizer que não entendemos quais as qualidades que os credores acima citados a título de exemplo, têm que os ora apelantes não reúnem, se não vejamos:
Num dos casos, os ora apelantes, são pessoas singulares, prometeram comprar uma fracção autónoma (alínea G Ponto II, dos factos provados), arrendaram a um terceiro (uma instituição bancaria), esse facto revela que os mesmos pretenderam gerar um rendimento acrescido para o seu património decorrente da aquisição da fracção autónoma, nunca deram nenhum uso de natureza profissional à fracção supra referida, pelo que o dar de arrendamento um imóvel para instalação de uma agência bancária, não encerra em si o exercício de uma qualquer actividade económica, mas apenas um ato de investimento.
35 - Relativamente à fracção "AL" garagem sob o n.º 85, inscrita na matriz sob o número 6342-AI, objecto do contrato-promessa com eficácia real, dos factos provados, alínea G, ponto IV, não se pronunciou, quando ficou demonstrado em sede de audiência de discussão e julgamento que era utilizada por um cunhado dos ora apelantes, para guardar a sua viatura.
36 - Para terminar, e ainda sem prescindir do que acima se expôs e concluiu, ainda que o entendimento e a interpretação do Meritíssimo juiz "a quo", relativamente ao conceito de consumidor, incluído no acórdão uniformizador, supra referenciado, fosse no sentido de os apelantes, terem adquirido a fracção para seu uso profissional ou para satisfação de uma necessidade profissional ou da sua empresa, deveria, salvo melhor opinião, ter feito a distinção das três fracções prometidas comprar pelos apelantes e sub-judice.
37 - Se não vejamos, uma delas (Alínea G - Ponto II dos factos provados), os apelantes deram de arrendamento a uma instituição bancária, em regime de locação, a segunda (Alínea G - Ponto IV dos factos provados), é uma garagem e não constante desse contrato de arrendamento, figura igualmente como fracção autónoma e sempre foi utilizada para a guarda de veículos do próprio apelante ou do seu cunhado. E só por último, a fracção referente à loja n.º 58 (Alínea G - Ponto VI dos factos provados) é que essa sim foi adquirida para que os apelantes instalassem, como instalaram, uma loja de roupa de criança, para vender artigos da sua fábrica, ainda que actualmente a mesma se encontre encerrada, tendo os apelantes apenas a actividade de produção têxtil não tendo nenhum ponto de venda de roupa ao público.
38 - Nestes termos e sem prescindir, das presentes conclusões vertida no ponto 15 e 16, e no caso de assim não se entender, deve a presente apelação ser julgada procedente e, em consequência, ser revogada a douta sentença apelada, substituindo-se por outra, que reconheça os ora apelantes a sua qualidade de consumidores, e consequentemente adquirindo o direito de retenção sobre as referidas fracções, constantes dos factos provados (alínea G, Ponto II, IV e VI) de acordo com o acórdão uniformizador de jurisprudência e em consequência sejam graduados os seus créditos como garantidos gozando do direito de retenção, conferindo-lhes assim o direito de serem pagos com preferência pelo produto da venda da coisa sobre o que incide, pelo crédito referido no artigo 442.º do C. Civil, correspondente, in casu ao valor do sinal prestado em dobro, sendo o seu crédito como garantido por direito de retenção sobre os imóveis a que se referem os contratos-promessa que celebraram.
39 - Finalmente, quanto aos reclamantes Joaquim L e esposa Maria M, provou-se que estes, no âmbito dos contratos-promessa que celebraram, entregaram à promitente-vendedora o preço acordado para a venda das frações neles pressupostas, isto é, as quantias pecuniárias de € 8.000,00, € 62.500,00 e € 324.220,00. Assim, tratando-se de sinal prestado, têm os reclamantes, nos termos do disposto no art.º 442.º, n.º 2 do Código Civil, direito a uma indemnização correspondente ao dobro das quantias entregues, in casu limitada à quantia de € 598.905,00, que foi o peticionado pelos mesmos. A tal quantia acrescerá o valor do IMT que despenderam - € 31.086,00 - e os juros de mora, também a partir desta sentença, pelos fundamentos já acima invocados.
40 - Ao decidir como decidiu, fez o Mmo Juiz "a quo" errada interpretação e aplicação, entre outros, do disposto no art. 106º, nº 1 do CIRE, do artigo 755.º n.º 1 alínea f) do Código Civil, do acórdão uniformizador de jurisprudência Acórdão Uniformizador n.º 4/2014 de 20/03/2014, publicado no Diário da República, 1.ª Série, de 19/05/2014, e do conceito de consumidor, na sua aplicação ao supra citado acórdão.

Nestes termos, e nos melhores de Direito que mui doutamente serão supridos, deve a sentença ser revogada, e consequentemente a impugnação deduzida pelos reclamantes JOAQUIM L e esposa MARIA M, ser julgada totalmente procedente, reconhecendo-se-lhe o direito de retenção de que beneficia sobre as fracções em crise, sendo o seu crédito graduado no lugar que lhe compete.

Assim decidindo, farão V.Exas, Venerandos
Desembargadores, a habitual
JUSTIÇA.

Também quanto a este recurso, a credora Caixa Geral de Depósitos contra-alegou, pugnando pela improcedência do mesmo e manutenção da sentença recorrida.

Por sua vez, os credores impugnantes António L e esposa Delfina O, também não se conformaram com a decisão supra referida e dela interpuseram recurso, extraindo das respectivas alegações as seguintes conclusões (após convite ao aperfeiçoamento), que passamos a transcrever:
1. Em sede de impugnação da lista de créditos reconhecidos, os aqui apelantes pugnaram pelo cumprimento do contrato-promessa de compra e venda que celebraram com a insolvente, com a consequente extinção da hipoteca que impede sobre o imóvel.
2. Porém, o Meritíssimo Juiz a quo veio reconhecer aos recorrentes um crédito, no valor de € 238.177,85, correspondente ao montante do sinal em dobro, acrescido do valor do IMT pago, garantido por direito de retenção sobre o imóvel objecto do contrato-promessa, e graduado antes do crédito hipotecário.
3. Consideram os recorrentes que andou mal o Douto Tribunal de Primeira Instância, pois deveria ter ordenado o cumprimento pontual do contrato-promessa celebrado entre os recorrentes e a Insolvente, determinando, em consequência, a venda do imóvel, livre de quaisquer ónus ou encargos,
4. Nos termos e em cumprimento do disposto no artigo 106.º, n.º 1, do CIRE, aqui aplicável, na medida em que o contrato-promessa foi dotado de eficácia real e que houve tradição da coisa a favor dos promitentes-compradores, aqui recorrentes.
5. Com efeito, tendo o M.º Juiz dado como provado, e bem, que o contrato-promessa de compra e venda realizado com a Insolvente possui eficácia real (Alínea B - Factos I, II, e III, dos Factos Provados),
6. E que houve tradição do imóvel (Alínea - Facto V, dos Factos Provados), tal como exigido no supra citado preceito legal, deveria ter determinado o cumprimento do contrato prometido.
7. Sendo certo que ficou também provado que os recorrentes cumpriram a sua contra-prestação, pagando integralmente o preço do imóvel - (Alínea B - Facto VI, dos Factos Provados).
8. Assim sendo, não poderia o douto Tribunal ter reconhecido aos recorrentes um crédito embora garantido por direito de retenção, mesmo que graduado antes do credor hipotecário.
9. Por outro lado, o contrato-promessa de compra e venda celebrado entre os recorrentes e a Insolvente deverá ser cumprido nos seus exactos termos, ou seja, livre de qualquer ónus e encargos.
10. Conforme consta expressamente do contrato-promessa celebrado entre recorrentes e Insolvente a prometida venda deve ser “livre de quaisquer ónus ou encargos”, tal como, aliás, ficou provado - (Alínea B - Facto I, dos Factos Provados), pelo que só existirá cumprimento do contrato nestes precisos termos, e não noutros, só assim ocorrerá cumprimento sério, pontual e integral do contrato.
11. Porquanto, consideram os recorrentes que a venda realizada nestas circunstâncias reveste a forma de “venda judicial”, uma vez que constitui uma verdadeira venda em sede de liquidação do activo da Insolvente.
12. Nesta conformidade, as hipotecas que afectam os imóveis prometidos vender caducam com a venda, nos termos do disposto no artigo 824.º, do Código Civil,
13. Não sendo até necessário proceder à sua expurgação (artigo 721.º do Código Civil), na medida em que não acompanham os imóveis sobre que recaiam após a sua venda aos promitentes compradores.
14. Sendo a Insolvência uma verdadeira acção executiva, embora com características especiais, uma vez que a sua finalidade última é a satisfação dos direitos de todos os credores, não se vislumbra razão para que não lhe seja aplicável o regime geral da venda em sede de processo executivo, previsto no artigo 824.º do Código Civil,
15. Caducando, em consequência, automaticamente, os direitos reais de garantia que oneram o imóvel, neste caso a hipoteca do credor hipotecário, devendo o crédito deste ser satisfeito através do produto da venda.
16. A venda com libertação das garantias incidentes sobre o bem vendido constitui a melhor forma de assegurar a protecção dos credores reclamantes com contratos-promessa com eficácia real e tradição do imóvel, mormente dos aqui recorrentes, até porque são a parte mais débil nesta situação.
17. Na sua decisão, o M.º Juiz de primeira instância não considerou viável enveredar pela tese da venda livre de hipoteca, por considerar que, neste caso concreto, em que os promitentes compradores já pagaram a totalidade do preço, os credores hipotecários ficariam desfavorecidos por não verem assegurada a sua contraprestação através do produto da venda.
18. Ora, bem vistas as coisas, prevalecendo o direito de retenção dos promitentes-compradores sobre a hipoteca (artigo 759.º, n.º 2 do Código Civil), atendendo à posição defendida na sentença recorrida, na prática, o credor hipotecário poderá vir a nunca receber qualquer quantia se o detentor do imóvel nunca chegar a receber o seu crédito, exactamente tal como aconteceria se o imóvel fosse vendido livre de ónus ou encargos, ficando na mesma “desfavorecido”.
19. Porquanto, fazendo uma ponderação dos interesses em causa, atendendo ao principio da equidade e à parte mais débil neste tipo de negócios, deveria o M.º Juiz a quo ter tido maior sensibilidade e, em consequência, deveria ter optado por proteger os promitentes-compradores, estes sim verdadeiros “desfavorecidos”, face às instituições bancárias.
20. A confirmar-se a decisão de primeira instância, os recorrentes, ficam sem dinheiro, e sem o imóvel, pese embora possam continuar na posse (precária) do imóvel, mas a verdade é que não podem dele dispor, nem transmiti-lo por morte aos seus descendentes, etc., o que é pouco para quem, como é o caso dos recorrentes, investiu no imóvel as poupanças de uma vida de trabalho…
21. A douta sentença recorrida violou o consagrado nos artigos 106.º, n.º 1 do CIRE e 824.º do Código Civil.
22. Caso assim, se não entenda, deverá manter-se tudo o decidido quanto aos recorrentes pelo M.º Juiz a quo.

A credora Caixa E contra-alegou pugnando pela improcedência do recurso e manutenção da sentença recorrida, por consubstanciar uma solução que consagra a justa e rigorosa interpretação e aplicação das normas e princípios jurídicos competentes ao caso em apreço.

Inconformados com a aludida decisão, também os credores impugnantes Jorge M e esposa Clara F dela interpuseram recurso, extraindo das respectivas alegações as seguintes conclusões [transcrição]:
A) Entre a firma "Ribeiro, P, L.da e os Recorrentes foi celebrado um contrato-promessa de compra e venda de imóvel, em 16 de Junho de 2006, pelo preço de 125.000,00 €, do seguinte prédio urbano: Uma loja comercial destinada a comércio, restauração e bebidas, sita ao nível do rés-do-chão, do lado direito da entrada C, com a área de 140,00 m2, e respectiva garagem com o n.º 26, situada na cave, imediatamente por baixo da referida loja, que faz parte integrante de um prédio urbano situado na Rua Tenente Coronel Melo Antunes, na cidade de Fafe, denominado Edifícios "Montelongo", descrito na C.R. Predial de Fafe sob o n.º 3521 e inscrito na matriz urbana sob o n.º 1232, a que corresponde actualmente a fracção "F", encontrando-se inscrita na matriz urbana de Fafe sob o artigo 675S-F;
B) Em 16 de Janeiro de 2007 entre as partes foi celebrado novo contrato promessa de compra e venda, pelo preço de 95.000,00 €, do seguinte prédio urbano: um apartamento T2 no 1.º posterior direito, entrada C, e respectiva garagem com o n.º 25, situada na cave, que faz parte integrante de um prédio urbano situado na Rua Tenente Coronel Melo Antunes, na cidade de Fafe, denominado Edifícios "Montelongo", descrito na C.R. Predial de Fafe sob o n.º 3521 e inscrito na matriz urbana sob o n.º 1232, a que correspondente a fracção "R", encontrando-se inscrita na matriz urbana de Fafe sob o artigo 6758-R;
C) Os Recorrentes pagaram a quantia de 80.000,00 € respeitante à fracção "F" e 95.000,00 €, respeitante à fracção "R", sendo que neste caso, parte foi em permuta por um apartamento que possuíam.
D) Os Recorrentes foram investidos na posse das referidas fracções em Julho de 2007, tendo havido tradição dos bens e os contratos promessa de compra e venda têm eficácia real, conforme resulta das escrituras e do registo predial.
E) Tendo os Recorrentes pago, inclusive, a título de Imposto Municipal de Transmissões Onerosas (IMT) a quantia de 9.907,78 €.
F) Os Recorrentes por diversas vezes interpelaram a promitente-vendedora para que realizasse as escrituras, o que efectuou até por notificação judicial avulsa, não sendo as escrituras de compra e venda celebradas porquanto a Insolvente não se munia dos competentes distrates das hipotecas, sendo única e exclusiva culpada pelo não cumprimento integral dos contactos.
G) Por apenso aos presentes autos de insolvência da firma "Ribeiro, P, L.da" os Recorrentes interpelaram, por diversas vezes, o Sr. Administrador de Insolvência para que cumprisse dois contratos-promessa de compra e venda que haviam celebrado com a insolvente.

H) Simultaneamente, reclamaram os Recorrentes o seu crédito no referido processo, sempre pugnando em primeiro lugar, pelo cumprimento dos contratos e subsidiariamente pelo reconhecimento do seu crédito, no dobro do valor entregue e ainda nas despesas com o Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas (IMT) e juros respectivos, bem como o reconhecimento do direito de retenção nos termos do disposto no art.º 755.° n.° 1 al. f) do CC, acompanhado do direito de ser pago com a respectiva preferência sobre os demais credores, nos termos do disposto no art.º 759.° n.º 1 do CC, prevalecendo mesmo sobre qualquer hipoteca anteriormente constituída, nos termos do estatuído no art.° 759.° n.º 2 do CC.
I) Deduzidas impugnações e realizada a audiência de discussão e julgamento deram-se como provados os requisitos necessários não só ao cumprimento dos contratos como também ao reconhecimento do sinal em dobro e do direito de retenção nos termos peticionados.
J) O tribunal a quo, seguindo a última jurisprudência do STJ, acabou por fazer uma errónea interpretação do mesmo, não distinguindo aquela situação em que se apreciavam contratos com efeito meramente obrigacional dos contratos dos aqui Recorrentes, com eficácia real.
K) Decidiu o tribunal a quo que A sentença conclui, portanto, que o crédito de Jorge M e esposa Clara F ascende a € 350.000,00, acrescido do valor de € 9.907,78 e de juros de mora vincendos, à taxa de 4%, a partir desta sentença; tal crédito, relativamente ao valor de € 190.000,00, goza de direito de retenção sobre a fração autónoma que constitui a verba n.º 31 do auto de apreensão de bens imóveis; é subordinado relativamente aos juros e, na parte restante, é comum.
L) Decidiu ainda o tribunal a quo que pelo produto da venda do imóvel que constitui a verba n.º 28 do auto de apreensão de bens imóveis será dado pagamento de acordo com a seguinte ordem de prioridade:
1.º crédito por IMI respeitante ao prédio;
2.º crédito da Caixa E, na parte abrangida pela hipoteca;
3.º crédito do Instituto S, IP, na parte abrangida pela hipoteca;
4.° crédito por IRS e juros de mora, na parte privilegiada, a par do crédito por contribuições, na parte privilegiada;
5.º créditos comuns;
6.° créditos subordinados.
M) O presente recurso circunscreve-se à pretensão do cumprimento dos contratos-promessa de compra e venda e também ao não reconhecimento do direito de retenção sobre a fracção destinada a comércio.
N) O art.º 102.º do CIRE não tem aplicação ao caso, não podendo suspender-se os negócios em curso relativamente a estas duas fracções, até porque, para além do mais, no caso da habitação a prestação dos Recorrentes encontra-se integralmente cumprida.
O) Nos termos do disposto no art.º 106 n.º 1 do CIRE, o Administrador de Insolvência não pode deixar de cumprir os contratos-promessa dos aqui Recorrentes, uma vez que têm eficácia real e obtiveram a tradição dos bens.
P) Além de pacífico na doutrina, o tema tem sido abordado em inúmeros Acórdãos que quer directa quer reflexamente abordam o caso dos contratos-promessa dotados de eficácia real: nestes casos não assiste ao Administrador da Insolvência do direito de opção pelo não cumprimento dos contratos - terá que os cumprir.
Q) A recusa de cumprimento por parte da promitente-vendedora e, depois, por parte do Administrador de Insolvência tem-se por imputável à insolvente, até porque os Recorrentes notificaram judicialmente a promitente-vendedora para celebrar o negócio prometido, requerendo o mesmo ao Senhor Administrador da Insolvência.
R) Os contratos-promessa de compra e venda estipulam a promessa de venda sem ónus ou encargos.
S) De acordo com o disposto no art,º 406.º do CC, os contratos devem ser pontualmente cumpridos, aliás em consonância com o princípio "pacta sunt servanta". E o cumprimento deverá, nos termos do disposto no art,º 763.º n.º 1 do CC, integral e não parcial. Sendo-o, o cumprimento será defeituoso e criar-se-ia mais um crédito por esse incumprimento.
T) Nos presentes casos, em que existe eficácia real, o cumprimento do contrato consiste numa mera formalização do negócio, uma vez que a eficácia real atribuída aos contratos já transferiu a sua propriedade para os Recorrentes (Cfr. art.º 408.º do CC).
U) A cumprimento do contrato deverá ser equiparada a uma venda judicial e como tal livre de ónus ou encargos, sendo o produto da venda, a existir, depositado à ordem da administração da massa, transferindo-se as preferências concedidas pelas hipotecas aos respectivos credores para o produto da venda. Neste sentido, por exemplo, o Acórdão da Relação do Porto de 16/03/2010, disponível em www.dgsi.pt, ou ainda
V) A insolvência da devedora não poderá, portanto, afectar a transmissão já efectuada, e muito menos retirar o bem à propriedade dos Recorrentes e colocá-lo no âmbito dos bens apreendidos no processo de insolvência.
W) Ainda que assim não se entendesse, a sentença proferida defende, por outro lado, que os Recorrentes apenas gozam do direito de retenção relativamente à fracção destinada a habitação, afastando esse direito no que concerne à fracção destinada ao comércio dos Recorrentes.
X) Sustenta a sua posição com base no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência de 20/03/2014, no qual foi sumariado que: "No âmbito de graduação de créditos em insolvência o consumidor promitente-comprador em contrato, ainda que meramente obrigacional com traditio, devidamente sinalizado, que não obteve o cumprimento do negócio por parte do administrador da insolvência, goza do direito de retenção nos termos do estatuído no art.º 755.º n.º 1 al. f) do Código Civil".
Y) Não podem também os Recorrentes concordar nem com a limitação imposta nem com a interpretação que do mesmo se fez na sentença recorrida.
Z) Nos termos do disposto no art.º 754.º do CC, o devedor que disponha de um crédito contra o seu credor goza do direito de retenção se, estando obrigado a entregar certa coisa, o seu crédito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados. O art.º 755.º al. f) do CC refere ainda o caso concreto do promitente-comprador, que sinalizou e obteve a tradição do bem. E o artigo 759.º n.º 2 do CC refere que o direito de retenção prevalece sobre a hipoteca, ainda que esta tenha sido anteriormente registada.
AA) Constituem pressupostos do reconhecimento do direito de retenção, previsto no art,º 755.º n.º 1 al. f) do CC: a existência de promessa de transmissão ou de constituição de direito real; a entrega ao promitente-comprador da coisa objecto do contrato-promessa; e a titularidade, por parte do beneficiário, de um direito de crédito sobre a outra parte, decorrente do incumprimento definitivo do contrato-promessa.
BB) No caso concreto dos Recorrentes, encontram-se provados todos os necessários pressupostos para que lhes seja reconhecido o direito de retenção sobre a fracção "F" destinada a comércio.
CC) Alega a sentença que nesta parte os Recorrentes não assumem a posição de consumidores e que, portanto, face ao já mencionado Acórdão de Uniformização de Jurisprudência, não podem beneficiar do direito de retenção.
DD) Não obstante o vencimento da posição perfilhada na sentença, o Acórdão foi objecto de diversas declarações de voto, discordantes da introdução de um novo requisito.
EE) Nem a letra do art.º 755.º n.º 1 al. f) do CC nem o próprio preâmbulo do Decreto-Lei 236/80, de 18 de Julho e Decreto-Lei n.º 379/86, de 11 de Novembro, fazem qualquer limitação subjectiva formal à defesa dos promitentes-compradores consumidores.
FF) O entendimento de que apenas o consumidor poderá beneficiar de tal protecção resulta na alteração do art,º 755.º n.º 1 al. f) do CC sem que o seja pela entidade com competência.
GG) E nem concordamos que se trate de uma interpretação restritiva da letra da lei, pois como bem refere o art.º 9.º n.º 2 do Código Civil, não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
HH) O sentido proclamado pelo Acórdão de Uniformização de Jurisprudência ultrapassa os limites da interpretação e cria, ele próprio, outros elementos de que deve depender o direito de retenção. As alterações legislativas competem à Assembleia da República ou ao Governo (nas matérias para si reservadas ou autorizadas pela AR), conforme artigos 161.° al.s c) e d) e 198.° da Constituição da República Portuguesa, pelo que consideramos existir manifesta inconstitucionalidade do AUJ.
II) Os Recorrentes repudiam também a qualificação como não consumidores. Ainda que de alguma forma se pudesse restringir a norma do art.° 755.° n.º 1 al. f) a consumidores, para efeito de direito de retenção estes seriam todos aqueles que não tenham adquirido no âmbito de negócios imobiliários de compra e venda. Ou seja, apenas se admitiria que consumidor fosse aquele cuja actividade fosse a de compra e venda de imóveis.
JJ) Como frisaram o legal representante da insolvente, o Administrador da Insolvência e as testemunhas arroladas, os Recorrentes adquiriram a fracção destinada a comércio para nela instalarem a sua actividade habitual de café, mas não o chegaram a fazer dadas as inúmeras vicissitudes, pelo que não se pode considerar que a fracção se destine ao comércio.
KK) Se o legislador tivesse pretendido que o direito de retenção apenas fosse reconhecido a quem assume a qualidade de consumidor ou a quem adquire habitação própria permanente (como parece ser a interpretação do AUJ) tê-lo ia dito expressamente na letra da Lei, o que não fez por opção legislativa e politica.
LL) O presente recurso circunscreve-se à pretensão do cumprimento dos contratos-promessa de compra e venda e também ao não reconhecimento do direito de retenção sobre a fracção destinada a comércio.
MM) Sentença proferida viola o disposto nos artigos 9.° n.º 2, 406.°, 408.°, 755.° n.º 1 al. f), 759.° n.º 2, 763 n.º 1 e 824.° todos do Código Civil.
NN) Viola ainda a sentença o disposto no art.° 106.° n.º 1 do CIRE.
OO) Ainda no entendimento sufragado violam-se as disposições contidas nos artigos 161.° c) e d) e 198.° da Constituição da República Portuguesa.

NESTES TERMOS,
Deve dar-se provimento ao presente recurso e, por via dele, revogar-se a sentença proferida pelo tribunal a quo, substituindo-a por outra que ordene ao Senhor Administrador da Insolvência o cumprimento dos contratos-promessa de compra e venda, transmitindo-se os bens livres de ónus ou encargos para os Recorrentes. Caso assim não se entenda, o que apenas se sempre deveria considerar-se que os Recorrentes também são beneficiários do direito de retenção sobre o bem apreendido sob a verba 28 para garantia do seu crédito de 80.000,00 € pagos a título de sinal para aquisição desta fracção, devendo ser graduados quanto a esta verba em segundo lugar, logo atrás do crédito por IMI referente ao prédio.

ASSIM SE DECIDINDO SE FARÁ - COMO É TIMBRE - A CONSTANS, PERPETUA ET VERA IUSTITIA!

A credora Caixa E contra-alegou pugnando pela improcedência do recurso e manutenção da sentença recorrida, por consubstanciar uma solução que consagra a justa e rigorosa interpretação e aplicação das normas e princípios jurídicos competentes ao caso em apreço.

Inconformados com a mencionada decisão, também os credores impugnantes Cristina E e marido Jorge M dela interpuseram recurso, extraindo das respectivas alegações as seguintes conclusões [transcrição]:
l.ª - Na sentença de verificação e graduação de crédito de que ora se recorre, o Tribunal a quo considerou que os ora Recorrentes apenas são titulares de um crédito comum no valor de € 143.750,00. Ora, com todo o respeito (que é muito), os ora Recorrentes não podem concordar com o decidido na sentença do Tribunal a quo.
2.ª - Os ora Recorrentes consideram, com a devida e justa vénia, que houve erro na decisão da matéria de facto.
3.ª - No entender dos ora Recorrentes, o Tribunal a quo não podia ter dado como provada a matéria factual constante da segunda parte do ponto V dos factos dados como provados, ou seja, apenas na parte em que se refere: "realizando, então, obras na fração, na qual pretendiam instalar uma atividade comercial e de serviços, como veio a suceder".
4.ª - Conforme se verifica pelos documentos constantes a fls. 540, publicitados pelo Ministério da Justiça em https://publicacoes.mj.pt/DetalhePublicacao.aspx - a 12 de Janeiro de 2006 foi constituída a sociedade comercial S, SOCIEDADE UNIPESSOAL LDA.
5.ª - Sociedade que - conforme se verifica pelas faturas juntas a fls. 541 a 558 dos presentes autos de reclamação de créditos - a partir dessa data realizou obras no local tendo em vista o exercício da sua atividade no referido imóvel.
6.ª - Por outro lado, também a testemunha Pedro A no seu depoimento (prestado em sede de audiência de julgamento, no dia 3 de Fevereiro de 2015, início da gravação às 14 Horas, 57 minutos e 57 segundos; fim da gravação às 15 Horas, 3 minutos e 43 segundos; duração do depoimento: 5 minutos e 45 segundos) confirmou que quem exerce uma atividade comercial no imóvel é a sociedade S, SOCIEDADE UNIPESSOAL LDA..
7.ª - Não descuramos que o Tribunal a quo também considerou que tais factos ficaram demonstrados. Contudo, parece-nos que o Tribunal a quo terá entendido que os mesmos não teriam relevância para constar da enumeração dos factos provados.
8.ª - No entanto, os Recorrentes entendem que tais factos deveriam ter ficado a constar como factos dados como provados, por serem relevantes para que se perceba a situação concreta em questão, quer em relação ao momento da aquisição da posição de promitente-comprador pelos ora Recorrentes, quer em relação aos anos posteriores.
9.ª - Pois, conforme infra se explana, de tais factos, percebe-se que os ora Recorrentes tornaram-se promitentes-compradores atuando no âmbito da sua esfera pessoal. E, só passado mais de um ano e meio, é que o Recorrente marido constituiu uma sociedade, a qual, só após ter realizado as obras necessárias, se instalou no imóvel em questão, passando a exercer a sua (da sociedade) atividade no mesmo.
10.ª - E, conforme é entendimento dominante na nossa Jurisprudência, a decisão da matéria de facto deve ser realizada, tendo em conta as várias soluções de Direito potencialmente aplicáveis ao caso.
11.ª - Pelo que, a prova documental junta aos autos, conjugada com a prova testemunhal produzida, supra transcrita, impunha ao Tribunal a quo:
- dar como não provada a matéria factual vertida na segunda parte, do ponto V dos factos dados como provados, ou seja apenas na parte em que se refere "realizando, então, obras na fração, na qual pretendiam instalar uma atividade comercial e de serviços, como veio a suceder"; bem como
- dar como provado os factos acima referidos (como VI e VII), ou seja:
"VI - A 12 de Janeiro de 2006, foi constituída a sociedade comercial S, SOCIEDADE UNIPESSOAL LDA., NIPC 507579666, tendo como sócio Jorge M ".
"VII - Após a respetiva constituição, em 12 de Janeiro de 2006, a sociedade comercial S, SOCIEDADE UNIPESSOAL LDA., realizou obras na fração autónoma inscrita na Conservatória do Registo Predial de Fafe sob o n.° 3964-D e inscrita na matriz sob o artigo n.° 6342.º-D, da Freguesia e Concelho de Fafe, e, findas tais obras, esta sociedade instalou-se em tal fração passando a exercer na mesma a respetiva atividade".
12.ª - Assim, ao dar como provada a matéria factual constante da segunda parte, do ponto V (na parte "realizando, então, obras na fração, na qual pretendiam instalar uma atividade comercial e de serviços, como veio a suceder"), bem como ao não dar como provado os factos acima referidos (como VI e VII) o Tribunal a quo incorreu em erro na decisão da matéria de facto.
13.ª - Devendo a matéria de facto ser alterada, nos termos do n.º 1, do artigo 662.º do CPC, considerando-se não provada a matéria factual vertida na segunda parte, do ponto V dos factos dados como provados, ou seja apenas na parte em que se refere "realizando, então, obras na fração, na qual pretendiam instalar uma atividade comercial e de serviços, como veio a suceder", e dando-se como provados os factos acima referidos como factos VI e VII.

14.ª - Conforme o Tribunal da Relação de Guimarães decidiu no douto Acórdão de 29 de Janeiro de 2015:
"III - A uniformização operada pelo Acórdão Uniformizador de Jurisprudência na 4/2014, de 20.03.2014, no DR, I Série, nº 95, de 19.05.2014, reporta-se, exclusivamente, ao promitente-comprador que detenha, simultaneamente, a qualidade de consumidor.
IV - Tem a qualidade de consumidor o promitente-comprador que, tendo embora arrendado o imóvel prometido comprar, não desenvolve qualquer actividade profissional ou empresarial relacionada com o mercado imobiliário" [destaque nosso].
15.ª - Ora, passando a Jurisprudência e a Doutrina (supra citada) para o caso concreto, verifica-se que, in casu, também os Recorrentes não adquiriram o imóvel em questão no exercício de qualquer atividade profissional.
16.ª - É verdade que os Recorrentes tornaram-se promitentes-compradores do imóvel em questão pensando, em, posteriormente, criar uma sociedade que, no mesmo, pudesse exercer a respetiva atividade - como efetivamente veio a acontecer, passados mais de ano e meio.
17.ª - Contudo, quando os ora Recorrentes - particulares que não estavam no âmbito de qualquer atividade profissional - se tornaram promitentes-compradores os mesmos fizeram um investimento privado/pessoal.
18.ª - Aliás, na sentença do Tribunal a quo explana-se que os ora Recorrentes «pretendiam "instalar uma actividade comercial e de serviços, aliás, tal como veio a suceder", tendo, inclusive, constituído uma sociedade comercial para o efeito» [destaque nosso].
19.ª - Constatando-se que, no momento em que se tornaram promitentes-compradores do imóvel em questão, os ora Recorrentes fizeram-no enquanto pessoas singulares. E não no exercício de uma atividade comercial.
20.ª - E isso não é afetado pelo facto de - cerca de um ano e oito meses depois de se tornarem promitentes-compradores do imóvel e de tomarem posse do mesmo - os Recorrentes terem constituído uma sociedade que realizou obras e que, quando estas ficaram concluídas, passou a exercer a sua atividade em tal imóvel.
21.ª - Sendo que, a atividade (o objeto) exercida pela sociedade S, SOCIEDADE UNIPESSOAL LDA., posteriormente criada, é bem diferente da atividade de mediação mobiliária, ou seja: "atividades de ocupação de tempos livres. Promoção de atividades educativas e sociais junto da população escolar ou terceira idade. Apoio a pessoas idosas incluindo o apoio domiciliário acompanhamento e atividades de lazer ... " (cfr. fls. 540).

22.ª - Acrescendo que, os Requerentes nunca exerceram (e por isso não consta dos autos) a atividade de mediação mobiliária.
23.ª - Assim, como os Recorrentes, promitentes-compradores, são pessoas singulares que não adquiriram essa posição contratual, no exercício de uma atividade profissional - sendo que, in casu, a atividade profissional relevante seria a de imediação imobiliária - e sendo a sua contraparte uma profissional, os mesmos devem ser considerados consumidores.
24.ª - Pelo que, não podemos concordar com o vertido na sentença do Tribunal a quo quando se considera que os ora Recorrentes, promitentes-compradores, não são "consumidores", sendo, portanto "profissionais".
25.ª - E, com todo o respeito (que é muito), também não podemos concordar com o Tribunal a quo quando sustenta que "em função da simples natureza do bem em questão não poderão os credores em causa ser tidos como consumidores".
26.ª - Pois, conforme exposto na Doutrina e Jurisprudência supra mencionada, não é a natureza do bem objeto do contrato que releva para efeitos de verificar se, no ato concreto, a pessoa deve ser considerada consumidor, mas antes o facto de ela ter, ou não, praticado o ato (celebrado o contrato) no exercício de atividade profissional - tendo, naturalmente como contraparte um profissional.
27.ª - Quanto a este ponto - da existência de direito de retenção quando a promessa de compra e venda seja relativa a um imóvel destinado a fim diverso da habitação - veja-se, nomeadamente, o supra referido Acórdão da Relação de Guimarães de 29 de Janeiro de 2015, no qual se considerou consumidor (e se reconheceu o respeito direito de retenção) o credor que adquiriu imóveis destinados à indústria ou armazém - cfr. facto 1, da matéria dada como provada, constante desse douto Acórdão.
28.ª - Por outro lado, parece-nos que - em resultado do referido entendimento erróneo quanto à relevância da natureza do bem prometido transmitir - na sua sentença, o Tribunal a quo entrou em alguma contradição e acabou por adotar um tratamento injustificadamente desigual entre credores que, no nosso humilde entender, deveriam na sua generalidade, ser considerados consumidores.
29.ª - Efetivamente, conforme se expõe na sentença do Tribunal a quo, os credores - pessoas singulares que adquiriram apartamentos e os arrendaram - não prometeram adquirir os respetivos imóveis no exercício de uma atividade profissional, mas antes atuando dentro da sua esfera privada e pessoal. Pelo que, as respetivas promessas de aquisição, com a inerente tradição da coisa, consubstanciaram investimentos, de âmbito pessoal, que os mesmos decidiram realizar.
30.ª - O que os Recorrentes não podem aceitar é que se tenha adotado este (correto) entendimento, no que a estes credores diz respeito e não se tenha adotado igual entendimento em relação aos Recorrentes, que também se tornaram promitentes-compradores no âmbito de um investimento realizado no âmbito da sua esfera privada e pessoal.
31.ª - Aliás, atente-se que - caso a Insolvente não estivesse em situação de insolvência - ainda hoje, a concretizar-se o negócio definitivo de compra e venda, o mesmo sempre seria realizado entre os ora Recorrentes, pessoas singulares (que, inclusive, pagaram o IMT), e a Insolvente. Pelo que, o imóvel sempre seria adquirido pelos Recorrentes a título pessoal (ou seja, enquanto consumidores) e não pela sociedade comercial que exerce a atividade comercial no imóvel.
32.ª - Uma das principais finalidades das sociedades comerciais - que aliás está subjacente à sua génese - é exatamente essa: a separação entre o património da sociedade e o património pessoal dos sócios.
33.ª - Por outro lado, a ratio subjacente ao pressuposto específico previsto no Acórdão Uniformizador de jurisprudência n.º 4/2014, de 20/03/2014, sempre se verifica em relação aos ora Recorrentes.
34.ª - Conforme o legislador muito bem esclarece, as instituições de crédito, por natureza, são entidades de grande dimensão com fácil acesso à informação, que têm um grande número de profissionais de elevada competência técnica ao seu serviço e que, portanto, são capazes de fazer uma análise informada a respeito das deficiências e da solvência das empresas construtoras a quem concedem crédito.
35.ª - Por seu lado, o "comum dos particulares" - como é o caso dos ora Recorrentes - não tem acesso a tais recursos, estando numa posição de manifesta fragilidade relativamente quer às entidades de crédito, quer às empresas construtoras.
36.ª - Ora, in casu, os ora Recorrentes - promitentes-compradores - são "comuns particulares" que, em comparação com a entidade de crédito, credora hipotecária, estão numa manifesta situação de fragilidade.
37.ª - Os Recorrentes são meros particulares que investiram grande parte das suas poupanças na aquisição do imóvel em questão, encontrando-se, agora, numa situação de extrema fragilidade. Pois, caso, nos presentes autos, não lhes seja reconhecido o direito de retenção, perderão grande parte daquilo que amealharam ao longo da sua vida.
38.ª - Atente-se que se para a instituição de crédito o não ressarcimento pela venda do imóvel em questão não terá grande peso, tendo em conta a usa capacidade económica, para os ora Recorrentes o não reconhecimento do seu direito de retenção terá efeitos, económica e socialmente, avassaladores.
39.ª - Acresce que, tendo os ora Recorrentes recebido a entrega da coisa, a traditio criou legitimamente nos mesmos, uma confiança mais forte na estabilidade ou concretização do negócio. Pelo, nas palavras do legislador, "a boa fé sugere, portanto, que lhe corresponda um acréscimo de segurança".
40.ª - Por outro lado, a interpretação restritiva da alínea f) do n.º 1 do artigo 755.° do Código Civil, prevista no Acórdão Uniformizador n.º 4/2014, terá subjacente o evitar de eventuais situações de fraude - simulações envidadas pelas entidades construtoras com terceiros (cfr. anotação 7.ª ao Acórdão Uniformizador n.º 4/2014) - que nada têm a ver com o caso dos Recorrentes, que são "comuns particulares" que, infelizmente, foram atingidos pela situação de insolvência da entidade promitente vendedora.
41.ª - Assim, atento o supra exposto, verificamos que em relação aos ora Recorrentes - "comuns particulares" - se verificam os pressupostos genéricos de reconhecimento do direito de retenção, previsto na alínea f) do n.º 1 do artigo 755.° do Código Civil. Como também se verifica o pressuposto especifico previsto no Acórdão Uniformizador de jurisprudência n.º 4/2014, de 20/03/2014, ou seja: os Recorrentes são consumidores, beneficiários de promessa de transmissão.
42.ª - Pelo que, o crédito reconhecido/verificado aos ora Recorrentes no valor de € 143.750,00 deveria ter sido reconhecido/verificado e graduado como um crédito garantido, atento os ora Recorrentes terem direito de retenção sobre a fração autónoma (e respetivo aparcamento) inscrita na Conservatória do Registo Predial de Fafe sob o n.º 3964-D e inscrita na matriz sob o artigo n.º 6342.°-D, da Freguesia e Concelho de Fafe.
43.ª - Assim, ao não ter reconhecido/verificado e graduado o crédito dos Recorrentes nestes termos (tendo, erroneamente, reconhecido o seu crédito como comum), o Tribunal a quo, na sentença de que ora se recorre, incorreu em erro na interpretação e aplicação da matéria de Direito, tendo violado, nomeadamente, a alínea f) do n.° 1 do artigo 755.° do Código Civil e a alínea a) do n.º 4 do artigo 47.° do CIRE, pois deveria ter interpretado e aplicado tais normas no sentido de reconhecer/verificar e graduar o crédito dos ora Recorrentes no valor de € 143.750,00 como um crédito garantido, atento os mesmos terem direito de retenção sobre a fração autónoma (e respetivo aparcamento) inscrita na Conservatória do Registo Predial de Fafe sob o n.º 3964-D e inscrita na matriz sob o artigo n.º 6342.º-D, da Freguesia e Concelho de Fafe.
44.ª - Destarte, a sentença de que ora se recorre deverá ser revogada, sendo substituída por decisão, que, aplicando, corretamente, a alínea f) do n.º 1 do artigo 755.° do Código Civil e a alínea a) do n.º 4 do artigo 47.° do CIRE, reconheça/verifique e gradue o crédito dos ora Recorrentes no valor de € 143.750,00 como um crédito garantido, atento os mesmos terem direito de retenção sobre a fração autónoma (e respetivo aparcamento) inscrita na Conservatória do Registo Predial de Fafe sob o n.° 3964-D e inscrita, atualmente, na matriz sob o artigo n.º 6342.º-D, da Freguesia e Concelho de Fafe.
45.ª - Sem prescindir do supra exposto, importa, ainda, expor que a uniformização de jurisprudência realizada no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 4/2014 de 20/03/2014, não foi (nem é) minimamente pacífica. O que, aliás, é demonstrado pelos inúmeros votos de vencido e pelas declarações de voto lavradas e acompanhadas, por inúmeros dos Exmos. Juízes Conselheiros que participaram na votação do referido Acórdão.
46.ª - Na realidade, verificamos que, pelo menos, 14 dos Exmos. Juízes Conselheiros que participaram na votação do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 4/2014, deixaram claro que não concordam com a interpretação restritiva da alínea f) do n.º 1 do artigo 755° do Código Civil, no sentido de que o beneficiário do contrato promessa tenha de ser consumidor, para que se reconheça a existência do direito de retenção previsto nessa norma.
47.ª - Aliás, anteriormente ao Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 4/2014, havia sido proferido um outro Acórdão Uniformizador - que foi anulado - e no qual se uniformizava a jurisprudência em sentido similar ao Acórdão agora aprovado, sem contudo se fazer referência à necessidade de o beneficiário da promessa de transmissão ser um consumidor.
48.ª - Assim, concordamos com Abrantes Geraldes quando, no seu voto de vencido, sustenta que "o objectivo fundamental das modificações que foram introduzidas no regime do contrato-promessa de compra e venda, designadamente no que se reporta à atribuição do direito de retenção em situações de tradittio do bem, foi o de tutelar os interesses dos promitentes-compradores em geral, sem que o legislador tenha assumido formalmente a aludida limitação subjectiva".
49.ª - Na realidade, não nos parece que, do preambulo do Decreto-lei n.º 379/86, de 11 de Novembro, se possa retirar o pressuposto de que o beneficiário da promessa de transmissão tenha que ser um consumidor, para que se reconheça o respetivo direito de retenção previsto na alínea f) do n.º 1 do artigo 755.º do Código Civil. Muito pelo contrário.
50.ª - No preambulo do Decreto-lei n.º 379/86, de 11 de Novembro, o legislador começa por esclarecer que, não obstante o legislador de 1980 (ou seja, do Decreto-lei n.º 236/80 de 18 de Julho) ter pensado no direito de retenção em questão diretamente para os contrato-promessa de compra e venda de edifícios ou frações autónomas deles, nada justifica que tal direito de retenção se limite a tais situações podendo abranger a promessa de transmissão de outras coisas.
51.ª - O que, desde logo, demonstra que o legislador não tinha em vista uma abrangência restrita da norma (com a inerente interpretação/aplicação restritiva), visando antes uma abrangência geral. O que mais uma vez demonstra o entendimento erróneo - que parece ser sustentado na sentença do Tribunal a quo - no sentido de que o direito de retenção em questão só seria aplicável a imóveis destinados à habitação. Pois, segundo o próprio legislador, tal direito de retenção é de reconhecer não só em relação à promessa de compra e venda de edifícios ou frações autónomas deles (em termos gerais), como, também, em relação à venda de outras coisas.
52.ª - Por outro lado, o legislador deixou expresso, claramente, que não desconhecia, nem descurou o conflito de interesses que, nestes casos, sucede entre os beneficiários de promessa de transmissão e as instituições bancárias, credoras hipotecárias.
53.ª - Entendendo o legislador que, "Neste conflito de interesses, afigura-se razoável atribuir prioridade à tutela dos particulares" - preambulo do Decreto-lei n.º 379/86, de 11 de Novembro [destaque e sublinhado nosso].
54.ª - Assim, quando no preambulo do Decreto-lei n,º 379/86, o legislador sustenta que tal solução "vem na lógica de defesa do consumidor, tal significa que a solução vem na lógica de defesa da parte mais fraca (os "particulares" comparativamente com as "instituições de crédito") e não que o direito de retenção apenas deve ser reconhecido ao beneficiário de promessa de transmissão que seja consumidor.
55.ª - Aliás, parece-nos aqui ser de considerar algo de decisiva importância: uma vez que o objetivo do Decreto-Lei n.º 379/86, de 11 de Novembro foi o de "eliminar certas dúvidas que o primitivo texto do Código Civil já suscitava" e que relativamente ao texto da alínea f) do n.º 1 do artigo 755.° do Código Civil, o legislador corrigiu "inadvertências terminológicas", caso o legislador pretendesse que o direito de retenção previsto na referida alínea f) dependesse da qualidade de consumidor do promitente-comprador certamente o teria feito contar no texto da norma.
56.ª - Tendo em conta este cuidado, principalmente, com a terminologia adotada, se o Legislador pretendesse que o direito de retenção em questão só existisse quando o promitente-comprador fosse um "consumidor", ao redigir a alínea f) do n.º 1 do artigo 755.° do Código Civil, o mesmo, certamente, teria feito referência ao conceito de consumidor.
57.ª - Até porque, a 11 de Novembro de 1986, já estava em vigor, há mais de 5 anos, a Lei 29/81, de 22 de Agosto (Defesa do Consumidor), na qual o conceito de consumidor consta expressamente do artigo 2°.
58.ª - Com efeito, não podemos acreditar que o legislador que pretendia corrigir o texto da alínea f) do n.º 1 do artigo 755.° do Código Civil, de forma a evitar quaisquer dúvidas e inadvertências terminológicas, se tenha esquecido de fazer qualquer referência a um pressuposto "sine qua non" para o reconhecimento desse direito de retenção.
59.ª - Resultando do preâmbulo do referido Decreto-lei que, quando, na alínea f) do n.º 1 do artigo 755.° do Código Civil, o legislador faz referência ao "beneficiário da promessa de transmissão" é exatamente isso que pretende dizer, sem mais, e sem margem para dúvidas (que aliás este diploma visava eliminar). Tendo aplicação o brocardo latino: “Ubi lex non distinguit, nec nos distinguere debemus”.
60.ª - Na realidade, tal como o Exmo. Conselheiro João Bernardo expõe na sua Declaração de Voto, não vemos "no texto da alínea f) do n.º 1 do artigo 755.° do Código Civil o mínimo de correspondência verbal ainda que imperfeitamente expresso a que alude o artigo 9.°, n.º 2 do mesmo Diploma Legal, no sentido de distinguir os "consumidores" dos "não consumidores".
61.ª - Pelo que, não podemos deixar de concordar com os Exmos. Senhores Juízes Conselheiros Abrantes Geraldes, Sebastião Póvoas, Nuno Pedro de Melo e Vasconcelos Cameira, Salreta Pereira, João L. M. Bernardo, João Moreira Camilo, Paulo Armínio de Oliveira Sá, Maria dos Prazeres Beleza, Lopes do Rego, Sérgio Gonçalves Poças, João Carlos Pires Trindade, Carlos Alberto de Andrade Bettencourt de Faria, Fernando Manuel de Oliveira Vasconcelos, Henrique Manuel da Cruz Serra Baptista, que no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 4/2014 de 20/03/2014, fizeram constar (ou aderiram a) declarações de voto, no sentido de que "o direito de retenção assiste a todo o promitente-comprador, que obteve a tradição da coisa".
62.ª - Assim, se o legislador, tendo ponderado os interesses em jogo, decidiu criar a norma nestes termos será assim que a mesma deverá aplicada.
63.ª - Destarte, ao interpretar e aplicar a alínea f) do n.º 1 do artigo 755.° do Código Civil no sentido de que apenas o consumidor beneficiário de promessa de transmissão, em que tenha havido tradição da coisa, tem direito de retenção sobra a coisa prometida vender, o Tribunal a quo, na sentença de que ora se recorre, incorreu em erro na interpretação e aplicação da matéria de Direito, tendo violado, nomeadamente, a alínea f) do n.º 1 do artigo 755.° do Código Civil, pois deveria ter interpretado e aplicado tal norma no sentido de que o crédito do beneficiário de contrato promessa, ainda que emergente de contrato-promessa com eficácia meramente obrigacional, em que tenha havido tradição da coisa, goza de direito de retenção.
64.ª - E, consequentemente o Tribunal a quo deveria ter reconhecido/verificado e graduado o crédito dos ora Recorrentes no valor de € 143.750,00 como um crédito garantido, atento os mesmos terem direito de retenção sobre a fração autónoma (e respetivo aparcamento) inscrita na Conservatória do Registo Predial de Fafe sob o n.º 3964-D e inscrita na matriz sob o artigo n.º 6342.°-D, da Freguesia e Concelho de Fafe, nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 755.° do Código Civil.
65.ª - Pelo que, a sentença de que ora se recorre deverá ser revogada, sendo substituída por decisão, que, fazendo uma interpretação da alínea f) do n.º 1 do artigo 755.° do Código Civil, nos termos acima explanados, reconheça/verifique e gradue o crédito dos ora Recorrentes no valor de € 143.750,00 como um crédito garantido, atento os mesmos terem direito de retenção sobre a fração autónoma (e respetivo aparcamento) inscrita na Conservatória do Registo Predial de Fafe sob o n.º 3964-D e inscrita na matriz sob o artigo n.º 6342.º-D, da Freguesia e Concelho de Fafe, com as inerentes consequências legais.

Termos em que, e pelo que V. Exas. doutamente suprirão no que o patrocínio se mostre insuficiente e no mais de Direito, deve dar-se provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença ora recorrida e determinando-se a alteração do decidido na mesma, nos termos supra referidos,
sempre se fazendo JUSTIÇA.


A credora Caixa E apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso e consequente manutenção da sentença recorrida.

O recurso foi admitido por despacho de fls. 2434.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, tendo por base as disposições conjugadas dos artºs 608º, nº. 2, 635º, nº. 4 e 639º, nº. 1 todos do Novo Código de Processo Civil (doravante NCPC), aplicável “in casu” por a decisão sob censura ter sido proferida depois de 1/09/2013 (artº. 7º, nº. 1 da Lei nº. 41/2013 de 26/6).

Nos presentes autos, o objecto dos recursos interpostos pelos credores reclamantes acima referidos, delimitado pelo teor das suas conclusões, circunscreve-se à apreciação das seguintes questões:
A) – Recurso dos credores reclamantes Maria D e Friar, Lda.:
- Saber se devem ser cumpridos os contratos-promessa de compra e venda celebrados entre os recorrentes e a insolvente e se os imóveis objecto dos mesmos devem ser transmitidos para os recorrentes livres de quaisquer ónus e encargos.
B) – Recurso da credora reclamante Daniel & F, Lda.:
– Saber se o crédito da recorrente é garantido pelo direito de retenção sobre o imóvel objecto do contrato-promessa de compra e venda que celebrou com a insolvente e se deve ser graduado como crédito garantido, com preferência sobre o crédito hipotecário da Caixa G.

C) – Recurso dos credores reclamantes Joaquim L e esposa Maria M:
I) – Do cumprimento dos contratos-promessa de compra e venda celebrados entre os recorrentes e a insolvente;
II) – Saber se o crédito dos recorrentes é garantido pelo direito de retenção sobre os imóveis objecto do contrato-promessa de compra e venda que celebraram com a insolvente e se deve ser graduado como crédito garantido, com preferência sobre o crédito hipotecário da Caixa Geral de Depósitos.
D) – Recurso dos credores reclamantes António L e esposa Maria D:
- Saber se deve ser cumprido o contrato-promessa de compra e venda celebrado entre os recorrentes e a insolvente e se o imóvel objecto do mesmo deve ser transmitido para os recorrentes livre de quaisquer ónus e encargos.
E) – Recurso dos credores reclamantes Jorge M e esposa Clara F:
I) - Saber se devem ser cumpridos os contratos-promessa de compra e venda celebrados entre os recorrentes e a insolvente e se as duas fracções objecto dos mesmos devem ser transmitidas para os recorrentes livres de quaisquer ónus e encargos;
II) – Caso assim não se entenda, se deve ser reconhecido aos recorrentes o direito de retenção também relativamente à fracção destinada ao comércio dos recorrentes (verba 28 dos bens apreendidos) e se o seu crédito deve ser graduado como garantido também quanto a esta verba, com preferência sobre o crédito hipotecário da Caixa E.
F) – Recurso dos credores reclamantes Cristina E e marido Jorge M:
I) – Impugnação da decisão da matéria de facto;
II) – Saber se o crédito dos recorrentes é garantido pelo direito de retenção sobre o imóvel objecto do contrato-promessa de compra e venda que celebraram com a insolvente e se deve ser graduado como crédito garantido, com preferência sobre o crédito hipotecário da Caixa G.

Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos [transcrição apenas da factualidade relevante para a decisão dos recursos em apreço]:
A.- Factos respeitantes à reclamação dos credores Jorge M e esposa Clara F
I.- A sociedade insolvente, como primeira outorgante e representada pelos seus sócios gerentes, e o reclamante Jorge M, como segundo outorgante, fizeram entre si o acordo escrito de fls. 38 e 39, cujo teor se dá aqui por reproduzido, no qual, com data de 16 de junho de 2006 e sob a epígrafe “Contrato Promessa” declararam, além do mais, o seguinte:
“(…)
3.- Pelo presente contrato a primeira outorgante promete vender ao segundo, que por sua vez lhe promete comprar, livre de quaisquer ónus ou encargos, o seguinte prédio urbano:
- uma loja comercial destinada a comércio, serviços, restauração e bebidas, sita ao nível do rés-do-chão, do lado direito da entrada C (…), com a área de 140,00 m2, da qual faz parte uma garagem com o n.º 26, situada na cave, imediatamente por baixo da referida loja (…), loja essa que faz parte de um prédio urbano, situado na Rua Tenente Coronel Maia Antunes, na cidade de Fafe, denominado “Edifícios Montelongo” (…);
4.- o preço total da compra e venda é de € 125.000,00 (…) e como sinal e princípio de pagamento a primeira outorgante já recebeu do segundo a quantia de € 30.000,00 (…), da qual lhe dá quitação.
5.- A restante parte do preço será paga no dia da escritura definitiva.
6.- Ao preço contratado será descontado ao segundo outorgante 10 euros em m2 para aquisição de tijoleira.
7.- A escritura definitiva do objecto do presente contrato será celebrada quando tudo estiver legal para o efeito, devendo a primeira outorgante avisar o segundo do dia, hora e local da realização da mesma, não podendo ultrapassar o prazo máximo de dois anos a contar da presente data.
8.- As partes atribuem ao presente contrato força de execução específica, nos termos do disposto no art.º 830º, n.º 1 do Código Civil.
(…)
10.- Apesar da obrigatoriedade do reconhecimento das assinaturas na presente do Notário e da exibição da licença de construção, as partes prescindem dessa formalidade, pelo que nenhuma delas pode invocar a nulidade do presente contrato em juízo ou fora dele.
(…)”.
II.- A sociedade insolvente, como primeira outorgante e representada pelos seus sócios gerentes, e o reclamante Jorge M, como segundo outorgante, fizeram entre si o acordo escrito de fls. 50 e 51, cujo teor se dá aqui por reproduzido, no qual, com data de 16 de janeiro de 2007 e sob a epígrafe “Contrato Promessa” declararam, além do mais, o seguinte:
“(…)
1.- A primeira outorgante promete vender ao segundo, que promete comprar àquela, livres de quaisquer ónus ou encaros, o seguinte prédio urbano:
- um apartamento T2 no 1º posterior direito, entrada C, pertence-lhe a garagem n.º 25, na cave, faz parte de um prédio urbano, situado na Rua Tenente Coronel Melo Antunes, na cidade de Fafe, denominado Edifícios Montelongo (…).
2.- O preço total de compra e venda é de 95.000,00 (…) e como sinal e princípio de pagamento, a primeira outorgante já recebeu do segundo a quantia de 30.000,00 (…).
3.- O segundo outorgante pagará a parte restante depois de vender um apartamento do tipo T1, situado na Rua Amália Rodrigues, n.º 76, 2.º posterior direito, na cidade de Fafe (…). Caso o segundo outorgante não conseguir vender o referido apartamento até à data da escritura o primeiro ficará com ele pelo valor de 65.000,00 (…), como forma de pagamento da parte restante da dívida referente ao T2 objecto deste contrato.
(…)
5.- A escritura será celebrada quando tudo estiver legal para o efeito.
6.- As partes atribuem ao presente contrato força de execução específica, nos termos do disposto no art.º 830.º, n.º 1 do Código Civil.
7.-
(…)
8.- Apesar da obrigatoriedade do reconhecimento das assinaturas na presente do Notário e da exibição da licença de construção, as partes prescindem dessa formalidade, pelo que nenhuma delas pode invocar a nulidade do presente contrato em juízo ou fora dele.
(…)”.
III.- Por escritura outorgada perante notário a 24 de outubro de 2011, a sociedade insolvente, como primeira outorgante e por intermédio dos seus sócios gerentes, e o reclamante Jorge M, como segundo outorgante, fizeram entre si o acordo de fls. 31 a 36, cujo teor se dá aqui por reproduzido, nele declarando, sob a epígrafe “Contrato Promessa de Compra e Venda (aditamento)”, e além do mais, o seguinte:
“(…)
Que a sociedade (…) e o segundo outorgante celebraram entre si, em dezasseis de junho de 2006, um contrato promessa de compra e venda, em que a representada do primeiro outorgante prometia vender ao segundo outorgante uma loja comercial (…), da qual fazia parte uma garagem com o número vinte e seis na cave (…).
Que essa loja corresponde à actual FRACÇÃO “F” – loja no rés do chão destinada a comércio, serviços, restauração e bebidas, no topo norte, junto à entrada C, com garagem na cave com o número vinte e seis (…), inscrita na matriz sob o artigo 6758-F (…), integrada no prédio urbano situado no lugar de Calvelos, actual Rua Parque da Cidade, n.º 134 (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de Fafe sob o n.º três mil quinhentos e vinte e um – Fafe (…);
(…) em aditamento ao mesmo (contrato promessa) vêm declarar o seguinte:
(…)
Segundo:
Que já houve tradição do imóvel objecto deste contrato, tendo o promitente comprador, aqui segundo outorgante, entrado na posse da identificada fracção autónoma “F” em um de julho de dois mil e nove;
Terceiro
Que a sociedade (…) já recebeu do segundo outorgante, a título de sinal e princípio de pagamento do preço acordado pela venda da indicada fracção autónoma “F”, a quantia de oitenta mil euros, conferindo-lhe pelo presente quitação;
Quarto
Que atribuem ao mencionado contrato promessa de compra e venda eficácia real nos termos do artigo 413.º do Código Civil.
(…)”.
IV.- Por escritura outorgada perante notário a 24 de outubro de 2011, a sociedade insolvente, como primeira outorgante e por intermédio dos seus sócios gerentes, e o reclamante Jorge M, como segundo outorgante, fizeram entre si o acordo de fls. 43 a 48, cujo teor se dá aqui por reproduzido, nele declarando, sob a epígrafe “Contrato Promessa de Compra e Venda (aditamento)”, e além do mais, o seguinte:
“(…)
Que a sociedade (…) e o segundo celebraram entre si, em dezasseis de janeiro de dois mil e sete, um contrato promessa de compra e venda, em que a representada do primeiro outorgante prometia vender ao segundo outorgante um apartamento T-Dois (…), da qual fazia parte uma garagem com o número vinte e cinco na cave (…).
Que esse apartamento corresponde à actual FRACÇÃO “R” – Habitação – tipo T-Dois – no primeiro andar posterior direito, entrada C, topo norte voltada a nascente, com garagem na cave com o n.º vinte e cinco (…), inscrita na matriz sob o artigo 6758-R (…), integrada no prédio urbano situado no lugar de Calvelos, actual Rua Da República, n.º 278-C (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de Fafe sob o n.º três mil quinhentos e vinte e um – Fafe (…);
(…) em aditamento ao mesmo (contrato promessa) vêm declarar o seguinte:
(…)
Segundo:
Que já houve tradição do imóvel objecto deste contrato, tendo o promitente comprador, aqui segundo outorgante, entrado na posse da identificada fracção autónoma “R” em um de julho de dois mil e nove;
Terceiro
Que a sociedade (…) já recebeu do segundo outorgante a totalidade do preço acordado pela venda da indicada fracção autónoma “F”, conferindo-lhe pelo presente quitação;
Quarto
Que atribuem ao mencionado contrato promessa de compra e venda eficácia real nos termos do artigo 413.º do Código Civil.
(…)”.
V.- A promessa de alienação nos termos que constam dos acordos referido em I e em III foi inscrita na Conservatória do Registo Predial de Fafe a 25-10-2011, por via da Ap. 684, relativamente ao imóvel ali descrito sob o n.º 3521-F (documento de fls. 40 a 42).
VI.- A promessa de alienação nos termos que constam dos acordos referidos em II e em IV foi inscrita na Conservatória do Registo Predial de Fafe a 25-10-2011, por via da Ap. 711, relativamente ao imóvel ali descrito sob o n.º 3521-R (documento de fls. 52 e 53).
VII.- O reclamante Jorge M, em 21 de outubro de 2011, pagou a quantia de € 9.909,78 a título de IMT, tendo por base o facto tributário consubstanciado na celebração dos contratos promessa com tradição a que se alude em I a VI (documento de fls. 54 e 55).
VIII.- Os reclamantes interpelaram a devedora para que realizasse as escrituras públicas correspondentes aos negócios pressupostos nos acordos referidos em I a IV, nomeadamente, por notificação judicial avulsa concretizada em 3 de março de 2011 (documento de fls. 61 e 62).
IX.- Os reclamantes Jorge M e esposa Clara F, no âmbito dos acordos referidos em I, III e V, pagaram a quantia de € 80.000,00.
X.- Os mesmos reclamantes, no âmbito dos acordos referidos em II, IV e VI, pagaram o preço estipulado para a aquisição do imóvel ali referido, sendo que tal pagamento foi feito, parte mediante a transferência da titularidade de um apartamento, a outra parte com o quantitativo pecuniário necessário para o efeito.
XI.- Os imóveis identificados nos acordos referidos em I a VI foram entregues aos mesmos reclamantes, pelo menos, em 1 de julho de 2009.
*
B.- Factos respeitantes à reclamação dos credores António L e esposa Delfina O
I.- A sociedade insolvente, como primeira outorgante e representada pelos seus sócios gerentes, e o reclamante António L, como segundo outorgante, fizeram entre si o acordo escrito de fls. 888 e 889, cujo teor se dá aqui por reproduzido, no qual, com data de 3 de agosto e 2007 e sob a epígrafe “Contrato Promessa” declararam, além do mais, o seguinte:
“(…)
1.- Pelo presente contrato a primeira outorgante promete vender ao segundo, que promete comprar àquela, livre de quaisquer ónus ou encargos, o seguinte prédio urbano:
- um apartamento T3 no 3º direito, entrada F, pertence-lhe a garagem n.º 17, na cave, faz parte de um prédio urbano, situado na Rua Tenente Coronel Maia Antunes, na cidade de Fafe, denominado “Edifícios Montelongo” (…);
2.- o preço total de compra e venda é de € 115.000,00 (…) e como sinal e princípio de pagamento a primeira outorgante já recebeu do segundo a quantia de € 50.000,00 (…), da qual dá quitação.
3.- € 65.000,00 serão pagos no acto da escritura.
4.- A escritura será celebrada quando tudo estiver legal para o efeito, prevendo-se a sua realização para o mês de outubro de 2008.
(…)
6.- As partes atribuem ao presente contrato força de execução específica, nos termos do disposto no art.º 830º, n.º 1 do Código Civil.
(…)
8.- Apesar da obrigatoriedade do reconhecimento das assinaturas na presente do Notário e da exibição da licença de construção, as partes prescindem dessa formalidade, pelo que nenhuma delas pode invocar a nulidade do presente contrato em juízo ou fora dele.
(…)”.
II.- Por escritura outorgada perante notário a 9 de janeiro de 2012, a sociedade insolvente, como primeira outorgante e por intermédio dos seus sócios gerentes, e os reclamantes António J [terá pretendido dizer António L) e esposa Delfina O, por intermédio da sua procuradora, Dr.ª Ângela C, como segundos outorgantes, fizeram entre si o acordo de fls. 881 a 886, cujo teor se dá aqui por reproduzido, nele declarando, sob a epígrafe “Contrato Promessa de Compra e Venda (aditamento)”, e além do mais, o seguinte:
“(…)
Que a sociedade (…) e o representado marido da segunda outorgante celebraram entre si, em três de agosto de 2007, um contrato promessa de compra e venda, em que a representada do primeiro outorgante prometia vender ao representado da segunda outorgante um apartamento T-Três no terceiro andar direito, entrada F, pertencendo-lhe uma garagem na cave com o número dezassete, integrada no prédio urbano denominado “Edifícios Montelongo” (…).
Que essa apartamento corresponde à actual FRACÇÃO “BA” – Habitação – Tipo T–Três – no terceiro andar direito, entrada F, topo Sul voltada a Poente, com garagem na cave com o número dezassete, no piso menos – dois, inscrita na respectiva matriz sob o artigo 6758-BA (…), integrada no prédio urbano situado no lugar de Calvelos, actual Rua da República, n.º 278-G (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de Fafe sob o n.º três mil quinhentos e vinte e um – Fafe (…);
(…) em aditamento ao mesmo (contrato promessa) vêm declarar o seguinte:
(…)
Primeiro
Que a construção do prédio urbano e da referida fracção autónoma (…) já se encontra concluída, tendo o prédio sido submetido ao regime da propriedade horizontal (…) e tendo sido atribuída a licença de utilização constante do Alvará número 93/09 emitido em 16/04/2009 pela Câmara Municipal de Fafe, com relação ao prédio onde se integra a indicada fracção autónoma “BA”.
Segundo:
Que já houve tradição do imóvel objecto deste contrato, tendo o promitente comprador, aqui representado da segunda outorgante, entrado na posse da identificada fracção autónoma “BA” em quatro de agosto de dois mil e nove;
Terceiro
Que a sociedade (…) já recebeu do promitente comprador, a totalidade do preço acordado pela venda da indicada fracção autónoma “BA”, conferindo-lhe pelo presente quitação”.
Quarto
Que atribuem ao mencionado contrato promessa de compra e venda eficácia real nos termos do artigo 413.º do Código Civil.
(…)”.
III.- A promessa de alienação nos termos que constam dos acordos referido em I e em II foi inscrita na Conservatória do Registo Predial de Fafe a 09-01-2012, por via da Ap. 1236, relativamente ao imóvel ali descrito sob o n.º 3521-BA (documento de fls. 890 a 892).
IV.- Os reclamantes pagaram a quantia de € 8.177,85 a título de IMT, tendo por base o facto tributário consubstanciado na celebração do contrato-promessa referido em I e II com tradição do imóvel nele referido.
V.- O imóvel identificado no acordo a que se alude em I a III foi entregue aos reclamantes, tendo estes procedido à sua ocupação em 4 de agosto e 2009, fazendo dela a sua residência quando, sendo emigrantes, se encontram em Portugal e pagando as despesas de água e de luz correspondentes.
VI.- Os reclamantes pagaram à sociedade entretanto declarada insolvente o preço estipulado de € 115.000,00.
[…]
*
D.- Factos respeitantes à reclamação do credor Daniel & F, Lda.
I.- A sociedade insolvente, como primeira outorgante e representada pelos seus sócios gerentes, e a reclamante Daniel & F, Lda., como segunda outorgante e representada pelos seus sócios gerentes, fizeram entre si o acordo escrito de fls. 301 e 302, cujo teor se dá aqui por reproduzido, no qual, com data de 21 de junho de 2009, e sob a epígrafe “Contrato Promessa de Compra e Venda” declararam, além do mais, o seguinte:
“(…)
1.º A primeira é dona e legítima possuidora da seguinte fracção autónoma:
FRACÇÃO AUTÓNOMA designada pela letra “D”- correspondente a uma Loja destinada a comércio, no rés-do-chão posterior direito, junto à entrada A, integrada num prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, composto de cave, rés-do-chão e quatro andares, situado na Urbanização Portas da Cidade, na freguesia, cidade e concelho de Fafe, descrito na Conservatória do Registo Predial de Fafe sob o número três mil novecentos e sessenta e três (…) e inscrito na matriz urbana sob o artigo 6205.
2.º A primeira promete vender à segunda que por sua vez lhe promete comprar a supra referida e identificada fracção autónoma.
3.º O objecto do presente contrato é vendido livre e desonerado de quaisquer ónus ou encargos.
4.º O preço do objecto do presente contrato é de 60.000,00 € (…) que será pago pela segunda à primeira da seguinte forma:
a) Considerando que a primeira reconhece e confessa ser devedora da segunda da quantia de 12.771,01 € (…), por fornecimento de produtos que esta lhe vendeu no exercício da sua actividade comercial, pretendem proceder à compensação deste valor no preço da fracção prometida vender, quantia esta que ambas, primeira e segunda, dão quitação;
b) a parte restante do preço, ou seja, a quantia de 47.228,99 € (…) será paga pela segunda à primeira com o fornecimento de materiais comercializados pela segunda e os quais são utilizados pela primeira na sua actividade de construção civil.
5.- A escritura definitiva do objecto do presente contrato será celebrada logo que se mostre pago o preço pela segunda à primeira, pagamento este feito através do fornecimento do material respectivo e que esta utiliza na sua actividade, podendo, em alternativa, a segunda optar por efectuar o pagamento do remanescente do preço em dinheiro.
(…)
7.- A segunda outorgante entra de imediato na posse do objecto do presente contrato, no qual poderá fazer quaisquer obras ou benfeitorias, sendo que estas ocorrem por sua conta e risco.
8.- A primeira entregou neste acto à segunda as chaves respectivas do objecto do presente contrato.
9.- As contraentes declaram, expressamente, dispensar o reconhecimento presencial das assinaturas apostas no presente contrato.
10.- Para o prédio onde se integra o objecto do presente contrato foi emitido o respectivo alvará de licença de utilização número quatrocentos e trinta e sete barra zero três, emitido pela Câmara Municipal de Fafe em 4 de dezembro de 2003.
11.- As contraentes subordinam o objecto do presente contrato à cláusula da execução específica nos termos do disposto no art.º 830.º do Código Civil”.
II.- A reclamante pagou à sociedade entretanto declarada insolvente o preço estipulado no acordo referido em I, fazendo-o mediante a entrega de artigos do seu comércio.
III.- A sociedade entretanto declarada insolvente entregou à reclamante as chaves da fração autónoma correspondente ao acordo referido em I.
IV.- Na sequência desse facto, a reclamante passou a usá-la para o fim a que se destina, designadamente, para guardar e armazenar tintas e ferragens, tudo produtos da sua atividade comercial.
[…]
*
F.- Factos respeitantes à reclamação dos credores Cristina E e Jorge M
I.- A sociedade insolvente, como primeira outorgante e representada pelos seus sócios gerentes, e a sociedade José G Imobiliária, Lda., como segunda outorgante e representada pela sua sócia gerente, fizeram entre si o acordo escrito de fls. 536 frente e verso, cujo teor se dá aqui por reproduzido, no qual, com data de 17 de maio de 2004, e sob a epígrafe “Contrato Promessa” declararam, além do mais, o seguinte:
“(…)
1.- A primeira outorgante promete vender ao segundo outorgante, que promete comprar àquela, livre de quaisquer ónus ou encargos, o seguinte prédio urbano:
Uma loja comercial n.º 4, no r/c, no lote n.º 3 entrada C e um aparcamento, com o n.º 53 na cave, com portão de fole, faz parte de um prédio urbano, situado no gaveto da Rua Dr. Summavielle Soares e Via Circular, denominado por Urbanização Portas da Cidade, na cidade de Fafe, que vai ser submetido ao regime de propriedade horizontal (…).
2.- O preço total de compra e venda é de 135.000€00 (…) e como pagamento, a primeira outorgante já recebeu do segundo a quantia de € 135.000€00 (…) de que dá quitação.
(…)
5.- A escritura será celebrada quando tudo estiver legal para o efeito.
6.- As partes atribuem ao presente contrato força de execução específica, nos termos do disposto no art.º 830.º, n.º 1 do Código Civil.
(…)
8.- Apesar da obrigatoriedade do reconhecimento das assinaturas na presença do Notário e da exibição da licença de construção, as partes prescindem dessa formalidade, pelo que nenhuma delas pode invocar a nulidade do presente contrato em juízo ou fora dele.
(…)”.
II.- A sociedade José Gonçalves Imobiliária, Lda., como primeira outorgante, a reclamante Cristina E, como segunda outorgante e a sociedade Ribeiro, P, Lda., como terceira outorgante, subscreveram o acordo escrito de fls. 537, cujo teor se dá aqui por reproduzido, no qual, com data de 17 de maio de 2004 e sob a epígrafe “Cessão de Posição Contratual do Contrato” celebrado em 2004/05/17, declararam, além do mais, o seguinte:
“(…)
É reciproca e livremente aceite e acordado o presente contrato de cessão da posição contratual que se rege pelas cláusulas seguintes:
1. Pelo presente contrato e com efeitos a contar da data da sua assinatura, a cedente cede à cessionária, que para todos os efeitos declara aceitar, a posição contratual de adquirente do imóvel (…) que constitui o objecto de venda no contrato celebrado em 2004/05/17.
2. A cedente garante aos cessionários a existência do contrato bem como a sua total validade, eficácia e conformidade legal, tanto de um ponto de vista formal como substancial, declarando os cessionários que têm perfeito conhecimento dos termos e condições do mesmo contrato, que nesta data é entregue pela cedente aos cessionários.
3. Os cessionários assumem todos os direitos e obrigações inerentes à sua posição contratual.
4. Considerando a assunção da posição contratual por parte dos cessionários, designadamente de aquisição do imóvel que já se encontra integralmente pago, a terceira outorgante aceita e autoriza a presente cessão e obriga-se a celebrar com os cessionários a competente escritura de compra e venda, entrando aqueles na posse do imóvel”.
(…)”.
III.- Os reclamantes pagaram a quantia pecuniária de € 8.775,00, a título de IMT devido pela realização do negócio a que se alude em II (documento de fls. 539 verso).
IV.- O preço estipulado no acordo a que se alude em I foi pago pela sociedade José G Imobiliária, Lda. à devedora Ribeiro P, Lda., mediante a entrega de um terreno da titularidade daquela; na sequência do negócio referido em II, os reclamantes Cristina E e Jorge M pagaram à sociedade José G Imobiliária, Lda. o valor correspondente ao preço estipulado no acordo.
V.- Os reclamantes receberam o imóvel da então vendedora, ora insolvente Ribeiro, P, Lda., em maio de 2004, realizando, então, obras na fração, na qual pretendiam instalar uma atividade comercial e de serviços, como veio a suceder.
[…]
*
F.- Factos respeitantes aos créditos de António J, Casimiro M, Friar, Lda., Júlio S, Manuel A e Maria D
[…]
III.- A sociedade insolvente, como primeira outorgante e representada pelos seus sócios gerentes, e a impugnante Maria D, como segunda outorgante, fizeram entre si o acordo escrito de fls. 652 e 653, cujo teor se dá aqui por reproduzido, no qual, com data de 11 de outubro de 2003, e sob a epígrafe “Contrato Promessa de Compra e Venda” declararam, além do mais, o seguinte:
“(…)
1.- A representada dos primeiros outorgantes promete vender ao segundo outorgante, que promete comprar àquela, as seguintes frações autónomas:
a) FRACÇÃO AUTÓNOMA designada pelas letras “A”, loja destinada a comércio, no rés-do-chão, composta por uma sala ampla e uma casa de banho;
b) FRACÇÃO AUTÓNOMA designada pelas letras “AM”, aparcamento, situado na cave, assinalado com o número 18;
Fracções essas integradas num prédio urbano em propriedade horizontal, sito na Urbanização Portas da Cidade, freguesia e concelho de Fafe (…);
2.- O preço total de compra e venda é de € 66.100,00 (…), que a representada dos primeiros outorgantes, como sinal e pagamento total, já recebeu do segundo outorgante, de que dá quitação;
3.- A segunda outorgante entra nesta data na posse das aludidas fracções, podendo frui-las como coisa sua e nelas exercer todos os actos de posse, designadamente, utilizando-as, dando-as de arrendamento ou alienando-as;
4.- A escritura será celebrada quando a segundo outorgante o desejar;
5.- As partes atribuem ao presente contrato força de execução específica, nos termos do disposto no art.º 830.º, n.º 1 do Código Civil.
(…)
7.- Apesar da obrigatoriedade do reconhecimento presencial das assinaturas e da exibição da licença de utilização, as partes prescindem dessa formalidade, pelo que nenhuma delas pode invocar a nulidade do presente contrato em juízo ou fora dele.
(…)”.
IV.- Por escritura outorgada perante notário a 9 de fevereiro de 2012, a sociedade insolvente, como primeira outorgante e por intermédio dos seus sócios gerentes, e a impugnante Maria D, fizeram entre si o acordo de fls. 646 a 650, cujo teor se dá aqui por reproduzido, nele declarando, sob a epígrafe “Contrato Promessa de Compra e Venda (aditamento)”, e além do mais, o seguinte:
“(…)
Que a sociedade (…) e a segunda outorgante celebraram entre si, em onze de outubro de dois mil e três, um contrato promessa de compra e venda, em que a representada dos primeiros outorgantes prometia vender à segunda outorgante as seguintes fracções autónomas, a saber:
Um – FRACÇÃO “A” – Loja destinada a comércio (…);
Dois – FRACÇÃO “AM” – garagem na cave (…).
(…)
Primeiro
Que já houve tradição do imóvel objecto deste contrato, tendo a promitente compradora, aqui segunda outorgante, entrado na posse das identificadas fracções autónomas “A” e “AM” em onze de outubro de dois mil e três.
Segundo
Que a sociedade (…) já recebeu da segunda outorgante a totalidade do preço acordado pela venda das indicadas fracções autónomas “A” e “AM”, conferindo-lhe pelo presente quitação”.
Terceiro
Que atribuem ao mencionado contrato promessa de compra e venda eficácia real nos termos do artigo 413.º do Código Civil.
(…)”.
IX.- A sociedade insolvente, como primeira outorgante e representada pelos seus sócios gerentes, e a impugnante Friar, Lda., como segunda outorgante e representada pelos seus sócios gerentes, fizeram entre si o acordo escrito de fls. 626 e 627, cujo teor se dá aqui por reproduzido, no qual, com data de 12 de dezembro de 2006, e sob a epígrafe “Contrato Promessa de Compra e Venda” declararam, além do mais, o seguinte:
“(…)
1.- A representada dos primeiros outorgantes promete vender à representada dos segundos outorgantes, que promete comprar àquela, o seguinte:
- FRACÇÃO AUTÓNOMA designada pela letra “G”, estabelecimento comercial no rés do chão, com uma garagem na cave, piso menos 1, com o número 45, integrada num prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito nas Rua da República e Rua Parque da Cidade, freguesia e concelho de Fafe, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 3521, inscrito na matriz sob o art.º 6758.º.
2.- O preço total de compra e venda é de € 100.000,00, que a representada dos primeiros outorgantes, como sinal e pagamento total, já recebeu do segundo outorgante, de que dá total e plena quitação;
3.- A representada dos segundos outorgantes entra nesta data na posse da aludida fracção, podendo frui-la como coisa sua e nela exercer todos os actos de posse, designadamente, fazer obras, dá-la de arrendamento e prometer aliená-la ou ceder a sua posição contratual.
4.- A escritura a titular o presente contrato será celebrada quando a representada dos segundos outorgantes o desejar e desde que estejam reunidos os documentos necessários à sua outorga;
5.- As partes atribuem ao presente contrato força de execução específica, nos termos do disposto no art.º 830.º, n.º 1 do Código Civil.
(…)
7.- Apesar da obrigatoriedade do reconhecimento presencial das assinaturas e da exibição da licença de construção e/ou utilização, as partes prescindem dessas formalidades, pelo que renunciam ao direito de invocar estas nulidades em juízo ou fora dele.
(…)”.
X.- Por escritura outorgada perante notário a 20 de janeiro de 2012, a sociedade insolvente, como primeira outorgante e por intermédio dos seus sócios gerentes, e a impugnante Friar, Lda., também por intermédio dos seus legais representantes, fizeram entre si o acordo de fls. 620 a 624, cujo teor se dá aqui por reproduzido, nele declarando, sob a epígrafe “Contrato Promessa de Compra e Venda (aditamento)”, e além do mais, o seguinte:
“(…)
Que a sociedade (…) e a sociedade representada pelos segundos outorgantes celebraram entre si, em doze de dezembro de dois mil e seis, um contrato promessa de compra e venda, em que a representada dos primeiros outorgantes prometia vender à sociedade representada pelos segundos outorgantes a Fracção G – Comércio, serviços, restauração e bebidas – Loja no rés do chão, norte/nascente, junto à entrada D e garagem na cave (…)
(…)
Primeiro
Que já houve tradição do imóvel objecto deste contrato, tendo a promitente compradora (…) entrado na posse da identificada fracção autónoma “G” em doze de dezembro de dois mil e seis.
Segundo
Que a sociedade (…) já recebeu da sociedade representada dos segundos outorgantes a totalidade do preço acordado pela venda da indicada fracção autónoma “G”, conferindo-lhe pelo presente quitação”.
Terceiro
Que atribuem ao mencionado contrato promessa de compra e venda eficácia real nos termos do artigo 413.º do Código Civil.
(…)”.
[…]
XIII.- Todos os impugnantes que fizeram os acordos a que se alude em I a XII pagaram à sociedade Ribeiro, Peixoto e Peixoto, Lda. o preço estipulado nesses acordos.
XIV.- Os imóveis mencionados nos acordos foram entregues aos impugnantes pela referida sociedade, passando:
(,,,)
- a reclamante Friar a utilizar a fração no âmbito da sua atividade comercial;
(…)
- a reclamante Maria D a utilizar a fração para fins inerentes a atividade comercial.
*
G.- Factos respeitantes aos reclamantes Joaquim L e Maria M
I.- A sociedade insolvente, como primeira outorgante e representada pelos seus sócios gerentes, e o impugnante Joaquim L, como segundo outorgante, fizeram entre si o acordo escrito de fls. 867 e 868, cujo teor se dá aqui por reproduzido, no qual, com data de 16 de abril de 2003, e sob a epígrafe “Contrato Promessa” declararam, além do mais, o seguinte:
“(…)
1.- A primeira outorgante promete vender ao segundo, que promete comprar àquela, livres de quaisquer ónus ou encargos, o seguinte prédio urbano:
- Uma Loja Comercial com o n.º 6, no lote n.º 3, e uma garagem n.º 85, na cave, faz parte de um prédio urbano, situado no gaveto da Rua Dr. José Summavielle Soares e Via Circular, denominado Urbanização Portas da Cidade, na cidade de Fafe (…).
(…)
2.- O preço total de compra e venda é de € 324.220$00 (…) e como sinal e princípio de pagamento a primeira outorgante já recebeu do segundo a quantia de € 75.000,00 (…).
3 - € 25.000€00 (…) durante o mês de julho de 2003.
4 – 75.000€00 (…) durante o mês de Julho de 2003.
5 – A restante parte do preço será paga durante o ano de 2004.
6.- A escritura será celebrada quando tudo estiver legal para o efeito.
7 – As partes atribuem ao presente contrato força de execução específica, nos termos do disposto no art.º 830.º, n.º 1 do Código Civil.
(…)
9 - Apesar da obrigatoriedade do reconhecimento das assinaturas na presença do Notário e da exibição da licença de construção, as partes prescindem dessa formalidade, pelo que nenhuma delas pode invocar a nulidade do presente contrato em juízo ou fora dele.
(…)”.
II.- Por escritura outorgada perante notário a 8 de novembro de 2011, a sociedade insolvente, como primeira outorgante e por intermédio dos seus sócios gerentes, e o impugnante Joaquim L, fizeram entre si o acordo de fls. 834 a 838, cujo teor se dá aqui por reproduzido, nele declarando, sob a epígrafe “Contrato Promessa de Compra e Venda (aditamento)”, e além do mais, o seguinte:
“(…)
Que a sociedade (…) e o segundo outorgante celebraram entre si, em dezasseis de abril de dois mil e três, um contrato promessa de compra e venda, em que a representada dos primeiros outorgantes prometia vender ao segundo outorgante uma loja comercial com o número seis no lote número três, da qual fazia parte uma garagem com o número oitenta e cinco na cave (…).
Que essa garagem corresponde à actual FRACÇÃO “F” – Comércio, Serviços e restauração e bebidas – loja – rés-do-chão direito, topo sul, junto à entrada “C” (…)
(…)
Segundo
Que já houve tradição do imóvel objecto deste contrato, tendo o promitente comprador, aqui segundo outorgante, entrado na posse da identificada fracção autónoma “F” em dezasseis de abril de dois mil e cinco.
Terceiro
Que a sociedade (…) já recebeu do segundo outorgante a totalidade do preço acordado pela venda da indicada fracção autónoma “F”, conferindo-lhe pelo presente quitação”.
Quarto
Que atribuem ao mencionado contrato promessa de compra e venda eficácia real nos termos do artigo 413.º do Código Civil.
(…)”.
III.- A sociedade insolvente, como primeira outorgante e representada pelos seus sócios gerentes, e o impugnante Joaquim L, como segundo outorgante, fizeram entre si o acordo escrito de fls. 778 e 779, cujo teor se dá aqui por reproduzido, no qual, com data de 16 de abril de 2003, e sob a epígrafe “Contrato Promessa” declararam, além do mais, o seguinte:
“(…)
1.- A primeira outorgante promete vender ao segundo, que promete comprar àquela, o seguinte:
- Uma garagem n.º 85, na cave, faz parte de um prédio urbano, situado no gaveto da Rua Dr. José Summavielle Soares e Via Circular, denominado por Urbanização Portas da Cidade, na cidade de Fafe (…).
2.- O preço total de compra e venda é de € 8.000,00 (…) e como sinal e pagamento integral a primeira outorgante já recebeu do segundo a quantia de € 8.000,00 (…), da qual dá quitação.
3.- A escritura será celebrada quando tudo estiver legal para o efeito.
4.- As partes atribuem ao presente contrato força de execução específica, nos termos do disposto no art.º 830.º, n.º 1 do Código Civil.
(…)
6.- Apesar da obrigatoriedade do reconhecimento das assinaturas na presença do Notário e da exibição da licença de construção, as partes prescindem dessa formalidade, pelo que nenhuma delas pode invocar a nulidade do presente contrato em juízo ou fora dele.
(…)”.
IV.- Por escritura outorgada perante notário a 10 de janeiro de 2012, a sociedade insolvente, como primeira outorgante e por intermédio dos seus sócios gerentes, e o impugnante Joaquim L, fizeram entre si o acordo de fls. 787 a 791, cujo teor se dá aqui por reproduzido, nele declarando, sob a epígrafe “Contrato Promessa de Compra e Venda (aditamento)”, e além do mais, o seguinte:
“(…)
Que a sociedade (…) e o segundo outorgante celebraram entre si, em dezasseis de abril de dois mil e três, um contrato promessa de compra e venda, em que a representada dos primeiros outorgantes prometia vender ao segundo outorgante uma garagem com o número oitenta e cinco na cave (…).
Que essa garagem corresponde à actual FRACÇÃO “AL” – aparcamento na cave (…), com o número oitenta e cinco (…)
Segundo
Que já houve tradição do imóvel objecto deste contrato, tendo o promitente comprador, aqui segundo outorgante, entrado na posse da identificada fracção autónoma “AL” em dezasseis de abril de dois mil e sete.
Terceiro
Que a sociedade (…) já recebeu do segundo outorgante a totalidade do preço acordado pela venda da indicada fracção autónoma “AL”, conferindo-lhe pelo presente quitação”.
Quarto
Que atribuem ao mencionado contrato promessa de compra e venda eficácia real nos termos do artigo 413.º do Código Civil.
(…)”.
V.- A sociedade insolvente, como primeira outorgante e representada pelos seus sócios gerentes, e o impugnante Joaquim L, como segundo outorgante, fizeram entre si o acordo escrito de fls. 793 e 794, cujo teor se dá aqui por reproduzido, no qual, com data de 29 de julho de 2005, e sob a epígrafe “Contrato Promessa” declararam, além do mais, o seguinte:
“(…)
1.- A primeira outorgante promete vender ao segundo, que promete comprar àquela, o seguinte:
- FRACÇÂO “F” LOJA COMERCIAL, com o n.º 58, sita na Urbanização Portas da Cidade, lote n.º 2, na cidade de Fafe (…).
2.- O preço total de compra e venda é de € 62.500,00 (…) e como sinal de pagamento a primeira outorgante já recebeu do segundo a quantia de € 62.500,00 (…).
3.- A escritura será celebrada quando tudo estiver legal para o efeito.
4.- As partes atribuem ao presente contrato força de execução específica, nos termos do disposto no art.º 830.º, n.º 1 do Código Civil.
(…)
6.- Apesar da obrigatoriedade do reconhecimento das assinaturas na presença do Notário e da exibição da licença de construção, as partes prescindem dessa formalidade, pelo que nenhuma delas pode invocar a nulidade do presente contrato em juízo ou fora dele.
(…)”.
VI.- Por escritura outorgada perante notário a 8 de novembro de 2011, a sociedade insolvente, como primeira outorgante e por intermédio dos seus sócios gerentes, e o impugnante Joaquim Luís Pereira de Castro fizeram entre si o acordo de fls. 834 a 838, cujo teor se dá aqui por reproduzido, nele declarando, sob a epígrafe “Contrato Promessa de Compra e Venda (aditamento)”, e além do mais, o seguinte:
“(…)
Que a sociedade (…) e o segundo outorgante celebraram entre si, em dezasseis de abril de dois mil e três, um contrato promessa de compra e venda, em que a representada dos primeiros outorgantes prometia vender ao segundo outorgante uma loja comercial com o número seis no lote número três, da qual fazia parte uma garagem com o número oitenta e cinco na cave, loja essa que integrava um prédio urbano (…) situado no gaveto da Rua Dr. José Summavielle Soares e via circular, na freguesia e concelho de Fafe.
Que essa loja corresponde à actual FRACÇÃO “F” – Comércio, Serviços e restauração e bebidas – loja – no rés do chão direito, topo sul, junto À entrada “C (…).
Segundo
Que já houve tradição do imóvel objecto deste contrato, tendo o promitente comprador, aqui segundo outorgante, entrado na posse da identificada fracção autónoma “F” em dezasseis de abril de dois mil e cinco.
Terceiro
Que a sociedade (…) já recebeu do segundo outorgante a totalidade do preço acordado pela venda da indicada fracção autónoma “F”, conferindo-lhe pelo presente quitação”.
Quarto
Que atribuem ao mencionado contrato promessa de compra e venda eficácia real nos termos do artigo 413.º do Código Civil.
(…)”.
VII.- O reclamante despendeu, a título de IMT tendo como facto tributário a celebração dos acordos referidos em I a VI e a tradição dos imóveis neles contemplados, a quantia de € 31.086,00.
VIII.- Os imóveis mencionados nos acordos referidos em I a VI foram entregues aos impugnantes, passando estes a ocupá-los em 16 de abril de 2005, em 16 de abril de 2007 e em 29 de julho de 2009, sendo que na loja referida em V e em VI instalaram por sua conta um estabelecimento de pronto a vestir e na referida em I e em II permitindo o seu arrendamento, recebendo as rendas correspondentes, à instituição bancária F, atualmente Caixa E.
XIX.- Os impugnantes pagaram à sociedade insolvente, no âmbito dos acordos referidos em I a VII, a quantia global de € 394.220,00 (€ 324.220 + 8.000,00 + 62.500,00).
*
H.- Dos bens apreendidos para a massa insolvente
I.- Foram apreendidos para a massa insolvente os bens móveis descritos sob as verbas n.ºs 1 a 5 do auto de apreensão de bens móveis de fls. 3 e 4 do apenso A, cujo teor se dá aqui por reproduzido.
*
II.- Foram, também, apreendidos para a massa insolvente os seguintes bens imóveis, descritos no auto de apreensão de fls. 6 a 11 do apenso A:
Verba n.º 1: prédio rústico, denominado Campo da Tapada de Baixo, de lavradio e vinho, com 1.380 m2, sito em Ranha, freguesia de Quinchães, concelho de Fafe, inscrito na matriz sob o art.º 405.º.
Verba n.º 2: prédio rústico, denominado três leiras do Tapado, de lavradio e vinho, com 1.970 m2, sito em Ranha, freguesia de Quinchães, concelho de Fafe, inscrito na matriz sob o art.º 406.º;
Verba n.º 3: prédio rústico, denominado três leiras do Tapado da Leira da estrada, de lavradio e vinho, com 1.590 m2, sito em Ranha, freguesia de Quinchães, concelho de Fafe, descrito na CRP de Fafe sob o n.º 315 e inscrito na matriz sob o art.º 407.º;
Verba n.º 4: prédio rústico, denominado Campo da Chã, de lavradio e vinho, com 5.400 m2, sito em Ranha, freguesia de Quinchães, concelho de Fafe, descrito na CRP de Fafe sob o n.º 338 e inscrito na matriz sob o art.º 406.º;
Verba n.º 5: prédio urbano, correspondente à fração autónoma “A”, composta por Loja destinada a comércio, com a área de 94,33 m2, sita na Rua Dr. José Summavielle Soares, n.º 141 r/c esquerdo, na Urbanização Portas da Cidade, freguesia e concelho de Fafe, descrito na CRP de Fafe sob o n.º 3962 e inscrita na matriz sob o art.º 6180-A;
Verba n.º 6: prédio urbano, correspondente à fracção autónoma AM, composta por aparcamento na cave com o n.º 18, sita na Rua Dr. José Summavielle Soares, n.º 141 CV, na Urbanização Portas da Cidade, freguesia e concelho de Fafe, descrito na CRP de Fafe sob o n.º 3962 e inscrita na matriz sob o art.º 6180-AM;
Verba n.º 7: prédio urbano, correspondente à fracção autónoma AG, composta por aparcamento na cave com o n.º 41, sita na Rua Dr. José Summavielle Soares, n.º 110 CV, na Urbanização Portas da Cidade, freguesia e concelho de Fafe, descrito na CRP de Fafe sob o n.º 3963-AG e inscrita na matriz sob o art.º 6205-AG;
Verba n.º 8: prédio urbano, correspondente à fracção autónoma AH, composta por aparcamento na cave com o n.º 42, sita na Rua Dr. José Summavielle Soares, n.º 110 CV, na Urbanização Portas da Cidade, freguesia e concelho de Fafe, descrito na CRP de Fafe sob o n.º 3963-AH e inscrita na matriz sob o art.º 6205-AH;
Verba n.º 9: prédio urbano, correspondente à fracção autónoma AJ, composta por aparcamento na cave com o n.º 53, sita na Rua Dr. José Summavielle Soares, n.º 110 CV, na Urbanização Portas da Cidade, freguesia e concelho de Fafe, descrito na CRP de Fafe sob o n.º 3963-AJ e inscrita na matriz sob o art.º 6205-AJ;
Verba n.º 10: prédio urbano, correspondente à fracção autónoma AL, composta por aparcamento na cave com o n.º 56, sita na Rua Dr. José Summavielle Soares, n.º 110 CV, na Urbanização Portas da Cidade, freguesia e concelho de Fafe, descrito na CRP de Fafe sob o n.º 3963-AL e inscrita na matriz sob o art.º 6205-AL;
Verba n.º 11: prédio urbano, correspondente à fracção autónoma AM, composta por aparcamento na cave com o n.º 57, sita na Rua Dr. José Summavielle Soares, n.º 110 CV, na Urbanização Portas da Cidade, freguesia e concelho de Fafe, descrito na CRP de Fafe sob o n.º 3963-AM e inscrita na matriz sob o art.º 6205-AM;
Verba n.º 12: prédio urbano, correspondente à fração autónoma D, composta por loja destinada a comércio, sita na Rua Dr. José Summavielle Soares, n.º 110 r/c posterior direito, na Urbanização Portas da Cidade, freguesia e concelho de Fafe, descrito na CRP de Fafe sob o n.º 3963-D e inscrita na matriz sob o art.º 6205-D;
Verba n.º 13: prédio urbano, correspondente à fração autónoma F, composta por loja destinada a comércio, sita na Rua Dr. José Summavielle Soares, n.º 110 r/c posterior esquerdo, na Urbanização Portas da Cidade, freguesia e concelho de Fafe, descrito na CRP de Fafe sob o n.º 3963-F e inscrita na matriz sob o art.º 6205-F;
Verba n.º 14: prédio urbano, correspondente à fração autónoma AF, composta por aparcamento na cave, sita na Rua Dr. José Summavielle Soares, lote 3 CV, descrito na CRP de Fafe sob o n.º 3964-AF e inscrita na matriz sob o art.º 6342-AF;
Verba n.º 15: prédio urbano, correspondente à fração autónoma AG, composta por aparcamento na cave, sita na Rua Dr. José Summavielle Soares, lote 3 cv, descrito na CRP de Fafe sob o n.º 3964-AG e inscrita na matriz sob o art.º 6342-AG;
Verba n.º 16: prédio urbano, correspondente à fração autónoma AH, composta por aparcamento na cave, sita na Rua Dr. José Summavielle Soares, lote 3 CV, freguesia e concelho de Fafe, descrito na CRP de Fafe sob o n.º 3964-AH e inscrita na matriz sob o art.º 6342-AH;
Verba n.º 17: prédio urbano, correspondente à fração autónoma AI, composta por aparcamento na cave, sita na Rua Dr. José Summavielle Soares, lote 3 cv, freguesia e concelho de Fafe, descrito na CRP de Fafe sob o n.º 3964-AI e inscrita na matriz sob o art.º 6342-AI;
Verba n.º 18: prédio urbano, correspondente à fração autónoma AJ, composta por aparcamento na cave, sita na Rua Dr. José Summavielle Soares, lote 3 cv, freguesia e concelho de Fafe, descrito na CRP de Fafe sob o n.º 3964-AJ e inscrita na matriz sob o art.º 6342-AJ;
Verba n.º 19: prédio urbano, correspondente à fração autónoma AL, composta por aparcamento na cave, sita na Rua Dr. José Summavielle Soares, lote 3 cv, freguesia e concelho de Fafe, descrito na CRP de Fafe sob o n.º 3964-AL e inscrita na matriz sob o art.º 6342-AL;
Verba n.º 20: prédio urbano, correspondente à fração autónoma D, composta por loja, sita na Rua Dr. José Summavielle Soares, lote 3 r/c frente direito, freguesia e concelho de Fafe, descrito na CRP de Fafe sob o n.º 3964-D e inscrita na matriz sob o art.º 6342-D;
Verba n.º 21: prédio urbano, correspondente à fração autónoma E, composta por loja, sita na Rua Dr. José Summavielle Soares, lote 3 r/c frente esquerdo, freguesia e concelho de Fafe, descrito na CRP de Fafe sob o n.º 3964-E e inscrita na matriz sob o art.º 6342-E;
Verba n.º 22: prédio urbano, correspondente à fração autónoma F, composta por loja, sita na Rua Dr. José Summavielle Soares, lote 3 r/c direito, cv, freguesia e concelho de Fafe, descrito na CRP de Fafe sob o n.º 3964-F e inscrita na matriz sob o art.º 6342-F;
Verba n.º 23: prédio urbano, correspondente à fração autónoma R, composta por habitação tipo T3, no primeiro andar direito, na entrada C, sita na Rua Dr. José Summavielle Soares, lote 3 r/c direito, freguesia e concelho de Fafe, descrito na CRP de Fafe sob o n.º 3964-R e inscrita na matriz sob o art.º 6342-R;
Verba n.º 24: prédio urbano, correspondente à fração autónoma BA, composta por habitação tipo T3, no terceiro andar direito, na entrada F, e garagem na cave com o n.º 17, sita na Rua da República, n.º 278-F 3.º andar direito, freguesia e concelho de Fafe, descrito na CRP de Fafe sob o n.º 3521-BA e inscrita na matriz sob o art.º 6758-BA;
Verba n.º 25: prédio urbano, correspondente à fração autónoma BD, composta por garagem n.º 29, no piso -1, sita na Rua da República, n.º 278-A CV-1, freguesia e concelho de Fafe, descrito na CRP de Fafe sob o n.º 3521-BD e inscrita na matriz sob o art.º 6758-BD;
Verba n.º 26: prédio urbano, correspondente à fração autónoma BE, composta por garagem n.º 27, no piso -1, sita na Rua da República, n.º 278-A CV-1, freguesia e concelho de Fafe, descrito na CRP de Fafe sob o n.º 3521-BE e inscrita na matriz sob o art.º 6758-BE;
Verba n.º 27: prédio urbano, correspondente à fração autónoma BF, composta por garagem n.º 5 no piso -2, sita na Rua da República, n.º 278-A cv-2, freguesia e concelho de Fafe, descrito na CRP de Fafe sob o n.º 3521-BF e inscrita na matriz sob o art.º 6758-BF;
Verba n.º 28: prédio urbano, correspondente à fração autónoma F, composta por loja e garagem com o n.º 26 no piso -1, sita na Rua Parque da Cidade, n.º 134 r/c, freguesia e concelho de Fafe, descrito na CRP de Fafe sob o n.º 3521-F e inscrita na matriz sob o art.º 6758-F;
Verba n.º 29: prédio urbano, correspondente à fração autónoma G, composta por loja e garagem na cave com o n.º 45 no piso -1, sita na Rua da República, n.º 278 – D r/c, freguesia e concelho de Fafe, descrito na CRP de Fafe sob o n.º 3521-G e inscrita na matriz sob o art.º 6758-G;
Verba n.º 30: prédio urbano, correspondente à fração autónoma I, composta por habitação tipo T3, no primeiro andar direito, junto à entrada A, e garagem na cave com o n.º 31 no piso -1, sita na Rua da República, n.º 278 – A 1.º andar direito, freguesia e concelho de Fafe, descrito na CRP de Fafe sob o n.º 3521-I e e inscrita na matriz sob o art.º 6758-I;
Verba n.º 31: prédio urbano, correspondente à fração autónoma R, composta por habitação tipo T2, no primeiro andar posterior direito, na entrada C, sita na Rua da República, n.º 278 – C 1.º andar posterior direito, freguesia e concelho de Fafe, descrito na CRP de Fafe sob o n.º 3521-R e inscrita na matriz sob o art.º 6758-R;
Verba n.º 32: prédio correspondente a terreno para construção com 1.122 m2, lote 17, sito no lugar do Arieiro, freguesia de Mesão Frio, concelho de Guimarães, inscrito na matriz sob o art.º 1748.º.
*
Com relevância para a decisão a proferir por este Tribunal de recurso, importa, ainda, ter em consideração a seguinte factualidade que resulta da matéria explanada pelo Sr. Administrador da Insolvência nas notas explicativas constantes da lista de créditos reconhecidos e dos elementos constantes dos autos, que não foram impugnados (cfr. artº. 5°, nº. 2, al. a) do NCPC “ex vi” do artº. 17º do CIRE):
1. Por contrato escrito celebrado em 24/10/2011, os credores reclamantes Jorge M e esposa Clara F deram de arrendamento a Liliana M o apartamento correspondente à fracção autónoma “R” supra referida em A) – II e IV, para sua habitação própria, mediante o pagamento de uma renda mensal no valor de € 300 (fls. 56 a 59).
2. Sobre as fracções supra referidas em A) – I a IV (verbas nºs 28 e 31 do auto de apreensão), B) – I e II (verba nº. 24 do auto de apreensão), F) – IX e X (verba nº. 29 do auto de apreensão) estão constituídas hipotecas voluntárias a favor da Caixa E, para garantia de empréstimo bancário concedido à insolvente (cfr. fls. 13 e 1495).
3. Sobre as fracções supra referidas em D) – I (verba nº. 12 do auto de apreensão), F) – I (verbas nºs 9 e 20 do auto de apreensão), F) – III e IV (verbas nºs 5 e 6 do auto de apreensão) e G) – I a VI (verbas nºs 13, 19 e 22 do auto de apreensão) estão constituídas hipotecas voluntárias a favor da Caixa G, para garantia de empréstimo bancário concedido à insolvente (cfr. fls. 13 e 1496 e fls. 369 a 377).
Por outro lado, na sentença recorrida foram considerados não provados os seguintes factos [transcrição]:
a.- Que o valor da tijoleira referido na cláusula 6.ª do acordo referido em A-1 ascenda a € 7.000,00.
*
Apreciando e decidindo.
A) – Recurso dos credores reclamantes Maria D e Friar, Lda.:
Insurgem-se os ora recorrentes contra a sentença recorrida que qualificou os seus créditos como comuns, pese embora com origem em contratos-promessa de compra e venda a que foi atribuída eficácia real e em que houve tradição da coisa, graduando-os em conformidade com a respectiva natureza, pugnando pelo cumprimento de tais contratos-promessa por eles celebrados com a insolvente e pela transmissão dos imóveis deles objecto para a sua titularidade livres de quaisquer ónus e encargos.
Argumentam, para tanto, que estando os aludidos contratos-promessa dotados de eficácia real e tendo havido tradição da coisa a favor dos promitentes-compradores, o AI não pode recusar o cumprimento dos mesmos, nos termos do artº. 106º, nº. 1 do CIRE, não sendo o contrato-promessa com eficácia real afectado, em circunstância alguma, pela declaração de insolvência, pelo que encontrando-se os imóveis na posse dos promitentes-compradores/recorrentes e tendo estes já pago a totalidade do preço ao devedor, antes da declaração de insolvência, tal cumprimento, em seu entender, operaria o cancelamento dos ónus e encargos que incidem sobre os bens objecto dos referidos contratos-promessa.
Idêntica posição foi assumida pelos credores reclamantes Joaquim L e esposa Maria M, António L e esposa Maria D, Jorge M e esposa Clara F, a cujos contratos-promessa foi atribuída eficácia real e que beneficiaram da tradição da coisa, todos eles também aqui recorrentes, como mais adiante se explanará.
Conforme se alcança dos autos, todos os promitentes-compradores/credores reclamantes nesta situação manifestaram a pretensão de verem cumpridos os contratos-promessa que celebraram, mas não se disponibilizaram a pagar qualquer quantia suplementar ao preço já anteriormente pago, tendo em vista a expurgação das hipotecas que oneram os imóveis que pretendem adquirir. Por outro lado, pugnaram por aquela solução invocando que o cumprimento dos contratos-promessa equivaleria a uma “venda judicial” que, como tal, se processaria com a extinção automática dos ónus e encargos que incidem sobre os imóveis.
Na sequência do que é referido na sentença sob censura, bem vistas as coisas, subjacente à pretensão destes promitentes-compradores/recorrentes não está propriamente a apreciação da questão relacionada com o regime do cumprimento dos contratos previsto no CIRE como decorrência da declaração da insolvência – mormente, o regime estabelecido no artº. 106º, nº. 1 relativo aos contratos-promessa com eficácia real e tradição da coisa – mas sim a questão de saber se esse cumprimento consubstancia, de facto, uma venda equiparável a uma venda judicial, com a virtualidade de, atento o disposto no artº. 824º, nº. 2 do Código Civil, extinguir os direitos reais de garantia que oneram os imóveis a vender.
Analisemos, pois, a questão suscitada pelos recorrentes.
Prescreve o artº. 106º, nº. 1 do CIRE que “no caso de insolvência do promitente-vendedor, o administrador da insolvência não pode recusar o cumprimento do contrato-promessa com eficácia real, se já tiver havido tradição da coisa a favor do promitente-comprador”.
Ora, o processo de insolvência é um processo de execução universal que tem por finalidade a liquidação do património de um devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores, ou a satisfação destes pela forma prevista num plano de insolvência que, nomeadamente, se baseie na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente (artº. 1º do CIRE).
Assim, na insolvência os credores hipotecários visam obter o pagamento do seu crédito e, pelo tratamento preferencial que a hipoteca lhes confere, através do produto da venda do bem sobre o qual recai a hipoteca. Vale por dizer que com a venda dos bens, os credores hipotecários vêem extinguir-se a garantia dada pela hipoteca, transferindo-se a sua preferência para o produto da venda. Por regra, mercê da sequela própria dos direitos reais, que permite ao titular do direito hipotecário invocá-lo onde quer que o bem se encontre, isto é, mesmo que tenha sido transmitido a terceiro após a constituição do direito, a hipoteca acompanha a coisa, independentemente de quaisquer vicissitudes e onde quer que ela se encontre (cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 3ª ed., pág. 122).
O que significa que os bens hipotecados podem ser transmitidos, mas o respectivo ónus acompanha-os, ou seja, transmitida a propriedade de um imóvel onerado com uma hipoteca, o mesmo permanecerá onerado até que o adquirente a expurgue, nos termos do artº. 721º do Código Civil (cfr. Almeida Costa, Direito das Obrigações, 4ª ed., pág. 671).
Com a declaração de insolvência todos os poderes de administração e disposição dos bens integrantes da massa insolvente são transferidos para o administrador da insolvência (artº. 81º, nº. 1 do CIRE).
A actividade do administrador da insolvência é, pois, predominantemente dirigida à preparação do pagamento de dívidas do insolvente através da liquidação do património do devedor; é orientada para a satisfação dos interesses dos credores com vista à administração e liquidação da massa insolvente. E essa satisfação dos credores, sejam da insolvência ou da massa, concretiza-se pelo pagamento daquilo que lhes é devido (cfr. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2ª ed., 2013, Quid Juris, pág. 360).
Como é sabido, a declaração de insolvência produz determinados efeitos jurídicos.
Alguns deles repercutem-se nos negócios jurídicos celebrados pelo insolvente e que ainda estejam em curso, ou seja, relativamente aos quais ainda não houve cumprimento integral pelo insolvente e/ou pela contraparte.
Assim, estando em causa contratos bilaterais ainda não cumpridos, o respectivo cumprimento fica suspenso, conferindo-se ao AI o encargo de, agindo de forma criteriosa e ordenada, optar pela recusa ou pelo cumprimento do contrato, em função daquela que seja no caso concreto a melhor solução para a prossecução dos interesses da massa insolvente e para a satisfação dos créditos sobre a insolvência. É isso o que decorre, em termos gerais, do regime plasmado no artº. 102º, nº. 1 do CIRE.
É neste âmbito que se insere o regime do cumprimento dos contratos-promessa. Relativamente a estes – com excepção daqueles aos quais tenha sido conferida eficácia real e em que tenha ocorrido tradição da coisa a favor do promitente-comprador, que se enquadram na previsão do supra citado artº. 106º, nº. 1 do CIRE – cabe ao AI, no âmbito da administração da massa insolvente que lhe cumpre levar a cabo, ponderar se o interesse da massa aconselha o cumprimento dos contratos ou se, pelo contrário, impõe a recusa do cumprimento, agindo, então, em conformidade com a posição adoptada.
No cumprimento do contrato-promessa de compra e venda de um imóvel, a acção do AI limita-se à substituição subjectiva da pessoa do promitente-vendedor (o insolvente) no acto translativo da propriedade do imóvel (a escritura pública de compra e venda).
Ora, questão diferente dos efeitos jurídicos da declaração de insolvência nos negócios em curso é a da liquidação da massa insolvente (que consiste na venda dos bens que integram o património do insolvente e repartição do produto obtido pelos credores, respeitando as preferências de pagamento de que estes possam gozar).
No caso do cumprimento de um negócio em curso à data da declaração de insolvência, estamos perante um acto do AI inserido na administração da massa insolvente e que deverá ser levado a cabo norteado pelos critérios de boa administração da massa. Como tal, tratar-se-á de um acto da exclusiva responsabilidade do Administrador e que deverá reger-se pelas regras do direito civil substantivo.
No segundo caso, estamos perante um acto que diz respeito à liquidação do património do insolvente e, assim, à vertente executiva (de vocação universal) de que o processo de insolvência se reveste para prosseguir os seus fins, a levar a cabo no quadro do próprio processo de insolvência (em apenso próprio) e, portanto, com intervenção judicial.
A venda de um bem pelo AI em representação da massa insolvente, mas em cumprimento de um contrato celebrado anteriormente à declaração de insolvência é, assim, uma realidade distinta da venda de um bem pura e simplesmente apreendido para essa massa tendo em vista a obtenção de um produto a repartir pelos credores, de acordo com as preferências de pagamento de que beneficiem.
Partilhamos da posição defendida pelo Tribunal “a quo” na sentença recorrida no sentido de que o cumprimento, pelo AI, de um contrato-promessa celebrado anteriormente à declaração de insolvência (no âmbito do regime previsto nos artºs 102º e seguintes do CIRE), não consubstancia uma venda que se insira na liquidação do activo do devedor, não tendo a virtualidade, em razão da sua realização, de extinguir os direitos reais de garantia que onerem os bens transmitidos com fundamento no disposto no artº. 824º, nº. 2 do Código Civil.
Como bem se refere na sentença recorrida «estando em causa a celebração de contratos com inteira observância do regime jurídico que o direito civil lhe impõe, a venda a realizar com esse fundamento implicará que qualquer ónus ou direito real de garantia que onere o bem objeto do negócio acompanhe esse bem, atento o princípio da “sequela” que norteia os direitos reais, cabendo depois ao adquirente, se o pretender, diligenciar pela extinção do ónus ou da garantia e sub-rogar-se nos direitos do titular da garantia sobre o devedor».
No caso concreto dos credores Maria D e Friar, Lda., ora recorrentes, os imóveis objecto dos contratos-promessa por eles celebrados, na qualidade de promitentes-compradores, estão onerados com hipotecas constituídas a favor dos credores Caixa E e Caixa G.
Os ora recorrentes/promitentes-compradores pretendem que os contratos-promessa em causa sejam cumpridos pelo AI e que esse cumprimento seja acompanhado da extinção das referidas hipotecas, nos termos do já citado artº. 824º, nº. 2 do Código Civil.
A posição do Sr. Administrador da Insolvência a esse respeito, expressa nas notas explicativas constantes da sua lista de credores, foi no essencial a seguinte: relativamente aos contratos-promessa com eficácia real e em que já tenha havido tradição da coisa a favor do promitente-comprador, a opção pelo respectivo cumprimento implicaria a realização de um negócio que não constituiria uma venda no âmbito da liquidação do activo, não tendo, assim, a virtualidade de extinguir os ónus (v.g. hipotecas) incidentes sobre os imóveis da titularidade dos credores bancários. Ora, estando o preço já integralmente pago pelos promitentes-compradores, estes, aquando do cumprimento, não teriam de proceder ao pagamento de qualquer quantia suplementar.
Ou seja, do cumprimento dos contratos não adviria qualquer contrapartida pecuniária para a massa insolvente que pudesse satisfazer, ao menos parcialmente, os créditos das instituições bancárias, e uma vez que estas não se disponibilizaram a facultar, sem mais, os distrates das hipotecas que oneram as fracções, entendeu o AI que o cumprimento dos contratos mostrava-se inviável, não restando outra alternativa que não a do reconhecimento dos créditos dos promitentes-compradores em causa como garantidos pelo direito de retenção sobre os imóveis, mas sob condição (da verificação do facto futuro e incerto de algum dos credores bancários facultar o distrate das hipotecas, ou então, como se refere na sentença, de os promitentes-compradores se disponibilizarem a entregar-lhes uma qualquer quantia pecuniária que os induzisse a fazê-lo, o que não aconteceu) – sendo certo que o Tribunal “a quo” qualificou tais créditos como comuns, qualificação contra a qual o ora recorrentes não se insurgiram.
Por outro lado, a pretensão dos recorrentes tem, ainda, subjacente o entendimento de que o cumprimento dos contratos-promessa equivaleria a uma “venda judicial”, o que determinaria a extinção automática dos ónus e encargos que incidem sobre os imóveis.
Conforme se refere no acórdão da Relação do Porto de 3/12/2012 (proc. nº. 474/08.1TYVNG-M, acessível em www.dgsi.pt), citado na sentença recorrida, “a regra geral é a de que a venda seja feita com libertação das garantias incidentes sobre o bem vendido, visto ser essa a melhor forma de assegurar a protecção dos direitos que as garantias visam proteger”, mas, também, a de que “a ratio destes direitos de terceiro serem caducáveis reside na sua transferência para o produto da venda”.
Ora, a partir do momento em que se aceita a transferência da garantia real (neste caso, da hipoteca) do bem vendido para o produto da venda, mas também em que se faz depender uma coisa da outra, logo se coloca a questão sobre o tratamento a dar às situações em que o promitente-comprador já havia pago integralmente ou a maior parte do preço em momento anterior à declaração da insolvência e em que, por isso mesmo, do cumprimento do contrato não resultará qualquer produto ou, pelo menos, o produto suficiente para a satisfação dos credores garantidos.
Em face do acima exposto, forçoso será concluir que a garantia hipotecária não poderá ser aniquilada em função do cumprimento do contrato-promessa pelo Administrador da Insolvência. Como se menciona no citado acórdão, referindo-se a casos como este, “é inquestionável que a hipoteca (…) não pode deixar de conferir ao credor o direito a ser pago pelo valor da coisa hipotecada, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou prioridade no registo (art.º 686.º, n.º 1 do Código Civil).”
E de acordo com o mesmo aresto, a única solução compaginável com a defesa do crédito hipotecário será a de admitir o cumprimento do contrato-promessa com a oneração do imóvel nele abrangido, conferindo ao promitente-comprador a faculdade de recusar o seu cumprimento e de exercer os seus direitos na insolvência, reclamando o seu crédito, já reconhecido pelo AI, beneficiando, se for caso disso, do direito de retenção que invoca.
Retornando ao caso em apreço, resultou provado nos autos que os ora recorrentes encontram-se na posse dos imóveis abrangidos pelos contratos-promessa que celebraram e já pagaram à devedora, antes da declaração de insolvência, a totalidade do preço estipulado para a sua aquisição, não sendo, por conseguinte, possível assegurar a preferência no pagamento dos credores hipotecários, porquanto do cumprimento do contrato não resultará qualquer quantia pecuniária para a massa insolvente, o que determina que a transmissão dos imóveis para os ora recorrentes se opere com a oneração das hipotecas.
Se assim não se entendesse, a transmissão dos imóveis para a titularidade dos promitentes-compradores com o cancelamento das hipotecas que sobre eles incidem, como pretendem os recorrentes, deixaria desprotegidos os credores hipotecários, que veriam os seus créditos tratados como comuns (cfr. acórdão da RP de 3/12/2012 acima referido).
Assim sendo, mesmo defendendo-se a tese de que o cumprimento dos contratos-promessa equivaleria a uma venda judicial, feita no âmbito da liquidação da massa insolvente, a verdade é que a mesma não seria de aplicar neste caso, uma vez que não estaria salvaguardada a posição dos credores hipotecários.
Nesta conformidade, sendo cumpridos os contratos-promessa em questão, os imóveis neles contemplados serão necessariamente transmitidos no estado em que se encontram, mormente com a oneração das hipotecas que incidem sobre os mesmos, cabendo apenas aos adquirentes, se mantiverem interesse no cumprimento da promessa e o AI o aceitar, diligenciar pela extinção das hipotecas e sub-rogar-se nos direitos dos credores hipotecários, se ainda estiverem em tempo de o fazer.
Não merecendo a sentença recorrida, nesta parte, qualquer censura, improcede o recurso interposto pelos credores Maria D e Friar, Lda.
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B) – Recurso da credora reclamante Daniel & F, Lda.:
Vem a credora Daniel & F, Lda. recorrer da sentença que, embora lhe reconheça um crédito no montante de € 120 000,00, decorrente do não cumprimento, pelo Administrador da Insolvência, de um contrato-promessa de compra e venda de uma fracção autónoma que celebrou com a insolvente, não reconheceu o invocado direito de retenção sobre aquele imóvel prometido comprar e classificou o seu crédito como comum.
O cerne da questão prende-se com a verificação do alegado direito de retenção a favor da credora Daniel & F, Lda.
Com efeito, relativamente a esta credora reclamante, a sentença recorrida não questiona a validade e eficácia (meramente obrigacional) do contrato-promessa de compra e venda relativo à fracção autónoma supra identificada em D) – I dos factos provados, dá como assente que a mesma foi entregue à credora e considera que o AI incumpriu o contrato-promessa, reconhecendo à credora um crédito no valor de € 120 000,00 correspondente ao dobro do sinal entregue.
No entanto, considera o Tribunal “a quo” que não se mostram preenchidos todos os requisitos para ser reconhecido, no caso de declaração de insolvência do promitente-vendedor, o direito de retenção da impugnante, uma vez que esta, como promitente-compradora, não tem a qualidade de consumidor, por se tratar de uma pessoa colectiva.
O artº. 755º, nº. 1, al. f) do Código Civil prescreve que goza ainda do direito de retenção, o beneficiário de promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, sobre essa coisa, pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos termos do art. 442º do Cód. Civil.
Deste modo, como se refere no acórdão do STJ de 14/10/2014, relatado pelo Cons. João Camilo (proc. nº. 986/12.2TBFAF-G, acessível em www.dgsi.pt), são essencialmente três os pressupostos de que depende o reconhecimento do direito de retenção:
a) A existência de um crédito emergente de promessa de transmissão ou constituição de uma direito real, que pode não coincidir com o direito de propriedade;
b) A entrega ou tradição da coisa abrangida ou objecto da promessa;
c) O incumprimento definitivo da promessa imputável ao promitente, como fonte do crédito do retentor.
No que concerne ao reconhecimento do direito de retenção do promitente-comprador, no caso da declaração de insolvência do promitente-vendedor, impõe-se considerar o AUJ (Acórdão Uniformizador de Jurisprudência) do STJ nº 4/2014 de 20/03/2014, publicado no D.R. - 1ª Série, nº. 95, de 19/05/2014, o qual uniformizou a Jurisprudência nos seguintes termos: “No âmbito da graduação de créditos em insolvência, o consumidor promitente-comprador, em contrato, ainda que com eficácia meramente obrigacional com traditio, devidamente sinalizado, que não obteve o cumprimento do negócio por parte do administrador da insolvência, goza do direito de retenção nos termos do estatuído no art. 755º, nº 1, al. f) do CC”.
Este Acórdão Uniformizador de Jurisprudência faz uma interpretação restritiva da al. f) do nº. 1 do artº. 755º do Código Civil, de molde a que apenas se encontre protegido pela prevalência conferida pelo direito de retenção o promissário da transmissão de imóvel que, obtendo a tradição da coisa, seja simultaneamente um consumidor, e acolheu o conceito restrito e funcional, de consumidor, sufragando o entendimento de Miguel Pestana de Vasconcelos, no Estudo “Direito de Retenção, Contrato-promessa e Insolvência”, publicado nos Cadernos de Direito Privado, nº. 33 – Janeiro/Março de 2011, quando escreve na pág. 20: “[…] O direito de retenção só tutela o promitente-adquirente quando este for um consumidor (…). O art. 755.°, n.° 1, alínea f) é uma norma material de protecção do consumidor e deve ser interpretada restritivamente para o beneficiar somente a ele” (cfr. acórdãos do STJ de 17/11/2015, Rel. Cons. Fonseca Ramos, proc. nº. 1999/05.6TBFUN-L e de 16/02/2016, Rel. Cons. Maria Clara Sottomator, proc. nº. 135/12.7TBMSF, ambos acessíveis em www.dgsi.pt).
Sobre esta matéria escreveu-se no acórdão do STJ de 25/11/2014, relatado pelo Cons. Fernandes do Vale (proc. nº. 7617/11.6TBBRG-C, acessível em www.dgsi.pt):
«E, muito embora tal não conste expressamente do texto do transcrito segmento de uniformização, irrecusável é que, tomada em atenção a respectiva fundamentação e, mesmo, o teor de alguns dos votos de vencido apostos em tal acórdão, não pode deixar de entender-se que a uniformização estabelecida se reporta, exclusivamente, ao promitente-comprador que detenha, simultaneamente, a qualidade de consumidor.»
Na jurisprudência que se segue ao AUJ nº. 4/2014, o conceito de consumidor não é unívoco: ora se utiliza um conceito mais lato, segundo o qual consumidor será aquele que adquire, possui ou utiliza um bem ou um serviço, quer para uso pessoal ou privado, quer para uso profissional (cfr. acórdão do STJ de 29/05/2014, relatado pelo Cons. João Bernardo, proc. nº. 1092/10.0TBLSD-G, acessível em www.dgsi.pt); ora um conceito mais restrito, do qual estão excluídos todos os sujeitos que tenham a qualidade de comerciantes e não abrange a utilização para necessidades profissionais (cfr. acórdãos do STJ de 14/10/2014 e 25/11/2014 acima referidos).
Ademais, o conceito de “consumidor” está definido no artº. 2º, nº. 1 da Lei nº. 24/96 de 31/7, nos termos do qual é consumidor a pessoa singular a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados exclusivamente a uso não profissional, por pessoa (singular ou colectiva) que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios.
Este conceito de consumidor está em sintonia com os diplomas normativos que têm como fonte o direito comunitário - DL 67/2003 de 8/4, que transpôs para o direito interno a Directiva nº. 1999/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio, alterado pelo DL 84/2008 de 21/4, que aditou o artº. 1º-B em cuja alínea a) se remete para o conceito de consumidor previsto no citado artº. 2º, nº. 1 da Lei nº. 24/96 de 31/7 e Decreto-Lei 24/2014 de 14/2, que transpôs para o direito interno a Diretiva nº. 2011/83/EU do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25/10/2011, que no seu artº. 3º define como consumidor, para efeitos daquele diploma, “a pessoa singular que atue com fins que não se integrem no âmbito da sua atividade comercial, industrial, artesanal ou profissional”.
É manifesto que todos estes diplomas legais conferem ao conceito de consumidor o sentido restrito.
Como refere o Prof. Calvão da Silva (in “Venda de Bens de Consumo”, 4ª ed., 2010, Almedina, pág. 55 e segtes), «[É] a consagração da noção de consumidor em sentido estrito, a mais corrente e generalizada na doutrina e nas Directivas comunitárias: pessoa que adquire um bem ou um serviço para uso privado – uso pessoal, familiar ou doméstico, na fórmula da al. a) do art. 2º da Convenção de Viena de 1980 sobre a compra e venda internacional de mercadorias, inspiradora da Directiva 1999/44/CE e do § 9-109 do … -, de modo a satisfazer as necessidades pessoais e familiares, mas não já aquele que obtém ou utiliza bens e serviços para satisfação das necessidades da sua profissão ou empresa».
E prosseguindo, «razão pela qual todo aquele que adquira bens ou serviços destinados a uso não profissional será uma pessoa humana ou pessoa singular, com exclusão das pessoas jurídicas ou pessoas colectivas, as quais adquirem bens ou serviços no âmbito da sua actividade, segundo o princípio da especialidade do escopo, para a prossecução dos seus fins, actividades ou objectivos profissionais (art. 160º do CC e art. 6º do CSCom». Rematando, finalmente, que «[a] noção estrita de consumidor – pessoa singular que adquire a fornecedor profissional bens ou serviços para uso não profissional –, que defendemos em geral e temos por consagrada no nº 1 do art. 2º da LDC… impõe-se pertinente e inquestionavelmente in casu à luz do princípio da interpretação conforme à Directiva, em que se define consumidor como “qualquer pessoa singular que, nos contratos abrangidos pela presente Directiva, actue com objectivos alheios à sua actividade comercial ou profissional” [al. a) do nº 2 do art. 1º]».
Apesar deste Acórdão Uniformizador de Jurisprudência ter suscitado vários votos de vencido de ilustres Conselheiros que discordaram da inserção do consumidor, por entenderem que o direito de retenção teria lugar mesmo que o promitente-comprador não fosse consumidor, a tese vencedora foi a que ficou a constar da uniformização de jurisprudência supra referida.
Pese embora, actualmente, a doutrina dos Acórdãos Uniformizadores de Jurisprudência seja entendida como meramente orientadora e não vinculativa, o juiz deve acatar a jurisprudência uniformizada, para que não se caia numa situação de caos jurisprudencial, em que sobre a mesma questão, que já teve uma decisão qualificada, se mantenham duas ou mais correntes jurisprudenciais, mantendo-se assim o espírito de unidade jurisprudencial, fundamento da certeza e da segurança da ordem jurídica, mas compatível com a independência dos tribunais na vertente da autonomia do juiz na interpretação e aplicação do direito (cfr. acórdão da RG de 17/12/2014, proc. nº. 3652/11.2TBGMR-C, acessível em www.dgsi.pt).
Em face do atrás exposto, é manifesto que a sociedade recorrente não se enquadra neste conceito restrito de consumidor, desde logo por se tratar de pessoa colectiva.
Mas mesmo que assim não se entendesse, não poderia a recorrente ser considerada consumidora, porquanto o imóvel por si prometido comprar corresponde a uma loja que está a ser utlizada para fins económicos.
Ademais, o contrato-promessa em causa foi celebrado com vista à prossecução da actividade comercial da recorrente, tendo resultado provado que é na loja em causa que a recorrente guarda e armazena produtos da sua actividade comercial.
Nesta conformidade, não pode a credora recorrente ser considerada consumidora, o que implica a impossibilidade de lhe ser reconhecido o invocado direito de retenção sobre o imóvel prometido comprar, não merecendo, por isso, a sentença recorrida qualquer censura ao classificar o seu crédito como comum, sem lhe reconhecer o direito de retenção.
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C) – Recurso dos credores reclamantes Joaquim L e esposa Maria M:
Consta dos factos provados enunciados na sentença recorrida que os ora recorrentes celebraram três contratos-promessa de compra e venda de duas lojas comerciais e uma garagem, sendo os mesmos dotados de eficácia real e houve tradição dos referidos imóveis, tendo aqueles pago integralmente o respectivo preço de aquisição, para além do valor correspondente ao IMT.
O Tribunal “a quo” considerou, na sentença sob escrutínio, o crédito dos ora recorrentes, com origem no não cumprimento dos aludidos contratos pelo AI, como subordinado relativamente aos juros de mora e comum na parte restante, entendendo que estes não gozam do direito de retenção por não assumirem a qualidade de consumidores, dado terem utilizado as lojas (e a garagem associada a uma delas) para fins económicos e profissionais.
Vêm os recorrentes pugnar pelo cumprimento dos contratos-promessa por eles celebrados com a sociedade insolvente, em face do disposto no artº. 106º, nº. 1 do CIRE, expurgados das hipotecas que oneram os imóveis por eles abrangidos, ou caso assim não venha a ser entendido, pretendem o reconhecimento do seu direito de retenção sobre os aludidos imóveis por, no seu entender, se enquadrarem no conceito de consumidor acolhido no AUJ nº 4/2014.
Sobre a questão do cumprimento dos contratos-promessa de compra e venda celebrados entre os recorrentes e a insolvente, com cancelamento das hipotecas que os oneram, remetemos para o que atrás se deixou dito quanto a esta matéria na alínea A), quando se apreciou o recurso interposto pelos credores Maria D e Friar, Lda., que também se aplica a este caso e que aqui nos dispensamos de repetir.
Relativamente à questão do reconhecimento do direito de retenção dos recorrentes sobre os imóveis objecto dos contratos-promessa de compra e venda que celebraram com a insolvente e da sua graduação como crédito garantido, com preferência sobre o crédito hipotecário da Caixa G, também aqui remetemos para o que já se explanou na alínea B), quando se apreciou o recurso interposto pela credora Daniel & F, Lda., aplicando-se de igual modo, “in casu”, a doutrina do AUJ nº. 4/2014 e o conceito restrito de consumidor por ele sufragado.
Como se disse atrás, o conceito de consumidor, tal como está consagrado no nosso ordenamento jurídico – aliás, em consonância com os diplomas normativos de origem comunitária acima referidos – é um conceito restrito, somente se considerando consumidor uma pessoa singular, que interveio em negócio tendo em vista a obtenção de um benefício destinado a uso não profissional e que fez o negócio com alguém que tenha actuado profissionalmente, na prossecução de uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios.
O traço distintivo deste conceito reside, assim, na “finalidade do acto de consumo”.
Nesta conformidade, entendemos que não pode ser considerado consumidor o promitente-comprador que tenha prometido comprar lojas com vista ao exercício da sua actividade profissional e/ou para investimento (como seja o arrendamento).
No que concerne aos credores Joaquim L e esposa Maria M, ora recorrentes, bem andou o Tribunal “a quo” ao não lhes conferir a qualidade de consumidores, pois embora sejam pessoas singulares e tenham celebrado os contratos-promessa com a sociedade insolvente actuando no exercício da sua actividade profissional, resultou provado que estes deram uma das lojas em causa de arrendamento a uma instituição bancária, dali recebendo as correspondentes rendas, e na outra loja instalaram, por sua conta, um estabelecimento de pronto a vestir onde eles próprios exploram uma actividade económica.
Temos, assim, que o próprio destino dado aos imóveis em causa por estes credores foi marcadamente económico e profissional, não podendo, por conseguinte, ser tidos como consumidores, pelo que não merece qualquer reparo a sentença recorrida ao qualificar os seus créditos atinentes aos contratos-promessa como comuns, não lhes reconhecendo qualquer direito de retenção sobre os ditos imóveis.
Improcede, pois, o recurso interposto por estes credores reclamantes.
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D) – Recurso dos credores reclamantes António L e esposa Maria D:
Na sentença sob escrutínio, o crédito dos recorrentes supra referidos foi reconhecido com direito de retenção sobre o imóvel objecto do contrato-promessa de compra e venda supra identificado em B) – I e II dos factos provados, sobre o qual recai uma hipoteca registada a favor da credora Caixa E, tendo sido graduado antes do crédito hipotecário, determinando, no entanto, que os ónus que recaem sobre o referido imóvel, nomeadamente a hipoteca a favor da aludida instituição bancária, não se extinguem com a transmissão da titularidade do mesmo para os aqui recorrentes.
Vêm os recorrentes pugnar pelo cumprimento do contrato-promessa por eles celebrado com a insolvente, em face do disposto no artº. 106º, nº. 1 do CIRE, expurgado da hipoteca que onera o imóvel por ele abrangido, alegando, para tanto, que foi dado como provado que o contrato-promessa de compra e venda realizado com a insolvente possui eficácia real e houve tradição da coisa, pelo que fica o AI vinculado ao cumprimento do mesmo nos termos da supra citada disposição legal – ou seja, à celebração do contrato definitivo de compra e venda do imóvel, livre de quaisquer ónus e encargos – tanto mais que ficou provado que os recorrentes pagaram integralmente o preço do imóvel.
Insurgem-se, ainda, os recorrentes contra a sentença recorrida quando refere que a venda realizada pelo AI, nestas circunstâncias, não reveste a forma de "venda judicia!" e que, por isso, não possui a virtualidade de extinguir a hipoteca que impende sobre o imóvel, uma vez que não constitui uma venda em sede de liquidação do activo da insolvente.
Defendem que a venda realizada pelo AI, em cumprimento do contrato-promessa, deverá ser encarada como uma verdadeira venda judicial feita no âmbito da liquidação da massa insolvente para benefício de todos os credores, sendo-lhe, consequentemente, aplicável o regime geral das vendas realizadas em sede de insolvência para liquidação do património da devedora, segundo o qual as hipotecas que afectam os imóveis prometidos vender caducam com a venda, nos termos do disposto no artº. 824º do Código Civil.
Sobre esta questão do cumprimento do contrato-promessa de compra e venda celebrado entre os recorrentes e a insolvente, com cancelamento da hipoteca que o onera, remetemos para o que atrás se deixou dito quanto a esta matéria nas alíneas A) - recurso dos credores Maria D e Friar, Lda. e C) - recurso dos credores Joaquim L e esposa Maria M, que também se aplica a este caso e que aqui nos dispensamos de repetir.
Acresce, ainda, referir que o artº. 721º do Código Civil elenca, de forma taxativa, os modos de expurgação da hipoteca que são:
a) Pagando integralmente aos credores hipotecários as dívidas a que os bens estão hipotecados;
b) Declarando que está pronto a entregar aos credores, para pagamento dos seus créditos, até à quantia pela qual obteve os bens, ou aquela em que os estima, quando a aquisição tenha sido feita por título gratuito ou não tenha havido fixação de preço.
Daqui resulta que a pretensão dos recorrentes carece de fundamento legal, para além de que não colhe o argumento por eles utilizado - para refutar a posição defendida pelo Tribunal “a quo” (que não considerou viável enveredar pela tese da venda livre de hipoteca, por entender que, no caso dos promitentes-compradores que já pagaram a totalidade do preço, os credores hipotecários ficariam desfavorecidos por não verem assegurada a sua contraprestação através do produto da venda) – no sentido de que, prevalecendo o direito de retenção dos promitentes-compradores sobre a hipoteca (artº. 759º, nº. 2 do Código Civil), na prática, o credor hipotecário poderia nunca vir a receber qualquer quantia se o detentor do imóvel nunca chegar a receber o seu crédito, exactamente tal como aconteceria se o imóvel fosse vendido livre de ónus ou encargos, ficando na mesma "desfavorecido".
O acolhimento deste argumento dos recorrentes implicaria a desconsideração, em absoluto, do crédito hipotecário, com todos os prejuízos daí advenientes, o que é inadmissível do ponto de vista legal nos termos e com os fundamentos já explanados.
Improcede, pois, o recurso interposto por estes credores reclamantes, mantendo-se quanto a eles a sentença proferida.
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E) – Recurso dos credores reclamantes Jorge M e esposa Clara F:
Apreciemos a primeira questão suscitada pelos credores recorrentes supra referidos, relativa ao pretendido cumprimento dos contratos-promessa de compra e venda que celebraram com a insolvente.
Resultou provado nos autos que os ora recorrentes celebraram dois contratos-promessa de compra e venda - sendo um relativo a uma loja comercial destinada a comércio, serviços, restauração e bebidas e outro relativo a um apartamento e respectiva garagem - gozando os mesmos de eficácia real e houve tradição dos referidos imóveis, tendo aqueles pago a totalidade do preço de aquisição do apartamento e entregue à devedora a quantia de € 80 000,00 a título de sinal e princípio de pagamento da loja comercial, cujo preço acordado foi de € 125 000,00, para além de terem liquidado o valor correspondente ao IMT.
O Tribunal “a quo” considerou, na sentença recorrida, os créditos dos ora recorrentes, com origem no não cumprimento dos aludidos contratos pelo AI, como garantido pelo direito de retenção sobre a fracção autónoma que constitui a verba nº. 31 do auto de apreensão de bens imóveis (apartamento), subordinado relativamente aos juros de mora e comum na parte restante, entendendo que a loja destinada a comércio (verba nº. 28 do auto de apreensão de bens imóveis) não goza do direito de retenção por não terem a qualidade de consumidores, porquanto, como foi admitido pelos próprios credores reclamantes nos seus articulados, destinaram aquele espaço a exploração económica, instalando ali um estabelecimento comercial de restauração.
Vêm os recorrentes pugnar pelo cumprimento dos contratos-promessa por eles celebrados com a insolvente, em face do disposto no artº. 106º, nº. 1 do CIRE, expurgados da hipoteca que onera os imóveis por eles abrangidos, alegando, para tanto, que foi dado como provado que os contratos-promessa de compra e venda realizados com a insolvente têm eficácia real e houve tradição da coisa, pelo que fica o AI vinculado ao cumprimento dos mesmos nos termos da supra citada disposição legal – ou seja, à celebração dos contratos definitivos de compra e venda dos imóveis, livre de ónus e encargos – tanto mais que ficou provado que os recorrentes pagaram integralmente o preço do apartamento para habitação.
Defendem que a venda realizada pelo AI, em cumprimento dos contratos-promessa, deverá ser equiparada a uma venda judicial feita no âmbito da liquidação da massa insolvente e, como tal, livre de quaisquer ónus e encargos, sendo o produto da venda, a existir, depositado à ordem da administração da massa, transferindo-se as preferências concedidas pelas hipotecas aos respectivos credores para o produto da venda, não podendo a insolvência da devedora afectar a transmissão já efectuada, e muito menos retirar o bem à propriedade dos recorrentes e colocá-lo no âmbito dos bens apreendidos no processo de insolvência.
Caso assim não venha a ser entendido, pretendem os recorrentes o reconhecimento do seu direito de retenção sobre a mencionada loja comercial (verba nº. 28) por, no seu entender, se enquadrarem no conceito de consumidor acolhido no AUJ nº 4/2014.
Sobre esta questão do cumprimento dos contratos-promessa de compra e venda celebrados entre os recorrentes e a insolvente, com cancelamento da hipoteca registada a favor da credora Caixa Económica Montepio Geral e que os oneram, remetemos para o que atrás se deixou dito quanto a esta matéria nas alíneas A) - recurso dos credores Maria D e Friar, Lda., C) - recurso dos credores Joaquim L e esposa Maria M e D) - recurso dos credores António L e esposa Maria D, que também se aplica a este caso e que aqui nos dispensamos de repetir.
Relativamente à questão do reconhecimento do direito de retenção dos recorrentes sobre a loja comercial objecto de um dos contratos-promessa de compra e venda que celebraram com a insolvente e da sua graduação como crédito garantido, com preferência sobre o crédito hipotecário da Caixa E, também aqui remetemos para o que já se explanou nas alíneas B) - recurso da credora Daniel & F, Lda. e C) - recurso dos credores Joaquim L e esposa Maria M, aplicando-se de igual modo, “in casu”, a doutrina do AUJ nº. 4/2014 e o conceito restrito de consumidor por ele sufragado.
Assim, no que concerne aos credores Jorge M e esposa Clara F, ora recorrentes, bem andou o Tribunal “a quo” ao não lhes conferir a qualidade de consumidores quanto à referida loja comercial, pois embora sejam pessoas singulares e tenham celebrado os contratos-promessa com a insolvente actuando no exercício da sua actividade profissional, foi pelos próprios admitido, nos respectivos articulados constantes dos autos, que adquiriram aquela fracção para instalação de um estabelecimento comercial de restauração, afectando-a assim a uma actividade não conexa com o uso pessoal, familiar ou doméstico.
Temos, assim, que o próprio destino dado ao imóvel em causa por estes credores é marcadamente económico e profissional, não podendo, por conseguinte, ser tidos como consumidores, pelo que não merece qualquer reparo a sentença recorrida ao qualificar os restantes créditos (dos quais se excluem o apartamento e os juros de mora) como comuns, não lhes reconhecendo qualquer direito de retenção sobre aquele imóvel.
Improcede, pois, o recurso interposto por estes credores reclamantes.
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F) – Recurso dos credores reclamantes Cristina E e marido Jorge M:
I) – Da impugnação da decisão da matéria de facto:
Entendem os recorrentes que o Tribunal “a quo” não devia ter dado como provada a matéria constante da segunda parte do ponto V – alínea F) dos factos provados, ou seja, apenas na parte em que se refere: "realizando, então, obras na fracção, na qual pretendiam instalar uma actividade comercial e de serviços, como veio a suceder", e que devia dar como provados os seguintes factos (pontos VI e VII da mesma alínea):
VI - A 12 de Janeiro de 2006, foi constituída a sociedade comercial S, Sociedade Unipessoal, Lda., NIPC 507579666, tendo como sócio Jorge M;
VII - Após a respectiva constituição, em 12 de Janeiro de 2006, a sociedade comercial S, Sociedade Unipessoal, Lda., realizou obras na fracção autónoma inscrita na Conservatória do Registo Predial de Fafe sob o nº. 3964-D e inscrita na matriz sob o artigo 6342º-D, da Freguesia e Concelho de Fafe, e findas tais obras, esta sociedade instalou-se em tal fracção passando a exercer na mesma a respectiva actividade.
Estribam a sua pretensão no documento constante de fls. 540 comprovativo da constituição da dita sociedade, nas facturas juntas a fls. 541 a 558 e também no depoimento da testemunha Pedro A em audiência de julgamento, do qual transcrevem um pequeno excerto.
O Tribunal “a quo deu como assente no ponto V da alínea F) dos factos provados o seguinte:
Os reclamantes receberam o imóvel da então vendedora, ora insolvente Ribeiro, P, Lda., em Maio de 2004, realizando, então, obras na fracção, na qual pretendiam instalar uma actividade comercial e de serviços, como veio a suceder.
O artº. 640º do NCPC estabelece os ónus que impendem sobre o recorrente que impugna a decisão relativa à matéria de facto, sendo a cominação para a inobservância do que aí se impõe a rejeição do recurso quanto à parte afectada.
Assim, de acordo com o supra citado dispositivo legal, deverá o recorrente enunciar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (alínea a) do nº. 1), requisito essencial já que delimita o poder de cognição do Tribunal “ad quem”, se a decisão incluir factos de que se não possa conhecer ex officio e se estiverem em causa direitos livremente disponíveis. Deve ainda o recorrente indicar os meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (alínea b) do nº. 1), assim como apresentar o seu projecto de decisão, ou seja, expor de forma clara a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (alínea c) do nº. 1).
Os recorrentes cumpriram todos os ónus que aquele dispositivo legal impõe, quer os enunciados nas três alíneas do nº. 1, quer o da alínea a) do nº. 2, pelo que nada obsta à reapreciação da decisão da matéria de facto.
Com efeito, ouvida a gravação do depoimento da testemunha Pedro A, no qual os recorrentes fundamentam a sua pretensão de ver alterada a matéria de facto provada, constatamos que o Tribunal “a quo” fez uma correcta (embora sintética) apreciação e análise crítica do depoimento da aludida testemunha que os recorrentes destacam, tal como consta claramente explanado na “motivação de facto” da sentença recorrida.
Esta testemunha apenas confirmou o facto de ter trabalhado na loja em causa para a empresa S, de que o recorrente Jorge M era sócio, referindo, ainda, que os ora recorrentes adquiriram a dita loja em grosso e posteriormente é que fizeram obras para lá instalarem a mencionada empresa.
Ora, não se vislumbra que o depoimento da testemunha Pedro A, conjugado com o documento junto a fls. 540, que apenas comprova a constituição da sociedade S, Sociedade Unipessoal, Lda. em 12 de Janeiro de 2006 e a titularidade da mesma, e com as facturas comprovativas de fornecimentos de materiais em nome dessa mesma sociedade, já depois da sua constituição, constantes de fls. 541 a 558, forneçam motivos para alterar a redacção do ponto V – alínea F) dos factos provados nos termos pretendidos pelos recorrentes, nem para dar como provado o ponto VII nos termos acima referidos.
Deste modo, mantém-se inalterado o ponto V – alínea F) dos factos provados acima impugnado e, com base nos documentos constantes de fls. 540 a 558, adita-se à matéria de facto provada os pontos VI e VII com a seguinte redacção:
VI - A 12 de Janeiro de 2006, foi constituída a sociedade comercial S, Sociedade Unipessoal, Lda., NIPC 507579666, tendo como sócio-gerente Jorge M.
VII - Após a constituição da sociedade comercial referida em VI, foram emitidas em nome daquela as facturas de fornecimento de materiais juntas a fls. 541 a 558 dos autos.
Porém, afigura-se-nos que a introdução na matéria de facto provada dos pontos VI e VII supra referidos não tem qualquer relevância para a decisão da causa, uma vez que se mantém inalterada a restante factualidade dada como provada em relação aos recorrentes Cristina E e marido Jorge M.
Na verdade, conforme se alcança dos autos, o objectivo de aquisição do imóvel em causa pelos recorrentes sempre foi o de ali, por si ou por via da sociedade constituída pelo recorrente Jorge M, prosseguirem a sua actividade profissional.
Em face do exposto, procede parcialmente, nesta parte, a impugnação da matéria de facto deduzida pelos credores/recorrentes, aditando-se aos factos provados os pontos VI e VII acima referidos, mantendo-se, no entanto, inalterada a restante matéria de facto provada supra descrita.
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II) – Quanto à questão de saber se o crédito dos recorrentes é garantido pelo direito de retenção sobre o imóvel objecto do contrato-promessa de compra e venda que celebraram com a insolvente e se deve ser graduado como crédito garantido, com preferência sobre o crédito hipotecário da Caixa Geral de Depósitos:
Insurgem-se, ainda, os ora recorrentes contra a sentença proferida nestes autos, na parte em que não lhes reconheceu o direito de retenção sobre a loja comercial que prometeram comprar e classificou o seu crédito como comum, pretendendo o reconhecimento do seu direito de retenção sobre o aludido imóvel por, no seu entender, se enquadrarem no conceito de consumidor acolhido no AUJ nº 4/2014, e a graduação do seu crédito como garantido, com preferência sobre o crédito hipotecário da Caixa Geral de Depósitos.
No que concerne a esta questão suscitada pelos recorrentes, também aqui remetemos para o que já se explanou nas alíneas B) - recurso da credora Daniel & F, Lda., C) - recurso dos credores Joaquim L e esposa Maria M e E) - recurso dos credores Jorge M e esposa Clara F, aplicando-se de igual modo, “in casu”, a doutrina do AUJ nº. 4/2014 e o conceito restrito de consumidor por ele sufragado.
Assim, no que concerne aos credores Cristina E e marido Jorge M, ora recorrentes, bem andou o Tribunal “a quo” ao não lhes conferir a qualidade de consumidores quanto à referida loja comercial, pois embora sejam pessoas singulares e tenham celebrado o contrato-promessa com uma sociedade actuando no exercício da sua actividade profissional, foi pelos próprios admitido, nos respectivos articulados constantes dos autos, que celebraram aquele contrato tendo em vista a aquisição de uma loja para a prossecução da sua actividade profissional, tal como veio a suceder, tendo inclusive constituído uma sociedade comercial para o efeito.
Temos, assim, que o próprio destino dado ao imóvel em causa por estes credores é marcadamente económico e profissional, não podendo, por conseguinte, ser tidos como consumidores, pelo que não merece qualquer reparo a sentença recorrida ao qualificar o seu crédito como comum, não lhes reconhecendo qualquer direito de retenção sobre aquele imóvel.
Nestes termos, improcede o recurso interposto por estes credores reclamantes.
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SUMÁRIO:
I) - O cumprimento, pelo Administrador da Insolvência, de um contrato-promessa celebrado anteriormente à declaração de insolvência (no âmbito do regime previsto nos artºs 102º e seguintes do CIRE), não consubstancia uma venda que se insira na liquidação do activo do devedor, não tendo a virtualidade, em razão da sua realização, de extinguir os direitos reais de garantia que onerem os bens transmitidos com fundamento no disposto no artº. 824º, nº. 2 do Código Civil.
II) - Estando em causa a celebração de contratos com inteira observância do regime jurídico que o direito civil lhe impõe, a venda a realizar com esse fundamento implicará que qualquer ónus ou direito real de garantia que onere o bem objecto do negócio acompanhe esse bem, atento o princípio da “sequela” que norteia os direitos reais, cabendo depois ao adquirente, se o pretender, diligenciar pela extinção do ónus ou da garantia e sub-rogar-se nos direitos do titular da garantia sobre o devedor.
III) - Mesmo defendendo-se a tese de que o cumprimento do contrato-promessa equivaleria a uma venda judicial, feita no âmbito da liquidação da massa insolvente, a mesma não seria de aplicar no caso do promitente-comprador que pagou integralmente o preço estipulado para a aquisição do imóvel, antes da declaração de insolvência, uma vez que não estaria salvaguardada a posição dos credores hipotecários, devendo a transmissão do imóvel objecto desse contrato-promessa operar-se com a oneração da hipoteca.
IV) – Para a verificação do direito de retenção previsto na al. f) do nº. 1 do artº. 755º do Código Civil, exige-se que o detentor no contrato-promessa em causa revista a qualidade de consumidor prevista no artº. 2º, nº. 1 da Lei nº. 24/96 de 31/7.
V) - A uniformização de jurisprudência operada pelo AUJ nº. 4/2004 de 20/03/2014, publicado no D.R. - I Série, nº. 95, de 19/05/2014, reporta-se, exclusivamente, ao promitente-comprador que detenha, simultaneamente, a qualidade de consumidor.
VI) - O conceito de consumidor que o referido AUJ acolheu foi o conceito restrito e funcional, segundo o qual é consumidor a pessoa singular a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados exclusivamente a uso não profissional, por pessoa (singular ou colectiva) que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios.
VII) - Não podem ser tidos por consumidores os promitentes-compradores que, embora sejam pessoas singulares e tenham celebrado os contratos-promessa com uma sociedade actuando no exercício da sua actividade profissional, deram uma das lojas que prometeram comprar de arrendamento a uma instituição bancária, dali recebendo as correspondentes rendas, e na outra loja instalaram, por sua conta, um estabelecimento de pronto a vestir onde eles próprios exploram uma actividade económica, e ainda aqueles que celebraram o contrato-promessa tendo em vista a aquisição de uma loja para a prossecução da sua actividade profissional, tal como veio a suceder, tendo inclusive constituído uma sociedade comercial para o efeito.

III. DECISÃO
Em face do exposto e concluindo, acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedentes os recursos de apelação interpostos pelos credores reclamantes Maria D e Friar, Lda., Daniel & F, Lda., Joaquim L e esposa Maria M, António L e esposa Maria D, Jorge M e esposa Clara F e Cristina E e marido Jorge M e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Custas a cargo dos credores recorrentes, sem prejuízo do apoio judiciário que foi concedido a Maria D, Cristina E e marido Jorge M.

Guimarães, 25 de Maio de 2016
(processado em computador e revisto, antes de assinado, pela relatora)
(Maria Cristina Cerdeira)
(Espinheira Baltar)
(Henrique Andrade)