Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5002/13.2TBBRG-A.G1
Relator: PURIFICAÇÃO CARVALHO
Descritores: RECORRIBILIDADE IMEDIATA
INUTILIZAÇÃO DE ACTOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/10/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NÃO CONHECIDO O RECURSO
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: ●. No que respeita à alínea n.º 2, alín. j) do art.º 691.º do anterior CPC segue-se o entendimento que quando dispõe caber recurso de apelação do despacho que não admite ou ponha termo a incidente tem em vista sómente os incidentes da instância assim legalmente qualificados e regulados pelo Código de Processo Civil como incidentes da instância- artºs 302 a 380º -A; art. 544º e sgs; art. 551º-A; artºs. 696º e 697º e 126º e sgs todos do Código de Processo Civil - e não quaisquer outros incidentes ou ocorrências processuais, anómalas ou não, pois se também o fossem esgotar-se-ia a previsão do nº 3 do preceito em causa, uma vez que qualquer requerimento poderia considerar-se como iniciando um incidente e o despacho que sobre ele recaiu, não o atendendo, como despacho que não admitiu o incidente ou lhe pôs termo.
●. A irrecorribilidade autónoma imediata das decisões meramente interlocutórias dá satisfação ao principio da celeridade, dado que impede que o movimento do processo seja interrompido e prejudicado pela interposição de recursos e da concentração de meios, uma vez que possibilita a apreciação simultânea pelo tribunal ad quem num só recurso de todas as decisões interlocutórias desfavoráveis para o recorrente.
●. Apresenta como inconveniente a possibilidade de a ser procedente o recurso serem inutilizados actos processuais.
●. Mas esta inutilização de actos a lei admite proibindo – artº 644 nº1 e 2º al) h d) NCPC- apenas a inutilização absoluta dos actos.
Decisão Texto Integral: - Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães –


Relatório
Nos autos de inventário supra identificados instaurados em 27 de Julho de 2013 e que correm seus termos por óbito de Francisco F e Rita F nos quais desempenha as funções de cabeça de casal MARIA C foi por esta interessada apresentado recurso da decisão proferida em 29 de Abril de 2016 que tem o seguinte teor:
Notificada da relação de bens apresentada pela cabeça-de-casal, veio, a fls. 64 e seguintes, a interessada Maria B dela reclamar, sustentando, além do mais e no que interessa apenas para a economia deste despacho, que não foi relacionada a quantia de 60.000,00 € que se encontrava depositada na Caixa Geral de Depósitos e que integra a herança, mas que foi transferida para uma conta da cabeça de casal em 05/09/2010.
Devidamente notificada, a cabeça-de-casal informou que essa quantia serviu para pagar o preço do imóvel relacionando como verba n.º 1 e que vendeu à inventariada em meados de Setembro de 2010, pelo que não deve ser relacionado.
Foram juntos documentos.
Posteriormente foram indicadas testemunhas pelas interessadas. Também posteriormente, foi aditado passivo à relação de bens, que foi impugnada nesta parte.
Tudo visto, cumpre decidir.
Nos termos do art. 1348° do Código de Processo Civil, apresentada a relação de bens, podem reclamar contra ela os interessados, acusando a falta de bens que devam ser relacionados, requerer a exclusão de bens indevidamente relacionados, arguindo a inexactidão na descrição dos bens de relevo para a partilha.
Notificado da reclamação, o cabeça-de-casal pode relacionar os bens em falta ou dizer o que lhe oferecer, sendo que, confessando a existência dos bens em falta, procederá ao aditamento da relação de bens inicial (art. 1349°, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
Não se verificando tal situação, notificam-se os restantes interessados para se pronunciarem, aplicando-se o nº 2 do art. 1344° e decidindo o juiz da existência de bens e da pertinência da sua relacionação, sem prejuízo do disposto no art. 1350° do Código de Processo Civil.
Nos termos do art. 1344°, n.º 2, para o qual remete o art. 1349°, n.º 3, as provas são indicadas com os requerimentos e respostas e, efectuadas as diligências probatórias necessárias, é a questão decidida, sem prejuízo do disposto no art. 1335° do Código de Processo Civil.
Como tem sido entendido, o ónus da prova cabe ao reclamante, decidindo-se o non liquet como liquet em seu desfavor.
As interessadas indicaram testemunhas de forma extemporânea, pelo que, não sendo legalmente admissíveis esses róis, vão indeferidos.
O passivo é matéria a submeter à conferência de interessados, não sendo apreciado nesta sede.
Apreciemos a questão da relacionação dos 60.000,00 €.
Como é sabido, o depósito bancário constitui um depósito irregular, ao qual se aplica as regras do mútuo, por meio do qual a posse e o direito de propriedade do dinheiro depositado pelo cliente se transfere para o banco que recebeu o depósito, ficando o cliente depositário com um direito de crédito sobre o banco, correspondente ao montante depositado.
As contas colectivas podem ser conjuntas, solidárias ou mistas.
No caso em apreço, a instituição bancária informou que a conta titulada pela inventariada e pelas interessadas, conta n.º 2014005471961, era uma conta individual, podendo ser movimentada com apenas uma assinatura, e foi encerrada em 7 de Fevereiro de 2011.
A interessada reclamante sustenta que a quantia que existia nessa conta (60.000,00 €), pertence à herança da inventariada e como tal deverá ser relacionada.
A cabeça de casal (aceitando implicitamente que esse dinheiro era da inventariada, apesar das várias titulares da conta) sustentou que esse dinheiro se destinou a pagar-lhe o preço do imóvel que vendeu à sua mãe, inventariada, em meados de Setembro de 2010, mas que ainda está registado na conservatória do registo predial em seu nome e do seu marido.
Explicou que esse imóvel está relacionando como verba 1.
Notificada para actualizar a situação jurídica do prédio relacionando como verba 1, juntou certidão de uma escritura de compra e venda celebrada em 18 de Fevereiro de 2014, donde resulta que vendeu, juntamente com o marido, à herança da inventariada, por si representada enquanto cabeça de casal o imóvel em causa, pelo valor de 60.000,00 €.
Ora, daqui resulta que a alegada compra e venda ocorrida em meados de Setembro de 2010 não ocorreu, ou pelo menos, não foi formalizada por escrito, através de escritura pública, sendo nula (devendo ser restituído o que foi prestado, por aplicação do regime da nulidade - a herança recebe os 60.000,00 € e a cabeça de casal recupera o imóvel).
Por outro lado, ao comprar o imóvel em causa em representação da herança a cabeça de casal exorbitou os seus poderes de administração da herança até à partilha.
Dispõe o art. 2079º do Código Civil que o cabeça de casal administra a herança até à partilha.
O art. 2091º do mesmo diploma legal estabelece que o exercício de outros direitos não contemplados nos artigos anteriores deve ser realizado conjuntamente por todos os herdeiros.
Nenhum artigo permite ao cabeça de casal comprar um imóvel, sem o consentimento dos outros herdeiros, dispondo de 60,000,00 € pertencentes à herança. Concluímos, deste modo, que a cabeça de casal excedeu os poderes de administração que possui.
Pelo exposto, decide-se atender a reclamação apresentada e, em consequência, determina-se que seja relacionado o montante de 60.000,00 €.
Custas do incidente pela cabeça-de-casal
Notifique, sendo o cabeça-de-casal para juntar nova relação de bens.

Termina o recurso com as seguintes conclusões (que de conclusões têm pouco, sendo antes uma mera reprodução numerada da motivação) que se transcrevem:
1. Após apuramento da factualidade processual e à revelia das normas jurídicas aplicáveis entendeu o Ex.mo Juiz a quo condenar a Recorrente, havendo, pois, ofensa de lei pelo tribunal a quo mediante a violação de normas jurídicas, merecendo a douta decisão em crise censura.
2. Desde logo, houve uma manifesta ignorância das circunstâncias específicas do negócio jurídico efectuado, que ditou a decisão aqui em causa, ao revés quer de ordem judicial anterior, bem assim como face às normas legais aplicáveis.
3. Acontece que, após o falecimento de Rita F em Janeiro de 2011, a Recorrente foi chamada para exercer o papel de Cabeça-de-casal no âmbito da herança da referida inventariada, tendo para isso procedido à apresentação da respectiva relação de bens, na qual indicou como ativo e verba n.º 1 um terreno para construção.
4. Na sequência, a Recorrida Maria B, reclamou da referida relação de bens, afirmando que não se encontra relacionada a quantia de €: 60.000,00 depositados na conta titulada pela inventariada e co-titulada pelas suas filhas herdeiras, mais solicitando que esse valor fosse inventariado.
5. O certo é que, no dia 3 de Setembro de 2010 a aqui Cabeça de casal vendeu à Inventariada sua mãe um terreno que lhe pertencia pelo valor de €: 60.000,00, na presença e com o consentimento de todas as filhas da inventariada e aqui interessadas, pelo que a aqui Cabeça-de-casal recebeu da inventariada o montante de €: 60.000,00 que lhe foi transferido da conta titulada pela mesma.
6. Consequentemente, aquando do óbito da inventariada, a Cabeça-de-casal cumpriu o seu dever moral e jurídico de inventariar como activo, o imóvel adquirido pela inventariada (verba n.º 1 da Relação de Bens).
7. O certo é que, como o objectivo, à data, era vender de imediato o terreno a terceiros e de modo a evitar gastos desnecessários, as partes não celebraram escritura pública e não registaram o imóvel em nome da inventariada.
8. Acresce que, o dinheiro existente na conta identificada nos autos pertence apenas e só à inventariada – mãe da aqui Cabeça-de-casal e restantes interessadas, tal como é indicado quer pela Cabeça-de-casal Recorrente, como confessado pela Reclamante e Interessada Maria B; ainda que as herdeiras/interessadas tenham passado a ser titulares da conta em causa, pouco tempo antes do falecimento do pai das mesmas, em 2009 - facto, esse conjugado com um acidente datado de 2008 que colocou a inventariada numa situação de total debilitação, tendo a inventariada ficado plenamente dependente das suas filhas/interessadas, pelo que foi conjuntamente decidido que todas as interessadas seriam titulares da conta, de modo a auxiliar a inventariada nos afazeres e lides económicas diárias.
9. Como tal, as interessadas somente figuravam como titulares “de direito” da conta em causa, mas não como efetivas titulares “de facto” da mesma, pelo que à morte da inventariada, as interessadas decidiram dividir o saldo remanescente da conta pelas 3 herdeiras, tendo a conta sido posteriormente encerrada.
10. A transferência em causa foi efectuada com conhecimento de todas as interessadas e herdeiras e, à data dos acontecimentos, todas as interessadas evidenciaram à inventariada que concordavam com a compra do terreno em causa, bem como com a referida transferência, tendo até reforçado que o dinheiro em causa pertencia à inventariada, que podia fazer com o mesmo o que achasse conveniente, sem a necessidade de aprovação das suas filhas – ora interessadas/herdeiras, pois que o montante em causa pertencia única e exclusivamente à inventariada, e dúvidas não restam de que a mesma poderia usar e gerir o mesmo da forma que lhe aprouvesse – independentemente do consentimento das suas filhas.
11. A Recorrente desde logo admitiu ter recebido o preço, pelo que o bem transmitiu-se em pleno para a esfera jurídica da inventariada e, tanto assim foi, que o mesmo foi indicado como ativo em nome da herança da falecida.
12. A Recorrente confessou que, à data da venda do imóvel, não procedeu ao registo do imóvel em nome da inventariada, não obstante reconhecer que o bem lhe pertence, sendo certo que face a esta circunstância, a Reclamada evidenciou que a venda seria nula por falta de forma, em virtude de não existir escritura pública e de o registo ainda se encontrar – à data do início do processo de inventário – em nome da aqui Cabeça de- casal.
13. Por conseguinte, foi a Recorrente notificada por despacho do douto Tribunal a quo datado de 14.02.2014, para «em 15 dias atualizar a situação jurídica do imóvel descrito na verba n.º 1, registando em nome da inventariada, sob pena de esse imóvel não entrar na partilha a realizar nos presentes autos», pelo que, tendo que dar cumprimento à ordem judicial em causa – e porque efectivamente o bem é propriedade da inventariada – a aqui Recorrente na qualidade de Cabeça-de-casal vendeu à herança da inventariada o imóvel em causa, pelo montante de €: 60.000,00, explicando que já recebeu o preço.
14. Mais ficou a constar da respectiva escritura pública que a transmissão resulta da obrigação de, por despacho judicial, registar o prédio a favor de Rita F, sob pena de não entrar na partilha a realizar por sua morte. No mesmo sentido, a certidão permanente do imóvel indica a aquisição por Rita Ferreira de Almeida do imóvel em causa à aqui Recorrente.
15. Ainda assim, a aqui Recorrida, contestou o registo indicando que, enquanto herdeira, não consentiu com a compra realizada em nome da herança.
16. Volvidos mais de dois anos, foi a aqui recorrente notificada em 02.05.2016 para, sem mais, inventariar o montante de €: 60.000,00, justificada pelo facto da mesma ter exorbitado os seus poderes enquanto Cabeça-de-casal, no momento em que vendeu à herança o imóvel relacionado como verba n.º 1 e, porquanto, a venda efectuada em 2010 era nula por falta de forma.
17. Acontece que, a decisão agora em crise não pode, de todo, proceder, pois, que da análise do despacho agora em apreço, o seu conteúdo é passível de igualmente ser considerado nulo, em face das diversas incongruências e ambiguidades de que o mesmo se encontra impregnado, nos termos do artigo 615.º, n.º 1 do CPC, não deixando à aqui Recorrente qualquer margem para uma leitura elucidativa do mesmo.
18. De facto, o artigo em causa estipula não somente as causas de nulidade de sentença, mas antes de qualquer decisão judicial que apresente um vício que torna inutilizável o julgado na parte afectada, sendo que a decisão exarada com o despacho agora em crise é expressamente nula com base em 3 causas essenciais:
19. Por um lado, verifica-se a existência da Violação do dever de fundamentação (alínea b) do artigo em causa), no sentido em que as partes necessitam de saber as razões de facto e de direito pelas quais as suas pretensões decaíram, de modo a ajuizarem sobre a necessidade de sindicância da respectiva decisão e, em especial, as partes devem conhecer os factos sobre os quais recaem as normas jurídicas, em especial os factos, que devem ser individualizados e reconduzidos à norma jurídica pertinente ao caso.
20. In casu, o douto Tribunal a quo pecou por desrespeitar os trâmites legais próprios do regime de inventário, bem como descartou de todo a possibilidade de ouvir as testemunhas indicadas pelas partes, quanto aos factos respeitantes à compra e venda do imóvel à inventariada, bem assim como sobre a titularidade da conta bancária que aqui está em causa.
21. Na verdade, considerou o douto Tribunal de 1.ª instância que a indicação de testemunhas pelas partes, nos seus requerimentos, foi extemporânea; porém, o certo é que as testemunhas foram indicadas assim que surgiram dúvidas quanto à venda efectuada em 2010 pela aqui Recorrente à inventariada; ou seja, as provas foram apresentadas no articulado que lhes disse respeito e assim que a questão foi suscitada.
22. A indicação da testemunha pela Recorrente somente surgiu quando a questão da titularidade da conta bancária se colocou, pois que foi notificada para informar quem era titular da conta existente na Caixa Geral de Depósitos e nunca, até esse momento, se tinha questionado sobre o depósito efectuado na conta bancária da Inventariada, pelo que não havia a necessidade da Recorrente juntar qualquer prova testemunhal.
23. Por outro lado, também não o poderia ter feito com a Relação de Bens que apresentou, pois que não foi indicada como verba a conta bancária aqui em apreço.
24. Ademais, não foi suscitada pelo Mm. º Juiz a quo qualquer Conferência de Partes de modo a proceder a uma melhor análise e melhor entendimento da matéria factual apresentada, não dando qualquer oportunidade às partes para explicarem os acontecimentos que antecederam a morte da Inventariada.
25. Denote-se ainda que uma das herdeiras interessadas nunca se pronunciou no âmbito deste inventário, desde logo não impugnando a relação de bens apresentada, bem assim como nunca foi notificada para se pronunciar quanto às questões aqui em causa.
26. Na verdade, acreditamos que o Mm. º Juiz deveria ter suspendido o inventário e abster-se de decidir, em virtude da insuficiência das provas para decidir a reclamação apresentada, nos termos dos artigos 1350.º e 1335.º do CPC, desde logo porque a decisão sem mais da reclamação apresentada torna de todo inadmissível a continuação do processo de partilha aqui em causa, bem como diminui substancialmente as garantias processuais da aqui Recorrente.
27. Por consequência, o douto Tribunal a quo não fundamentou a sua decisão em qualquer prova factual apresentada pelas partes, descartando toda a matéria factual e probatória junta pela Recorrente, sendo certo que até este momento a Recorrente desconhece que factos foram tidos em conta para que a quantia de €: 60.000,00 seja inventariada, nomeadamente se considerou que a conta bancária era efectivamente movimentada pela Inventariada e que o dinheiro nela depositado lhe pertencia única e exclusivamente; desconhece se o Tribunal considerou a venda efectuada pela Recorrente à Inventariada; bem como desconhece quais os efeitos directos para a Recorrente se esta proceder à indicação da quantia em causa como bem a partilhar.
28. Como tal, a decisão deve ainda ser considerada nula em virtude da respectiva Ambiguidade ou Obscuridade (alínea c do artigo 615.º, n.º 1 do NCPC), já que o douto Tribunal a quo somente decidiu que a Recorrente deveria relacionar o montante de €: 60.000,00, sem indicar de que forma deveria o mesmo ser relacionado, ou seja, como activo ou como passivo.
29. O certo é que não importa de que forma esse montante deve ser relacionado, pois que é totalmente isento de sentido qualquer tipo de relacionamento da verba em causa, pois que se, por um lado, a Recorrente decidir relacionar o montante de €: 60.000,00 como passivo da herança, em última instância, tal significará que a herança tem uma dívida naquele valor – o que não faz qualquer sentido pois que a herança de Rita F não deve qualquer valor, já que o preço pelo imóvel indicado como activo foi efectivamente pago e transferido para a aqui Cabeça-de-casal em 2010; por outro lado, nunca poderá ser considerado como activo da herança, pois que nunca poderá ser considerado que a herança tem disponível para partilhar o montante de €: 60.000,00 e, de igual modo, não é um crédito que a herança possa cobrar, pois que já se encontra relacionado e aceite o imóvel que foi adquirido pelo valor aqui em crise.
30. Na verdade, de acordo com o artigo 2162.º do CC, para o cálculo da legítima somente devem ser atendidos os bens existentes no património do autor da sucessão à data da sua morte, pelo que, não existindo o montante de €: 60.000,00 no património da aqui inventariada, não poderá o mesmo ser partilhado; devendo ainda ter-se em conta que o montante agora em apreço não pode considerado «a título perdido» do património hereditário da Inventariada, pois que o imóvel adquirido com esse mesmo montante encontra-se devidamente relacionado como verba n.º 1.
31. Assim, a conclusão é somente uma: nunca poderemos ter relacionados 2 (dois) bens que se auto-excluem: o imóvel comprado com o montante de €: 60.000,00 e o preço pago pelo mesmo, pecando aqui a decisão por ambiguidade e obscuridade, no momento em que, por um lado, não definiu a que título o montante de €: 60.000,00 deveria ser relacionado e, por outro lado, porque não se pronunciou quanto à situação do imóvel já indicado como verba n.º 1.
32. Daqui advém ainda a nulidade da decisão por Omissão de Pronúncia (alínea d) do referido preceito legal) na medida em que o Tribunal não somente não se refere expressamente a uma questão suscitada, mas também na falta de ponderação de argumentos tidos por pertinentes à sua resolução, já que é seu dever conhecer dos pontos essenciais de facto e de direito em que as partes baseiam o litígio.
33. Ora, o douto Tribunal a quo não se pronunciou quanto à situação do imóvel relacionado, pois que considerando-se que – hipótese que aqui se expõe por mera cautela de patrocínio, mas que de todo rejeitamos – a Cabeça-de-casal ora Recorrente deve, de alguma forma, relacionar o montante de €: 60.000,00, temos que pressupor que o imóvel não foi adquirido e não poderá estar relacionado.
34. Por conseguinte, nunca poderá ser aceite e inventariar-se o montante de €: 60.000,00 sem que seja dada sem efeito a venda do imóvel efectuada, pelo que o douto Tribunal recorrido falhou por não ter decidido quais as consequências do relacionamento da verba de €: 60.000,00, desde logo não decidindo a situação jurídica do imóvel, pelo que a decisão é nula por omissão de pronúncia quanto a uma questão essencial deste inventário.
35. Diametralmente, sendo certo que a Cabeça-de-casal Recorrente vendeu à Inventariada, em 2010, o imóvel agora relacionado como verba n.º 1, o negócio jurídico foi efectuado na sua plenitude: o preço foi recebido e o bem transmitido.
36. Desde logo, denote-se que as herdeiras em nada tinham que aceitar e autorizar que a Inventariada mãe adquirisse a uma das suas filhas o bem imóvel aqui em causa, pois que a autorização legal para a venda ou doação de bens entre familiares somente se coloca nos casos opostos, ou seja, quando seja o pai ou mãe a vender aos filhos, nos termos do artigo 877.º do C.C., casos em que efectivamente se pretende acautelar as legitimas dos descendentes.
37. Na verdade, o património da inventariada com o negócio jurídico em causa adquiriu um imóvel, um activo, que em nada prejudica as quotas legitimárias das suas herdeiras.
38. Sendo certo que a aqui Cabeça-de-casal Recorrente admitiu não ter efectuada escritura pública de compra e venda, nem procedido ao registo do imóvel em nome da inventariada, de acordo com o predisposto no artigo 875.º do CC (pois que a intenção era a sua imediata venda a terceiros), isso não significa que o negócio jurídico não tenha ocorrido e não se tenham verificado os respectivos efeitos essenciais nos termos do artigo 879.º daquele diploma legal.
39. De facto, todas as obrigações foram efectuadas, desde logo a entrega do preço e a transmissão da propriedade, criando-se na esfera jurídica das partes a consciência de que o imóvel era da única e exclusiva propriedade da inventariada - tanto assim foi, que a Cabeça-de-casal relacionou como activo o bem objecto da compra pela inventariada!
40. Ademais, deve ser verificada a aplicação do art. 236, n.º 1 do CC, através do qual se deve ter em conta vontade negocial emanada pelas partes – in casu, a vontade de vender da Recorrente e vontade de comprar da inventariada – que foram efectivamente cumpridas, tendo a Recorrente recebido o preço e o bem se transmitido para a esfera jurídica da inventariada, não se evidenciando outra vontade que não aquela emanada pelas partes.
41. Por conseguinte, o vício de forma existente por falta de escritura pública foi suprido por ordem judicial do douto Tribunal a quo, no momento em que notifica a Cabeça-de30/ casal para «em 15 dias actualizar a situação jurídica do imóvel descrito na verba n.º 1, registando em nome da inventariada, sob pena de esse imóvel não entrar na partilha a realizar nos presentes autos», tendo a Cabeça-de-casal procedido exactamente ao que foi instruído (nem poderia ter agido de forma diferente) e registado o imóvel em nome da inventariada.
42. Como tal, questiona-se a ora recorrente como pôde o douto Tribunal recorrido vir agora considerar que a Recorrente exorbitou os seus poderes de administração da herança, quando o registo do imóvel foi por esse mesmo douto Tribunal a quo ordenado?
43. O certo é que a Recorrente equaciona somente a hipótese de o douto Tribunal recorrido ter querido proceder à conversão do negócio nos termos do artigo 293.º do CC, no sentido de que o negócio nulo pode converter-se num negócio válido, quando o fim prosseguido pelas partes permita supor que elas o teriam querido se tivessem previsto a invalidade.
44. De facto, a conversão supõe a invalidade integral do negócio e a sua substituição por outro do qual contenha os requisitos essenciais, sendo necessário que este novo negócio não contrarie a vontade exteriorizada pelo declarante, passando a harmonizar-se a conversão com a vontade das partes, sendo que neste caso a inventariada quis comprar o imóvel, tendo pago o preço, bem assim como a Recorrente o quis vender.
45. Como tal, restava sanar o vício de forma existente, pelo que foi ordenado que o mesmo fosse registado em nome da inventariada e especificamente relevando-se que tal registo deve ser feito sob pena de não entrar na partilha.
46. Tendo por base esta ordem judicial expressa para se proceder ao registo, não tinha a Recorrente que obter a autorização das restantes herdeiras para proceder à venda/compra e respectivo registo, nos termos do artigo 2091.º do CC, sob pena de se esgotar tudo quanto foi ordenado, em virtude da expressa incompatibilidade entre as herdeiras.
47. Aliás, se tal não fosse possível nunca teria a Cabeça-de-casal conseguido proceder ao respectivo registo e escritura pública correspondente, pois que a Exma. Sra. Conservadora tem que analisar os poderes das partes para o acto.
48. Desta forma, conclui-se que não existe qualquer incoerência ou incorrecção na Relação de Bens apresentada, estando o vício de forma sanado em virtude de ordem judicial e, por consequência, os bens efectivamente pertencentes à herança aberta pela morte da inventariada encontram-se devida e correctamente relacionados.
49. Caso assim não se entenda – hipótese que somente se equaciona por mera cautela de patrocínio – sempre advogaremos que o relacionamento da verba de €: 60.000,00 pela Cabeça-de-casal Recorrente não pode ser feita sem mais e, em particular, sem proceder à restituição do bem imóvel para a esfera jurídica da mesma, pois que a considerar-se que a venda efectuada em 2010 é, em virtude do vício de forma, nula, o certo é que deve ser restituído tudo quanto prestado – in casu, deve o imóvel ser restituído à Cabeça-de-casal Recorrente, procedendo-se à anulação da escritura pública efectuada em Fevereiro de 2014, após o respectivo despacho judicial que lhe deu causa.
50. Se, na realidade, conforme se refere no presente despacho em análise, a venda efectuada em 2010 não ocorreu, por vício de forma, aquando do conhecimento desse facto – já em 2014 – o douto Tribunal nunca deveria ter notificado a aqui recorrente para registar o imóvel em nome da inventariada; mas antes, ter desde logo ordenado que o imóvel fosse desaverbado enquanto verba n.º 1 e passa-se a constar o montante de €: 60.000,00.
51. Assim, o que nunca poderá acontecer é estar presente na mesma relação dois bens que se excluem – o bem comprado e o preço pago pelo mesmo, nem podem haver dois despachos em sentido contrário e deixar de decidir as consequências que os mesmos provocam.
52. Na verdade, as obrigações recíprocas de restituição que incumbem às partes por força da nulidade devem ser cumpridas simultaneamente, de acordo com o artigo 290.º do CC, pelo que a Recorrente só deverá relacionar o montante de €: 60.000,00 se for igualmente decidido que o imóvel lhe deve ser restituído.
53. Ademais, sendo o negócio em causa declarado nulo, por maioria de razão e aplicação das normas civilistas, os seus efeitos são retroactivos, devendo ser restituído tudo o quanto foi prestado, nos termos do n.º 1 do artigo 289.º do CC.
54. O próprio Código de Registo Predial no seu artigo 8.º vai no mesmo sentido, indicando que a impugnação judicial de actos registados faz presumir o pedido de cancelamento do respectivo registo, isto é, a considerar-se que a Recorrente deve relacionar o montante em causa, igualmente deve cancelar-se o registo do imóvel.
55. Denote-se ainda que toda a postura da Recorrente durante o presente processo e aquando da venda do imóvel à inventaria, foi a da boa-fé negocial e contratual e, conforme comprovado nos autos, a Recorrente procedeu à venda do imóvel à sua mãe na presença e com o conhecimento das suas irmãs e herdeiras, bem assim como relacionou como verba activa o imóvel adquirido pela inventariada, pelo que a sua conduta mais não foi do que transparente, directa e de boa fé, nos termos do artigo 227.º do CC.
56. Como tal, este douto Tribunal ad quem deve fazer uso da prerrogativa estabelecida no artigo 662.º n.º 2 do NCPC, modificar a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto, por constarem do processo elementos que impõem decisão diversa, desde logo anulando a decisão da 1.ª instância por se revelar manifestamente obscura e deficiente quanto à matéria de facto nela apresentada ou, se assim também entender, ordenar que seja produzida nova prova, bem como determinar que seja fundamentada a questão essencial deste processo de inventário: a situação jurídica do imóvel.
57. Deste modo, conclui-se que, na realidade, o Ex.mo Juiz a quo DESPREZOU as razões de facto e direito expressas pela ora recorrente, sendo que, ao se ter pronunciado da forma que vem exarada na douta decisão, ora em crise, o Mmo. Juiz a quo fez uma errónea interpretação da lei, violando determinados dispositivos legais, pelo que a sua decisão deverá ser revogada, ordenando-se a sua substituição por outra que vise aplicar os fundamentos aqui expressa, fundada e exaustivamente alegados.
Nestes termos,
Deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a decisão ora impugnada e ordenando-se a substituição por outra que dê por não provados os factos e conclusões constantes do douto despacho em crise, absolvendo a Recorrente, farão V. Ex.ª a acostumada Justiça


Foram oferecidas contra-alegações nas quais se concluiu pela improcedência do recurso.
O recurso foi admitido e foi distribuído.
Após a sua distribuição foi proferido despacho nos termos e para os efeitos previstos no art.º, 655º do CPC por se entender que a decisão da reclamação de bens como incidente processual é impugnável apenas com a decisão final do inventário, ou seja, com o recurso da sentença homologatória da partilha.

Pronunciou-se a requerente defendendo em síntese o conhecimento imediato do recurso sob pena de se verificar um pleno atropelo ao principio da celeridade processual.


Fundamentação:
De facto

A factualidade relevante é a que acaba de citar-se.

De Direito

No processo acima assinalado foi com data de 29 de Abril de 2016 proferida decisão referente a incidente de reclamação de bens em processo de inventário.
De tal decisão apresenta a cabeça de casal recurso que identifica da seguinte forma: “Recurso, que é de Apelação, com subida imediata, em separado, com efeito meramente devolutivo, nos termos dos artigos 644.º n.º 2, al. h), 645.º, n.º 2 e 647.º n.º 1 do C.P.C., cuja motivação se segue”.
A Sra. Juiz admite o recurso nos seguintes termos:
“Aos presentes autos aplica-se o Código de Processo Civil que previa o processo de inventário e não o NCPC. Assim, por ser legalmente admissível, tempestivo e a parte ter legitimidade para tal, admito o recurso de apelação interposto, que sobe imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo (cf. artºs. 676º, 678º, n.º 1, 680º, n.º 1, 691º, n.º 2, al. j), e n.º 5, e 691º- A, n.º 2, 692º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil)”.
Contrariando ambas as “orientações” entendemos, porém que a decisão em apreço, quer no âmbito do actual CPC (que será o diploma aplicável considerando a data da decisão e o disposto no artº 7 da Lei nº 41/2013 de 26 de Junho) quer no anterior não admite recurso de imediato.
As razões desta afirmação são as seguintes:
No respeitante ao fundamento apresentado pela recorrente, há muito foi consagrado na doutrina e na jurisprudência que o recurso só se torna absolutamente inútil se, a ser provido, o recorrente já não puder aproveitar-se da decisão, não se confundindo com aqueles casos que ocasionam anulação de processado. Ou seja, a inutilidade que se pretendia evitar era apenas a do recurso, em si mesmo, e não a de actos processuais, entretanto praticados.
Em bom rigor, a inutilidade só é absoluta quando a retenção do recurso tiver como resultado a completa inconsequência do futuro resultado do mesmo, ou seja, quando, mesmo a proceder o recurso, o recorrente já disso não puder retirar qualquer proveito.
Citando Abrantes Geraldes in “Recursos em Processo Civil –Novo Regime 3ª edição, pag. 192” o advérbio empregue, “absolutamente” marca bem o nível de exigência imposta pelo legislador em termos idênticos ao que se previa no art.º 734.º n.º 1 al. c), para determinar ou não a subida imediata do agravo.
Amâncio Ferreira in “Manual dos Recursos em Processo Civil”, Almedina, pág. 221 escreve que; A salvaguarda da utilidade do recurso impõe igualmente a sua subida imediata, sempre que da sua retenção já não adviessem vantagens para o agravante, por a revogação da decisão recorrida não provocar quaisquer efeitos práticos. Tal acontecerá, como a jurisprudência tem acentuado, apenas quando a retenção do recurso o torne absolutamente inútil para o recorrente, e não por qualquer outra razão, como a economia processual ou a perturbação que possa causar no processo onde foi interposto. A simples inutilização de actos processuais já praticados, em consequência do provimento do agravo, não justifica a sua subida imediata, uma vez que esses actos podem ser renovados.
Também Cardona Ferreira in “Guia de Recursos em Processo Civil” 2002, pág. 86”, referindo-se ao nº2 do art.734.º do Cód. Proc. Civil anterior refere que esta regra se reporta ao “thema decidendum” do recurso e não à eventualidade de necessidade de repetição do processado.
No mesmo sentido ver também Miguel Teixeira de Sousa, “Estudos sobre o Novo Processo Civil, 2ª edição, pág. 535; Prof Alberto dos Reis, “CPC Anotado, Vol. VI, pág. 111” e por fim “Castro Mendes, Direito Processual civil, Recursos, edição da AAFDL, 1980, pág. 165”.
Também a jurisprudência tem interpretado uniformemente este preceito legal como é exemplo o Ac. da RP de 1O-03-2015, processo nº 710/14.5TBSTS-B. P1, relator Vieira e Cunha, disponível em www.dgsi.pt, cujo sumário vai no mesmo sentido da análise que temos vindo a tecer:
“As decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final é absolutamente inútil, de acordo com o disposto na al. h) do nº2 do artigo 644º C.P.Civ, são apenas as decisões cuja retenção poderia ter um efeito material irreversível sobre o conteúdo do decidido, e não aquelas que acarretem apenas mera inutilização de atos processuais”.
Acresce dizer que, a eventual renovação do processado não é, de forma alguma, só por si, motivo justificativo para a subida imediata, sob pena de então os recursos, na sua quase totalidade, deverem adoptar tal regime.
Vale isto por dizer que no caso em apreço a retenção do recurso acarretará somente a inutilização de parte da tramitação do processo e, porventura, alguma perturbação no desenrolar do mesmo, que inevitavelmente se atrasará, risco natural de qualquer recurso, não enquadrável, porém, no conceito de absoluta inutilidade a que alude.
Nem mesmo existe qualquer “eventual perda do imóvel e do registo alegadamente irrecuperável” pois conforme resulta da decisão recorrida o imóvel deixou de constituir bem a partilhar uma vez que foi determinada a sua restituição à vendedora. Esta conclusão retira-se da mera leitura da decisão, sem necessidade de se apreciar os fundamentos do recurso (2). Aliás declarada nula a compra e venda a consequência dessa nulidade será a devolução do imóvel à vendedora e do dinheiro à compradora (herança), sendo certo que da decisão também resulta a forma como deve ser relacionado este valor.
Mas se dúvidas a recorrente tivesse -como refere neste recurso, poderia e deveria colocá-las ao tribunal que proferiu a decisão, pois a lei assim o permite.
E que o processo pode prosseguir sem apreciação deste recurso resulta claro do facto de estar a prosseguir uma vez que, a este recurso foi como devia fixado efeito devolutivo.
Portanto, é inquestionável que o recurso interposto se apreciado com o recurso da decisão final não se torna absolutamente inútil.
No que se reporta ao principio da economia processual invocando pela recorrente em sede de exercício do contraditório a nossa opinião é precisamente ao contrário pois a irrecorribilidade autónoma imediata das decisões meramente interlocutórias dá satisfação a dois princípios:
- a) ao principio da celeridade, dado que impede que o movimento do processo seja interrompido e prejudicado pela interposição de recursos e
- b) da concentração de meios, uma vez que possibilita a apreciação simultânea pelo tribunal ad quem num só recurso de todas as decisões interlocutórias desfavoráveis para o recorrente.

Por fim, a decisão impugnada não se enquadra em qualquer outra das alíneas do artº 644º em análise.
Quanto ao fundamento invocado pela Sra. Juiz para a admissão imediata do recurso (alínea n.º 2, alín. j) do art.º 691.º do CPC) segue-se o entendimento que quando tal artigo dispõe caber recurso de apelação do despacho que não admite ou ponha termo a incidente tem em vista, sómente os incidentes da instância assim legalmente qualificados e regulados pelo Código de Processo Civil como incidentes da instância- artºs 302 a 380º -A/ artºs 292º a 361º do NCPC ( o sublinhado é nosso) - a verificação do valor da causa, intervenção principal, espontânea ou provocada, intervenção acessória, provocada e do MºPº, assistência, oposição espontânea, provocada ou mediante embargos de terceiro, habilitação e liquidação, falsidade de documentos – art. 544º e sgs/ artºs 444º e sgs do NCPC falsidade de acto judicial – art. 551º-A/451º do NCPC prestação de caução – artºs. 696º e 697º e suspeição – 126º e sgs / artº 119º e sgs do NCPC todos do Código de Processo Civil - e não quaisquer outros incidentes ou ocorrências processuais, anómalas ou não, pois se também o fossem esgotar-se-ia a previsão do nº 3 do preceito em causa, uma vez que qualquer requerimento poderia considerar-se como iniciando um incidente e o despacho que sobre ele recaiu, não o atendendo, como despacho que não admitiu o incidente ou lhe pôs termo.
Razões históricas, legais e explicativas dos regimes de recursos permitem-nos assim pensar como nos ensina Abrantes Geraldes in Recursos em Processo Civil –Novo Regime 3ª edição (2010) pp 206 em apelo que faz ao elemento histórico extraído do anterior art.º 739.º.
De efeito, o artigo 739º do anterior CPC referia-se expressamente aos incidentes da instância, referência esta que foi retirada das normas correspondentes nas posteriores alterações do CPC. Ora porque não consta da norma não deve ser esquecida e relegada, antes ponderada como elemento explicativo da razão da norma.
Também da decisão proferida acerca da reclamação de bens desde que observada a regra do valor, no regime processual anterior a 1.1.08 o recurso a interpor seria de agravo, com subida diferida e em separado, no momento da conferência de interessados e com efeito devolutivo (artºs 733.º e 740.º, a contrario).
Com as sucessivas alterações, o recurso de tal decisão (interlocutória) é de apelação, a interpor no recurso da decisão final (sentença homologatória da partilha) ou, no caso dela não haver recurso e tal decisão tenha interesse para o apelante independentemente da decisão final, a interpor, num recurso único após o trânsito em julgado da decisão final (artº 691º do anterior CPC/ artº644 nº 3 e 4 do NCPC).
No mesmo sentido ver – Luís Correia Mendonça e Henrique Antunes (Juízes no Tribunal da Relação de Coimbra) no livro “Dos Recursos pp 233”, Quid Juris, Sociedade Editora.
Aliás Abrantes Geraldes mesmo quanto aos incidentes da instância apenas admite a interposição imediata do recurso no caso das decisões de rejeição imediata do incidente, sendo que as demais ficarão submetidas à regra geral sobre a impugnação das decisões intercalares, nos termos dos nº 3 e 4 do artº 691- Obra e pp citadas.
No caso em apreço a reclamação da relação de bens devendo ser feita ao abrigo do disposto no art.º 1348º e sgs do CPC na redacção anterior à revogação pela Lei 29/2009 de 29.06 não constitui um dos tipificados incidentes de instância, mas sim incidente processual mais propriamente “incidente do inventário”.
Em igual sentido foi proferida decisão singular pela aqui relatora no processo nº 296/08.0BPTB e acórdão proferido no processo nº 108/13.2 TBVLN-A. G1 com data de 27.02.2014 (publicado em www.dgsi.pt).
No mesmo sentido acórdão desta Relação de 26.09.2013 proferido no processo nº 4584/10.7TBBRG.A. G1, publicado em www.dgsi.pt relatado pela Exª Desembargadora Isabel Rocha.
Também acórdão da Relação do Porto proferido no processo nº 3843.11.6T2OVR com data de 15 de Setembro de 2015 (não se conhece publicação).
Assim sendo, e sem mais delongas por despiciendas, temos de concluir pela indevida admissão deste recurso o que impede o seu conhecimento, no seu todo.

Síntese conclusiva:
●. No que respeita à alínea n.º 2, alín. j) do art.º 691.º do anterior CPC segue-se o entendimento que quando dispõe caber recurso de apelação do despacho que não admite ou ponha termo a incidente tem em vista sómente os incidentes da instância assim legalmente qualificados e regulados pelo Código de Processo Civil como incidentes da instância- artºs 302 a 380º -A; art. 544º e sgs; art. 551º-A; artºs. 696º e 697º e 126º e sgs todos do Código de Processo Civil - e não quaisquer outros incidentes ou ocorrências processuais, anómalas ou não, pois se também o fossem esgotar-se-ia a previsão do nº 3 do preceito em causa, uma vez que qualquer requerimento poderia considerar-se como iniciando um incidente e o despacho que sobre ele recaiu, não o atendendo, como despacho que não admitiu o incidente ou lhe pôs termo.
●. A irrecorribilidade autónoma imediata das decisões meramente interlocutórias dá satisfação ao principio da celeridade, dado que impede que o movimento do processo seja interrompido e prejudicado pela interposição de recursos e da concentração de meios, uma vez que possibilita a apreciação simultânea pelo tribunal ad quem num só recurso de todas as decisões interlocutórias desfavoráveis para o recorrente.
●. Apresenta como inconveniente a possibilidade de a ser procedente o recurso serem inutilizados actos processuais.
●. Mas esta inutilização de actos a lei admite proibindo – artº 644 nº1 e 2º al) h d) NCPC- apenas a inutilização absoluta dos actos

Decisão
Face ao exposto, acorda-se em não conhecer do recurso por o momento processual adequado ser a decisão final do processo de inventário, se a recorrente o entender, ou posteriormente, nos termos assinalados e nisso a mesmo tiver interesse.
Custas pela recorrente.

Guimarães, 10 de Novembro de 2016
(processado em computador e revisto, antes de assinado, pela relatora)
(Maria Purificação Carvalho)
(Maria dos Anjos Melo Nogueira)
(José Cravo)
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(2) (transcrição da decisão) (..) “Ora, daqui resulta que a alegada compra e venda ocorrida em meados de Setembro de 2010 não ocorreu, ou pelo menos, não foi formalizada por escrito, através de escritura pública, sendo nula (devendo ser restituído o que foi prestado, por aplicação do regime da nulidade - a herança recebe os 60.000,00 € e a cabeça de casal recupera o imóvel)”.