Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
307/24.1T8MNC-A.G1
Relator: 307/24.1T8MNC-A.G1
Descritores: PROCESSO DE MAIOR ACOMPANHADO
COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
CONVENÇÃO RELATIVA À PROTEÇÃO INTERNACIONAL DE ADULTOS
LITISPENDÊNCIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/17/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. Se à data da propositura de uma acção especial de maior acompanhado, o beneficiário era cidadão português, residia com carácter habitual em Portugal, onde ainda se encontrava e possuía bens, e sendo Portugal signatário da Convenção Relativa à Proteção Internacional de Adultos, os tribunais nacionais possuíam competência para a apreciar e julgar, quer pelo critério principal da residência habitual, quer pelo critério supletivo da nacionalidade, quer, quanto à adopção de medidas urgentes que se justificassem, pelo critério especial do paradeiro nesse momento do requerido e da situação dos seus bens.

II. A posterior mudança de residência do requerido para os Estados Unidos da América do Norte, onde ainda hoje se encontra, não implicou uma transferência de competência dos tribunais portugueses para os tribunais norte-americanos, ao abrigo da Convenção Relativa à Proteção Internacional de Adultos, uma vez que aquele outro país não é dela contratante.
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III. A pendência de causa perante jurisdição estrangeira é irrelevante para efeito de litispendência (face a uma segunda pendente em jurisdição nacional), salvo se outra for a solução estabelecida em convenções internacionais (de que ambos os Estados sejam parte).
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1.ª Adjunta - Lígia Paula Ferreira de Sousa Santos Venade;
2.º Adjunto - Pedro Manuel Quintas Ribeiro Maurício.
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ACÓRDÃO

I - RELATÓRIO
1.1. Decisão impugnada
1.1.1. Em 4 de Julho de 2024 AA, residente em ... ...71, ...0 ..., Rd. ..., n.º 5, ...53 ..., Estados Unidos da América do Norte, propôs um processo especial de acompanhamento de maior, em benefício de BB (sua mãe), residente na Rua ..., ..., freguesia ..., concelho ..., pedindo que:

· com o suprimento do consentimento/da autorização da Requerida, se decretasse o seu acompanhamento, com medida de representação especial  (nomeadamente, quando a todos os actos que implicassem a administração e/ou a afectação do seu património, bem como a prestação dos cuidados de que necessita, gerais e de saúde) e de limitação de direitos pessoais (nomeadamente, quando a fixar residência e a testar), sendo ela própria nomeada sua acompanhante, e dispensando-se ainda a constituição do concelho de família.

Alegou para o efeito, e em síntese, sofrer a Requerida (BB) de demência, o que a impossibilitaria de se governar, pessoal e patrimonialmente, estando em risco a sua própria segurança e bem-estar; e estando neste momento já dependente do constante acompanhamento e cuidados de terceiros.
Mais alegou que, tendo a Requerida (BB) quatro filhos, três deles residiriam nos Estados Unidos da América do Norte e um quarto alternadamente entre este país e o ...; e ser ela própria a única com afinidade, disponibilidade e responsabilidade para o exercício das funções de acompanhamento da mãe.

1.1.2. Admitida liminarmente a petição inicial (por despacho de 6 de Julho de 2024), e dada publicidade à acção, veio a frustrar-se a citação pessoal da Requerida (em 19 de Julho de 2024), por não se encontrar em condições de compreender o seu significado, lendo-se nomeadamente na «CERTIDÃO DE NÃO CITAÇÃO» então lavrada:
«(…)
Certifico que não levei a efeito a citação/notificação da acompanhada BB, viúva, com domicílio na Rua ..., ..., ..., ... ..., após contacto com a mesma, nesta Secretaria, acompanhada do seu filho CC.
Efectuadas perguntas sobre os seus elementos de identificação e de localização no espaço/tempo, respondeu afirmativamente, quanto ao seu nome e correctamente quanto ao valor nominal das notas de € 5,00, € 20,00 e € 50,00. No mais, não soube precisar o dia da semana, afirmando que hoje é Segunda-Feira, do mês de Janeiro do ano de 1964 e não se conseguiu localizar no espaço.
Constatei que a beneficiária se encontrava agitada e, passados alguns momentos, repeti as mesmas questões, tendo a mesma, respondido que hoje é Sexta-Feira, do mês de Julho de 2019 e que estamos no verão.
Em face do exposto, salvo o devido respeito por opinião contrária, não me pareceu ter discernimento para compreender o alcance do teor da citação, bem como capacidades para agir de acordo com as exigências da mesma.
(….)»

1.1.3. Citado o Ministério Público em representação da Requerida (BB), o mesmo contestou os autos (em 23 de Julho de 2024), impugnando, por os desconhecer, os factos alegados na petição inicial.

1.1.4. Em 01 de Agosto de 2024 CC, residente em ... ..., ..., ... ...30, Estados Unidos da América do Norte (posteriormente constituído assistente nos autos) veio informar ser filho da Requerida (BB), residir a mesma habitualmente consigo e irem regressar ambos na semana seguinte a esse país.

1.1.5. Em 29 de Agosto de 2024 a Requerente (AA) veio contestar o afirmado, reiterando ter a Requerida (BB) a sua residência habitual em Portugal há mais de 25 anos.

1.1.6. Em 30 de Setembro, e em 15 e 22 de Outubro, de 2024 foram inquiridas as testemunhas arroladas para demonstrarem a residência habitual da Requerida (BB).

1.1.7. Em 12 de Novembro de 2024, já após a ida da Requerida (BB), na companhia do Assistente (CC), para os Estados Unidos da América do Norte, e o seu internamento em instituição de prestação de cuidados (face a uma fractura da anca esquerda entretanto sofrida por ela), o Ministério Público promoveu que ficasse sujeita a medida provisória de acompanhamento de representação geral, sendo nomeada acompanhante a Requerente (AA), e que oportunamente se realizasse um exame pericial às suas faculdades.

1.1.8.  Em 14 de Novembro de 2024 foi proferido despacho, designando dia para a audição por via telemática da Requerida (BB), lendo-se nomeadamente no mesmo:
«(…)
Julga-se absolutamente essencial para a decisão sobre eventual aplicação de medidas de acompanhamento provisórias a audição, ainda que telemática, da beneficiária.
Para o efeito, notifique, pela via mais expedita a requerida, na sua morada atual (centro de recuperação indicado pelo filho CC na sequência da sua audição), a fim de se estabelecer contacto direto com a mesma, nos termos do art. 520.º do Código de Processo Civil, caso nada haja a opor pelas partes nesse sentido – art. 520.º do Código de Processo Civil – dada a urgência do processado e a necessidade de ponderar medidas urgente.
Notifique igualmente o filho da interessada/interveniente acidental CC, pela via mais expedita (telefone e email) para cooperar com o Tribunal no estabelecimento da videochamada em causa – art. 7.º e 417.º do Código de Processo Civil.
Traduza o presente despacho para a língua inglesa, tendo em vista a notificação da requerida.
Para o efeito designa-se o dia 20.11.2024, pelas 14h.
Notifique e convoque, após prévio cumprimento do disposto no art. 151º, n.º 1 do Código de Processo Civil; pela via mais expedita.
DN.
(…)»

1.1.9. Em 22 de Novembro de 2024 veio a Requerida (BB), representada para o efeito por Mandatário Judicial: arguir a incompetência absoluta do Tribunal a quo (alegando residir com carácter habitual nos Estados Unidos da América do Norte, não havendo previsão para viajar para Portugal); opor-se ao decretamento do regime de maior acompanhado, mesmo que a título provisório (alegando ser o mesmo desnecessário, por não existir qualquer comprometimento da sua vontade /ou intelecto); e opor-se à extensão da limitação proposta para a sua capacidade de exercício de direitos, à nomeação da Requerente (AA) como sua acompanhante e à dispensa da constituição do Conselho de Família (alegando ter uma relação deteriorada com a Requerente, possuir uma relação muito forte com o Assistente, e só nos Estados Unidos da América do Norte poder beneficiar dos cuidados de que necessitaria e da proximidade de todos os seus descendentes, que exclusivamente ali vivem).

1.1.10. Em 22 de Novembro de 2024 veio o Assistente (CC) pedir que não fosse decretado o regime de maior acompanhado para a Requerida (BB), nem ser nomeada a Requerente (AA) como sua acompanhante, pelas mesmas razões já aduzidas por aquela; e defender ser ele próprio quem estaria em melhores condições para cuidar da mãe  e administrar o seu património.

1.1.11. Em 25 de Novembro de 2024 (data designada pata a sua audição), a Requerida (BB) opôs-se à sua inquirição por via telemática; e foi proferido despacho, declarando cessada a sua representação pelo Ministério Público.

1.1.12. Em 01 de Dezembro de 2024 a Requerente (AA) reiterou o teor das suas alegação e pretensão iniciais, defendendo nomeadamente ser o Tribunal a quo internacionalmente competente para conhecer dos autos.

1.1.13. Em 05 de Dezembro de 2025 a Requerida (BB) reiterou a arguição da excepção de incompetência absoluta, em função das regras de competência internacional, do Tribunal a quo, e a sua oposição à respectiva inquirição «por via telemática ou por outro meio que não seja pessoal e direto».

1.1.14. Em 11 de Dezembro  de 2025 o Assistente (CC) pronunciou-se de igual forma, defendendo ainda inexistir qualquer urgência no decretamento do regime de acompanhamento de maior em Portugal, não só por ser desnecessário face à condição de saúde da Requerida (que se encontraria capaz de, por si só, governar a sua pessoa e os bens), como ainda por a mesma estar a receber todos os cuidados nos Estados Unidos da América do Norte; e já terem os irmãos proposto nesse país um processo judicial com o mesmo propósito do aqui em causa.

1.1.15. Em 2 de Janeiro de 2025 a Requerente (AA) veio alegar não ter, ela própria, nem os seus irmãos, instaurado nos Estados Unidos da América do Norte ou em Portugal, prévia ou posteriormente aos presentes autos, qualquer acção ou procedimento onde tivesse sido suscitada a incapacidade da Requerida (BB).

1.1.16. Em 14 de Janeiro de 2025 o Assistente (BB) veio acusar a Requerente (AA) de mentir, juntando cópia de procedimento judicial intentado por ela e demais irmãos relativo à Requerida (mãe de todos), defendendo em existir, por isso, «um conflito de competência internacional entre o Tribunal nos EUA e o Tribunal em Portugal, por semelhança de pedidos apresentados, no mesmo momento, em duas jurisdições distintas».

1.1.17. Em 11 de Março de 2025 foi designada data para produção da prova pessoal arrolada nos autos, a que se procedeu em 02 de Abril de 2025, limitada, porém, «à questão da exceção da incompetência internacional do Tribunal, bem como à alegada pendência de outro processo de acompanhamento de maior os EUA».

1.1.18. Em 31 de Agosto de 2025 foi proferida «SENTENÇA», julgando improcedente, quer a excepção de incompetência absoluta do Tribunal a quo, quer a excepção de litispendência, determinando-se ainda, sob a epígrafe «Diligências subsequentes», a inquirição da Requerida (BB) por via telemática e «a realização de prova pericial às capacidades da requerida», fixando-se «desde já os seguintes quesitos», que a seguir se enumeraram, lendo-se nomeadamente no mesmo:
«(…)
Apurou-se nos autos que a Requerida é cidadã de nacionalidade Portuguesa e, para além disso, é proprietária de bens em Portugal (cfr. imposto de selo, atrás junto) e que a mesma tinha residência habitual em ..., à data da sua citação (mediante cumprimento do disposto no art. 21.º do Código de Processo Civil, pelo que entendemos irrelevante, à luz dos citados normativos, a mudança de residência para os EUA, mormente à luz do disposto no art. 5.º, n.º 2 da referida Convenção, que se entende inaplicável no caso dos autos.
Assim sendo, afirma-se a competência internacional deste Tribunal para a tramitação da causa, improcedendo a referida exceção absoluta.
Valor da causa: €30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo).
Custas pela requerida, sem prejuízo da isenção aplicável, ex vi art. 4.º, n.º 2, al. h) do RCP.
Registe e Notifique.

No que diz respeito à eventual litispendência, a mesma é de indeferir liminarmente, quer por não se congregarem os pressupostos normativos do art. 581.º, quer atento o disposto no art. 580.º, n.º 3 do Código de Processo Civil.
Aliás, m relação à ação instaurada nos EUA – Processo n.º MRS C-103-24, verifica-se, pela análise da prova documental, que a incapacidade da beneficiária não é objeto principal dos autos, mas antes o pressuposto para a nomeação de um curador provisório ou ad litem.
Assim sendo, improcede a invocada exceção de litispendência, devendo prosseguir os autos.
Valor da causa: €30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo).
Custas pela requerida, sem prejuízo da isenção aplicável, ex vi art. 4.º, n.º 2, al. h) do RCP.
Registe e Notifique.
(…)»

1.1.19. Em 09 de Setembro de 2025, quer a Requerida (BB), quer o Assistente (CC), vieram arguir a nulidade do despacho que determinou a audição daquela por via telemática; e apresentar reclamações aos quesitos elaborados pelo Tribunal a quo para fundar a prova pericial;
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1.2.1. Recursos
Inconformados com as decisões proferida em 31 de Agosto de 2025, vieram (em 19 de Setembro de 2025), quer a Requerida (BB), quer o Assistente (CC), interpor recurso de apelação da mesma.
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1.2.1.1. Recurso da Requerida
A Requerida (BB), no recurso que interpôs, pediu que: fosse reconhecida a excepção de incompetência absoluta, em razão das regras de competência internacional, do Tribunal a quo, sendo ela própria absolvida da instância; fosse decretada a excepção de litispendência, sendo ela própria absolvida da instância; fosse decretada a nulidade da decisão da sua audição por via telemática; e fosse absolvida do pedido de acompanhamento, face à supletividade deste regime, uma vez que já estariam acautelados os deveres gerais de cooperação e assistência, sendo por isso tal regime desnecessário e desproporcionado.

Concluiu as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis, com excepção da concreta grafia utilizada e de manifestos e involuntários erros e/ou gralhas de redacção):

1. A Recorrente e o seu falecido marido emigraram para os Estados Unidos da América em 1968, adquirindo nacionalidade norte-americana e fixando aí a sua residência habitual, onde nasceram os dois filhos mais novos e onde reside actualmente toda a sua família nuclear.

2. Desde agosto de 2024 que a Recorrente se encontra instalada na Residência Sénior EMP01..., em ..., tendo residência em ..., ..., recebendo acompanhamento médico e apoio familiar adequados.

3. O marido da Recorrente faleceu em 03/03/2024, deixando-a como universal herdeira e nomeando-a cabeça de casal/testamenteira, conforme testamento outorgado nos Estados Unidos da América, o qual produz efeitos patrimoniais na esfera de todos os filhos, incluindo da Recorrida.

4. Não obstante o testamento, sucederam-se actos processuais e patrimoniais praticados pelos filhos AA, DD e EE em Portugal e nos EUA, designadamente:
a. celebraram habilitação de herdeiros em Portugal omitindo o testamento;
b. instauração dos presentes autos de maior acompanhado, pedindo restrições e limitações aos direitos da Recorrente;
c. instauração de processo de inventário, concorrendo, indevidamente, à herança com a mãe;
d. instauração de ações judiciais nos EUA questionando a capacidade da Recorrente.

5. Tais iniciativas revelam uma estratégia concertada para desrespeitar a vontade do falecido marido da Recorrente e limitar os direitos patrimoniais e pessoais desta, criando um contexto de múltiplas acções paralelas em diferentes jurisdições.

6. Perante esta situação, a Recorrente suscitou, ao longo do processo, exceções processuais relevantes - incompetência internacional, litispendência, ilegalidade da sua audição por via telemática e subsidiariedade do regime do maior acompanhado -, demonstrando que as finalidades das medidas estão asseguradas e que o regime de maior acompanhado é desnecessário.

7. Apesar disso, o Tribunal a quo afirmou-se competente internacionalmente, julgou não verificada a exceção de litispendência, determinou a audição da Recorrente por via telemática e ignorou a natureza subsidiária do regime do maior acompanhado.

8. A Recorrente é cidadã com dupla nacionalidade, portuguesa e norte-americana, encontrando-se há mais de um ano numa Residência Sénior nos EUA e sob acompanhamento clínico adequado, estando junto da sua família nuclear.

9. A Recorrente possui bens tanto em Portugal como nos Estados Unidos da América, sendo-lhe aplicáveis cumulativamente a lei portuguesa e a lei norte-americana, o que impõe a aplicação das normas de direito internacional privado, nomeadamente a Convenção de Haia Relativa à Proteção Internacional de Adultos de 13/01/2000.

10. A decisão recorrida assentou em factos incompletos e inexatos quanto à residência habitual da Recorrente, tendo dado como provado que residia há mais de 25 anos em Portugal sem prova idónea que sustente tal conclusão.

11. A Recorrente desde há muito que mantém residência habitual nos Estados Unidos da América, deslocando-se a Portugal, sendo este facto corroborado por documentação junta aos autos (fiscais, carta de condução, morada no cartão de cidadão, etc.).

12. Nos termos do artigo 96.º do CPC, a violação das regras de competência internacional constitui incompetência absoluta, de conhecimento oficioso pelo tribunal.

13. O artigo 7.º da Convenção de Haia Relativa à Proteção Internacional de Adultos impõe que as medidas de proteção sejam adotadas pelo Estado melhor posicionado para proteger os interesses do adulto, cabendo ao Estado Contratante a avaliação de qual é o Estado melhor posicionado para o efeito.

14. No caso dos autos, tal Estado é inequivocamente os Estados Unidos da América.

15. O Tribunal a quo desconsiderou que a Recorrente se encontra sob supervisão e acompanhamento do Provedor de Saúde/Cuidados do Estado de ..., que avaliou pessoalmente a sua capacidade e garantiu que todos os seus direitos e cuidados estão assegurados.

16. O Tribunal a quo baseou-se numa “certidão de não citação” lavrada por Oficial de Justiça sem habilitação técnico-científica para avaliar a capacidade da Recorrente, impedindo-a de exercer o contraditório e de intervir atempadamente no processo.

17. Tal atuação implicou a representação da Recorrente pelo Ministério Público sem contacto prévio ou diligência efectiva para averiguar os seus interesses, tendo resultado na produção de prova testemunhal sem contraditório efectivo.

18. Ao avocar a si a competência internacional, o Tribunal a quo violou os artigos 59.º e 96.º do CPC, os artigos 80.º e 82.º do CC e a Convenção de Haia Relativa à Proteção Internacional de Adultos, padecendo a sentença de nulidade por falta de fundamentação, cfr. artigo 615.º, n.º 1, al. b) CPC) relativamente à exceção de incompetência internacional.

19. Não se mostra fundamentado por que razão as autoridades portuguesas estariam melhor posicionadas do que as norte-americanas para adotar medidas de proteção sobre a Recorrente, em clara violação do espírito e letra da Convenção de Haia.

20. Devendo assim ser declarada a incompetência absoluta internacional do Tribunal a quo para tramitar a presente acção, revogando-se a decisão recorrida e absolvendo-se a Recorrente da instância.

21. A Recorrente invocou, em sede própria, a excepção dilatória de litispendência, com fundamento na pendência de acção judicial instaurada nos Estados Unidos da América, Estado de ..., Tribunal do Condado de Morris, Processo n.º MRS C-103-24, que versa sobre os mesmos factos e efeitos jurídicos que os presentes autos. 

22. O Tribunal a quo indeferiu liminarmente tal excepção com fundamento em alegada ausência de preenchimento dos requisitos do artigo 581.º do CPC e na inaplicabilidade do regime de litispendência por força do disposto no artigo 580.º, n.º 3 do CPC, por se tratar de jurisdição estrangeira.

23. Contudo, da prova documental junta aos autos, resulta demonstrado que a acção intentada nos EUA visa, igualmente, a avaliação da capacidade da Recorrente, tendo por base o mesmo quadro factual e os mesmos sujeitos processuais, ainda que sob a forma de providência cautelar e, posteriormente, ação principal.

24. O próprio Tribunal a quo, por despachos anteriores ao proferimento da decisão ora recorrida, reconheceu a relevância da pendência de acção no estrangeiro, ao determinar que a parte contrária esclarecesse se havia intentado acção sobre a capacidade da Recorrente nos EUA, solicitando prova documental.

25. Tal conduta contradiz a posterior fundamentação da sentença de que tal pendência seria irrelevante, revelando incoerência processual e decisão não devidamente fundamentada.

26. Mais se diga que o artigo 580.º n.º 3 do CPC prevê expressamente excepção à regra da irrelevância da pendência perante jurisdição estrangeira, recorrendo a solução estabelecida em convenções internacionais.

27. Portugal é signatário da Convenção da Haia relativa à Proteção Internacional dos Adultos, de 13 de Janeiro de 2000, aprovada pela Resolução da AR n.º 52/2014, a qual regula expressamente a competência internacional em casos como o presente, priorizando a jurisdição melhor colocada para proteger os interesses do adulto em causa.

28. Nos termos do artigo 8.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, as convenções internacionais ratificadas prevalecem sobre o direito ordinário interno, tendo aplicabilidade direta e primado hierárquico.

29. Estando demonstrado que existe identidade de sujeitos, de causa de pedir e de pedido entre os dois processos, encontram-se preenchidos os requisitos da excepção de litispendência nos termos do artigo 581.º do CPC.

30. Face à pendência de acção na jurisdição norte-americana sobre a mesma matéria e sujeitos, à aplicabilidade da Convenção da Haia e à proteção do superior interesse da Recorrente, a jurisdição portuguesa não é a mais adequada para dirimir os presentes autos.

31. Nestes termos, deverá a decisão recorrida ser revogada, reconhecendo-se a excepção de litispendência e, em consequência, ser a Recorrente absolvida da instância, nos termos do artigo 278.º, n.º 1, alínea e), do CPC.

32. A decisão recorrida também determinou a realização da audição da Recorrente por via telemática, mediante sistema de comunicação audiovisual em tempo real com intermediação de autoridades judiciais norte-americanas, em clara violação do princípio da audição pessoal e directa.

33. O artigo 897.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, o artigo 898.º, n.º 1 do CPC e o artigo 139.º do Código Civil impõem de forma imperativa que a audição do beneficiário, nos autos de acompanhamento de maior, seja pessoal e direta, excluindo a possibilidade de realização por meios tecnológicos de comunicação à distância.

34. A própria letra da lei reforça essa exigência ao prever expressamente que, caso necessário, o juiz se deverá deslocar ao local onde se encontra o beneficiário, não prevendo qualquer alternativa legal que legitime a substituição da presença física por videoconferência.

35. A jurisprudência e a doutrina são pacíficas quanto à interpretação de que a audição pessoal e direta pressupõe contacto presencial, físico e cara a cara com o juiz da causa, sendo inadmissível o recurso a meios telemáticos.

36. A tentativa do Tribunal a quo de legitimar a violação desta formalidade legal, com o argumento de evitar a nulidade decorrente da omissão da diligência, não tem respaldo legal, uma vez que tal prática não é permitida pela lei e também é ela própria causa de nulidade, nos termos do artigo 195.º, n.º 1 do CPC.

37. Ao admitir como válida a audição por via telemática, o Tribunal a quo praticou um ato não admitido por lei, o que constitui uma nulidade processual nos termos do artigo 195.º do CPC, por tratar-se de formalidade legal com influência direta no exame e decisão da causa.

38. Tal nulidade é ainda qualificada por força do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC, porquanto a sentença violou norma expressa de direito processual, cujo cumprimento é essencial à validade da decisão.

39. Esta violação reforça a incompetência internacional do Tribunal português para julgar a causa, uma vez que este não se encontra em condições de cumprir legalmente a diligência essencial e insubstituível de ouvir pessoal e diretamente a Recorrente.

40. Pelo que deve ser revogada a decisão que determinou a audição por via telemática, reconhecendo-se a nulidade do ato praticado.

41. Instalada na Residência Sénior EMP01..., no Estado de ... (EUA), a Recorrente recebe cuidados clínicos e apoio diário adequados à sua condição, estando junto da sua família nuclear e devidamente acompanhada por corpo clínico competente e supervisionada pelo Estado de ....

42. Decorrendo desses cuidados que usufrui foi avaliada em 03/12/2024 pelo Provedor de Saúde do Estado de ..., que confirmou a plena capacidade da Recorrente para tomar decisões da vida quotidiana.

43. Não resulta dos autos qualquer prova de incapacidade que legitime a aplicação do regime de maior acompanhado, antes se demonstrando que todos os seus direitos, bem-estar e interesses estão salvaguardados pelos familiares próximos.

44. O artigo 140.º n.º 2 do Código Civil consagra o carácter subsidiário e excepcional do regime do maior acompanhado, só devendo ser aplicado quando os deveres gerais de cooperação e assistência não assegurem a proteção da pessoa visada.

45. A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (ratificada por Portugal) impõe a adopção de medidas menos restritivas dos direitos fundamentais, o que reforça o carácter de último recurso do regime de maior acompanhado.

46. No caso em apreço, os objetivos do regime encontram-se já assegurados pelos deveres de cooperação e assistência prestados pelo filho CC e demais familiares, pelo apoio prestado na Residência Sénior, corpo clínico que a acompanha e supervisionado pelas autoridades de saúde do Estado de ..., não havendo qualquer necessidade ou proporcionalidade na aplicação do regime.

47. Assim, a subsistência do presente processo ofende o disposto no artigo 140.º, n.º 2 do Código Civil, bem como os princípios constitucionais da proporcionalidade e da proteção dos direitos, liberdades e garantias da Recorrente.

48. Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser revogada a decisão recorrida, absolvendo-se a Recorrente do pedido.

49. Na sentença constam quesitos formulados pelo Tribunal a quo para realização de prova pericial, tendo a Recorrente apresentado, em tempo, reclamação.

50. Não obstante, o Tribunal a quo, remeteu os quesitos originais - sem qualquer alteração ou apreciação da reclamação apresentada - para o estabelecimento onde a Recorrente se encontra instalada, evidenciando uma omissão de pronúncia, dado que o Tribunal, tendo concedido às partes o direito de reclamar nos termos legais, omitiu-se em decidir sobre as questões oportunamente suscitadas pela Recorrente.

51. Nos termos do disposto no artigo 608.º, n.º 2, do CPC, o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, sob pena de nulidade da sentença, o que não se verificou, sendo que tal omissão configura nulidade da decisão nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC.

52. Devendo o Tribunal a quo pronunciar-se sobre a reclamação apresentada pela Recorrente quanto aos quesitos formulados para a prova pericial, sob pena de violação dos princípios do contraditório, da igualdade das partes e do direito ao processo equitativo, vertendo as alterações aos quesitos originais.

53. Normas violadas: artigos 82.º, 139.º e 140.º n.º 2 do Código Civil; 59.º, 580.º n.º 3, 581.º, 607.º, 608.º n.º 2, 897.º n.º 2 e 898.º do CPC; e artigo 7.º da Convenção de Haia de Proteção Internacional de Adultos, de 13/01/2000.
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1.2.1.2. Recurso do Assistente
O Assistente (CC) pediu, no recurso que interpôs, que: fosse considerada procedente a excepção de incompetência internacional do Tribunal a quo; fosse considerada procedente a exceção de litispendência; ou, caso assim se não entendesse, fosse decidido que o presente processo prejudica os melhores interesses da Beneficiária; ou, caso assim não se entendesse, fosse  decretada a nulidade da sentença recorrida na parte que decreta a audição da Requerida (BB) por via “telemática”.

Concluiu as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis, com excepção da concreta grafia utilizada e de manifestos e involuntários erros e/ou gralhas de redacção):

A. A justificação do prejuízo irreparável para a Beneficiária para requerer o efeito suspensivo do presente recurso prende-se assim com o facto do efeito devolutivo permitir que um Tribunal português prossiga a tramitação de um processo, que pode gerar danos pessoais e patrimoniais não reversíveis - lesando o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva.

B. Serve o melhor interesse da Beneficiária a apreciação do seu acompanhamento ser decidida por Tribunal norte-americano, como, aliás foi também requerido por AA.

C. Prejudica o melhor interesse da Beneficiária a apreciação do seu acompanhamento ser decidida pelo Tribunal a quo.

D. A Beneficiária não se encontra desprotegida ou em perigo.

E. De acordo com critérios aceites da citada Convenção da Haia de 2000 as circunstâncias mais relevantes que o Tribunal a quo deveria ter tido em conta para apurar se estaria, ou não, melhor posicionado para julgar a presente ação são: Local onde a Beneficiária recebe cuidados médicos ou apoio social; Proximidade familiar e rede de suporte; Urgência e eficácia das medidas - se o Tribunal dos EUA pode agir mais rapidamente ou de forma mais adequada; Princípio da continuidade do acompanhamento.

F. Resultando dos autos que a Beneficiária é titular de património e realiza deslocações periódicas a Portugal, é perfeitamente normal que esta tenha formalizado negócios jurídicos, procedimentos burocráticos e agendado consultas médicas em território português.

G. As circunstâncias concretas da Beneficiária apontam claramente para que a jurisdição norte americana (apesar de não ser signatária da aludida convenção) esteja em melhor posição para avaliar os interesses desta.

H. Há a franca possibilidade de ser decretada, em jurisdição estrangeira (EUA), uma medida para o acompanhamento da Beneficiária intentada na pendência do presente processo, o que implica a excepção de litispendência, que requer ser considerada procedente;

I. Por se tratar de uma formalidade legal expressamente exigida e que influencia diretamente o resultado do processo, a preterição da audição pessoal e direta da Beneficiária configura um vício processual que constitui nulidade, na forma prevista no artigo 195.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC).

J. A preterição da audição pessoal e direta da Beneficiária sem fundamento válido, fere princípios constitucionais e processuais, em especial o da imediação e da dignidade da pessoa.

K. Devia ter sido dada a oportunidade à Beneficiária para se pronunciar expressamente sobre a realização da sua audição por via telemática, o que reveste de nulidade a decretação da audição por via “telemática”.
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1.2.2. Contra-alegações
Não foram apresentadas quaisquer contra-alegações.
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1.2.3. Processamento ulterior do recurso
Em 24 de Outubro de 2025 ambos os recursos foram admitidos pelo Tribunal a quo como «apelação autónoma, a subir imediatamente e em separado, com efeito devolutivo», o que não foi alterado por este Tribunal ad quem.
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Previamente, mas na mesma data, o Tribunal a quo pronunciou-se sobre: o exercício do contraditório relativamente à prova pericial cuja realização tinha determinado, nomeadamente considerando então as reclamações apresentadas pela Requerida (BB) e pelo Assistente (CC) e reformulando o objecto da perícia em conformidade [1]; e a arguição da nulidade da sua decisão de inquirição da Requerida por via telemática, indeferindo-a [2].
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II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR

2.1. Objecto do recurso - EM GERAL
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC).

Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação).
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2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar

2.2.1. Questões incluídas no objecto útil dos recursos
Mercê do exposto, e dos recursos de apelação interpostos quer pela Requerida (BB), quer pelo Assistente (CC), três questões encontram-se submetidas à apreciação deste Tribunal ad quem:

1.ª - É a sentença recorrida nula, por não especificar os fundamentos que a justificam (subsumindo-se desse modo ao disposto no art.º 615.º, n.º 1, al. b), do CPC)?

2.ª - Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e aplicação do Direito, ao não considerar verificada nos autos a excepção dilatória de incompetência absoluta (em  função  das  regras  de competência internacional) dos tribunais portugueses para os julgar ?

3.ª - Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e aplicação do Direito, ao não considerar verificada nos autos a excepção dilatória de litispendência (em função de outros idênticos, pendentes nos Estados Unidos da América do Norte) ?
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2.2.2. Questões excluídas do objecto útil do recurso
Vieram ainda os Recorrentes suscitar, nos recursos que interpuseram: o vicio resultante da preterição do contraditório relativamente à prova pericial determinada pelo Tribunal a quo, nomeadamente por este ter ignorado em absoluto as reclamação que, oportunamente, tinham apresentado (assim incorrendo também na nulidade de omissão de pronúncia); a nulidade decorrente da decisão de audição da Requerida por via telemática; e o carácter subsidiário e excepcional do regime de maior acompanhado e a sua desnecessidade no que toca à Requerida (BB).
Contudo, nenhuma destas questões integra agora o objecto da reponderação deste Tribunal ad quem.
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2.2.2.1. Contraditório quanto à prova pericial - Inutilidade superveniente da instância recursiva
Com efeito, e no que toca à prova pericial, verifica-se ter efectivamente razão a Requerida (BB), quando afirmou que o Tribunal a quo fixou o seu objecto e enumerou os respectivos quesitos sem se pronunciar, ou considerar, as reclamações que oportunamente tinham sido apresentadas.
Contudo, verifica-se igualmente que, em momento posterior, o Tribunal a quo veio suprir a sua anterior omissão de pronúncia, não só apreciando as ditas reclamações como inclusivamente as deferindo; e, por isso, alterando em conformidade o elenco dos quesitos que ele próprio elaborara antes.
Assim, tornou-se, nesta parte, a instância recursiva supervenientemente inútil [3].
Pelo exposto, e nos temos do art.º 277.º, al. e), do CPC, declara-se a mesma extinta com esse fundamento.
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2.2.2.2. Inquirição por via telemática da Requerida - Inoportunidade do recurso
Precisando agora a questão relativa à arguição de nulidade do despacho que determinou a audição por via telemática da Requerida, consubstanciaria a mesma, no entender dos Recorrentes, a prática de um acto nos autos que a lei não admite; e, por isso, a qualificaram expressamente como uma nulidade do próprio processo, invocando para o efeito o art.º 195.º do CPC.
Logo, tê-la-iam que ter arguido no prazo de 10 dias subsequentes ao conhecimento da sua prática, coincidindo aqui o termo inicial do dito prazo com a notificação do despacho em causa (art.º 199.º do CPC); e fazê-lo perante o Tribunal a quo (art.º 200.º do CPC).
Tendo assim procedido, em requerimento autónomo e prévio à interposição do presente recurso, viria o mesmo a ser expressamente apreciado e decidido pelo Tribunal a quo; e só dessa sua decisão (de efectivo indeferimento) poderiam depois recorrer (caso a lei lhes permitisse o dito recurso), e não antes (como igualmente o fizeram), por ser então irrecorrível.
Pelo exposto, por irrecorribilidade da decisão dele objecto, não se admite o recurso do despacho proferido em 31 de Agosto de 2025 que determinou a audição por via telemática da Requerida.
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2.2.2.3. Carácter subsidiário e excepcional do regime de maior acompanhado - Objecto da decisão recorrida
Precisando, por fim, as alegações de recurso relativas ao carácter subsidiário e excepcional do regime de maior acompanhado, e da sua desnecessidade no que tange à Requerida (BB), as mesmas dizem respeito ao futuro julgamento de mérito dos autos (assim se compreendendo que, no pressuposto da sua procedência, os Recorrentes tenham fundado nela a absolvição da Requerida do pedido).
Ora, esse julgamento de mérito não se contem na decisão recorrida (que, no que ora nos interessa, apenas conheceu das excpeções dilatórias da incompetência do Tribunal a quo em razão das regras de competência internacional e de litispendência); e, por isso, não pode ser objecto do presente recurso.

Pelo exposto, declara-se que tais alegações constituem questões novas, que extravasam o âmbito da decisão recorrida e, consequentemente, do presente recurso.
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2.2.3. Ordem do seu conhecimento
Lê-se no art.º 663.º, n.º 2, do CPC, que o «acórdão principia pelo relatório, em que se enunciam sucintamente as questões a decidir no recurso, expõe de seguida os fundamentos e conclui pela decisão, observando-se, na parte aplicável, o preceituado nos artigos 607.º a 612.º».
Mais se lê, no art.º 608.º, n.º 2, do CPC, que o «juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras».
Ora, tendo sido invocada pela Recorrente (Requerida) a nulidade da sentença proferida pelo Tribunal a quo (vício que, a verificar-se, obsta à sua validade), deverá a mesma ser conhecida de imediato (embora, e necessariamente, limitada ao objecto útil da apreciação deste Tribunal ad quem); e de forma prévia às remanescentes questões objecto aqui de sindicância, já que, sendo reconhecida, poderá impedir o conhecimento das mesmas [4].
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III - QUESTÃO PRÉVIA - Vícios da decisão de mérito

3.1. Nulidades da sentença versus Erro de julgamento
As decisões judiciais proferidas pelos tribunais no exercício da sua função jurisdicional podem ser viciadas por duas distintas causas (qualquer uma delas obstando à eficácia ou à validade das ditas decisões): por se ter errado no julgamento dos factos e do direito, sendo então a respectiva consequência a sua revogação; e, como actos jurisdicionais que são, por se ter violado as regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou as que balizam o conteúdo e os limites do poder à sombra do qual são decretadas, sendo então passíveis de nulidade, nos termos do art.º 615.º, do CPC [5].
Precisando, «os vícios da decisão da matéria de facto não constituem, em caso algum, causa de nulidade da sentença», já que «a decisão da matéria de facto está sujeita a um regime diferenciado de valores negativos - a deficiência, a obscuridade ou contradição dessa decisão ou a falta da sua motivação [6] - a que corresponde um modo diferente de controlo e de impugnação: qualquer destes vícios não é causa de nulidade da sentença, antes é susceptível de dar lugar à actuação pela Relação dos seus poderes de rescisão ou de cassação da decisão da matéria de facto da 1ª instância (artº 662º, nº 2, c) e d) do nCPC)» (Ac. da RC, de 20.01.2015, Henrique Antunes, Processo n.º 2996/12.0TBFIG.C1, com bold apócrifo) [7].
Outros há, porém, que, concordando em princípio com esta posição, não deixam de admitir que poderão existir vícios da decisão de facto idóneos a justificar, de per se, a nulidade da própria sentença, enfatizando o facto desta, desde o CPC de 2013 (e ao contrário do que sucedia com o anterior, de 1961) conter agora simultaneamente a decisão de facto e a decisão de direito [8].
Ora, não obstante se estar perante realidades bem distintas, é «frequente a enunciação nas alegações de recurso de nulidades da sentença, numa tendência que se instalou e que a racionalidade não consegue explicar [9], desviando-se do verdadeiro objecto do recurso que deve ser centrado nos aspectos de ordem substancial. Com não menos frequência a arguição de nulidades da sentença acaba por ser indeferida, e com toda a justeza, dado que é corrente confundir-se o inconformismo quanto ao teor da sentença com algum dos vícios que determinam tais nulidades».
Sem prejuízo do exposto, e «ainda que nem sempre se consiga descortinar que interesses presidem à estratégia comum de introduzir as alegações de recurso com um rol de pretensas “nulidades” da sentença, sem qualquer consistência, quando tal ocorra (…), cumpre ao juiz pronunciar-se sobre tais questões (…)» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, págs. 132 e 133).
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3.2. Nulidades da sentença
3.2.1. Omissão de fundamentação
Lê-se no art.º 615.º, n.º 1, al. b), do CPC, que «é nula a sentença quando»:

. omissão de fundamentação - «Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão».

Enunciando as regras próprias de elaboração da sentença, lê-se no art.º 607.º, n.º 2 e n.º 3, do CPC, que a «sentença começa por identificar as partes e o objecto do litígio, e enunciando, de seguida, as questões que ao tribunal cumpre conhecer», seguindo-se «os fundamentos de facto», onde o juiz deve «discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as regras jurídicas, concluindo pela decisão final».
Mais se lê, no n.º 4 do mesmo art.º 607.º citado, que, na «fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção»; e «tomando ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras da experiência».
Por fim, lê-se no n.º 5 do mesmo art.º 607º, que o «juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto», não abrangendo, porém, aquela livre apreciação «os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão da partes».
Reafirma-se, assim, em sede de sentença cível, a obrigação imposta pelo art.º 154.º, do CPC, e pelo art.º 205.º, n.º 1, da CRP, do juiz fundamentar as suas decisões (não o podendo fazer por «simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade», conforme n.º 2 do art.º 154.º citado).

Com efeito, visando-se com a decisão judicial resolver um conflito de interesses (art.º 3.º, n.º 1, do CPC), a paz social só será efectivamente alcançada se o juiz passar de convencido a convincente, o que apenas se consegue através da fundamentação [10].
Reconhece-se, deste modo, que é a fundamentação da decisão que assegurará ao cidadão o respectivo controlo e, simultaneamente, permitirá ao Tribunal de recurso a sindicância do bem ou mal julgado: a «motivação constitui, portanto, a um tempo, um instrumento de ponderação e legitimação da decisão judicial e, nos casos em que seja admissível (…) de garantia do direito ao recurso» (Ac. da RC, de 29.04.2014, Henrique Antunes, Processo n.º 772/11.7TBBVNO-A.C1) [11].

Logo, e em termos de matéria de facto, impõe-se ao juiz que, na sentença, em parte própria, discrimine os factos tidos por si como provados e como não provados (por reporte aos factos oportunamente alegados pelas partes, ou por reporte a factos instrumentais, ou concretizadores ou complementares de outros essenciais oportunamente alegados, que hajam resultado da instrução da causa, justificando-se nestas três últimas hipóteses a respectiva natureza). 
Impõe-se-lhe ainda que deixe bem claras, quer a indicação do elenco dos meios de prova que utilizou para formar a sua convicção (sobre a prova, ou não prova, dos factos objecto do processo), quer a relevância atribuída a cada um desses meios de prova (para o mesmo efeito), desse modo explicitando não só a respectiva decisão («o que» decidiu), mas também quais os motivos que a determinaram («o porquê» de ter decidido assim).
Este esforço, exigido ao Juiz de fundamentação e de análise crítica da prova produzida, «exerce a dupla função de facilitar o reexame da causa pelo Tribunal Superior e de reforçar o autocontrolo do julgador, sendo um elemento fundamental na transparência da justiça, inerente ao acto jurisdicional» (José Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2013, pág. 281).

De seguida, e do mesmo modo, o art.º 607.º, n.º 3, do CPC, impõe ao juiz que proceda à indicação dos fundamentos de direito em que alicerce a sua decisão, nomeadamente identificando as normas e os institutos jurídicos de que se socorra, bem como a interpretação deles feita, concluindo com a subsunção do caso concreto aos mesmos.
Dir-se-á mesmo que «é na segunda parte da sentença, através da determinação, interpretação e aplicação das normas aos factos apurados, que reside a verdadeira motivação (fundamentação) da sentença. A importância capital desta parte da sentença reflecte-se claramente no facto de o art. 668º (1, b) [hoje, art. 615.º, n.º 1, l b)] incluir entre as causas de nulidade da sentença a falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão» (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, Limitada, 1985, pág. 666).
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Precisa-se, porém, que vem sendo pacificamente defendido (quer pela doutrina, quer pela jurisprudência) que só a falta absoluta da indicação dos fundamentos de facto ou de direito será geradora da nulidade em causa, e não apenas a mera deficiência da dita fundamentação [12].
Com efeito, «há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade»; e, por «falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto» (José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Coimbra Editora, Limitada, pág. 140).
A concreta «medida da fundamentação é, portanto, aquela que for necessária para permitir o controlo da racionalidade da decisão pelas partes e, em caso de recurso, pelo tribunal ad quem a que seja lícito conhecer da questão de facto» (Ac. do STJ, de 11.12.2008, citado pelo Ac. da RC, de 29.04.2014, Henrique Antunes, Processo n.º 772/11.7TBVNO-A.C1).
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3.2.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)
Concretizando, veio a Requerida (BB) arguir a nulidade da sentença por falta de fundamentação, «já que não especifica em concreto os fundamentos de facto e de direito que estiveram na base à tomada de decisão relativamente à exceção da incompetência absoluta internacional do Tribunal a quo, sendo que a mera remissão para o conjunto de prova testemunhal não permite alcançar com clareza o que justificou a opção do Meritíssimo Juiz, até porque é díspar em vários momentos a posição das testemunhas, mais a mais, quando foi um foco constante de atenção por parte do Tribunal a quo, nomeadamente, nos Despachos com as Ref.ªs Citius 52725009, 53277877, 53373167, 53557995, 53695495».
Contudo, e salvo o devido respeito por opinião contrária, não lhe assiste razão.

Com efeito,  compulsada a decisão recorrida, verifica-se que o Tribunal a quo, não só elencou os factos que tinha como provados para a fundamentar (justificando depois esse seu juízo com a apreciação crítica que fez da prova produzida), como identificou as normas legais que entendia aplicáveis, esclareceu sobre a interpretação que fazia delas, explicou o  modo como lhes subsumia aqueles factos, e concluiu pelo sua decisão (de improcedência da excepção de incompetência absoluta).
Poderá a Recorrente, e muito legitimamente, discordar, quer da apreciação feita da prova produzida (sendo que, a querer extrair efeitos úteis dessa sua discordância, ao nível da respectiva alteração, teria que cumprir os ónus - de impugnação e de conclusão - que a lei comina pra o efeito), quer da interpretação das normas legais aplicáveis; mas essa discordância não comina de nula a sentença recorrida, já que outra e distinta fundamentação não equivale a falta (necessariamente absoluta) de fundamentação (e só esta tem aquele efeito).

Improcede, assim, o fundamento da arguição de nulidade que alegadamente afectaria a sentença recorrida (por falta de fundamentação).
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IV - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

4.1. Factos provados
Com interesse para a apreciação das remanescentes duas questões enunciadas, o Tribunal a quo considerou provados (sem qualquer idónea ou eficaz sindicância pelas partes [13]) os seguintes factos (aqui apenas reordenados - de forma lógica e cronológica, conforme a realidade histórica que é suposto retratarem [14] - e reidentificados):

1 - BB (aqui Requerida) é cidadã de nacionalidade portuguesa e é proprietária de bens em Portugal.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 1)

2 - Após anos de emigração nos Estados Unidos da América do Norte, a Requerida e o falecido marido regressaram a Portugal, onde se instalaram definitivamente.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 4)

3 - Durante o período de residência habitual em Portugal, a Requerida e o falecido marido viajavam pontualmente aos Estados Unidos da América do Norte, a fim de visitar os seus filhos e netos.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 5)

4 - Em 2024 a Requerida residia com carácter habitual, há mais de 25 anos, na Rua ..., ..., ... ..., Portugal, juntamente com o seu marido.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 3)

5 - Em Março de 2024 faleceu o marido da Requerida, em ..., Portugal.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 3)

6 - Por despacho de 6 de Julho de 2024 foi admitida liminarmente a petição inicial da presente acção (de acompanhamento de maior, com pedido de suprimento da autorização da beneficiária para o efeito); e determinada a sua publicidade.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 6)

7 - Em 8 de Julho de 2024 foram afixados editais.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 7)

8 - Em 19 de Julho de 2024, foi lavrada, por Oficial de Justiça, certidão de não citação da Requerida, da qual consta:
«Certifico que não levei a efeito a citação/notificação da acompanhada BB, viúva, com domicílio na Rua ..., ..., ..., ... ..., após contacto com a mesma, nesta Secretaria, acompanhada do seu filho CC.
Efectuadas perguntas sobre os seus elementos de identificação e de localização no espaço/tempo, respondeu afirmativamente, quanto ao seu nome e correctamente quanto ao valor nominal das notas de € 5,00, € 20,00 e € 50,00. No mais, não soube precisar o dia da semana, afirmando que hoje é Segunda-Feira, do mês de Janeiro do ano de 1964 e não se conseguiu localizar no espaço.
Constatei que a beneficiária se encontrava agitada e, passados alguns momentos, repeti as mesmas questões, tendo a mesma, respondido que hoje é Sexta-Feira, do mês de Julho de 2019 e que estamos no verão.
Em face do exposto, salvo o devido respeito por opinião contrária, não me pareceu ter discernimento para compreender o alcance do teor da citação, bem como capacidades para agir de acordo com as exigências da mesma».
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 8)

9 - Em 23 de Julho de 2024 foi citado o Ministério Público, em representação da Requerida, no âmbito destes autos.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 2)

10 - Em 4 de Agosto de 2024 a Requerida deslocou-se, acompanhada pelo filho CC, para os Estados Unidos da América do Norte, onde permanece actualmente.
(facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 2)
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4.2. Factos não provados
O Tribunal a quo considerou, quanto a factos não provados, que «inexistem com relevo para a decisão da causa».
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V - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

5.1. Competência internacional 
5.1.1.1. Regime legal
Lê-se no art.º 59.º do CPC que, sem «prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62.º e 63.º [15] ou quando as partes lhes tenham atribuído competência nos termos do artigo 94.º [16]».
Logo, e para efeito da determinação da competência internacional dos tribunais portugueses, importa primeiro ponderar o que se encontre estabelecido em Regulamentos europeus ou em outros instrumentos internacionais que se apliquem aos autos; e só na sua ausência ponderar os elementos de conexão dos interesses em causa com o que se encontra estabelecido no CPC [17], mas bastando para este efeito que um dos elementos da causa de pedir tenha conexão com o território português [18]. Pretende-se, assim, alargar o mais possível o âmbito da competência internacional aos tribunais portugueses [19].
Compreende-se, por isso, que se afirme que a «competência internacional atribuída aos tribunais portugueses por normas de fonte interna deverá ceder perante o que a esse título se ache estabelecido em normas de fonte supraestadual, como tratados, convenções e regulamentos comunitários» (Ac. da RC, de 27.05.2008, Gregório de Jesus, Processo n.º 668-F/2002.C1).
Compreende-se, ainda, que se afirme que as «regras sobre a competência internacional directa devem dar expressão aos interesses do Estado no julgamento, pelos seus tribunais, das questões que apresentam com ele uma conexão relevante, mas também devem respeitar os interesses dos indivíduos na proximidade da justiça e ainda os interesses da comunidade internacional numa distribuição harmoniosa da competência dos tribunais estaduais» (Miguel Teixeira de Sousa, A Competência Declarativa dos Tribunais Comuns, Lex-Edições Jurídicas, Abril de 1994, pág. 47).
Logo, se nas hipóteses previstas no art.º 62.º do CPC a acção pode ser proposta nos tribunais portugueses, não é forçoso que tal aconteça: pode suceder que acção dê entrada no tribunal de outro país, de tal forma que a competência dos tribunais portugueses se desenha como concorrencial ou alternativa face à dos tribunais de outros Estados.
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5.1.1.2. Convenção Relativa à Proteção Internacional de Adultos
Lê-se no proémio da Convenção Relativa à Proteção Internacional de Adultos, adoptada na Haia, em 13 de Janeiro de 2000 [20], que a mesma surge considerando «a necessidade de assegurar, em situações de caráter internacional, a proteção de adultos que, devido a uma deficiência ou insuficiência das suas capacidades pessoais, não estão em condições de defender os seus interesses», desejando «evitar conflitos entre os seus sistemas jurídicos em matéria de competência, lei aplicável, reconhecimento e execução de medidas de proteção de adultos» e recordando «a importância da cooperação internacional para a proteção de adultos», afirmando ainda que «os interesses do adulto e o respeito pela sua dignidade e autonomia devem ser considerações fundamentais».
Compreende-se, assim, que se leia, no seu art.º 1.º, que se aplica, «em situações de caráter internacional, à proteção de adultos que, devido a uma deficiência ou insuficiência das suas capacidades pessoais, não estão em condições de defender os seus interesses» (n.º 1), e tem por objecto, nomeadamente, determinar «o Estado cujas autoridades são competentes para adotar medidas de proteção da pessoa ou dos bens do adulto» (n.º 2, al. a)); e as «medidas referidas no artigo 1.º podem, em especial, incidir sobre» a «determinação da incapacidade e a instituição de um regime de proteção» (art.º 3.º, al. a)).

Mais se lê, no seu art.º 5.º, que as «autoridades judiciárias ou administrativas do Estado Contratante onde o adulto tem a sua residência habitual são competentes para adotar medidas tendentes à proteção da pessoa ou dos bens do adulto» (n.º 1); e em  «caso de mudança da residência habitual do adulto para outro Estado Contratante, são competentes as autoridades do Estado da nova residência habitual» (n.º 2).
Logo, e entre Estados contratantes (como expressamente se afirma no seu texto) o critério de determinação da competência entre uns e outros é o da residência habitual do adulto carecido de protecção.
Recorda-se que se lê no art.º 82.º, n.º 1, do CC que a «pessoa tem domicílio no lugar da sua residência habitual; se residir alternadamente, em diversos lugares, tem-se por domiciliada em qualquer deles». Defende-se, assim, que a «residência habitual é o centro permanente ou habitual onde se situam os interesses de uma pessoa, que se concretiza pela vontade do interessado em fixar o centro dos seus interesses no território de um» determinado Estado ou país, «e a presença, com grau de estabilidade, nesse mesmo território» (Ac. da RC, de 10.01.2023, Henrique Antunes, Processo n.º 160/21.7T8CLB.C1).
 
Lê-se ainda, no art.º 7.º, n.º 1, que excepto «quanto aos adultos que são refugiados ou que, devido a situações de distúrbio no Estado da sua nacionalidade, se encontram internacionalmente deslocados, as autoridades de um Estado Contratante de que o adulto é nacional são competentes para adotar medidas de proteção da pessoa ou dos bens do adulto, se considerarem que estão melhor posicionadas para avaliar os interesses do adulto, e depois de terem avisado as autoridades competentes ao abrigo do artigo 5.º ou do n.º 2 do artigo 6.º»
Logo, um outro critério de atribuição de competência a um Estado contratante (como expressamente se afirma no seu texto) é o da nacionalidade do adulto carecido de protecção, desde que o seu país de origem se considere que está melhor posicionado para avaliar os respectivos interesses e depois de ter avisado as autoridades competentes do Estado contraente onde aquele tem a sua residência habitual.

Por fim, lê-se no art.º 10.º, n.º 1, que, em «caso de urgência, as autoridades de qualquer Estado Contratante em cujo território se encontrem o adulto ou bens que lhe pertençam são competentes para adotar as medidas de proteção necessárias».
Logo, e em caso de urgência, o critério de atribuição de competência a um Estado contratante (como expressamente se afirma no seu texto) é o do paradeiro do adulto carecido de protecção ou da situação dos seus bens.
*
5.1.1.3. Momento de fixação da competência
Lê-se no art.º 38.º, n.º 1, da Lei da Organização do Sistema Judiciário (aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto), que a «competência fixa-se no momento em que a ação se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente, a não ser nos casos especialmente previstos na lei».
Assim, e de harmonia com a velha regra ubi acceptum est semel judicum, ibi et finem accipere debet, consagra-se o princípio perpetuatio fori ou iurisdicionis.
*
5.1.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)
Concretizando, verifica-se que, à data da propositura da acção especial de maior acompanhado, em benefício da Requerida (BB), a mesma, que é cidadã portuguesa, residia com carácter habitual, há mais de 25 anos, em Portugal, onde aliás se encontrava e onde possui bens.
Logo, e sendo Portugal signatário da  Convenção Relativa à Proteção Internacional de Adultos, possuía, à data da instauração da acção, competência para a apreciar e julgar, quer pelo critério principal da residência habitual, quer pelo critério supletivo da nacionalidade, quer, quanto à adopção de medidas urgentes que se justificassem, pelo critério especial do paradeiro nesse momento da Requerida (BB), quer da situação dos seus bens.

Dir-se-á ainda que, não obstante a posterior mudança de residência da Requerida (BB), para os Estados Unidos da América do Norte, onde ainda hoje se encontra, a mesma não implicou uma transferência de competência dos tribunais portugueses para os tribunais norte-americanos, ao abrigo da Convenção Relativa à Proteção Internacional de Adultos, uma vez que aquele outro país não é dela contratante.

Por fim, dir-se-á que é esta mesma circunstância que impede que os Estados Unidos da América do Norte, país onde actualmente se encontra a Requerida (BB) e ainda que seja simultaneamente sua nacional, possa reclamar que está melhor posicionado para avaliar os respectivos interesses, avisando disso mesmo Portugal (como país onde a mesma tinha até Agosto de 2024 a sua residência habitual), e desse modo retirando-lhe a competência para decidir as medidas de protecção de que carece.

Mostram-se, assim, infundados, nesta parte, os recursos da Requerida (BB) e do Assistente (CC), e correcto o juízo do Tribunal a quo, quando considerou inverificada nos autos a excepção de incompetência absoluta, em razão das regras de competência internacional.
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5.2. Litispendência
5.2.1. Regime legal
Lê-se no art.º 580.º, n.º 1 do CPC que as «excepções da litispendência e do caso julgado pressupõem a repetição de uma causa; se a causa se repete estando ainda a anterior em curso, há lugar litispendência; se a repetição se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, há lugar à excepção de caso julgado».
Mais se lê, no art.º 581.º do CPC, que se repete a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos (isto é, quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica), ao pedido (isto é, quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico), e à causa de pedir (isto é, quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico, isto é, do mesmo princípio gerador do direito, da mesma sua causa eficiente).
Precisando, e quanto aos sujeitos, dir-se-á que não se exige aqui que, em ambas as acções, assumam invariavelmente a posição de respectivos autor ou réu, importando apenas que se esteja em presença das mesmas pessoas jurídicas.
Quanto ao pedido, estará em causa numa e outra acção «o mesmo direito subjectivo cujo reconhecimento e(ou) protecção se pede, independentemente da sua expressão quantitativa». Contudo, para haver «identidade de pedido não é necessária uma rigorosa identidade formal entre um e outro, bastando que sejam coincidentes o objectivo fundamental de que dependa o êxito de cada uma delas» (Ac. do STJ, de 06.06.2000, Garcia Marques, Processo n.º 00A327).
Já quanto à causa de pedir, precisa-se que, «quando se diz que a causa de pedir é o acto ou facto jurídico de que emerge o direito que o autor se propõe fazer valer, tem-se em vista, não o facto jurídico abstrato, tal como a lei o configura, mas um certo facto jurídico concreto, cujos contornos se enquadram na configuração legal» (Professor Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. III, 4.ª edição, reimpressão, Coimbra Editora, Limitada, Coimbra, 1985, págs. 121 e 123).

A excepção da litispendência e a excepção de caso julgado têm por fim evitar que o Tribunal seja colocado na alternativa de contradizer, ou de reproduzir, uma decisão anterior (n.º 2 do art.º 580.º, do CPC) [21].

Por fim, lê-se no art.º 580.º, n.º 3, do CPC, que é «irrelevante a pendência da causa perante jurisdição estrangeira, salvo se outra for a solução estabelecida em convenções internacionais».
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5.2.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)
Concretizando, verifica-se que, quer a Requerida (BB), quer o Assistente (CC), defenderam nos autos, e depois nos recursos de apelação que interpuseram, verificar-se nos autos a excepção de litispendência, face ao objecto dos mesmos e à «pendência de ação judicial instaurada nos Estados Unidos da América, Estado de ..., Tribunal do Condado de Morris, Processo n.º ...4, que versa sobre os mesmos factos e efeitos jurídicos que os presentes autos».
Contudo, e ainda que assim fosse (isto é, que tais autos versassem sobre os mesmos factos e com eles se pretendesse obter os mesmos efeitos jurídicos aqui em causa), certo é que se trata de causa pendente em jurisdição estrangeira; e não foi citada, nem é conhecida por este Tribunal ad quem, qualquer solução estabelecida em convenções internacionais (de que ambos os Estados teriam, necessariamente, que ser partes) que lhes retire a irrelevância que possuem para a verificação da pretendida excepção de litispendência.

Mostram-se, assim, igualmente infundados nesta outra parte, os recursos da Requerida (BB) e do Assistente (CC), e correcto o juízo do Tribunal a quo, quando considerou inverificada nos autos a excepção de litispendência.
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Importa, pois, decidir em conformidade, pela improcedência total dos recursos de apelação interpostos pela Requerida (BB) e pelo Assistente (CC).
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V - DECISÃO

Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar totalmente improcedentes o recurso de apelação interposto pela Requerida (BB) e pelo Assistente (CC), e, em consequência, em:

· Confirmar as decisões recorridas.
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Custas das apelações pelos respectivos Recorrentes (art.º 527.º, n.º 1 e n.º 2, do CPC).
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Guimarães, 17 de Dezembro de 2025.

O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1.ª Adjunta - Lígia Paula Ferreira de Sousa Santos Venade;
2.º Adjunto – Pedro Manuel Quintas Ribeiro Maurício.


[1] Reproduz-se aqui a sua decisão:
«Requerimentos de 9.9.2025: entende-se que as reclamações aos quesitos apresentados para fundar a prova pericial são legais e oportunas, mais se verificando liminar pertinência e ausência de oposição das demais partes (principais e acessórias), pelo que se defere à mesma, com a ressalva da eliminação do quesito n.º 8, uma vez que se entende que o mesmo mantém pertinência para a boa decisão da causa, devendo ser apreciado pelo Sr. Perito.
Nesta senda, devem aditar-se e/ou reformular-se o conjunto de quesitos formulados, conforme requerido, passando a constar, como objeto da perícia, o seguinte:
1) A Requerida padece de alguma afeção?
2) Em caso de resposta afirmativa à questão anterior, de que afeção padece a Requerida?
3) Em caso afirmativo às duas questões anteriores, quais as consequências para a vida prática da Requerida, nomeadamente, na sua capacidade cognitiva e da gestão da sua vida corrente?
3.1.) Em caso afirmativo à questão anterior, quais as consequências de tal afeção na sua capacidade negocial e de disposição patrimonial?
4) A Requerida tem a capacidade para determinar quem pretende que seja nomeado para o cargo de seu acompanhante?
5) As limitações da requerida podem ser supridas pela cooperação e assistência de familiares?
6) A Requerida tem a capacidade para compreender o alcance da sua audição pessoal pelo Tribunal e responder a questões nesse âmbito?
7) Qual a data provável do início da afeção e das suas consequências para vida prática da requerida.
8) Quais os meios de apoio e de tratamento aconselháveis a suprir eventuais limitações decorrentes da afeção da requerida?
9) Em virtude da referida afeção de que sofra a requerida e das suas consequências, a mesma tem ou não capacidade para exercer, por si só, os seguintes direitos pessoais, designadamente, o direito de se deslocar no país ou no estrangeiro e o direito de fixar domicílio ou residência, o direito de testar e de administrar, total ou parcialmente, o seu património?
11) As limitações da requerida podem ser supridas pela cooperação e assistência de familiares?
Notifique.»
[2] Reproduz-se aqui a sua decisão:
«Requerimentos de 9.9.2025 da requerida e assistente, no que diz respeito à arguição de nulidade processual:
O art. 615º do NCPC dispõe o seguinte:
1 - É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
2 - A omissão prevista na alínea a) do número anterior é suprida oficiosamente, ou a requerimento de qualquer das partes, enquanto for possível colher a assinatura do juiz que proferiu a sentença, devendo este declarar no processo a data em que apôs a assinatura.
3 - Quando a assinatura seja aposta por meios eletrónicos, não há lugar à declaração prevista no número anterior.
4 - As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades.
Ora, uma vez que foram interpostos recursos da sentença que antecede, tendo por objeto a apreciação da eventual nulidade da decisão de audição por via telemática da recorrente, afigura-se que a arguição de nulidade feita pelo requerimento que antecede é precoce e extemporânea e, qua tale, legalmente inadmissível – art. 615.º, n.º 4 do Código de Processo Civil.
Todavia, no âmbito da instância recursiva sempre competiria a este Tribunal exarar pronúncia sobre a nulidade alegada quanto à decisão objeto de recurso – ex vi art. 617.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
Ora, a arguição de nulidade feita pelos recorrentes/reclamantes não se enquadra em nenhuma das hipóteses legais de nulidade da sentença conforme deflui do art. 615.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
Por outro lado, em rigor, ainda que se propugne estar em causa um vício procedimental nos termos do art. 195.º do Código de Processo Civil, que possa desaguar na nulidade do processado, por referência ao artigo 897.º do Código de Processo Civil, cumpre notar o já exarado em sede de sentença e que aqui se renova na íntegra.
Ora, nos autos, está pendente apreciação quanto ao incidente de suprimento de autorização para a propositura da ação, bem como o pedido de acompanhamento provisório urgente de 5.11.2024 e promoção de 12.11.2024, mediante oposição expressa da requerida (formulada pelo seu Ilustre Mandatário) e do assistente, sendo, portanto, premente da audição da beneficiária, ainda que por via telemática, na impossibilidade de deslocação do Tribunal ao local onde se encontra – arts. 139.º, 897.º, n.º 2 do Código de Processo Civil e art. 898.º do Código de Processo Civil.
Salvo a devida vénia por melhor entendimento em sentido contrário, não acompanhamos a argumentação de que audição da beneficiária não poderá comportar a modalidade telemática perante autoridade consular/diplomática portuguesa e/ou perante autoridade rogada, desde que garantidas as condições técnicas e procedimentais para lograr a audição, sob pena de nulidade – art. 195.º do Código de Processo Civil.
Aliás, bem pelo contrário, nulidade decorria da não audição, ainda que telemática, da beneficiária, mormente quanto está peticionado acompanhamento urgente e suprimento da sua autorização para a propositura da ação.
Reiteramos, neste conspecto, que a audição telemática por contacto direto com o Tribunal mediante presença da beneficiária junto da autoridade consular portuguesa mais próxima da sua residência ou perante autoridade rogada é único meio para suprir, por analogia com disposto no art. 500.º e 501.º do Código de Processo Civil [já que não se colige acordo das partes para aplicação do disposto no art. 520.º do Código de Processo Civil], a lacuna legal resultante da impossibilidade de deslocação do Tribunal para audição presencial no local onde se encontra a beneficiária, uma vez firmada a competência internacional desde Tribunal para o julgamento da causa.
Acresce que, atenta a marcha dos autos, a oposição da requerida à sua audição telemática, feita na pessoa do seu Ilustre Mandatário, deve ser lida à luz da prova documental já carreada nos autos [designadamente o relatório médico junto com o requerimento inicial, o testamento outorgado nos EUA, a renúncia da Requerida à testamentaria, registos clínicos referentes à Requerida (desde 19/05/2008), de onde resulta que, pelo menos, desde 16/05/2023 se encontra medicada pela a doença de Alzheimer, com Memantina – 10 mg; registos clínicos solicitados pelos autos ao Hospital ... com diagnóstico de perturbação neurológica], sendo ainda a procuração outorgada pela beneficiária datada 7.10.2024, ato ulterior à publicitação dos presentes autos, o que demanda, inelutavelmente, a audição da beneficiária nos moldes já ordenados pelo Tribunal.
Pelo que se indefere a arguida de nulidade/reclamação pela requerida e assistente, improcedendo a mesma.
Custas pelos arguentes, no mínimo legal, sem prejuízo das isenções aplicáveis – art. 4.º, n.º 2, al. h) do Código de Processo Civil.» 
[3] Recorda-se que se lê no art.º 277.º, al. e), do CPC que a «instância extingue-se com» a «impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide».
Está-se perante formas anómalas de extinção da instância (formalmente introduzidas no direito processual nacional pela reforma de 1961), que radicam no desaparecimento irremediável de algum dos elementos constituintes da relação processual (o sujeito ou o objecto) ou dos interesses subjacentes.
Logo, está-se perante uma espécie de caducidade da instância em sentido amplo, na medida em que, não radicando em qualquer acto processual das partes (v.g. negócio jurídico processual), nem em acto do juiz, traduz-se numa ocorrência que assume a natureza de facto processual stricto sensu.
Precisando, a inutilidade superveniente da lide verifica-se quando, após a propositura da acção, ocorre um facto que determina a falta de interesse processual do autor, nomeadamente por a decisão a proferir já não possuir qualquer efeito útil, ou porque já não é possível satisfazer a pretensão do demandante, ou porque o fim visado com a acção foi atingido por outro meio (Alberto do Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, Volume III, Coimbra, 1946, págs. 367-373).
[4] No mesmo sentido, de distinção das nulidades da sentença dos vícios que afectam a própria elaboração da decisão de facto (estes últimos entendidos como passíveis de serem qualificados como nulidades processuais, nos termos do art.º 195.º, n.º 1 do CPC), Ac. da RL, de 29.10.2015, Olindo Geraldes, Processo n.º 161/09.3TCSNT.L1-2.
[5] Neste sentido, Ac. do STA, de 09.07.2014, Carlos Carvalho, Processo n.º 00858/14.
[6] Entende-se por: deficiência, o não ter sido dada resposta a todos os pontos de facto controvertidos ou à totalidade de um facto controvertido; obscuridade, o haver respostas ambíguas ou pouco claras, permitindo várias interpretações; contradição, o colidirem entre si as respostas dadas a certos pontos de facto, ou colidirem essas respostas com factos antes dados como assentes, sendo entre si inconciliáveis; e falta de fundamentação, o não ter o Tribunal fundamentado, ou fundamentado devidamente, as respostas ou alguma delas (José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, pág. 664).
[7] No mesmo sentido, de distinção das nulidades da sentença dos vícios que afectam a própria elaboração da decisão de facto (estes últimos entendidos como passíveis de serem qualificados como nulidades processuais, nos termos do art.º 195.º, n.º 1 do CPC), Ac. da RL, de 29.10.2015, Olindo Geraldes, Processo n.º 161/09.3TCSNT.L1-2.
[8] Neste sentido, de eventual não distinção dos vícios que afectam a elaboração da decisão de facto das nulidades da sentença, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 3.ª edição, Almedina, Março de 2018, págs. 733 e 734, onde se lê que «atualmente a sentença contém tanto a decisão sobre a matéria de direito como a decisão sobre a matéria de facto (cf. o art. 607-4), pelo que os vícios da sentença não se autonomizam hoje dos vícios da decisão sobre a matéria de facto, diversamente do que antes sucedia (cf. os arts. 608 e 653-4 do CPC de 1961). Esta circunstância, se não justifica a aplicação, sem mais, do regime do art. 615 à parte da sentença relativa à decisão sobre a matéria de facto - desde logo porque a invocação de vários dos vícios que a esta dizem respeito é feita nos termos do art. 640 e porque a consequência desses vícios não é necessariamente a anulação do ato (cf. os n.ºs 2 e 3 do art. 662) -, obriga, pelo menos, a ponderar, caso a caso, a possibilidade dessa aplicação».
[9] «Porventura esta tendência encontrará a sua raiz num modelo processual em que o decurso do prazo para a interposição de recurso apenas se iniciava depois de serem apreciadas pelo tribunal a quo eventuais nulidades decisórias que eram autonomamente arguidas», sendo certo porém, que «há muito que foi ultrapassado esse quadro normativo» (António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, 2018, pág. 737).
[10] Neste sentido, Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex Edições Jurídicas, 1997, pág. 348.
[11] No mesmo sentido, Ac. da RG, de 12.01.2010, António da Costa Fernandes, Processo n.º 809/1996.G1, onde se lê que o «dever de fundamentar as sentenças visa tornar possível um duplo controlo. Em primeiro lugar, um controlo intraprocessual, permitindo às partes o fácil exercício dos meios de impugnação, através do conhecimento dos motivos da decisão, e em facilitar o trabalho das instâncias superiores de recurso. Em segundo lugar, um controlo extraprocessual. Este último traduz-se na possibilidade de a comunidade jurídica e a opinião pública controlarem o modo como os órgãos jurisdicionais exercem o poder que lhes está atribuído. Trata-se, neste caso, de um “controlo democrático difuso que deve poder ser exercido por aquele mesmo povo em nome do qual a sentença é proferida” - cfr. o art. 202º, 1, da CRP».
[12] No mesmo sentido, Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Volume III, Almedina, pág. 141.
Por todos, José Lebre de Freitas, Código de Processos Civil Anotado, Volume 2.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, págs. 703 e 704, e A Acção declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2013, pág. 332.
Contudo, e para este autor e para Isabel Alexandre, face à solução consagrada no CPC de 2013 (de integrar na sentença tanto a decisão sobre a matéria de facto, como a fundamentação respectiva), só a falta da primeira integra a nulidade prevista no art.º 615.º, n.º 1, al. b), do CPC, e não também a falta da segunda (v.g. genérica referência a toda a prova produzida na fundamentação da decisão de facto, ou conclusivos juízos de direito), a que será aplicável o regime previsto no art.º 662.º, n.º 2, al. d) e n.º 3, als. b) e d), do CPC (conforme Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 3.ª edição, Almedina, Março de 2018, pág. 736, com indicação de jurisprudência conforme). 
[13] Com efeito, se os Recorrentes pretendiam impugnar (por mal julgada, ou insuficiente) a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo, teriam para o efeito que cumprir, simultaneamente, quer  o ónus de impugnação previsto no art.º 640.º, n.º 1 e n.º 2, do CPC, quer o ónus de conclusão previsto no art.º 639.º, n.º 1, do mesmo diploma (impostos precisamente para esse efeito).
Ora, compulsados os corpos das suas alegações e as respectivas conclusões (quer de um recurso, quer do outro), verifica-se que nenhum dos Recorrentes o fez; e essa omissão registou-se quanto a ambos os ónus referidos (isto é, nem cumpriram integralmente o ónus de impugnação, nem o fizeram de todo quanto ao ónus de conclusão, deixando nomeadamente de forma totalmente omissa nas conclusões do seus recursos a identificação dos factos provados que impugnavam, ou aqueles que pretendiam ver aditados a um tal elenco).
Ora, o incumprimento do ónus de impugnação impediria que os seus recursos (se efectivamente tivessem pretendido sindicar a matéria de facto considerada pelo Tribunal a quo) fossem, nessa parte, recebidos («sob pena de rejeição»); e o incumprimento do ónus de conclusão fez com que os ditos recursos nem mesmo tenham tido a impugnação da dita matéria de facto como objecto.
[14] Neste sentido, de que os factos constantes da fundamentação de facto da decisão judicial deverão ser apresentados segundo uma ordenação sequencial, lógica e cronológica (e não de forma desordenada, consoante os articulados de onde tenham sido extraídos e reproduzindo ipsis verbis a sua redacção, incluindo interjeições coloquiais), na doutrina: . Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, I Volume, 2013, Almedina, Outubro de 2013, pág. 543 - onde se lê que os «factos que constituem fundamentação de facto devem ser integralmente descritos. O juiz deve aqui relatar a realidade histórica tal como ela resultou demonstrada da produção de prova. (…)
Não há aqui qualquer fundamento para o juiz se cingir aos enunciados verbais adotados pelas partes. O que importa é o facto, e este pode ser descrito de diversas formas. Ele é aqui o cronista, o tecelão da narrativa fiel à prova produzida, não devendo compô-la com fragmentos literais de frases articuladas, fabricando uma desconexa manta e retalhos».
. Manuel Tomé Soares Gomes, «Da Sentença Cível», Jornadas de Processo Civil, e-book do Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, Janeiro de 2014, página 22 (in https://elearning.cej.mj.pt/mod/folder/view.php?id=6202) - onde se lê que, na sentença, os «enunciados de facto devem também ser expostos numa ordenação sequencial lógica e cronológica que facilite a conjugação dos seus diversos segmentos e a compreensão do conjunto factual pertinente, na perspetiva das questões jurídicas a apreciar. Com efeito, a ordenação sequencial das proposições de facto, bem como a ligação entre elas, é um fator de inteligibilidade da trama factual, na medida em que favorece uma interpretação contextual e sinótica, em detrimento de uma interpretação meramente analítica, de enfoque atomizado ou fragmentário. Por isso mesmo, na sentença, cumpre ao juiz ordenar a matéria de facto - que se encontra, de algum modo parcelada, em virtude dos factos assentes por decorrência da falta de impugnação - na perspetiva do quadro normativo das questões a resolver».
. António Santos Abrantes Geraldes, «Sentença Cível», Jornadas de Processo Civil, e-book do Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, Janeiro de 2014, páginas 10 e 11 (in https://elearning.cej.mj.pt/mod/folder/view.php?id=6425) - onde se lê que, na sentença, «na enunciação dos factos apurados o juiz deve usar uma metodologia que permita perceber facilmente a realidade que considerou demonstrada, de forma linear, lógica e cronológica, a qual, uma vez submetida às normas jurídicas aplicáveis, determinará o resultado da acção. Por isso é inadmissível (tal como já o era anteriormente) que se opte pela enunciação desordenada de factos, uns extraídos da petição, outros da contestação ou da réplica, sem qualquer coerência interna.
Este objectivo - que o bom senso já anteriormente deveria ter imposto como regra absoluta - encontra agora na formulação legal um apoio suplementar, já que o art. 607º, nº 4, 2ª parte, impõe ao juiz a tarefa de compatibilizar toda a matéria de facto adquirida, o que necessariamente implica uma descrição inteligível da realidade litigada, em lugar de uma sequência desordenada de factos atomísticos».
. Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, 2014, Almedina, Junho de 2014, pág. 322 - onde se lê que, «depois de concluída a produção de prova e quando elaborar a sentença, é função do juiz relatar - e relatar de forma expressa, precisa e completa - os factos essenciais que se provaram em juízo. Tal relato haverá de constituir uma narração arrumada, coerente e sequencial (lógica e cronologicamente), na certeza de que isso deve ser feito “compatibilizando toda a matéria de facto adquirida”, como prescreve a parte final do nº 4 do art. 607º».
Na jurisprudência mais recente: Ac. da RL, de 24.04.2019, Laurinda Gemas, Processo n.º 5585/15.4T8FNC-A.L1-2; ou Ac. da RL, de 02.07.2019, José Capacete, Processo n.º 1777/16.7T8LRA.L1-7.
[15] Lê-se no art.º 62.º do CPC que os «tribunais portugueses são internacionalmente competentes:
a) Quando a ação possa ser proposta em tribunal português segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa;
b) Ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na ação, ou algum dos factos que a integram;
c) Quando o direito invocado não possa tornar-se efetivo senão por meio de ação proposta em território português ou se verifique para o autor dificuldade apreciável na propositura da ação no estrangeiro, desde que entre o objeto do litígio e a ordem jurídica portuguesa haja um elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real».
Lê-se no art.º 63.º do CPC que os «tribunais portugueses são exclusivamente competentes:
a) Em matéria de direitos reais sobre imóveis e de arrendamento de imóveis situados em território português; todavia, em matéria de contratos de arrendamento de imóveis celebrados para uso pessoal temporário por um período máximo de seis meses consecutivos, são igualmente competentes os tribunais do Estado membro da União Europeia onde o requerido tiver domicílio, desde que o arrendatário seja uma pessoa singular e o proprietário e o arrendatário tenham domicílio no mesmo Estado membro;
b) Em matéria de validade da constituição ou de dissolução de sociedades ou de outras pessoas coletivas que tenham a sua sede em Portugal, bem como em matéria de validade das decisões dos seus órgãos; para determinar essa sede, o tribunal português aplica as suas regras de direito internacional privado;
c) Em matéria de validade de inscrições em registos públicos conservados em Portugal;
d) Em matéria de execuções sobre imóveis situados em território português;
e) Em matéria de insolvência ou de revitalização de pessoas domiciliadas em Portugal ou de pessoas coletivas ou sociedades cuja sede esteja situada em território português».
[16] Lê-se no art.º 94.º do CPC que as «partes podem convencionar qual a jurisdição competente para dirimir um litígio determinado, ou os litígios eventualmente decorrentes de certa relação jurídica, contanto que a relação controvertida tenha conexão com mais de uma ordem jurídica» (n.º 1); e que a «designação convencional pode envolver a atribuição de competência exclusiva ou meramente alternativa com a dos tribunais portugueses, quando esta exista, presumindo-se que seja exclusiva em caso de dúvida» (n.º 2).
[17] Por isso se afirma que, como «a nossa lei de processo logo acautela, o regime interno da competência internacional dos tribunais portugueses só é aplicável quando não deva ceder perante instrumentos internacionais e actos de direito europeu» (Ac. da RC, de 10.01.2023, Henrique Antunes, Processo n.º 160/21.7T8CLB.C1),
[18] Conforme decorre do art.º 62.º do CPC, existem três critérios para a definição da competência internacional dos tribunais portugueses, assentes no:
. princípio da coincidência (alínea a) - a competência internacional dos tribunais portugueses resulta da circunstância da acção dever ser proposta em Portugal, segundo as regras da competência interna territorial estabelecidas pela lei portuguesa e que constam dos art.ºs 70º e seguintes do CPC (por força da coincidência entre a competência territorial e a competência internacional, os tribunais portugueses podem julgar quaisquer acções que devam ser propostas em Portugal, segundo a aplicação das regras da competência interna).
. princípio da causalidade (alínea b) - a competência internacional dos tribunais portugueses resulta do facto que serve de causa de pedir na acção ter sido praticado em território nacional ou, tratando-se de uma causa de pedir complexa, algum dos factos tenha ocorrido em Portugal.
. o princípio da necessidade (alínea c) - a competência internacional dos tribunais portugueses resulta do direito invocado não se poder tornar efectivo senão por meio de uma acção proposta em tribunal português ou quando a sua propositura no estrangeiro constitua apreciável dificuldade para o autor, embora se exija sempre que entre a acção a propor e o território português exista um qualquer elemento ponderoso de conexão pessoal ou real.
[19] Neste sentido, Ac. da RC, de 08.05.2001, CJ, Tomo III, pág.83.
[20] A Convenção Relativa à Proteção Internacional de Adultos, adoptada na Haia, em 13 de Janeiro de 2000, foi  aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 52/2014, de 19 de Junho, ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 44/2014, de 19 de Junho, publicada no Diário da República Série I, n.º 116, de 19 de Junho de 2014, e entrou em vigor em Portugal  no dia 1 de Julho de 2018.
[21] Compreende-se, por isso, que se afirme que, para se aferir da repetição - ou não - da acção, deve atender-se «não só ao critério formal (assente na tríplice identidade dos elementos que definem a acção), fixado e desenvolvido no art. 498º, mas também à directriz substancial traçada no nº 2, do art. 497º, onde se afirma que a excepção da litispendência (tal como a de caso julgado), tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior» (Antunes Varela, Sampaio e Nora, J. M. Bezerra, Manuel de Processo Civil, Coimbra Editora, Limitada, 2ª edição, pág. 302, com bold apócrifo, reportando-se aos anteriores - e idênticos - artigos do CPC de 1961).
Logo, a «razão de ser da litispendência, permite que ela se verifique mesmo que as acções tenham processo diferente ou ainda que uma seja declarativa e outra seja executiva» (Ac. do STJ, de 06.06.2000, Garcia Marques, Processo n.º 00A327).