Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
471/16.3T8FAF.G1
Relator: CARVALHO GUERRA
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO DE PRÉDIO URBANO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE ARRENDAMENTO
FALTA DE PAGAMENTO DA RENDA
COMUNICAÇÃO DA ACTUALIZAÇÃO DA RENDA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/04/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- A comunicação relativa à actualização da renda que tenha por objecto um contrato de arrendamento referente à casa de morada de família deverá ser realizada mediante escrito assinado pelos senhorios e remetida por carta registada com aviso de recepção para o local arrendado, a ambos os arrendatários e a cada um deles.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Civil do Tribunal da Relação de Guimarães:
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J. P. intentou a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra J. R. e I. F., pedindo:

- que seja judicialmente declarado resolvido o contrato de arrendamento, por falta de pagamento de rendas referentes aos meses de Fevereiro de 2014 até à data da entrada da acção;
- que os Réus sejam condenados a despejar imediatamente o locado e a entregá-lo ao Autor livre de pessoas e bens;
- que os Réus sejam solidariamente condenados a pagar ao Autor a quantia de euros 2700,00 relativas às rendas vencidas dos meses de Fevereiro de 2014 a Julho de 2016, bem como todas as rendas vincendas na pendência desta acção até ao trânsito em julgado da decisão que decrete o despejo;
- que os Réus sejam condenados no pagamento dos juros de mora à taxa legal sobre as indicadas quantias, desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Alegou, para o efeito, ser dono e legítimo proprietário dos prédios urbano e rústico inscritos na respectiva matriz sob o artigo .. e .. que arrendou aos Réus, os quais residem habitualmente no primeiro desses prédios e cultivam o segundo tendo, em 10.10.2013, notificado os Réus nos termos do artigo 30.º da Lei n.º 31/2012 da transição do contrato de arrendamento para o Novo Regime de Arrendamento Urbano, actualizando a respectiva renda, alterando a forma de pagamento e solicitando a formalização escrita do contrato de arrendamento, não tendo os Réus respondido, tendo a renda sido actualizada para euros 90,00 por mês, que os Réus não pagaram.
Regularmente citados, a Ré deduziu oposição defendendo-se por excepção e por impugnação.
Por excepção, alegou que a notificação judicial avulsa alegada pelos Autores não foi para a transição do contrato de arrendamento, mas sim para a resolução do mesmo contrato, sendo que os Réus continuam a pagar as rendas através de consignação em depósito numa conta da Banco A, face à recusa por parte do Autor em as receber.
Por outro lado, alegou que a comunicação prevista no artigo 10.º, n.º 2 da Lei n.º 6/2006 não foi enviada para a Ré, que assim se encontrava impossibilitada de lhe responder, não produzindo assim qualquer efeito;
Por impugnação, alegou que após o recebimento da Notificação Judicial Avulsa enviou uma carta ao Autor informando-o que não tinha recebido a carta para actualização da renda, negando a submissão do contrato de arrendamento ao NRAU.
Notificado o Autor para, querendo, se pronunciar sobre as excepções deduzidas pela Ré, o Autor apresentou articulado, pugnando pela improcedência das excepções e procedência da acção.
Designada audiência prévia, foi a instância declarada suspensa com vista à conciliação das partes, que se frustrou.
Foi depois proferidos despacho saneador e sentença que julgou a acção improcedente e os Réus absolvidos dos pedidos.
Desta sentença apelaram os Autores, que concluem as suas alegações da seguinte forma:
- o Recorrente não se pode conformar com o teor da sentença proferida, porquanto os factos dados como provados, designadamente os factos vertidos em 5 e 6 assentam em datas erradas, o que levou à prolação da decisão de que se recorre;
- a Notificação Judicial Avulsa foi apresentada neste tribunal em 11/07/2014 e no seu conteúdo integrava a comunicação de actualização de renda, nos termos do artigo 30º da Lei nº 31/2012 de 14 de Agosto;
- assim, facilmente se extrai que a notificação judicial avulsa foi posterior e não contemporânea da carta registada com AR dirigida a ambos os Réus, J. R. e I. F.;
- acresce que a carta de actualização de renda enviada em 09/10/2013 dirigida ao casal foi recepcionada pelo Réu J. R. e conforme se evidencia dos documentos anexos à contestação, a mesma foi ao conhecimento da Ré Ilda que respondeu apenas à Notificação Judicial Avulsa, invocando falsamente que até à data “não foi notificada de qualquer carta ao abrigo do NRAU a actualizar a renda, só agora sabendo dessa vossa intenção”;
- ora, esta comunicação teve a virtualidade de fazer operar a transição do contrato de arrendamento para o NRAU, pois que partiu da iniciativa do senhorio e foi indicado o valor da renda, o tipo e a duração do contrato propostos, bem como o valor do local avaliado nos termos do artigo 38.º e seguintes do Código de imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) tendo ainda sido remetida a Caderneta Predial Urbana;
- a carta supra referida foi dirigida ao casal, uma vez que se tratava da casa de morada de família dos Réus;
- devidamente recepcionada como supra se referiu, não mereceu resposta;
- com a publicação da nova lei do Arrendamento Urbano, o legislador não pretendeu extinguir o direito à resolução por parte do senhorio, nos casos em que envia uma carta dirigida ao casal e que foi devidamente recepcionada;
- acresce que a actualização de renda e transição para o NRAU, ao ser enviada para ambos os membros do casal e tendo sido devidamente recepcionada, não tendo merecido qualquer comentário ou oposição, operou a transição para o NRAU e daí que o contrato, não tendo sido paga a nova renda, tenha sido devida e validamente resolvido;
- no artigo 12º da Lei nº 6/2006 de 27 de Fevereiro o legislador criou uma desigualdade e violou o princípio da igualdade das partes, pois exige mais rigor ao Autor que envia uma carta para ambos os Réus e nada exige aos Réus que ignoraram a carta que receberam e nada disseram;
- o NRAU não consagra o direito ao silêncio como modo de fazer valer judicialmente o que os Réus ignoraram extrajudicialmente;
- a postura dos Réus demonstra que é ilegítimo o exercício do direito que invocam, porquanto as regras da boa fé impunham que, tendo os Réus recebido a comunicação exigida para transição para o NRAU dirigida a ambos, a mesma fosse respondida, pois assim o exige o critério do bonus pater familiae e o fim económico e social do NRAU não foi dificultar de forma exacerbada o direito do Autor, mas antes simplificá-lo;
- mostra-se, assim, violado o disposto no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa, no artigo 12º e 30º da Lei nº 6/2006 de 27 de Fevereiro, alterada pela Lei nº 31/2012 de 14 de Agosto e nos artigos 1028º, 1038º, 1047º, 1074º e 1083º do Código Civil.
Deste modo, deve revogar-se a douta sentença e proferida outra que consagre a tese do Recorrente.
A Apelada apresentou contra alegações em que defende a improcedência do recurso.
Cumpre- nos agora decidir.
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Delimitado como se encontra o objecto do recurso pelas conclusões da alegação – artigos 635º, n.º 4 e 640º do Código de Processo Civil – das formuladas pelo Apelante resulta que a questão submetida à nossa apreciação consiste em saber se é válida e eficaz a a comunicação relativa à actualização da renda enviada pelo Apelante aos Apelados e a consequência daí decorrente para o mérito da acção.
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São os seguintes os factos considerados assentes e que serviram de fundamento da decisão:

1. encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º …/… o prédio rústico, denominado Leiras … situado no lugar de …, da actual freguesia …, do concelho de Fafe, e inscrito na matriz rústica sob o artigo .. a favor do Autor; (cfr. documento de fls. 8)
2. encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º …/… o prédio urbano situado em …, da actual freguesia …, do concelho de Fafe, descrito na Conservatória do Registo Predial, e inscrito na matriz urbana sob o artigo .. a favor do Autor; (cfr. documento de fls. 7)
3. os prédios mencionados em 1. e 2. estão arrendados aos Réus;
4. o prédio mencionado em 2. é a residência habitual dos Réus e o mencionado em 1. é cultivado pelos mesmos, constituindo uma espécie de quintal da casa e, portanto, integrante da mesma;
5. em 10 de Outubro de 2013, o Autor e a sua mulher requereram contra os Réus notificação judicial avulsa nos termos de folhas 13 e seguintes, peticionando a notificação dos ora Réus da resolução do contrato de arrendamento existente entre as partes com a obrigação de os desocupar e entregar livre de pessoas e bens;
6. com data de 9 de Outubro de 2013, o Autor e a sua mulher enviaram para os Autores a carta constante de folhas 17, com vista à transição do contrato de arrendamento para o NRAU e à actualização da renda;
7. a carta mencionada em 6. foi dirigida aos Réus J. R. e I. F. e foi registada com aviso de recepção.
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Foram estes os factos que o tribunal de 1ª instância considerou como assentes e que serviram de fundamento da decisão havendo, no entanto, que ter em atenção que, conforme resulta dos autos, a notificação judicial avulsa referida no ponto 5 ocorreu, não em em 10 de Outubro de 2013 mas em 11/07/2014.

Conforme se refere na sentença em recurso, o artigo 30.º estabelece que “A transição para o NRAU e a atualização da renda dependem de iniciativa do senhorio, que deve comunicar a sua intenção ao arrendatário, indicando:

a) O valor da renda, o tipo e a duração do contrato propostos;
b) O valor do locado, avaliado nos termos dos artigos 38.º e seguintes do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), constante da caderneta predial urbana;
c) Cópia da caderneta predial urbana.”.
E acrescenta que, “considerando que o contrato de arrendamento existente entre as partes tem por objecto a casa de morada de família dos Réus, a comunicação prevista no referido artigo deverá ser efectuada nos termos conjugados dos artigos 9.º, n.º 1 e 2, 11.º, n.º 4 e 12.º, n.º 1 da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro”.
Com efeito, a comunicação relativa à actualização da renda que tenha por objecto um contrato de arrendamento referente à casa de morada de família deverá ser realizada mediante escrito assinado pelos senhorios e remetida por carta registada com aviso de recepção (artigo 9.º, n.º1) para o local arrendado (artigo 9.º, n.º 2), a ambos os arrendatários (artigo 11.º, n.º4) e a cada um deles (artigo 12.º, n.º 1)”.
E está efectivamente assente que os prédios mencionados em 1. e 2. estão arrendados aos Réus, que o mencionado em 2. é a residência habitual dos Réus e o mencionado em 1. é cultivado pelos mesmos, constituindo uma espécie de quintal da casa e, portanto, integrante da mesma e bem assim que a comunicação efectuada pelo senhorio com vista à transição do contrato para o NRAU e respectiva actualização da renda foi efectuada através do envio de uma única carta, embora dirigida a ambos os arrendatários/cônjuges, dessa forma violando o disposto no citado artigo 12º, n.º 1.
Com efeito, como salienta Maria Olinda Garcia, em A Nova Disciplina do Arrendamento Urbano, 2ª edição, página 97, “O artigo 12º estabelece regras específicas em matéria de comunicção entre as partes quando o local arrendado é casa de morada de família”.
As comunicações do senhoriopara efeitos de aumentos de rendas bem como aquelas que constituam título executivo para efeitos de despejotêm de ser enviadas separadamente a cada um dos cônjuges. Não bastará, assim, que o senhorio envie uma única comunicação endereçada a ambos os cônjuges.

Cremos que o texto da lei não deixa lugar a dúvidas em relação ao sentido explanado e que o mesmo se explica pela situação específica de se tratar da casa de morada de família, que justifica um regime especial no sentido de assegurar que a comunicação chega a ambos os cônjuges.
Desta forma, uma vez que a comunicação do senhoria não respeitou a imposição legal, é ineficaz para produzir o efeito pretendido, pelo que a acção terá de improceder.

Termos em que se acorda em negar provimento ao recurso e se confirma a sentença recorrida.
Custas pelo Apelante.
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Carlos Manuel Rodrigues de Carvalho Guerra
1o - Maria Conceição Correia Ribeiro Cruz Bucho
2o - Maria Luísa Duarte