Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | JOSÉ AMARAL | ||
Descritores: | ERRO NA FORMA DO PROCESSO PROCESSO COMUM PRESTAÇÃO DE CONTAS HERANÇA | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 02/18/2016 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | Cumulando os autores (herdeiros) contra um réu (cabeça de casal) e outro (seu filho, por ele nomeado para administrar a herança) um pedido de declaração de nulidade deste acto com outro de condenação no pagamento, solidário, em certa quantia pecuniária, por este indevidamente recebida e detida, embora refiram que ela é o saldo da herança a distribuir por nenhuma despesa existir e resultado da prestação de contas extrajudicialmente apresentadas, daí não se extrai que o processo próprio seja o especial de prestação de contas previsto no artº 941º, e sgs, CPC, uma vez que, tal como alegado, não visam aqueles, como seu objecto, o apuramento e aprovação de receitas e despesas a apresentar, nem referem a condenação no pagamento a um eventual saldo credor mas a uma quantia certa já apurada. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO Os autores: 1) B., viúva, reformada; 2) C., casado, professor; 3) D., casado; 4) E., viúvo, reformado, representado pelo A. C. (com procuração e substabelecimento); Intentaram, em 29-12-2014, no Tribunal Cível de Viana do Castelo, contra os réus: 1) F. e esposa I.; 2) G. e esposa H.; Esta “AÇÃO DECLARATIVA DE PROCESSO COMUM, nos termos dos artigos 552º e ss.” Formularam o seguinte pedido: “Nestes termos, nos melhores de direito e nos que houver que suprir, deve a presente ação ser recebida e considerar-se procedente, por provada, e, em consequência, declarar-se nulo e sem qualquer efeito o ato de nomeação pelo primeiro Réu, F., da nomeação do segundo réu e seu filho, G., de administrador da herança por óbito de L., de acordo com o previsto nos artigos 2079º, 2080º, 2094º, 2095º, 280º, nº 1, e 289º, todos do Código Civil, e, bem assim, condenarem-se solidariamente os Réus: a) F. e esposa I., aquele enquanto cabeça de casal por óbito de seu pai, L., também pai dos AA., B., E. e do interveniente, M., avô dos AA., C. e D., e do interveniente, N. b) G. e esposa, H., pela apropriação indevida de valores devidos aos AA. e demais herdeiros, A pagarem aos aqui AA. a quantia de € 22.487,14 (vinte e dois mil, quatrocentos e oitenta e sete euros e catorze cêntimos), acrescida dos juros de mora legais sobre tal quantia, contados a partir de 1 de Janeiro, de 2014 e até efetivo pagamento, sendo: - € 11.410,44 ao A., D.; - € 5.538,35 ao A., E.; - € 5.538,35 em conjunto aos AA., B., D. e C.. c) Devendo, ainda, serem os Réus condenados no pagamento das custas e demais encargos. Assim, d. e a. a presente ação, deverão os réus serem citados para contestarem, querendo, seguindo-se os ulteriores termos. Mais deve aceitar-se o incidente da Intervenção Principal Provocada suscitado e, consequentemente notificarem-se os chamados, M. e N. para os efeitos dos artigos 319º e ss., do C.P.C., oferecendo-se-lhes o presente articulados e documentos que o acompanham.” Alegaram, para o efeito, na petição inicial, como factos fundamentadores da acção, os seguintes (sintetizando e transcrevendo): -Tendo falecido em 04-01-1986 L., sucederam-lhe como herdeiros a autora B. (filha), o autor C. (neto, instituído por testamento), M. (filho, chamado), o autor E. (filho); -através de escritura pública celebrada em 27-09-2013, procedeu-se à “venda dos bens da herança;” -nela intervieram todos os herdeiros; -“9º Entre a data em que faleceu L. – 04/01/1986, e 27 de Setembro, de 2013, foi cabeça de casal da herança e administrador da mesma, o filho mais velho daquele e aqui primeiro réu, F.; 10º Os prédios urbanos que compunham a herança e constantes na escritura […] estiveram arrendados (como já se encontravam) desde a morte de L. até Maio, de 2012; 11º Com efeito, existiram entre tais datas, os seguintes contratos de arrendamento […]; 12º Os aqui Autores e alguns outros herdeiros pretendiam que o cabeça-de-casal e primeiro réu, além da prestação de contas, distribuísse os dividendos das mesmas resultante, antes de celebrar a escritura pública de compra e venda dos bens da herança; 13º No que aquele referiu ser melhor fazê-lo após a celebração da mesma, pois, segundo ele, tinha efectuado despesas com tais bens que ainda não contabilizara; 14º Com alguma renitência, mas tendo em conta ser o mesmo irmão e tio dos Autores e, ainda, por sugestão do outro irmão e tio, M., de que o Réu as prestaria, a tal anuíram; 15º Além disso, haviam, AA e RR., celebrado um contrato-promessa de compra e venda dos bens em causa, pelo que o seu incumprimento poderia acarretar a devolução do preço recebido, a título de sinal, em dobro, aos promitentes-compradores; 16º Celebrada a escritura, o tempo foi passando e o primeiro Réu, argumentando haver um problema na Câmara Municipal de Viana do Castelo, relacionado com obras e um processo de contra-ordenação urbanístico, ainda sem decisão, foi protelando o cumprimento da sua obrigação sem que, todavia, jamais se tivesse negado ao cumprimento da mesma; 17º Até que, já em Dezembro, de 2014, após o aqui mandatário ter enviado carta ao primeiro Réu, F., no sentido de prestar as contas a que se havia comprometido e distribuir os dividendos, recebeu daquele uma declaração assinada pelo segundo Réu, G., seu filho, com data de 31 de Agosto, de 2014 – doc. nº 9 que se apresenta e dá por reproduzido, acompanhada de um rascunho manuscrito – doc. nº 10; 18º Ai declara o segundo Réu ter recebido a importância de € 30.800,00 (trinta mil e oitocentos euros, referentes à sua(!) actividade de administrador da herança de António João de Sá; 19º E que para tal foi nomeado pelo cabeça de casal em 1 de Janeiro de 1989; 20º Ora, e desde já, nunca, em circunstância alguma, o cabeça de casal transmitiu aos aqui Autores ou a qualquer outro herdeiro, que se saiba, ter efectuado tal nomeação; 21º Nem tal seria legalmente possível; 22º Com efeito, o artigo 2079º, do Código Civil, é categórico: “A administração da herança, até à sua liquidação e partilha, pertence ao cabeça-de-casal”; 23º A incumbência do cargo de cabeça de casal está taxativamente prevista no artigo 2080º, do Código Civil; 24º Onde o réu, G. não se inclui, por não ser herdeiro de L., mas tão só filho do herdeiro e cabeça de casal (e da sua esposa), primeiros réus, que ainda se encontram vivos; 25º Logo, qualquer nomeação para administrar a herança de L., por parte do cabeça-de-casal, primeiro réu, em relação ao segundo, porque intransmissível o cargo de cabeça de casal, sempre seria e é nula e de nenhum efeito, o que desde já se deixa expressamente arguido – artigo 280º, do C. Civil; 26º Acresce que, de acordo com o artigo 2094º, do Código Civil, o cargo de cabeça de casal é gratuito; 27º Ou seja, o segundo réu sempre recebeu indevidamente os € 30.800,00, pelo que terá que devolvê-los – artº 289º, nº 1, do C. Civil; 28º Ademais, o que consta na declaração emanada do segundo réu é de uma falsidade alarve; 29º Desde logo, nunca ao longo dos 308 meses referidos, nem o primeiro réu comunicou aos demais herdeiros a sua incapacidade para desempenhar o cargo de cabeça de casal nem do mesmo pediu escusa; 30º Pelo contrário, até 1995, o cabeça-de-casal e primeiro réu sempre apresentou contas e procedeu à respectiva distribuição dos saldos dos rendimentos pelos herdeiros e nunca referiu a nomeação de um “administrador”, e muito menos apresentou qualquer despesa relativa ao desempenho de tais funções, por si ou por terceiro; 31º Nem até aí nem posteriormente, até à venda dos imóveis da herança, sob o doc. nº 4, como afere dos documentos manuscritos da autoria do primeiro R., Francisco, relativamente aos anos de 1996 a 2012 – docs. nºs 11 a 27, que se dão por reproduzidos; 32º Nem, muito menos, informou, referiu ou escreveu, que pagava ao segundo réu e seu filho, G., qualquer remuneração para administrar a herança (se o fizesse, além de ter que resultar das contas, seguramente que seria logo requerida a sua remoção do cargo de cabeça-de-casal); 33º Mais: sabem os aqui Autores, por tal ter sido apresentado pelo cabeça-de-casal, primeiro R., ser o saldo em 1996, na sua posse, de Pte 428.898$00 (€ 2.139,33); 34º E que as obras efectuadas em prédios da herança, o foram em Maio de 1997, de acordo com a factura emitida pelo construtor, importaram em Pte 749.580$00 (€ 3.737,39), pelo que, recebendo o cabeça-de-casal rendas no valor de Pte 43.137$00 mensais, o valor das obras ficou totalmente pago em Agosto, de 1997 – doc. nº 28; 35º O primeiro réu apresentou ainda contas no ano de 1997, de onde resultou um saldo de Pte 126.404$00 (€ 630,50), saldo esse que se encontrava depositado em conta do BANIF – doc.nº 29, que se apresenta e dá por reproduzido; 36º Só que tal saldo jamais foi distribuído pelo primeiro R., como mais nada mais o foi de aí em diante; 37º Por outro lado, ao contrário do referido na sobredita declaração, é absolutamente falso que os inquilinos tenham reclamado indemnizações ou, pelo menos, jamais tal facto foi comunicado e documentalmente comprovado aos aqui Autores, como era dever do cabeça de casal; 38º De resto, é absolutamente vaga e desprovida de nexo a afirmação da reclamação de milhares de euros por parte dos inquilinos, de todo incaraterística de um cabeça de casal ou até “administrador” que se preze; 39º Pelo contrário, do que os Autores têm conhecimento é que os inquilinos foram saindo de livre vontade e sem qualquer exigência indemnizatória; 40º Tal é até constatável pela consulta aos documentos nºs 11 a 27, onde as receitas e despesas que o primeiro réu apresentava foram diminuindo de ano para ano, deduzindo-se que os inquilinos iam rescindindo os seus contratos (mas de que jamais foi comprovado documentalmente perante os Autores); 41º Bem assim, nas contas de 2005 referiu o R. F. uma despesa relativa a uma coima no valor de € 125,00, pretensamente paga à DGCI, mas sem nunca ter si apresentado o respectivo comprovativo documental (provavelmente devido a atraso no pagamento do IMI); 42º Ainda relativamente ao IMI, os Réus deixaram ir para relaxe a obrigação tributária referente ao pagamento da segunda prestação do IMI do ano de 2013, no valor de € 465,59, que o A., C., foi pagar em sede de execução fiscal, no montante de € 500,63, através do cheque nº 9875963972, emitido sobre a Caixa Geral de Depósitos, valor em que deverá ser ressarcido por aqueles – docs. nºs 30 e 31, que se dão por reproduzidos; 43º Dado que os Réus jamais apresentaram prova documental das despesas havidas, a não ser que o venham a fazer em sede da contestação, não se aceitam as mesmas, pelo que o valor global a ter em conta como receita a distribuir, é de € 33.230,07 (trinta e três mil, duzentos e trinta euros e sete cêntimos); 44º De resto, jamais aquelas foram aprovadas por todos os herdeiros, como é imperativo legal (muito menos pelos aqui Autores); 45º Devem, pois, os réus, o primeiro, F., por obrigação legal, o segundo, G., por apropriação indevida, entregar aos Autores os valores que infra se discriminarão, correspondentes aos seus direitos proporcionais ao saldo positivo final, havido pela herança de L.; B – Do Direito: 46º Dispõe o artigo 2093º, do Código Civil, no seu nº 1: “O cabeça-de-casal deve prestar contas anualmente…”. No nº 3: “Havendo saldo positivo, é distribuído pelos interessados, segundo o seu direito, depois de deduzida a quantia necessária para os encargos do novo ano”; 47º Como se viu, do saldo final da herança por óbito de António João de Sá, resultante da súmula do apuramento nos anos de 2013/2014 – cfr. doc. nº…, já após a realização da escritura pública de alienação da herança, os Réus apresentaram um saldo a distribuir no valor de € 33.230,07; 48º E, embora aí refiram despesas, não as comprovam documentalmente, pelo que os AA., não as aceitam; 49º Assim, tendo havido sucessão testamentária na quota disponível quanto ao A., C., tem este direito a receber dos Réus: - € 11.076,69, correspondente à quota disponível que lhe adveio através do testamento do seu avô, L.; - € 333,75, valor que pagou a mais relativamente ao último IMI dos prédios em causa. Tendo a receber, no total, € 11.410,44. 50º - E os AA. B., D. e C., por um lado, e E., pelo outro, € 5.538,35, cada um, correspondente à divisão do remanescente (€ 22.153,38), de acordo com as regras da sucessão legítima – artºs 2157º, 2159º, nº 2, e 2139º, nº 2, do C. Civil; 51º Assim, in totum, têm os AA. a haver dos Réus a quantia total de € 22.487,14 (vinte e dois mil, quatrocentos e oitenta e sete euros e catorze cêntimos).” Deduziu, na parte final de tal articulado, incidente de intervenção principal provocada. Juntou diversos documentos e, entre eles, os nº s 9 e 10, referidos nos transcritos itens 17 a 19, 43, 47 e 48, cuja imagem digitalizada, a seguir se insere: Uma vez citados, os réus contestaram, alegando, além do mais: “I – ERRO NA FORMA DO PROCESSO / ABSOLVIÇÃO DOS RR. DA INSTÂNCIA 1.- A causa de pedir na presente acção é o óbito de António João de Sá, falecido em 4/01/2986. 2.- O Réu F. é o filho mais velho daquele L. e cabeça de casal da herança aberta pelo óbito deste - vide art. 9º da douta petição. 3.- Referem os AA. que o co – Réu e cabeça de casal F. prestou contas aos demais herdeiros, referentes ao exercício daquelas funções, até 1995 e posteriormente em 1997 (vide artigos 30º e 35º da douta petição). 4.- Mais alegam os AA. que em Dezembro de 2014, através do seu ilustre mandatário, enviaram uma carta ao primeiro Réu (cabeça de casal) para prestar contas e distribuir os dividendos (vide art. 17º da douta petição). 5.- E que este lhes enviou uma declaração subscrita pelo co–Réu G. acompanhada de um rascunho manuscrito (vide citado art. 17º, in fine). 6.- Os AA. não aceitaram nem o teor da aludida declaração (onde o segundo Réu declarava que recebeu da herança a quantia de € 30.800,00) nem as explicações apresentadas quanto às despesas (vide artigos 27º a 44º, inclusive, da douta petição). 7.- Constata-se, assim, sem grande esforço que os AA. não aceitam (não reconhecem) as contas apresentadas extrajudicialmente pelo cabeça de casal. Ora, 8.- Dispõe o artigo 2093º, nº 1 do Cód. Civil que o cabeça-de-casal deve prestar contas anualmente. 9.- Prescrevendo o seu nº 2 que nas contas entram como despesas os rendimentos entregues pelo cabeça de casal aos herdeiros ou ao cônjuge meeiro nos termos do artigo anterior, e bem assim o juro do que haja gasto à sua conta na satisfação de encargos de administração. Aqui chegados 10.- A primeira asserção a retirar é a de que as contas são apresentadas pelo cabeça-de-casal e não por terceiro. 11.- A segunda, na decorrência da primeira, é a de que os segundos RR. estão despidos de legitimidade passiva numa acção de prestação de contas respeitantes à administração de bens da herança. 12.- Importando ainda realçar que o nº 1 do citado artigo 2093º deve ser interpretado no sentido de que visa estabelecer a periodicidade com que o cabeça-de-casal terá de prestar contas da administração da herança, caso lhe sejam exigidas – cfr. AC. RE de 13/11/1986; BMJ, 363º - 618. Assim sendo 13.- Os AA. deviam ter lançado mão da acção de prestação de contas a que se reportam os artigos 941º e seguintes do Cód. Proc. Civil. 14.- É certo que na sua própria petição inicial os AA. abordam, de forma ténue, essa questão (vide as referências feitas no artigo 46º) mas a final, concluem pedindo a condenação solidária de todos os RR. ao pagamento aos AA. D., E. e ao grupo formado por B., D. e C., respectivamente de € 11.410,44, € 5.538,35 e € 5.538,35. 15.- Ou seja, o pedido formulado não se coaduna com a acção de prestação de contas. Paralelamente, 16.- A acção de prestação de contas, na sistematização da nossa lei adjectiva, está inserida no Livro V que tem como epígrafe “Dos processos especiais”. 17.- Acontece que a presente acção foi proposta como “Acção declarativa de Processo Comum” e está estruturada dessa forma, pelo que o seu articulado não poderá ser aproveitado. 18.- Ocorre aqui o vício processual de erro na forma de processo, uma vez que a pretensão dos AA. não foi deduzida segundo a forma especial legalmente prevista. 19.- A própria petição inicial não pode ser aproveitada para a forma de processo adequada (artigos 193º, nº 1 , 278º, nº 1, al. b), 576º, nº 2 e 577º, al. b), todos do Cód. Proc. Civil), o que determina a anulação de todo o processo e a absolvição dos RR. da instância. 20.- Pelo que, declarando-se anulado todo o processo, nos termos das disposições citadas, devem absolver-se os RR. da instância. Acrescentaram que, por dificuldades devidas à idade, estado de saúde e às exigências do exercício do cargo de cabeça de casal, por acordo com alguns os herdeiros, o primeiro réu F. “encarregou o seu filho, o aqui segundo Réu G., de se ocupar de tudo quanto dissesse respeito à administração da referida herança, sob a sua direcção e mediante o pagamento mensal pela herança, da quantia de € 100,00. 34.- O preço foi aceite e considerado módico, na medida em que representava um encargos anual para a herança de apenas € 1.200,00. 35.- E como o Réu G. prestou aqueles serviços entre Janeiro de 1989 e Agosto, inclusive, de 2014, ou seja, durante 308 meses cabia-lhe receber da herança a quantia de € 30.800,00. 36.- Deste modo, a declaração junta pelos AA. como documento nº 9 deve ser interpretada não no sentido do Réu G. ter sido nomeado administrador da herança mas de lhe ter sido confiado mandato, mesmo sem procuração. 37.- Sendo que o cabeça de casal pode encarregar outrem de administrar certos bens da herança, conferindo-lhe mandato que será válido, mesmo sem lhe conferir procuração – vide, por todos, Ac. RL, de 19/06/1981: CJ, 1981, 4º - 76.” Concluíram que “deve: a) Declarar-se anulado todo o processo e, em consequência, absolver-se os RR. da instância – cfr. artigos 193º, nº 1 e 278º nº 1, al. b) do CPC; b) Se assim se não entender, julgar-se a acção totalmente improcedente, por não provada, absolvendo-se todos os RR. do pedido.” Quanto a tal excepção, os autores responderam que: “1º Referem os Réus, na sua contestação, no artigo 14º, que os Autores “abordam de forma ténue” a questão da ação de prestação de contas, ou seja, eles próprios não tomam por absoluto que a ação seja de prestação de contas; 2º Que, na verdade o não é, nem, salvo melhor opinião, deverá sê-lo; 3º As ilações que os Réus extraem em 7º, da sua contestação, são subjetivamente suas, não correspondendo à verdade com o alegado na petição inicial; Com efeito: 4º No artº 30º, da p.i., os Autores não dizem apenas que o primeiro Réu prestou contas até ao ano de 1995, dizem mais: que procedeu à respectiva distribuição dos saldos dos rendimentos pelos herdeiros e nunca referiu a nomeação de um administrador e, muito menos, apresentou qualquer despesa relativa ao desempenho de tais funções, por si ou por terceiro; 5º E, em 35º, quanto ao ano de 1997, apresentou contas, mas que, esse saldo jamais foi distribuído – cfr. 36º; 6º É certo que, os Autores enviaram aos Réus no sentido de esclarecerem a situação, escreveram, através do aqui mandatário, a carta referida em 17º, mas o fornecimento de documentos posteriormente, nomeadamente os docs. 11 a 27, demonstram que o primeiro Réu apresentou contas; 7º E é isso que claramente se extrai do alegado em 31º, da p.i., desde esse ano, de 1995. Porém, jamais o primeiro Réu: - Procedeu à respetiva distribuição dos saldos dos rendimentos pelos herdeiros; - Nunca referiu a nomeação de um administrador; - E nunca apresentou qualquer despesa relativa ao desempenho das funções desse administrador; 8º A 41º, os Autores referem que não aceitam a despesa com uma coima por parte do cabeça de casal, porquanto nunca lhes foi apresentado qualquer documento (essencial para apurar se a responsabilidade foi daquele ou não e, neste caso, seria dedutível ao saldo adistribuir); 9º É, todavia, no artigo 43º, da p.i., que os Autores são bem claros: “Dado que os Réus jamais apresentaram prova documental das despesas havidas, a não ser que o venham a fazer em sede de contestação, não se aceitam as mesmas, pelo que o valor global a distribuir é de € 33.230,07”; 10º Bem assim, como no artigo 45º, acrescendo que, nesta convergência, o pedido é bem claro; 11º Mais: em sede de prova, os Réus, quanto à documental concerne, são taxativos: “Os documentos juntos aos autos pelos AA”, sendo que, dentre esses, os Autores foram claros quanto aos que não aceitaram e deixaram impugnados – cfr. artigos 17º a 39º e 41º, da p.i. Termos em que deverá, de todo, improceder a exceção por erro na forma de processo, devendo os autos prosseguir os ulteriores termos.” Por despacho de 18-06-2015, foi proferida a seguinte decisão: “Erro na forma do processo Os réus, na contestação oferecida suscitaram o erro na forma do processo. Foi observado o contraditório. B. e outros vieram instaurar a presente acção comum contra F. e outros. Formulam os seguintes pedidos: - declarar-se nulo e sem qualquer efeito o acto de nomeação pelo primeiro réu F. segundo réu, seu filho, G., de administrador da herança aberta por óbito de L.; - condenarem-se solidariamente os réus a pagarem aos aqui Autores a quantia de € 22.487,14, acrescida de juros de mora legais, contados a partir de 1 de Janeiro de 2014 e até efectivo pagamento, sendo € 11.410,44 ao Autor D., € 5.538,35 ao Autor E. e € 5.538,35, em conjunto aos Autores B., D. e C.. Sustentam tais pedidos, no essencial, no óbito de L. em 4 de Janeiro de 1986, na venda dos bens da herança (escritura pública outorgada em 27 de Setembro de 2013, com a intervenção de todos os herdeiros) e na necessidade (ou na pretensão – cfr. o alegado no artigo 12º da petição inicial) da prestação de contas e distribuição dos dividendos da mesma resultante. De acordo com o alegado – os aqui Autores e alguns dos outros herdeiros pretendiam que o cabeça de casal, além da prestação de contas, distribuísse os dividendos das mesmas resultante antes da celebração da escritura pública de compra e venda dos bens da herança. Tal não sucedeu, sendo que, após, a celebração da aludida escritura, o primeiro réu foi protelando o cumprimento da sua obrigação até que, em Dezembro de 2014 foi enviada carta no sentido de prestar contas. Considerando a factualidade alegada nos artigos 33º a 45º do articulado inicial, o saldo a distribuir ascende a € 33.230,07 e, com base neste valor, pedem a condenação dos réus nos termos acima expostos. Prescreve o artigo 941º, do C.P.C. que a acção de prestação de contas pode ser proposta por quem tenha direito de exigi-las ou por quem tenha o dever de prestá-las e tem por objecto o apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios e a eventual condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se. Tendo em conta a pretensão formulada pelos Autores e os factos que sustentam a mesma é forçoso concluir que aqueles não utilizaram o meio processual adequado para fazerem valer a sua pretensão. O pedido formulado pressupõe o apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas, no âmbito da administração dos bens do falecido L., situação que tem enquadramento numa acção especial de prestação de contas (artigos 941º e seguintes do C.P.C.). Assiste, pois, razão, aos réus quando afirmam que os Autores deviam ter lançado mão da acção de prestação de contas. Como é sabido, a acção de prestação de contas encontra-se prevista no Livro V (Dos processos especiais) – Título X, com a tramitação estabelecida nos artigos 941º a 947º, do C.P.C.. Os Autores instauraram uma acção comum, encontrando a sua tramitação prevista nos artigos 552º e seguintes do C.P.C.. A tramitação nesta fase inicial é distinta pelo que se entende, atentas as especificidades previstas para a acção de prestação de contas, não ser possível aproveitar os actos já praticados, pois daí resultaria uma diminuição das defesas do réu. Este erro tem como consequência a anulação de todo o processado. Em face do exposto, nos termos do disposto nos artigos 193º, nº 1 e nº 2, 278º, nº 1, alínea b), 576º, nº 2 e 577º, alínea b), do C.P.C., declara-se a anulação de todo o processado e, em consequência, absolvem-se os réus da instância. Fixo o valor da acção em € 22.487,14. Custas pelos Autores. Registe e notifique.” Os autores não se conformaram e interpuseram recurso para esta Relação, concluindo assim as suas alegações: “1ª – A sentença recorrida enferma das nulidades previstas no artigo 615º, nº 1, al. b), do NCPC, por não especificar os fundamentos de facto e de direito que a justifiquem, e na al. d), do mesmo preceito e número, primeira parte, por ser completamente omissa quanto às razões de facto ou de direito que fundamentem a diminuição das garantias dos réus; 2ª – Encontram-se nos autos os elementos necessários para os recorridos prestarem aos recorrentes, ainda que a títulos diferentes, o que estes têm direito em termos de resultados das contas por óbito de L.; 3ª – E a tal não obsta o facto de os recorrentes não levarem em conta as despesas apresentadas pelo cabeça de casal e recorrido, F., em conformidade com os documentos nºs 11 a 27, apresentados com a petição inicial,, porquanto este não apresentou prova documental de tal, mas sempre o poderia fazer com a contestação; 4ª – Para além disso, existe o envolvimento substantivo de um terceiro em relação ao cabeça de casal, o recorrido, G., sobre quem não parece incidir diretamente dever algum de prestar contas aos recorrentes, mas que terá que devolver, nos termos alegados os indevidamente recebidos daquele, € 30.800,00; 5ª – Por também entender-se, como deverá entender-se e consta do pedido, ser nulo e sem qualquer efeito o acto de nomeação pelo primeiro recorrido, Francisco, do recorrido e seu filho, G., como administrador da herança aberta por óbito de L.; 6ª – Tudo constituindo questões que, para serem dirimidas, se torna insuficiente e inadequada a ação da prestação de contas; 7ª – De acordo, aliás, em jeito de súmula, com o alegado no artigo 45º, da petição inicial, que pela sua importância se transcreve: “Devem, pois, os réus, o primeiro F., por obrigação legal, o segundo, G., por apropriação indevida, entregar aos Autores os valores que infra se discriminarão, correspondentes aos seus direitos ao saldo positivo final, havido pela herança de António João de Sá (sublinhado nosso)”. 8ª – Mesmo a entender-se que os recorrentes, porque não documentadas, (com exceção da administração da herança pelo réu, G., essa, por si só, inadmissível) não aceitam as despesas apresentadas pelo cabeça de casal e recorrido, F., e constantes nos documentos 11 a 27, juntos com a p.i., documentos estes apresentados em termos probatórios por recorrentes e recorridos, tal, só por si, não determinará a necessidade de uma ação de prestação de contas; 9ª – Assim, atenta a pretensão formulada pelos recorrentes e os factos que a sustentam, é forçoso concluir que utilizaram o meio processual adequado para fazerem valer a sua pretensão; 10ª – Todavia, mesmo a entender-se haver lugar a uma ação de prestação de contas, tal sempre será suscetível de ser ultrapassado, através da correção oficiosa por parte da Mmª Juiza a quo, conforme o prevê o nº 3, do artigo 193º, do C.P.C., já que nenhuma diminuição resultaria para os recorridos das suas garantias; 11ª - Só que, tal traz um outro problema a montante: se o Réu, G. (e os demais) não possuem o estatuto de cabeça de casal, ficarão os mesmos excluídos da ação de prestação de contas, tornando-se necessário o recurso a outra ação paralela? 12ª – Assim, a sentença recorrida, além de violar o princípio da adequação formal – artigo 547º, do C.P.C., quer por não abrigar a ação declarativa de processo comum, como os recorrentes defendem, quer, a não entender-se assim, por errada aplicação do nº 2, do artigo 193º, do mesmo diploma legal, incorreu ainda em erro de julgamento. Termos em que, julgando o presente recurso procedente e revogando a sentença recorrida, substituindo-a por acórdão que julgue o presente recurso procedente, no seio dos fundamentos explanados nas conclusões, deverá ordenar-se a baixa do processo ao Tribunal a quo, a fim de os autos prosseguirem os seus posteriores trâmites, quer como ação de processo comum quer, a não entender-se assim, como ação de prestação de contas. Com o que V.Exªs, Venerandos Juízes Desembargadores, farão JUSTIÇA!” Não houve contra-alegações. O recurso foi admitido por despacho de 13-10-2015, no qual se consignou: “Da nulidade da sentença (artigo 617º, do C.P.C.): Uma vez que no recurso interposto os Autores suscitam a nulidade da sentença, cumpre, antes de mais, apreciar a questão. Os Autores sustentam que a sentença proferida é nula por não especificar os fundamentos que justificam a decisão, de acordo com o disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 615º do C.P.C.. A nulidade em causa foi arguida nas alegações de recurso, alegações que foram notificadas à parte contrária, nos termos do artigo 221º, do C.P.C.. A parte contrária não respondeu. Decidindo: Lidas e analisadas as alegações dos Autores e analisando, uma vez mais, os fundamentos da decisão proferida entendemos que não se verifica a suscitada nulidade, sendo certo que da mesma constam os fundamentos que levaram o Tribunal a concluir pela verificação de erro na forma do processo e, consequentemente, a declarar anulado todo o processado, absolvendo-se os réus da instância. Assim, indefere-se a arguida nulidade. Por estar em tempo, ter legitimidade e tratar-se de decisão susceptível de recurso, admito o recurso interposto pelos Autores, recurso que é de apelação, com subida nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo – artigos 627º, nº 1, 631º, nº 1, 638º, nº 1, 641º, nº 1, 644º, nº1, alínea a), 645º, nº 1, alínea a) e 647º, nº 1, todos do Código de Processo Civil. “ Corridos agora os Vistos legais, cumpre decidir, uma vez que nada a tal obsta. II. QUESTÕES A RESOLVER É pelas conclusões que, sem prejuízo dos poderes oficiosos, se fixa o thema decidendum e se definem os limites cognitivos deste tribunal – como era e continua a ser de lei e pacificamente entendido na jurisprudência (artºs 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nº 4, 637º, nº 2, e 639º, nºs 1 e 2, do CPC). No caso, importa decidir se: a) A decisão é nula, nos termos das alíneas b) e d), do nº 1, do artº615º, do CPC; b) É correcta a forma de processo declarativo comum; c) No caso de ser a de processo especial de prestação de contas, se devem aproveitar-se os actos praticados e determinar-se a correcção oficiosa nos termos do artº 193º, CPC. III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Relevam os factos resultantes do relato e das peças citadas. IV. APRECIAÇÃO/SUBSUNÇÃO JURÍDICA a) Os apelantes alegam que a sentença é nula por dois dos fundamentos típicos previstos no artigo 615º, CPC: os das alíneas b) e e). O tribunal a quo, pronunciando-se, como lhe competia ao abrigo do nº 1, do artº 617º, do CPC, fê-lo do seguinte modo: “Lidas e analisadas as alegações dos Autores e analisando, uma vez mais, os fundamentos da decisão proferida entendemos que não se verifica a suscitada nulidade, sendo certo que da mesma constam os fundamentos que levaram o Tribunal a concluir pela verificação de erro na forma do processo e, consequentemente, a declarar anulado todo o processado, absolvendo-se os réus da instância. Assim, indefere-se a arguida nulidade.” Ora, na decisão de questão controversa do processo, tal como da causa, e na elaboração do respectivo despacho, tal como da sentença, impõe-se ao tribunal a observação de certos requisitos, condições e limites, de índole mais formal uns, ou relativos ao seu conteúdo material outros, definidos pelos princípios e normas da lei adjectiva. Verificando-se, por isso, algum dos vícios taxativamente enumerados na referida norma, a sentença é nula. O da alínea b) verifica-se quando a sentença ou despacho (que tem igual regime, por força do nº 3, do artº 613º) “Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”. Neste contexto, referem os apelantes que não sabem quais os factos que sustentam a decisão recorrida, pois que ela é “perfunctória e telegráfica” e “ficou muito aquém das exigências plasmadas no artº 607º, do CPC” pois era “fundamental que fizesse uma análise crítica do vertido pelos recorrentes para, em consonância, aplicar-se o direito”. Vejamos. O artº 205º, nº 1, da Constituição da República, estabelece que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei. O artigo 154º, do CPC, no seu nº 1, dispõe que as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido são sempre fundamentadas, e, no nº 2, que a justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade. Por seu turno, como decorre dos nºs 3 a 5, depois de, na sentença – ou, evidentemente, no despacho que se lhe equipare –, se enunciarem as questões a solucionar, “3 - Seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final. 4 - Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência. 5 - O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.” A fundamentação das decisões judiciais (incluindo despachos que não sejam de mero expediente ou proferidos no uso de um poder discricionário ) é, pois, uma exigência constitucional e legal . Além disso, é nela que o tribunal colhe legitimidade e autoridade para dirimir qualquer pedido controverso ou dúvida suscitada no processo, maxime o conflito entre as partes, e lhes impor a sua decisão. A fundamentação é imprescindível ao processo equitativo e contraditório e constitui uma garantia deste. A sua concretização depende das exigências traçadas pelo legislador em cada área do direito, designadamente processual. O nível de densificação exigido varia, no entanto, de acordo com a natureza e efeitos da decisão, não podendo nem devendo ser o mesmo no despacho relativo à relação processual ou na complexa sentença que decide sobre o mérito de uma causa. Critério intransponível, na medida em que definidor do limite de conformidade com aquele princípio básico, é o de a fundamentação se expressar em termos que permitam apreciar e compreender as suas razões e motivos por forma a promover a sua aceitação e acatamento pacíficos ou a possibilitar a sua crítica e impugnação, mormente por via de recurso. Como referido no Acórdão do STJ, de 21-06-2011 , tanto a doutrina como a jurisprudência têm unanimemente entendido que só a falta absoluta de fundamentação é causa de nulidade da sentença, mas já não a que decorre de uma fundamentação porventura incompleta, errada, medíocre, insuficiente ou não convincente, e que apenas afecta o valor doutrinal e persuasivo da decisão e a sujeita ao risco de ser revogada ou alterada quando apreciada em sede de recurso. Só implicará o vício de nulidade a deficiência que não possibilitar a percepção dos termos em que se baseia a decisão e de maneira a que os seus destinatários a apreciem de modo a convencer-se da sua solidez e bondade, conformando-se com ela, ou a acreditar na sua fragilidade e demérito, atacando-a. Como, em suma, também se observa em aresto da Relação de Coimbra, “A sentença só é nula por falta de fundamentação quando seja de todo omissa relativamente à fundamentação de facto ou de direito e ainda quando a fundamentação de facto ou de direito seja insuficiente e em termos tais que não permitam ao destinatário da decisão judicial a percepção das razões de facto e de direito da decisão judicial.” Como se escreveu no Acórdão da Relação do Porto, de 16-11-2010 , “É, assim, manifesta a existência de um dever de fundamentação das decisões judiciais, dever esse com consagração constitucional e que se justifica pela necessidade das partes, com vista a apurar do seu acerto ou desacerto e a decidir da sua eventual impugnação, precisarem de conhecer a sua base fáctico-jurídica. Com efeito, para que não só as partes, como a própria sociedade, entendam as decisões judiciais, e não as sintam como um acto autoritário, importa que tais decisões se articulem de forma lógica. Uma decisão vale, sob o ponto de vista doutrinal, o que valerem os seus fundamentos. E, embora a força obrigatória da sentença ou despacho esteja na decisão, sempre essa força se deve apoiar na justiça. Ora os fundamentos destinam-se precisamente a formar a convicção de que a decisão é conforme à justiça. A decisão surge assim como um resultado, como a conclusão de um raciocínio, e não se compreenderia que se enunciasse unicamente o resultado ou a conclusão, omitindo-se as premissas de que ela emerge. Por isso, o princípio da motivação das decisões judiciais constitui uma das garantias fundamentais do cidadão no Estado de Direito contra o arbítrio do poder judiciário. Além do mais, a fundamentação da sentença revela-se indispensável em caso de recurso, pois na reapreciação da causa, a Relação tem de saber em que se fundou a decisão recorrida.” Ora, se considerarmos que se tratava de decidir apenas questão relativa à forma de processo, controversa sim e carecida de fundamentação, tanto mais que, no caso, de solução não manifestamente simples, mas atentarmos no teor global do despacho, logo concluímos que, nesta parte, não tem qualquer razão a apelante, por dois motivos básicos. O primeiro é o de que, relevando para a decisão a proferir sobretudo os termos em que foi formulado o pedido e a causa de pedir invocada, basta olhar para o relatório inicial do despacho – aliás, todo acima transcrito – para nele se observarem os factos tomados por relevantes, sintetizados ou por remissão, respeitantes àqueles elementos objectivos da causa. Deles tratam a primeira meia dúzia de parágrafos e sendo certo que poderia a referência aos mesmos ser mais detalhada, completa ou densa, não o é menos que constam ali os necessários e suficientes para, a seguir, se proceder, como procedeu, à sua subsunção jurídica em vista do problema a resolver – o que se mostra feito nos vários parágrafos subsequentes. O segundo dos motivos respeita à invocação de falta de “análise crítica”, manifestamente inoportuna. Com efeito, não só o essencial daquilo que, de direito e de facto, respeita à posição dos apelantes foi no despacho considerado, como aquela específica operação – referida no nº 4, do artº 607º, provavelmente a referência normativa indutora de tal alegação – se restringe à valoração de provas subjacente à decisão de dar como provados ou não provados factos controvertidos, questão de que no despacho não se trata, nem tinha de tratar, pela simples razão de que não havia que decidir sobre isso mas apenas considerar, para determinação da forma de processo, os alegados e tal como o foram pelos autores. Não ocorre, assim, com este fundamento, tal nulidade. Também invocam os apelantes que foi cometida a nulidade prevista na alínea d), do mesmo artigo 615º, segundo a qual é nula a sentença quando ”O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”. Dizem eles, para tal, que ao afirmar, para efeitos de aplicação do nº 2, do artº 193º, in fine, do CPC, “não ser possível aproveitar os actos já praticados, pois daí resultaria uma diminuição das defesas do réu”, a “sentença é completamente omissa quanto às razões de facto ou de direito que fundamentam” essa conclusão, pois “não diz absolutamente nada sobre isso”. Só que isso não constitui a omissão de pronúncia prevista na alínea d)! A omissão de pronúncia, ensinava A. Varela , “consiste no facto de a sentença não se pronunciar sobre questões de que o tribunal devia conhecer, por força do artº 660º, nº 2”, ou seja, questões que as partes tenham submetido à sua apreciação. Para tal efeito, as questões aludidas actualmente no artº 608º, nº 2, são “... todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os pressupostos específicos de qualquer acto (processual) especial, quando realmente debatidos entre as partes …”. Como é pacífico na Jurisprudência e na Doutrina, não se confundem “... as questões que os litigantes submetem à apreciação e decisão do tribunal com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os pressupostos em que a parte funda a sua posição na questão …”. Ora, a questão da propriedade ou impropriedade da forma de processo foi apreciada e, à luz do artº 193º, decidiu-se que, sendo procedente, não havia lugar ao aproveitamento dos actos praticados por, a ocorrer, resultar verificada a condição prevista na parte final do nº 2: diminuição de garantias do réu. O tribunal a quo, portanto, pronunciou-se. Só que, como motivo dessa sua conclusão, limitou-se a dizer, depois de remeter os termos da tramitação da acção especial para os artºs 941º a 947º e, a da acção comum, para os artºs 552º e seguintes, que tal resultado derivaria da circunstância de “a tramitação nesta fase inicial [ser] distinta” e “atentas as especificidades previstas para a acção de prestação de contas”. Mais não se concretizando, poderia isso eventualmente enquadrar-se na falta de especificação dos fundamentos – o vício da alínea b), já antes considerado (qualificação em que o tribunal é livre, uma vez reclamada a invalidade). Ora, da invocação apenas, no despacho, do regime jurídico-processual de uma e de outra espécie de acções e da simples alusão à sua diferente tramitação e especificidades, não deflui, em boa verdade, com clareza, precisão e evidência, uma expressa, convincente e objectiva diminuição das garantias de defesa dos réus, nem tais termos patenteiam como e em que medida aquela se manifestaria caso fossem aproveitados os actos já praticados de maneira a aproximar o processo da tramitação da prestação de contas. Todavia, especifica-se – indica-se a espécie, de acordo com a terminologia legal – o fundamento para o não aproveitamento dos actos praticados. Ainda que referido à expressão normativa, ele tem alguma ressonância fáctica, compreensível – embora não de pleno – pelos destinatários da decisão e, mais ainda, para os seus mandatários, conhecedores das notórias diferenças de tramitação e intermediários privilegiados na sua comunicação e explicação. A decisão não se apresenta como arbitrária, autoritária, na medida em que não deixa de se louvar num fundamento perceptível, embora sem detalhes explicativos e pouco densificado. Não configurando, pois, omissão de pronúncia, também não parece que se trate de falta de fundamentação, mas apenas de insuficiência relativa ao mérito dela e não à validade, pois “não se inclui entre as nulidades da sentença o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário” , nem a fundamentação “incompleta, errada, medíocre, insuficiente ou não convincente”. De maneira que não procedem as arguidas nulidades. b) Do erro na forma de processo trata o artº 193º, do CPC, segundo o qual: “1 - O erro na forma do processo importa unicamente a anulação dos atos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei. 2 - Não devem, porém, aproveitar-se os atos já praticados, se do facto resultar uma diminuição de garantias do réu. 3 - O erro na qualificação do meio processual utilizado pela parte é corrigido oficiosamente pelo juiz, determinando que se sigam os termos processuais adequados.” Segunda o Prof. Antunes Varela, ele “Dá-se quando o autor indica para a acção uma forma processual inadequada ao critério da lei”. Como se sabe, de acordo com o artº 10º, do CPC, as acções declarativas podem ser de simples apreciação (se destinadas a obter unicamente a declaração da existência ou inexistência de um direito ou de um facto), de condenação (se tiverem por fim exigir a prestação de uma coisa ou de um facto, pressupondo ou prevendo a violação de um direito ou constitutivas ) e constitutivas (quando visam autorizar uma mudança na ordem jurídica existente). Só que o processo, enquanto série logicamente encadeada de actos normativamente regulados com vista à obtenção, de modo justo, da providência judicial requerida, pode seguir os termos ou a tramitação comum ou especial, aplicando-se este último aos casos expressamente designados na lei – artº 546º. O processo comum de declaração, conforme artº 548º, segue forma única. O processo especial regula-se pelas disposições que lhe são próprias e pelas disposições gerais e comuns; e em tudo que não estiver prevenido numas e noutras, observa-se o que se acha estabelecido para o processo comum – artº 549º, nº 1. Sendo geralmente bem conhecida a tramitação do processo comum, mormente quanto aos articulados, requisitos respectivos, etc., importa aqui analisar, para cotejo com aquele e à luz do pedido e da causa de pedir, o processo especial de prestação de contas. Nos termos do artº 941º, “a acção de prestação de contas pode ser proposta por quem tenha o direito de exigi-las ou por quem tenha o dever de prestá-las e tem por objecto o apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios e a eventual condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se”. O artigo 942º regula a tramitação desta acção, no caso de prestação forçada, da seguinte forma: “1 - Aquele que pretenda exigir a prestação de contas requer a citação do réu para, no prazo de 30 dias, as apresentar ou contestar a acção, sob cominação de não poder deduzir oposição às contas que o autor apresente; as provas são oferecidas com os articulados. 2 – Se o réu não quiser contestar a obrigação de prestar contas (…); 3 – Se o réu contestar a obrigação de prestar contas, o autor pode responder e, produzidas as provas necessárias, o juiz profere imediatamente decisão, aplicando-se o disposto nos artigos 294º e 295º; se, porém, findos os articulados, o juiz verificar que a questão não pode ser sumariamente decidida, manda seguir os termos subsequentes do processo comum adequados ao valor da causa; 4 – Da decisão proferida sobre a existência ou inexistência da obrigação de prestar contas cabe apelação (…); 5 - Decidindo-se que o réu está obrigado a prestar contas, é notificado para as apresentar (…)”. O artigo 943º estabelece os termos a seguir para o caso de o réu estar, decidida e definitivamente, obrigado a prestar contas e não as apresentar. Conforme seu nº 1, as contas são apresentadas pelo autor sob a forma de conta corrente e, de acordo com o nº 2, o réu não é admitido a contestá-las, sendo estas julgadas “segundo o prudente arbítrio do julgador…”. Se as não apresentar, é o réu absolvido da instância – nº 3. Por sua vez, o artº 944º, estabelece, caso deva ser o réu a apresentar as contas, o modo de o fazer. Assim, nessa segunda fase, de índole mais contabilística, por contraposição à primeira em que se determina a existência da obrigação de prestar contas e seu conteúdo: “1 - As contas que o réu deva prestar são apresentadas em forma de conta-corrente e nelas se especifica a proveniência das receitas e a aplicação das despesas, bem como o respetivo saldo. 2 - A inobservância do disposto no número anterior, quando não corrigida no prazo que for fixado oficiosamente ou mediante reclamação do autor, pode determinar a rejeição das contas, seguindo-se o disposto nos n.os 1 e 2 do artigo anterior. 3 - As contas são apresentadas em duplicado e instruídas com os documentos justificativos. 4 - A inscrição nas contas das verbas de receita faz prova contra o réu. 5 - Se as contas apresentarem saldo a favor do autor, pode este requerer que o réu seja notificado para, no prazo de 10 dias, pagar a importância do saldo, sob pena de, por apenso, se proceder a penhora e se seguirem os termos posteriores da execução por quantia certa; este requerimento não obsta a que o autor deduza contra as contas a oposição que entender.” Quanto à apreciação das contas apresentadas, dispõe o artº 945º, que: “1 - Se o réu apresentar as contas em tempo, pode o autor contestá-las no prazo de 30 dias, seguindo-se os termos, subsequentes à contestação, do processo comum declarativo. 2 - Na contestação pode o autor impugnar as verbas de receita, alegando que esta foi ou devia ter sido superior à inscrita, articular que há receita não incluída nas contas ou impugnar as verbas de despesa apresentadas pelo réu; pode também limitar-se a exigir que o réu justifique as verbas de receita ou de despesa que indicar. 3 - Não sendo as contas contestadas, é notificado o réu para oferecer as provas que entender e, produzidas estas, o juiz decide. 4 - Sendo contestadas algumas verbas, o oferecimento e a produção das provas relativas às verbas não contestadas têm lugar juntamente com os respeitantes às das verbas contestadas. 5 - O juiz ordena a realização de todas as diligências indispensáveis, decidindo segundo o seu prudente arbítrio e as regras da experiência, podendo considerar justificadas sem documentos as verbas de receita ou de despesa em que não é costume exigi-los”. Daqui resultam, como principais especificidades diferenciadoras deste processo em relação ao processo comum: -a prestação de contas não visa, em primeira linha, qualquer das finalidades da acção declarativa (simples apreciação, condenação a prestar coisa ou facto, alteração na ordem jurídica); -ela tem por objecto o apuramento e aprovação de receitas e despesas e, só eventualmente, a condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se; -a citação para a acção abre dois caminhos: discussão e decisão da obrigação de prestar contas caso o réu a conteste; apresentação das contas (pelo réu ou pelo autor); -enveredando-se pelo primeiro, de duas uma: ou o tribunal decide imediatamente proferindo decisão sumária; ou manda seguir os termos do processo comum; -indo-se pelo segundo caminho (apresentação de contas), de quatro uma: ou o réu as presta e o autor as aceita (podendo pedir logo que seja notificado para lhe pagar o saldo que elas apresentem a seu favor); ou o autor não as contesta mas nada requere (caso em que é notificado o réu para oferecer provas e, a seguir, o juiz realiza as diligências indispensáveis e decide segundo seu prudente arbítrio e as regras da experiência); ou o réu as presta mas o autor as contesta (seguindo-se, então, os termos do processo comum declarativo); ou o réu nada faz e o autor as apresenta (decidindo o juiz segundo seu prudente arbítrio); -na hipótese de o réu apresentar contas mas o autor as contestar, pode este: i) impugnar as verbas da receita; ii) impugnar as verbas de despesa; iii) exigir a justificação das verbas de receita ou de despesa. Embora o eventual erro na forma de processo só determine a nulidade deste no caso de se não puderem aproveitar e adaptar ou complementar os actos praticados, de modo a aproximá-los dos devidos na forma própria (artº 193º, nº 2, CPC), previsão já existente no Código anterior, princípio ora de aplicação reforçada à luz dos consagrados nos artºs 6º (dever de gestão processual) e da adequação formal (artº 547), afigura-se-nos que, ainda assim, o chamado “erro na qualificação do meio processual utilizado pela parte” que deve ser “corrigido oficiosamente pelo juiz, determinando que se sigam os termo processuais adequados” não se confunde com o “erro na forma de processo”, como resulta da epígrafe do artº 193º, antes se refere aos diversos mecanismos ou expedientes adjectivos nele próprio previstos como destinados a exercitar direitos ou faculdades no decurso da respectiva tramitação. Recordando-se o que refere um Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 22-02-2007 : “I - A forma de processo afere-se em função do tipo de pretensão formulada pelo autor e não em referência à pretensão que devia ser por ele deduzida. II - Ocorre o vício processual de erro na forma de processo quando a pretensão não seja deduzida segundo a forma geral ou especial de processo legalmente previstas. O mesmo só determinará a anulação de todo o processo, (como excepção dilatória) e a absolvição do réu da instância, nos casos em que a própria petição inicial não possa ser aproveitada para a forma de processo adequada (artºs. 199º, nº 1; 288º, nº 1, al. b); 493º, nº 2, e 494º, al. b), todos do C P C.) III - Visando o autor o pagamento de uma quantia líquida, a título de «ressarcimento do que entende constituir seus prejuízos, decorrentes da utilização exclusiva por parte da Ré, sua ex-mulher, do imóvel património comum do casal que constituiu a casa de morada de família de ambos», não ocorre erro na forma de processo a escolha do processo comum para o efeito. Na verdade, não tendo o autor formulado qualquer exigência de prestação de contas e de eventual condenação no pagamento do saldo; carece de qualquer cabimento legal a aplicabilidade do processo especial de prestação de contas, uma vez que a quantia reclamada não é configurada como resultando de um qualquer acto de administração da Ré relativamente a bem comum do dissolvido casal.” Posto isto, recordemos o termos da petição: -além de pluralidade subjectiva (activa e passiva), nem todos os sujeitos intervêm na mesma qualidade: sendo alguns (réus e autores) herdeiros, destaca-se o réu F., que é demandado como cabeça de casal e administrador da herança, e seu filho G., como sujeito por este nomeado (invalidamente, segundo os autores) e de “apropriação indevida” do produto das rendas recebidas, além dos cônjuges; -a relação material litigada exorbita, pois, da herança e da sua administração e, por consequência da prestação de contas, e compreende o acto jurídico (alegadamente nulo) de nomeação e respectivas consequências (restituição do objecto da apropriação) e, ainda, a partilha, além da responsabilidade dos cônjuges; -por isso, estamos ante cumulação de pedidos: declarar-se nulo e sem efeito o acto de nomeação; condenarem-se os réus, na respectiva qualidade, a pagarem, solidariamente, certa quantia, dividida (partilhada pelos herdeiros, segundo o inerente direito); -em nenhum deles é pedido que os réus prestem contas (no sentido preconizado no dito artº 941º e termos subsequentes); -não discutem os autores, pressupondo-o líquido, o valor da receita “a distribuir” proveniente das rendas dos prédios locados e enquanto tal: 33.230,07€; -não aceitam, isso sim, a existência e o valor das despesas: 33.118,62€ e, mais do que isso, que o segundo réu tenha qualquer direito à remuneração incluída e que integra o “grosso” das apresentadas no documento 10; -por isso, não peticionam a prestação (a apresentação) de quaisquer contas (de conta-corrente), nem de qualquer saldo resultante da diferença positiva entre receitas e despesas, considerando mesmo não haver lugar àquela; -a prestação em que pedem que os réus sejam condenados é no pagamento da quantia certa proveniente de rendas (nesta medida, uma receita); O aludido “saldo” e a “prestação de contas” redundam, pois, em face do alegado na petição, na quantia recebida a título de rendas e na sua partilha e entrega. Não pretendem os autores que se façam contas mas que se lhes pague o que entendem já líquido, devido e de que se arrogam já titulares e credores. O direito que pretendem exercitar não é o de exigir contas (mormente do cabeça de casal 1º réu) mas o de crédito sobre determinada quantia pecuniária recebida e (a seu ver, ilicitamente) detida (“apropriada”) pelo 2º réu, à semelhança do aresto citado. Ao contrário do que afirma, pois, o tribunal recorrido e pressupõe no despacho, os pedidos não assentam “na necessidade de prestação de contas”. Os autores, repete-se, não pedem que elas sejam apresentadas, entendem mesmo não haver lugar a elas. Pretendem, sim, uma prestação, mas de natureza pecuniária e a satisfazer mediante o pagmento. É que a acção não tem por objecto (definido este segundo o pedido e a causa de pedir) o apuramento de receitas e de despesas por quem administra bens e eventual condenação no pagamento do saldo se daquelas resultar. O pedido não pressupõe qualquer “apuramento” – pressupõe, isso sim, que a prestação pretendida (pagamento da quantia) está “apurada”. Nem, aliás, o pedido decorre, quanto ao segundo réu, da administração mas, segundo o alegado, de acto ilícito e nulo. Na perspectiva dos autores, tal como alegaram a relação material litigada, as diversas hipóteses, fases ou especificidades próprias da tramitação da acção especial de prestação de contas não se coadunam com a sua pretensão, designadamente porque não há despesas a considerar no produto das rendas. Mesmo que de “prestação de contas” se tratasse, elas já foram prestadas espontânea, voluntária e extrajudicialmente, pelo segundo réu, conforme documento 10. Tudo se passa, fazendo-se o paralelismo, como se, ultrapassada estivesse já a fase inicial do processo previsto no artº 941º e as diversas hipóteses e diferentes caminhos para ela previstos e já atingido a fase da apreciação e condenação no saldo prevista no artº 945º, em cujos nºs 1 e 2, está precisamente para tal previsto seguirem-se os termos do processo comum declarativo. Com efeito, o que acontece, apenas, é que o autor vem como que impugná-las judicialmente, por meio desta acção declarativa comum, dizendo nenhuma “despesa” existir para abater à “receita” declarada, pretendendo apenas o “resultado” já, em sua perspectiva, apurado (sobre isso é eloquente o alegado no item 43 da pi e nada significa o pelo tribunal recorrido invocado item 12, sendo este, em relação à historia do caso que os autores narram, meramente episódico e não definidor do real fundamento alegado e da pretensão visada). Os próprios réus, nos itens 13 e 15 da contestação, reconhecem que os pedidos não se coadunam com a prestação de contas, embora, contraditoriamente, tenham sido eles a arguir o erro na forma de processo. Em face de tudo o exposto, cremos que os apelantes têm razão e deve julgar-se procedente o recurso (ficando prejudicados os demais fundamentos dele relativos ao aproveitamento de actos e correcção oficiosa), revogar-se a decisão e determinar-se o prosseguimento dos autos – naturalmente, sem embargo, da apreciação, quiçá oficiosa, pelo tribunal a quo, de todas as questões relativas aos demais e diversos pressupostos processuais que o caso suscita. V. DECISÃO Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes desta Relação em julgar totalmente procedente o recurso e, em consequência, dando provimento à apelação, revogam a decisão recorrida e determinam o prosseguimento dos autos, nos termos supra referidos. Custas pela parte vencida a final – (artºs 527º, nºs 1 e 2, e 529º, do novo CPC, e 1º, nºs 1 e 2, 3º, nº 1, 6º, nº 2, referido à Tabela anexa I-B, 7º, nº 2, 12º, nº 2, 13º, nº 1 e 16º, do RCP). Notifique. Guimarães, 18 de Fevereiro de 2016 José Fernando Cardoso Amaral Helena Maria de Carvalho Gomes de Melo Maria Isabel Sousa Ribeiro Silva Cumulando os autores (herdeiros) contra um réu (cabeça de casal) e outro (seu filho, por ele nomeado para administrar a herança) um pedido de declaração de nulidade deste acto com outro de condenação no pagamento, solidário, em certa quantia pecuniária, por este indevidamente recebida e detida, embora refiram que ela é o saldo da herança a distribuir por nenhuma despesa existir e resultado da prestação de contas extrajudicialmente apresentadas, daí não se extrai que o processo próprio seja o especial de prestação de contas previsto no artº 941º, e sgs, CPC, uma vez que, tal como alegado, não visam aqueles, como seu objecto, o apuramento e aprovação de receitas e despesas a apresentar, nem referem a condenação no pagamento a um eventual saldo credor mas a uma quantia certa já apurada. |