Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
10/17.9GEGMR.G1
Relator: MÁRIO SILVA
Descritores: JOGOS FORTUNA E AZAR
MÁQUINA INSTALADA EM ESTABELECIMENTO
ILÍCITO CRIMINAL
ARTº 159º DO DL 422/89
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: TOTALMENTE IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
1 - Constituem ilícito criminal e não contra-ordenacional (modalidade afim), os jogos desenvolvidos em máquina, instalada num estabelecimento de café, que não pagando diretamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar.

2 - É que tais jogos, ao permitirem a acumulação de pontos e a sua utilização em jogadas sucessivas, possibilitam uma série praticamente ilimitada de jogadas, induzindo um encadeamento mecânico e compulsivo do jogador, capaz de o levar a envolver-se emocionalmente, o que justifica a criminalização à luz dos princípios da proporcionalidade e da necessidade das penas.

3 - O legislador, nas modalidades afins (art. 159º do DL 422/89)), não fala em "jogos", mas em "operações", definindo que os prémios atribuídos são "coisas", ainda que com valor económico, e não previu a atribuição de prémios monetários, nem de modo instantâneo (art. 161º/3).
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório

1. Em processo comum (tribunal singular) com o nº 10/17.9GEGMR, a correr termos no Tribunal Judicial da comarca de Braga – Juízo Local Criminal de Guimarães – Juiz 3, foi proferida sentença, datada de 16/10/2018 e depositada no mesmo dia, com a seguinte decisão (transcrição):

“Pelo exposto, julga-se a acusação pública procedente e consequentemente decide-se:

1. Condenar a arguida M. C., pela prática de um crime de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelo artigo 108º nº 1 do DL 422/89, de 2 de Dezembro, na pena de 3 (meses) de prisão e 70 (setenta) dias de multa, substituindo-se aquela pena de prisão por igual dias de multa, isto é, 90 dias, no que resulta na pena única de 160 (cento e sessenta) dias de multa, à razão diária de €6,00 (seis euros).
2. Condenar a arguida nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 03 (três) UCs.
3. Declarar perdida(s) a favor do Estado a(s) máquina(s) apreendida(s), e sua oportuna destruição, bem como o dinheiro nelas existente a favor do Fundo de Turismo, ao abrigo do disposto nos artigos 109º, nº 1, do Código Penal e 116º e 117º, do DL 422/89.
***
Notifique.
Após trânsito remeta boletim à DSIC.
Proceda ao depósito – artigo 372º nº 5 do CPP.”
*
2 – Não se conformando com a decisão, a arguida interpôs recurso oferecendo as seguintes conclusões (transcrição):

- Independentemente do respeito - que é muito - que o mesmo lhe merece, não pode o Recorrente conformar-se com o mui douto Acórdão proferido pelo Ex.mo Tribunal a quo, no caso dos presentes autos, pois, para além de padecer de notória insuficiência da decisão da matéria de facto, a mui douta Sentença recorrida está manifestamente viciada de erro notório na apreciação da respetiva prova e, ainda, de inadequada interpretação e aplicação do direito;
- Foi julgada incorretamente como provada a seguinte matéria de facto constante do “II. Fundamentação, 1- Factos Provados” sob os itens 1, 2, 17, 18 e 19;
- O Ex.mo Tribunal a quo não efetuou, pelo menos no que se refere aos factos pelos quais o Recorrente foi condenado, uma criteriosa e cuidada apreciação da prova produzida nos autos, sendo que – se tal sucedesse – a prova referida na conclusão antecedente somente poderia (como deveria e ainda deve) ser julgada como não provada;
- Salvo o devido respeito por diferente entendimento, em sede de julgamento, não foi produzida prova cabal, segura e inequívoca que a Recorrente explorasse a máquina apreendida nos autos e, por via desta, tivesse tido praticados os factos em apreço nos autos, designadamente os que foram erroneamente julgados como provados sob os itens 1, 2 17, 18 e 19 todos do ponto “II. Fundamentação, 1. Factos Provados” e que parecem ter motivado a, injusta e infundada, condenação da Recorrente pela alegada, mas inexistente, prática do crime de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelo artigo 108º do DL. Nº 422/89, de 02/12, já que:
- No respeitoso entendimento da Recorrente não se concebe como é que o Ex.mo Tribunal Recorrido concluiu que a Arguida efetuava a exploração do equipamento apreendido nos autos, uma vez que a dita exploração não resulta de nenhum meio de prova recolhido em sede de inquérito ou sequer produzido na audiência de julgamento realizadas nestes autos;
- Na verdade, nenhuma das testemunhas inquiridas nos autos refere que era a arguida que fazia a exploração do equipamento apreendido nos autos no que tange ao alegado desenvolvimento dos jogos de fortuna e azar: o militar da GNR P. O., cujo depoimento, segundo a ata da audiência de julgamento de fls. … e seguintes, se encontra gravado na aplicação em uso no Tribunal, no ficheiro 20181004144352_5461357_2870588 com a duração de 00:28:29, mas no suporte fornecido à Recorrente tem a referência 20181004151742_5537392_2870588, apenas se limitou a declarar que a arguida se apresentou como “responsável pelo café” denominado “Café T.” e como exploradora do estabelecimento, não tendo, contudo a identificada testemunha ter efetuado qualquer testemunha para apurar tal facto e desconhecendo se a Recorrente era, na verdade, “a gerente do café”, cliente ou há quanto tempo lá estava a gerir o identificado estabelecimento (dos 17 min e 00 seg. aos 19 min e 02 seg.);
- Mais acresce que do depoimento prestado pela identificada testemunha e demais prova produzida nos autos também nada resulta quanto ao alegado - mas, no nosso respeitoso entendimento, não comprovado - conhecimento por parte da Arguida da invocada natureza ilícita do jogo desenvolvido por tal máquina apreendida, pois quer a identificada testemunha ou qualquer outra testemunha inquirida nos autos nada adiantaram;
- No que tange à matéria da apreciação das características do jogo, através do depoimento da testemunha P. O., Militar da GNR, também não foi possível apurar se a Recorrente tinha efetivo conhecimento que a exploração de tal máquina de jogo apreendida lhe estava vedada e era apenas permitida nos casinos existentes nas zonas de jogo autorizadas, mediante licenciamento da entidade competente;
- No que concerne à prova documental valorizada nos autos, designadamente o auto de apreensão de fls. 07 e seguintes e o relatório pericial de fls. 45 a 49, do mesmo meio de prova nada resulta que possa sustentar, como provada, a factualidade dos factos constantes nos itens 1, 2, 17, 18, e 19;
10ª- Por tudo supra exposto, face a toda a prova produzida em sede de audiência de julgamento e dada a ausência de prova segura e inequívoca nos termos supra melhor descritos, a factualidade vertida nos citados pontos itens 1, 2, 17, 18 e 19 do ponto “II-Fundamentação, 1. Factos Provados” não deveria ter sido, como erroneamente foi, dada como não provada;
11ª- Mesmo que assim senão entenda, o que se não concebe e por mera hipótese de trabalho se acautela, o Ex.mo Tribunal a quo nunca poderia ter condenado a Recorrente nos termos em que o fez, já que, no caso concreto não verificam os legais requisitos, objetivos e/ou subjetivos, dos tipos de ilícitos pelos quais o Recorrente foi, injustamente condenada, porquanto:
12ª- Para se verificar a prática de um crime de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelo artigo 108, Nº 1, com referência aos artigos 1º, 3º, e 4º, Nº 1 al. g), do D.L. Nº 422/89, de 02/12, é necessário que o seu agente, por qualquer forma, faça a exploração ilícita de jogos de fortuna ou azar fora dos locais legalmente autorizados;
13ª- O artigo 1º do identificado diploma legal define como “jogos de fortuna ou azar” “aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte”;
14ª- Na esteira da mui douta decisão proferida nos autos de processo comum que correram termos, sob o Nº 546/15.6GEGMR, no Juízo Criminal de Guimarães – Juiz 2, Comarca de Braga, com a previsão e punição do identificado tipo de ilícito “pretende-se acautelar a integridade das explorações dos jogos de fortuna e azar, circunscrevendo-as a zonas de jogo legal e devidamente autorizadas”, cujo conceito “trata-se de um tipo totalmente aberto, cujo núcleo essencial corresponde a uma autêntica cláusula geral, que tem vindo a suscitar sérias dificuldades interpretativas, quando se pretende distinguir este ilícito criminal dos ilícitos contra-ordenacionais que correspondem a modalidades afins dos jogos de fortuna e azar e outras formas de jogo quando estas não se encontrem autorizadas, da previsão do art.º 159º e 160.º”.
15ª- A “jurisprudência não tem sido uniforme ao estabelecer os critérios diferenciadores dos ilícitos de natureza criminal e os de natureza contra-ordenacional”, por referência ao Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto em 21/05/2008, disponível em www.dgsi.pt, e o Acórdão de Fixação de Jurisprudência N.º 4/2010 do Supremo Tribunal de Justiça - publicado em 08-03-2010 na 1ª Série do DR – sustentam-se os seguintes critérios: a) pelo carácter totalmente aleatório do resultado; b) pela natureza pecuniária dos prémios atribuídos; c) pelo tipo das operações oferecidas ao público; d) pela pré-determinação do subsequente prémio; e) pela temática do jogo ou pela natureza dos prémios e f) pela temática do jogo;
16ª- No que se refere a este determinado tipo de máquinas, “o AFJ n.º 4/2010, veio fixar jurisprudência no sentido de que «Constitui modalidade afim, e não jogo de fortuna ou azar, nos termos do artigo 159º, nº 1, 161º, 162º e 163º do Decreto-Lei nº 422/89 de 2 de Dezembro, na redacção do Decreto-Lei nº 10/95 de 19 de Janeiro, o jogo desenvolvido em máquina automática na qual o jogador introduz uma moeda e, rodando um manípulo, faz sair de forma aleatória uma cápsula contendo uma senha que dá direito a um prémio pecuniário, no caso de o número nela inscrito coincidir com algum dos números constantes de um cartaz exposto ao público»;
17ª- Como refere o identificado Acórdão Uniformizador “O critério para se distinguirem os dois tipos de ilícito – ilícito criminal e ilícito de mera ordenação social – não pode deixar de ser material, no sentido de que se há-de partir das próprias categorias legais, em que assumem, quanto aos tipos legais de crime, relevo especial, na respectiva interpretação, o critério teleológico, fundamentalmente ligado à protecção de um bem jurídico, como expressão do princípio da legalidade, não só na sua feição formal, mas também na sua vertente material (nullum crimen sine lege, certa et prior) e a que estão associados princípios de matriz constitucional tão importantes como os da dignidade penal, de carência de pena e de máxima restrição penal. Destes princípios decorre que, traduzindo-se a estatuição da pena numa limitação mais ou menos grave da liberdade, a sanção só se justifica quando esteja em causa a necessidade de protecção de um relevante valor com ressonância ético-social, prévio à constituição do tipo legal de crime, ao contrário do que sucede com as contra-ordenações, que são ético-socialmente indiferentes e em que a ilicitude deriva da valoração delas pela lei como proibidas, dando origem a uma sanção de carácter não penal – uma coima. Daí que as sanções penais, enquanto atentam contra o direito fundamental à liberdade, devem limitar-se ao mínimo imprescindível para garantir a paz na vida em comunidade.

Uma das realizações do princípio da legalidade é a da definição, tanto quanto possível precisa, dos respectivos elementos do tipo legal de crime, uns dizendo respeito ao tipo objectivo do ilícito e outros, ao tipo subjectivo, pois o tipo legal de crime tem uma função de garantia dos direitos individuais das pessoas, devendo estabelecer com a máxima objectividade a conduta ou omissão que são valoradas como proibidas.

A definição do tipo legal de crime implica, por consequência, a concretização do princípio da máxima determinabilidade, ou seja, de um certo grau de determinação dos respectivos elementos, definição que, por isso, não pode ser tão genérica, que corresponda praticamente a uma indeterminação, nem tão particularista ou casuística, que dissolva na profusão de elementos o que deve ser tido como essencial. Daí que, muitas vezes, o legislador combine elementos generalizadores com elementos concretizadores, nomeadamente por meio do emprego da técnica de exemplos-regra ou exemplos-padrão. Quanto mais grave for a sanção estabelecida, maior determinação se exige na definição dos elementos do tipo legal, em obediência estrita ao princípio da legalidade, que tem ínsito nas suas implicações o princípio constitucional e, portanto, material, da proporcionalidade. O grau de exigência desta determinação é maior na definição dos tipos legais de crime, do que nos tipos contra-ordenacionais.

Uma outra consequência importante do princípio da legalidade é o de que a norma incriminadora deve ser interpretada restritivamente (odiosa restringenda), ao menos quando haja dúvida séria e firme sobre o seu sentido, e de que o direito penal não tem lacunas, forma uma ordem jurídica completa, na medida em que só as acções ou omissões nela previstas são puníveis, não sendo lícito punir outras condutas omissivas ou activas pelo recurso à analogia (Cf. sobre toda esta problemática FARIA COSTA, «Construção E Interpretação Do Tipo Legal De Crime à Luz Do Princípio Da Legalidade: Duas Questões Ou Um Só Problema?», Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 134, n.º 3933 (1 de Abril de 2002), pp. 354 e ss. e JOSÉ DE SOUSA E BRITO, «A Lei Penal Na Constituição», Estudos Sobre A Constituição, Livraria Petrony 1978, 2.º Vol., pp. 197 e ss.).

Como vimos, a lei (art. 1.º e 4.º do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção do Decreto-Lei n.º 10/95, de 19 de Janeiro), na definição de jogos de fortuna ou azar, combina precisamente uma fórmula generalizadora (art. 1.º) com a técnica exemplificativa (art. 4.º). Por meio da primeira, define os jogos de fortuna ou azar como sendo «aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte»; por meio da segunda, tipifica exemplificativamente esses jogos nas suas diversas alíneas (vários jogos bancados, concretamente determinados – alíneas a) a d); jogos não bancados, também concretamente determinados – alínea e) e jogos em máquinas (alíneas f) e g).

No que respeita a estes últimos, mencionam-se os «jogos em máquinas pagando directamente prémios em fichas ou moedas» (alínea f) e «jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte» (alínea g).

A caracterização dos jogos de fortuna ou azar é essencial para a distinção entre os tipos de ilícito criminal e as denominadas “modalidades afins”. Ora, tendencialmente, os jogos de fortuna ou azar, de resultado contingente, por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte, segundo a formulação genérica do art.º 1.º, são os que estão especificados no art.º 4.º, n.º 1. […] Ora, o que a redacção do preceito inculca é que os diversos tipos de jogos considerados como de fortuna ou azar e que são autorizados nos casinos são os que estão especificados na lei, embora outros possam vir a ser igualmente autorizados, por apresentarem características análogas. […] Por conseguinte, não obstante exemplificativa a especificação dos jogos de fortuna ou azar constante da lei, ela é tendencialmente completa e comporta uma certa rigidez, como é próprio de um tipo legal de crime, que é um tipo de garantia.

Todas as modalidades de jogos que não correspondam às características descritas e especificadas nos referidos artigos 1.º e 4.º do Decreto-Lei n.º 422/89, na redacção do Decreto-Lei n.º 10/95, embora os seus resultados dependam exclusiva ou fundamentalmente da sorte, revertem para as modalidades afins.

No caso das máquinas de jogos, só são de considerar como jogos de fortuna ou azar:

- os jogos em máquinas pagando directamente prémios em fichas ou moedas;
- os jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte.
[…] Ora, os jogos nas máquinas automáticas em causa nos acórdãos em conflito, se apresentavam resultados que dependiam exclusiva ou fundamentalmente da sorte, não desenvolviam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar, nem pagavam directamente prémios em fichas ou moedas. Por conseguinte, não podiam ser enquadradas em qualquer dos tipos de jogos de fortuna ou azar praticados em máquinas automáticas, tal como descritos nas referidas alíneas f) e g) do n.º 1 do art.º 4.º do Decreto-Lei n.º 422/89, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 10/95, revertendo, antes, para as modalidades afins referidas no art.º 159.º, pois constituem uma espécie de sorteio por meio de rifas ou tômbolas mecânicas.

É certo que os referidos jogos proporcionavam também prémios em coisas com valor económico e em dinheiro, ou só em dinheiro, mas tal circunstância, se não é permitida pelo art.º 161.º, n.º 3 do referido diploma legal, também não é suficiente, por si só, para integrar a «específica configuração em que está definido o pagamento de prémios (pagamento directo em fichas ou moedas) nos jogos de fortuna ou azar», como se diz no acórdão-fundamento. Como vimos atrás, o tipo legal de crime é dotado de uma certa rigidez, que o constitui como tipo de garantia, sendo essa precisamente uma das manifestações do princípio da legalidade. Assim, aquela circunstância não retira aos jogos em causa a natureza de modalidade afim.

Acresce que a tutela penal adscrita à proibição dos jogos de fortuna ou azar fora dos locais autorizados encontra fundamento, como se viu, em valores de relevante ressonância ético-social, nomeadamente pelos efeitos devastadores a nível social, familiar, económico e laboral, com incremento de criminalidade grave, não só de carácter patrimonial, mas também de carácter pessoal (vida, integridade física, ameaça, coacção) que a dependência de jogos de grande poder aditivo e potenciação de descontrole pode acarretar.

Tal não sucede relativamente aos jogos em máquinas automáticas que funcionam como espécies de rifas ou tômbolas mecânicas, em que o que se arrisca assume dimensão pouco significativa, pois a expectativa é limitada ou predefinida e o impulso para o jogo tem de ser renovado em cada operação, ao contrário do que sucede com os jogos de casino, mesmo em máquinas, possibilitando uma série praticamente ilimitada de jogadas, numa espécie de encadeamento mecânico e compulsivo, em que o jogador corre o risco de se envolver emocionalmente».

18ª- Como se pode verificar, através da descrição constante do relatório pericial de fls. 45 a 49, e atendendo aos factos que se julgaram como provados nos itens 6 a 14, se o equipamento se encontrar validado (através da introdução de um código de arranque), o jogador pressionava um dos link/botões que a página apresentava, ficando disponível ao jogador vários jogos de fortuna ou azar: - jogos do tipo Slot, denominados “Halloween” e “Pantanal”, e cujo funcionamento se descreveu da seguinte forma:

(7-) Apesar de diferentes cenários gráficos, os jogos identificados na máquina apresentavam exatamente o mesmo desenvolvimento e o mesmo objetivo final;
(8) No topo do ecrã visionavam-se as palavras: Crédito, que apresentava à sua frente os pontos provenientes das moedas ou notas introduzidas; Prémio, que assinala os créditos/pontos provenientes de jogadas premiadas; e Aposta, que registava o número de apostas (créditos/pontos) que o jogador decidia arriscar em cada jogada;
(9) O menu de jogo era composto por cinco rolos de símbolos (colunas) e três linhas, perfazendo quinze quadrados com imagens. A ladear estes quadros encontravam-se dispostos em coluna, números compreendidos entre 1 e 25, sendo que estes representavam as várias linhas de apostas que o jogador poderá efetuar em cada jogada;
(10) Os rolos eram todos iguais, possuindo cada um 10 símbolos (imagens) os quais se encontravam identificados na “Tabela de Prémios”;
(11) No cenário de jogo estavam apenas visíveis 3 símbolos de cada rolo (perfazendo um total de 15), os quais, no desenvolvimento do jogo, produziriam combinações aleatórias que poderiam, ou não, coincidir com as combinações existentes na “Tabela de Prémios”;
(12) As “linhas” de aposta eram linhas virtuais que atravessavam a janela de jogo lado a lado. Estas podiam ser simples retas, ou quebradas em várias configurações;
(13) Só os símbolos que ficarem sob a mesma linha, é que configuravam uma combinação de jogo, sendo que todos os outros eram ignorados;
(14) Após decisão do número de créditos que se pretendia apostar numa jogada, o jogador acionava a tecla que exercia a função “START”, dando origem a que as 5 colunas que se encontravam ao centro do ecrã começassem a deslizar, do sentido superior para o inferior, simulando o funcionamento de uma máquina de rolos dos casinos, até ao ponto em que automaticamente se imobilizavam ficando em cada um dos quadrados um símbolo. Se a combinação aleatória desses símbolos constar da relação das combinações premiadas, o jogador ganhava, perdendo em caso contrário. No caso de o jogador ter uma combinação premiada, os pontos/créditos ganhos, eram de imediato incrementados na janela com a inscrição “Prémio”.
19ª- Pela descrição constante da conclusão antecedente se pode concluir que “o alegado “jogo” desenvolvido pela máquina não corresponde a qualquer dos temas próprios dos jogos de fortuna ou azar, sendo antes uma modalidade afim destes jogos (…) não tem qualquer correspondência com nenhuma existente nos casinos, antes pelo contrário;
20ª- Assim sendo, como respeitosamente se entende ser, com fundamento nas mesmas razões supra aduzidas, “para além de o tema do jogo não se assemelhar ao promovido noutra espécie de máquinas que desenvolvem temas próprios dos jogos de fortuna ou azar (cf. art. 4 n.º 1-g) do citado diploma legal), o prémio não era pago diretamente pela máquina em “fichas ou moedas” (cf, citado art.º 4 n.º 1-f) do mesmo diploma legal) – cfr. AUJ n.º 4/2010.”
21ª- Na esteira do entendimento perfilhado pelo Acórdão da Relação de Coimbra de 02/02/2011, “nenhum jogo que tenha os prémios previamente definidos, ainda que atribua prémios em dinheiro ou desenvolva temas de jogos de fortuna ou azar, integra a classificação de jogos de fortuna ou azar e pode a sua exploração constituir crime”;
22ª- Também no Acórdão da Relação de Évora proferido em 31/05/2011 se entendeu que “o que caracteriza as modalidades afins e as distingue dos jogos de fortuna ou azar é a premeditação do respectivo prémio, a que acresce a pequena dimensão daquilo que o jogador arrisca, que até pode ser pura e simplesmente insignificante” e que constitui a asserção inerente ao entendimento plasmado no Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 4/2010;
23ª- O tipo de máquina em causa nos presentes autos, bem como o «jogo» que desenvolvia da forma descrita não se integra em qualquer dos tipos de “jogos de fortuna ou azar” previstos no artigo 4.º do cit. DL n.º 422/89;
24ª- Acresce que, “considerando o seu modo de funcionamento, valores da respectiva «aposta», fácil se torna concluir que a máquina que desenvolve uma «modalidade afim»”, tal como se encontra definido citado diploma legal;
25ª Pelo que no caso vertido nos autos apenas poderá, máxime, estar em causa eventualmente a um ilícito contra-ordenacional, p. e p. pelo citado artigo 159º do aludido DL Nº 422/89, de 02/12;
26ª- Contudo, não se tendo, devida e sustentadamente, apurado os elementos subjetivos, designadamente o dolo do tipo, impõe-se, assim, a plena absolvição da Recorrente, quer no que toca ao imputado ilícito criminal pelo qual foi condenada, quer pelo ilício de natureza contraordenacional a que se refere a cláusula anterior;
27ª- Acresce que, no âmbito dos presentes autos, não existe prova, testemunhal, pericial e ou documental, que sustente o conhecimento por parte da arguida da natureza ilícita do alegado jogo desenvolvido e de que tal exploração lhe estava vedada e que era apenas permitida nos casinos existentes nas zonas de jogo autorizadas;
28ª- Não se mostrando, dessa forma, verificados todos os legais requisitos, objetivos e subjetivos, do tipo de ilícito previsto no artigo 108º, Nº 1, com referência aos artigos 1º, 3º, 4º, Nº 1 al. g), todos do dito DL Nº 422/89, de 02/12, ou sequer qualquer outro ilícito, criminal ou contraordenacional;
29ª- Como sobejamente supra se expôs, da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, nomeadamente a prova testemunhal e documental, revela-se manifestamente insuficiente para determinar dar como provados os factos julgados como provados;
30ª- Tendo a exploração por parte da Recorrente do equipamento apreendido nos autos, o conhecimento desta da natureza ilícita do alegado jogo desenvolvido e de que tal exploração lhe estava vedada e que era apenas permitida nos casinos existentes nas zonas de jogo autorizadas e, por via disto, a consequente condenação ora em crise somente pode ter assentado em meras “induções e presunções” do Ex.mo a quo;
31ª- Não obstante a parca e quase inexistente prova recolhida nos autos nada resulta quanto à dita exploração por parte da Recorrente do equipamento apreendido nos autos, assim como do dito, mas inexistente, conhecimento por parte da arguida da natureza ilícita do alegado jogo desenvolvido e de que tal exploração lhe estava vedada e que era apenas permitida nos casinos existentes nas zonas de jogo autorizadas;
32ª- Não podia, nem deveria, o Ex.mo Tribunal a quo ter concluído que, se teve a “oportunidade”, a Recorrente praticou os factos em apreço nos autos, não restando outra obrigação ao Ex.mo Tribunal a quo senão absolver a Recorrente da prática dos factos em crise nos autos;
33ª- E ao condená-la, o Ex.mo Tribunal recorrido violou entre outros - o que respeitosamente se afirma – o princípio in dubio pro reo e da verdade material, vertido no Nº 2 do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa;
34ª- Finalmente, as penas, única e parcelares, relevam-se manifestamente excessivas, já que, atentas as circunstâncias que relevaram na determinação da medida concreta da pena, as penas, parcelares e única, devem situar-se nos mínimos legais das diversas molduras abstratamente aplicáveis, que, para além de proporcionada, mostra-se perfeitamente suportada pela medida da sua culpa.
35ª- Assim sendo, como respeitosamente se entende ser, a douta Decisão recorrida, entre outros, violou os artigos 1º, 4ª, e 108º do DL Nº 422/89, de 02/12; 26º; 30, Ns 1 e 2; 40ª; 41º; Ns 1 e 2; 43º; 70º; 71º; estes do Código Penal, e 20º, Ns 1 e 4; 32º, Ns 2 e 5, e 205º, Nº1, da Constituição da República Portuguesa.

Nestes termos e nos mais e melhores de direitos, que V. Ex.as mui douta e sabiamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser a Recorrente absolvida da prática do crime pelo qual foi, infundadamente, condenada, tudo com todas as legais consequências e como é de
INTEIRA E SÃ JUSTIÇA!”

3 – A Exma. Magistrada do Ministério Público na primeira instância respondeu ao recurso, pugnando pela total improcedência do mesmo e pela integral manutenção da sentença recorrida.
4 – Nesta instância, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto sufragou o entendimento expresso na resposta ao recurso, aditando algumas notas complementares e emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
5 – No âmbito do disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, a arguida apresentou resposta ao parecer, reiterando os fundamentos do recurso.
6 – Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado de harmonia com o preceituado no artigo 419º, nº 3, do Código de Processo Penal.
* * *
II – Fundamentação

1 - O objeto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respetiva motivação (artº 412º, n1, do Código de Processo Penal e jurisprudência fixada pelo acórdão do Plenário da Secção Criminal do STJ nº 7/95, de 19/10, publicado no DR de 28/12/1995, série I-A), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como sejam as cominadas com a nulidade de sentença, com vícios da decisão e com nulidades não sanadas (artigos 379º e 410º, nºs 2 e 3, do Código de Processo Penal) – cfr. Acórdãos do STJ de 25/06/98, in BMJ nº 478, pág. 242; de 03/02/99, in BMJ nº 484, pág. 271; Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, vol. III, págs. 320 e ss; Simas Santos/Leal Henriques, “Recursos em Processo Penal”, Rei dos Livros, 3ª edição, pág. 48.

2 - As questões invocadas pelo recorrente são as seguintes:

- Insuficiência para a decisão da matéria de facto/Erro notório na apreciação da prova (Incorretamente julgada a matéria tida como provada constante dos pontos 1, 2 e 17 a 19);
- Violação do princípio in dubio pro reo;
- Falta dos requisitos do tipo legal/Inadequada interpretação e aplicação do direito;
- Medida da pena.

3 – Fundamentação de facto constante da sentença recorrida

A) Factos provados (transcrição):

1. O estabelecimento comercial, denominado “Café T.”, sito na Rua ..., em … era gerido pela arguida M. C., sendo a única responsável pelo respectivo giro comercial.
2. No dia 10 de Janeiro de 2017, pelas 13.00 horas, e desde data que não foi possível apurar, encontrava-se em exploração naquele estabelecimento um equipamento de jogo destinado a ser utilizado pelos clientes desse estabelecimento.
3. O mencionado equipamento consistia num computador (CPU) com teclado e rato e ligação a um router de WI-FI encastrado num móvel em madeira, e com um dispositivo de depósito de moedas, e com um letreiro “Kiosk Internet”.
4. O sistema de funcionamento da máquina era do tipo vídeo, comportando no seu interior um disco rígido, com o sistema operativo Windows.
5. O equipamento iniciava com a aplicação “DsgKiosk”.
6. Pressionando em pontos concretos no ecrã, este redireccionava para um endereço, com a designação “www.flash4free.org”.
7. Neste ponto se o equipamento se encontrar validado (através da introdução de um código de arranque), o jogador pressionava um dos link/botões que a página apresentava, ficando disponível ao jogador vários jogos de fortuna ou azar: - jogos do tipo Slot, denominados “Halloween” e “Pantanal”, e que funcionavam do seguinte modo: Apesar de diferentes cenários gráficos, os jogos identificados na máquina apresentavam exactamente o mesmo desenvolvimento e o mesmo objectivo final.
8. No topo do ecrã visionavam-se as palavras: Crédito, que apresentava à sua frente os pontos provenientes das moedas ou notas introduzidas; Prémio, que assinala os créditos/pontos provenientes de jogadas premiadas; e Aposta, que registava o número de apostas (créditos/pontos) que o jogador decidia arriscar em cada jogada.
9. O menu de jogo era composto por cinco rolos de símbolos (colunas) e três linhas, perfazendo quinze quadrados com imagens. A ladear estes quadros encontravam-se dispostos em coluna, números compreendidos entre 1 e 25, sendo que estes representavam as várias linhas de apostas que o jogador poderá efectuar em cada jogada.
10. Os rolos eram todos iguais, possuindo cada um 10 símbolos (imagens) os quais se encontravam identificados na “Tabela de Prémios”.
11. No cenário de jogo estavam apenas visíveis 3 símbolos de cada rolo (perfazendo um total de 15), os quais, no desenvolvimento do jogo, produziriam combinações aleatórias que poderiam, ou não, coincidir com as combinações existentes na “Tabela de Prémios”.
12. As “linhas” de aposta eram linhas virtuais que atravessavam a janela de jogo lado a lado. Estas podiam ser simples rectas, ou quebradas em várias configurações.
13. Só os símbolos que ficarem sob a mesma linha, é que configuravam uma combinação de jogo, sendo que todos os outros eram ignorados.
14. Após decisão do número de créditos que se pretendia apostar numa jogada, o jogador accionava a tecla que exercia a função “START”, dando origem a que as 5 colunas que se encontravam ao centro do ecrã começassem a deslizar, do sentido superior para o inferior, simulando o funcionamento de uma máquina de rolos dos casinos, até ao ponto em que automaticamente se imobilizavam ficando em cada um dos quadrados um símbolo. Se a combinação aleatória desses símbolos constar da relação das combinações premiadas, o jogador ganhava, perdendo em caso contrário. No caso de o jogador ter uma combinação premiada, os pontos/créditos ganhos, eram de imediato incrementados na janela com a inscrição “Prémio”.
15. O objectivo dos jogos identificados na máquina - tal como nas vulgares Slot Machines dos casinos, mediante o arriscar de créditos e a simples pressão do referido botão existente na imagem de cada jogo em desenvolvimento - era o de conseguir combinações premiadas de acordo com o plano de prémios apresentado, tudo dependendo exclusivamente do factor sorte, independentemente da perícia e destreza do jogador.
16. No interior do receptáculo destinado às notas e moedas encontravam-se €6,30 (seis euros e trinta cêntimos) em moedas do Banco Central Europeu, ali colocados por clientes do estabelecimento que jogaram os mencionados jogos.
17. A arguida não dispunha de autorização que lhe permitisse explorar o funcionamento da sobredita máquina, sendo que a mesma foi apreendida no dia 10 de Janeiro de 2017.
18. Ao agir como supra descrito, a arguida actuou com a intenção concretizada de obter vantagens patrimoniais mediante a exploração de jogos de fortuna ou azar, bem sabendo que os resultados dos jogos desenvolvido pelo equipamento acima descrito dependiam exclusivamente da sorte dos jogadores utentes e não da destreza ou habilidade dos mesmos, que como tal não podiam ser praticados em locais, como o estabelecimento que explorava, em que não existisse concessão de exploração por parte da entidade competente.
19. Agiu a arguida de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
20. A arguida trabalha em restauração e aufere pelo menos o salário mínimo nacional.
21. Vive com dois filhos, sendo um estudante, e outro dono de um estabelecimento de “café”.
22. Vive em casa própria.
23. Frequentou a escola até à 4ª classe.
24. A arguida é pessoa humilde e trabalhadora.
25. A arguida não tem antecedentes criminais.”

B) Factos não provados (transcrição):

a. Aquando do aludido 2) nos factos provados, não era a arguida a responsável pelo estabelecimento.”

C) Motivação da factualidade provada (transcrição):

“O tribunal formou a sua convicção com base na valoração da prova produzida e examinada em audiência de discussão e julgamento, designadamente no auto de apreensão de fls. 07 e 08, e relatório de fls. 45 a 49.

Mais foram relevantes os depoimentos das testemunhas:

- P. O., militar da GNR, a qual prestou um depoimento sincero e isento, e soube esclarecer que nas circunstâncias de tempo e lugar referidas na acusação fiscalizou o estabelecimento comercial da arguida.
Chegado ao local, verificou existir um local com acesso reservado, e neste encontrava-se um computador encastrado num móvel, com uma ranhura para inserção de moedas.
Como ia acompanhado por inspectores de jogos, verificaram que por trás do ambiente de trabalho, havia atalhos para jogos.
Pediu a chave do moedeiro à arguida (que foi quem se identificou com responsável do estabelecimento), mas esta disse que não tinha. Por isso, foi arrombado, e constatado que tinha várias moedas que foram apreendidas.
- A. V., informático, a qual prestou um depoimento titubeante e sem conhecimento directo dos factos, esclareceu que o computador pode ser usado para consulta à internet.
- C. R., cunhada da arguida, a qual prestou um depoimento coerente, e esclareceu que a arguida vive do estabelecimento (café e restaurante) para sustentar os filhos, e já o explora há cerca de 18 anos.
*
Com efeito, conjugando a prova testemunhal com a pericial e documental, constata-se que efectivamente a arguida explorava a máquina aprendida nos autos no seu estabelecimento comercial, em espaço reservado (longe da vista do regular cliente), a qual estava devidamente ligada e pronta a ser utilizada, munida de moedeiro.

Era a arguida a exploradora do aludido estabelecimento, atento que se identificou ao militar da GNR dessa forma, facto que foi corroborado pela última testemunha.

Acresce que a máquina detinha jogos do tipo slot machine os quais são usuais nos casinos, e assim, conhecidos como ilegais noutros estabelecimentos.

Ademais o jogador introduzia moedas, e se fosse premiado, eram incrementados pontos ou créditos na janela com a inscrição “Prémio”.

Assim, este percurso é bem demonstrativo de uma linha psicológica conhecedora do caracter delituoso da conduta.

No que concerne ao aspecto subjectivo da conduta, ponderou-se o iter criminis da arguida, ou seja a acção objectiva apurada, apreciada à luz de critérios de razoabilidade e bom senso e das regras de experiência, como explanado.

No que respeita aos factos dados como não provados não foi feita prova da sua verificação, quer pela prova da tese contrária, quer por ausência de qualquer prova segura e homogénea.

A situação pessoal e económica, resultou das declarações da arguida e da última testemunha.

Quanto à inexistência de antecedentes criminais, relevou o certificado de registo criminal junto aos autos.”
*
III - Apreciação do recurso

Preceitua o artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, que: “Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum:

a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.”

A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada ocorrerá - como referem Simas Santos e Leal Henriques em “Recursos em Processo Penal”, citados por Maia Gonçalves em “Código de Processo Penal Anotado”, Almedina, 16ª edição, pág. 871 – quando exista uma lacuna no apuramento da matéria de facto indispensável para a decisão de direito, isto é, quando se chega à conclusão de que com os factos dados como provados não era possível atingir-se a decisão de direito a que se chegou, havendo assim um hiato nessa matéria que é preciso preencher.

Porventura, melhor dizendo, só se poderá falar em tal vício quando a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a solução de direito e quando o tribunal deixou de investigar toda a matéria de facto com interesse para a decisão final.

Ora, como vem considerando o Supremo Tribunal de Justiça, só existe tal insuficiência quando se faz a “formulação incorrecta de um juízo” em que “a conclusão extravasa as premissas” ou quando há “omissão de pronúncia pelo tribunal sobre factos alegados ou resultantes da discussão da causa que sejam relevantes para a decisão, ou seja, a que decorre da circunstância de o tribunal não ter dado como provados ou como não provados todos os factos que, sendo relevantes para a decisão, tenham sido alegados pela acusação e pela defesa ou resultado da discussão.”

Quanto à contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão consiste, basicamente, na incompatibilidade, insusceptível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão.

Assim, há oposição na matéria de facto provada quando, por exemplo: se dão como provados dois ou mais factos que estão entre si em oposição (que sejam logicamente incompatíveis); há oposição entre a matéria de facto provada e a matéria de facto não provada quando se dá como provado e não provado o mesmo facto; há uma incoerência da fundamentação probatória da matéria de facto quando se dá como provado certo facto e da motivação da convicção resulta que seria outra a decisão de facto correta; e há oposição entre a fundamentação e a decisão quando a fundamentação de facto e de direito apontam para uma determinada decisão final e no dispositivo da sentença consta decisão em sentido diverso.

O erro notório na apreciação da prova constitui uma “falha grosseira e ostensiva na análise da prova, perceptível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram como provados factos inconciliáveis entre si, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, que as conclusões são ilógicas ou inaceitáveis ou que se retirou de um facto provado uma conclusão logicamente inaceitável.

Dito de outro modo, há tal erro quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis – cfr. Simas Santos e Leal Henriques, obra citada.

Descritos, ainda que sumariamente, os apontados vícios, incontroverso é que eles têm de resultar da decisão recorrida (melhor, do texto da decisão), por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.

Não é, pois, admissível o recurso a elementos estranhos à sentença, como, por exemplo, quaisquer outros dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do julgamento, tratando-se, portanto, de vícios intrínsecos da sentença que, quanto a eles, terá que ser suficiente.

A recorrente, no caso em apreço, invocou os vícios da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e do erro notório na apreciação da prova.

Contudo, percorrida a sentença em causa, nenhum dos alegados vícios se vislumbra do seu teor, seja uma lacuna no apuramento da matéria de facto indispensável para a decisão de direito, seja que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios, aos olhos do cidadão comum.

Aliás, a sentença recorrida apresenta uma fundamentação completa, lógica e congruente.

O recurso improcede quanto aos invocados vícios da decisão.
*
Da motivação e das conclusões do recurso apresentado o que se conclui é que, apesar da invocação dos citados vícios, o que a recorrente pretende é a alteração da matéria de facto dada como assente nos pontos 1, 2 e 17 a 19 da factualidade provada, por discordar da convicção formada pelo tribunal, ou seja, por considerar haver erro de julgamento.

Nos termos do disposto no artº 428º, nº 1, do Código de Processo Penal, “as relações conhecem de facto e de direito.”

A matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: num âmbito, mais restrito, dos vícios descritos no artº 410º, nº 2, do CPP, a chamada “revista alargada” (que já supra se analisou) ou através da impugnação ampla da matéria de facto, a que alude o artº 412º, nº 3, 4 e 6 do mesmo código.

Na impugnação ampla da matéria de facto, a apreciação não se cinge ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova, toda ela documentada, produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos nºs 3 e 4 do artº 412º do CPP.

É consabido que, havendo impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição de gravações, sendo antes um remédio, remédio jurídico, para evitar erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como foi apreciada e ponderada a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto indicados pelo recorrente.

“O recurso que impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não pressupõe, por conseguinte, a reapreciação total dos acervos dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos «concretos pontos de facto» que o recorrente especifique como incorrectamente julgados.

Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa”

Precisamente porque o recurso em que se impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não constitui um novo julgamento do objecto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, erros in judicando ou in procedendo, que o recorrente deverá expressamente indicar, impõe-se a este o ónus de proceder a uma tríplice especificação, estabelecendo o artigo 412.º, n.º3, do C.P. Penal:

“Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.»

A especificação dos «concretos pontos de facto» traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorrectamente julgados.

A especificação das «concretas provas» só se satisfaz com a indicação do conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida.

Finalmente, a especificação das provas que devem ser renovadas implica a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento em 1.ª instância cuja renovação se pretenda, dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do C.P.P. e das razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo (cfr. artigo 430.º do C.P.P.).

Para dar cumprimento a estas exigências legais tem o recorrente de especificar quais os pontos de facto que entende terem sido incorrectamente julgados, quais os segmentos dos depoimentos que impõem decisão diversa da recorrida e quais os suportes técnicos em que eles se encontram, com referência às concretas passagens gravadas.

Como realçou o S.T.J., em acórdão de 12 de Junho de 2008 (Processo:07P4375, in www.dgsi.pt), a sindicância da matéria de facto, na impugnação ampla, ainda que debruçando-se sobre a prova produzida em audiência de julgamento, sofre quatro tipos de limitações:

- a que decorre da necessidade de observância pelo recorrente do mencionado ónus de especificação, pelo que a reapreciação é restrita aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorrectamente julgados e às concretas razões de discordância, sendo necessário que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam;
- a que decorre da natural falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, circunscrevendo-se o “contacto” com as provas ao que consta das gravações;
- a que resulta da circunstância de a reponderação de facto pela Relação não constituir um segundo/novo julgamento, cingindo-se a uma intervenção cirúrgica, no sentido de restrita à indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correcção se for caso disso;
- a que tem a ver com o facto de ao tribunal de 2.ª instância, no recurso da matéria de facto, só ser possível alterar o decidido pela 1.ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida [al. b) do n.º 3 do citado artigo 412º.].

Apreciando.

Os pontos concretos que a recorrente considera incorrectamente julgados, face à prova produzida e/ou analisada em audiência de julgamento, são os pontos 1, 2 e 17 a 19 da factualidade provada.

Recordemos tal factualidade:

1. O estabelecimento comercial, denominado “Café T.”, sito na Rua ..., em … era gerido pela arguida M. C., sendo a única responsável pelo respectivo giro comercial.
2. No dia 10 de Janeiro de 2017, pelas 13.00 horas, e desde data que não foi possível apurar, encontrava-se em exploração naquele estabelecimento um equipamento de jogo destinado a ser utilizado pelos clientes desse estabelecimento.
(…)
.funcionamento da sobredita máquina, sendo que a mesma foi apreendida no dia 10 de Janeiro de 2017.
18. Ao agir como supra descrito, a arguida actuou com a intenção concretizada de obter vantagens patrimoniais mediante a exploração de jogos de fortuna ou azar, bem sabendo que os resultados dos jogos desenvolvido pelo equipamento acima descrito dependiam exclusivamente da sorte dos jogadores utentes e não da destreza ou habilidade dos mesmos, que como tal não podiam ser praticados em locais, como o estabelecimento que explorava, em que não existisse concessão de exploração por parte da entidade competente.
19. Agiu a arguida de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.”

Começa a recorrente por alegar que não há prova “cabal, segura e inequívoca” que fosse ela a exploradora da máquina apreendida, já que a testemunha P. O. (GNR) apenas declarou que ela se apresentou como “responsável pelo café”, desconhecendo se a mesma era “”gerente do café”, cliente ou há quanto tempo lá estava a gerir o identificado estabelecimento”.

Quanto a esta matéria (pontos 1 e 2), o tribunal a quo fundamentou a sua convicção no depoimento da testemunha P. O. – a quem a arguida se apresentou como “responsável do estabelecimento”, aquando da fiscalização efectuada – mas também no da testemunha C. R., cunhada da arguida – que esclareceu que a arguida “vive do estabelecimento para sustentar os filhos, e já o explora há cerca de 18 anos”.

É claro que explorar um estabelecimento e explorar uma “máquina” colocada no mesmo, não são conceitos necessária e absolutamente coincidentes.

Mas as regras da experiência comum permitem concluir pela existência da exploração comum. Veja-se o que sucede com muita frequência – para não dizer sempre – com as máquinas dispensadoras de tabaco e com as de tirar café ou cerveja, em que a propriedade das mesmas é de entidades terceiras. Mas nem assim se pode afirmar que não seja o explorador do estabelecimento a explorar tais máquinas, delas tirando o rendimento, quanto mais não seja pela perceção de uma franquia periódica pela cedência do espaço.

Também nos dizem as regras da experiência e do bom senso que quando se assume a responsabilidade por um estabelecimento, sem que se exclua nada do que lá existe - e bem visível (tratava-se de máquina inserida em móvel de madeira) -, é porque a responsabilidade é total.

Quanto a não dispor de autorização para explorar a máquina, também não restam dúvidas de que, caso a arguida a possuísse, a teria exibido, de imediato ou posteriormente, assim logrando evitar a sua apreensão. Se o não fez é porque a não possui.

No que concerne ao conhecimento da ilicitude, assim como ao dolo, é matéria a extrair do conjunto global dos factos e, novamente, das regras da experiência e do senso comum, além de critérios de razoabilidade.

Vejamos.

O regime jurídico do jogo ilícito vigora há várias décadas, sendo bem conhecido dos exploradores de estabelecimentos de Café e Bar, aos quais periodicamente são feitas fiscalizações para a detecção dessas práticas.

Por outro lado, como bem refere o Juiz a quo, a máquina estava num “espaço reservado (longe da vista do regular cliente)” e, como resulta do relatório pericial, funcionava de modo dissimulado, isto é, aparentando ser apenas um meio de acesso à “internet”, permitia, com parâmetros específicos de validação e através de vários redireccionamentos, a disponibilização de jogos tidos como de fortuna ou azar, através de uma ligação a um servidor remoto.

Este servidor transmite a informação necessária ao desenvolvimento do jogo, sem qualquer instalação de “software” na máquina apreendida, assim inviabilizando o funcionamento do jogo, em sede de peritagem (por falta dos parâmetros de validação e da ligação ao servidor remoto).

Ora, tal dissimulação só existe em razão da ilicitude da exploração dos jogos ali desenvolvidos e não podia ser desconhecida da responsável do estabelecimento.

Em suma, a dissidência da arguida/recorrente em relação à decisão da matéria de facto impugnada incide unicamente sobre a forma como o tribunal a quo valorizou os meios de prova, fazendo uma própria e diferente leitura da prova, que confronta com a que foi realizada pelo julgador, para, de seguida, extrair as suas próprias conclusões.

Contudo, impõe-se não olvidar a correta interpretação do preceituado no artº 127º do CPP, nos termos do qual cabe ao julgador apreciar da credibilidade dos veículos transmissores dos factos, a ele cabendo a missão de apreciar, em obediência a tal normativo, quais os depoimentos que lhe merecem credibilidade e se o merecem na totalidade ou só em parte.

Com efeito, o recurso da matéria de facto não se destina a postergar o princípio da livre apreciação da prova, que tem consagração expressa no citado artº 127º do CPP.

Nestes termos e conforme o disposto no artigo 412º, nº 3, al. b), do CPP, este tribunal só pode alterar o decidido pelo tribunal a quo se as provas indicadas pelo recorrente impuserem – e não quando apenas admitam - decisão diversa da recorrida, ou seja, quando se esteja perante uma clamorosa e manifesta desconformidade dos factos fixados com os meios de prova produzidos e examinados.

É claro, com tem vindo uniformemente a ser expendido pela doutrina e pela jurisprudência, que “a livre apreciação da prova não se confunde de modo algum com a apreciação arbitrária da prova nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova”, pois que “a prova livre tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica.”

Sucede que, apreciada integralmente a prova produzida, ao abrigo do disposto no artº 412º, nº 6, do CPP, conclui-se que os factos dados como provados têm plena sustentabilidade na prova indicada na motivação da sentença, não se descortinando qualquer razão para divergir do juízo de credibilidade atribuído pelo tribunal a quo a tais meios de prova.

O recurso improcede, nesta parte.
*
Entrando na violação do alegado princípio “in dubio pro reo” – que a recorrente parece confundir com o desconhecimento da ilicitude da conduta, a que já supra nos referimos.

Como é sabido, a prova não pode ser analisada de forma segmentada, atomizada. “O julgador tem de apreciar e valorar a prova na sua globalidade, estabelecendo conexões, conjugando os diferentes meios de prova e não desprezando as presunções simples, naturais ou hominis, que são meios lógicos de apreciação das provas e de formação da convicção.”

Do exposto flui que a convicção formada mostra-se explicitada em termos perfeitamente perceptíveis, não se vislumbrando qualquer dúvida em que tenha incorrido o tribunal que possa dar lugar à aplicação do invocado princípio.

Em momento algum resulta da sentença recorrida que relativamente à factualidade provada e não provada apreciada nos autos, tenha o tribunal a quo ficado com dúvidas, a mais pequena que fosse, na formação da sua convicção.

Tal princípio traduz-se numa imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao arguido quando não tiver a certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa, pelo que a sua violação exige que o juiz tenha ficado na dúvida sobre factos essenciais e, nesse estado de dúvida, tenha decidido contra o arguido.

É insofismável que perante uma dúvida sobre os factos desfavoráveis ao arguido, que seja insanável, razoável e objectivável, o tribunal deve decidir “pro reo”.

Como nos ensina o Prof. Figueiredo Dias ““à luz do princípio da investigação bem se compreende, efectivamente, que todos os factos relevantes para a decisão (quer respeitem ao facto criminoso, quer à pena) que, apesar de toda a prova recolhida, não possam ser subtraídos à “dúvida razoável” do tribunal, também não possam considerar-se como provados. E se, por outro lado, aquele mesmo princípio obriga em último termo o tribunal a reunir as provas necessárias à decisão, logo se compreende que a falta delas não possa, de modo algum, desfavorecer a posição do arguido: um non liquet na questão da prova – não permitindo nunca ao juiz, como se sabe, que omita a decisão (…) – tem de ser sempre valorado a favor do arguido. É com este sentido e conteúdo que se afirma o princípio in dubio pro reo.””

Nestes termos, e, porque nenhuma censura pode merecer o juízo valorativo plasmado na sentença, sendo que ao decidir como decidiu o tribunal a quo não incorreu na violação de tal princípio, improcede, neste segmento, o recurso.
*
Subsunção jurídica dos factos

Neste capítulo, a recorrente defende que a sua conduta, quando muito, corresponderá a um ilícito contra-ordenacional, na previsão dos artigos 159º e segs. da “Lei do Jogo” (“modalidade afim”), já que o “tema dos jogos” desenvolvidos pela máquina não se assemelha aos promovidos nas máquinas que desenvolvem temas próprios dos “jogos de fortuna ou azar”. Acrescenta que tal conclusão resulta, ainda, do “modo de funcionamento” (da máquina), “valores da respectiva “aposta””

Para o efeito, cita alguma jurisprudência, com principal enfoque no Acórdão do STJ de Fixação de Jurisprudência nº 4/2010.

Apreciando.

Dispõe o artigo 108º do DL 422/89, sob a epígrafe “Exploração ilícita do jogo”, que: “1 – Quem, por qualquer forma, fizer a exploração de jogos de fortuna ou azar fora dos locais legalmente autorizados será punido com prisão até 2 anos e multa até 200 dias. 2 – Será punido com a pena prevista no número anterior quem for encarregado da direcção do jogo, mesmo que não a exerça habitualmente, bem corno os administradores, directores, gerentes, empregados e agentes da entidade exploradora.”

Já o artigo 159º do mesmo diploma, sob a epígrafe “Modalidades afins do jogo de fortuna ou azar e outras formas de jogo”, estipula que: “1 - Modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar são as operações oferecidas ao público em que a esperança de ganho reside conjuntamente na sorte e perícia do jogador, ou somente na sorte, e que atribuem como prémios coisas com valor económico predeterminado à partida. 2 – São abrangidos pelo disposto no número anterior, nomeadamente, rifas, tômbolas, sorteios, concursos publicitários, concursos de conhecimentos e passatempos. 3 – (…)”.

Para a determinação do que sejam os “Jogos de fortuna ou azar”, importa atentar na definição constante do artigo 1º do mesmo regime legal, que define “Jogos de fortuna ou azar são aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte.”.

Depois de – no artigo 3º (todos do mesmo diploma) – prescrever que a prática e a exploração são reservadas aos casinos, define no artigo 4º, ainda que de modo exemplificativo, os “Tipos de jogos de fortuna ou azar”, nos seguintes termos (no que ao caso interessa): “1 – Nos casinos é autorizada a exploração, nomeadamente, dos seguintes tipos de jogos de fortuna ou azar: (…) g) Jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos Jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte.”.

Saliente-se, desde já, que o legislador, nas modalidades afins, não fala em jogos, mas em “operações”, bem como define que os prémios atribuídos são “coisas(sublinhados nossos), ainda que com valor económico, não prevendo a atribuição de prémios monetários. E deu, como casos exemplificativos, as rifas, as tômbolas, os sorteios, etc., em que - em regra e como é do conhecimento geral – são coisas (bens, objectos) que são apresentadas ao público para serem sorteadas.

E estes “sorteios” não podem atribuir prémios de modo instantâneo – cfr. artigo 161º, nº 3: “As modalidades afins do jogo de fortuna ou azar e outras formas de jogo referidas no artigo 159º, não podem desenvolver temas característicos dos jogos de fortuna ou azar, nomeadamente o póquer, frutos, campainhas, roleta, dados, bingo, lotaria de números ou instantânea, totobola e totototo, nem substituir por dinheiro ou fichas os prémios atribuídos.”.

As mencionadas especificações servem para esclarecer a “dificuldade” gerada por num e noutro caso (ilícito criminal ou contra-ordenacional) se referir que o resultado do jogo depende apenas da sorte, prescindindo da perícia do jogador, por completo.

Mas não olvidamos a “equiparação” feita a estes casos (pelo AFJ nº 4/2010), daquele em que – era o que estava em causa e só o que foi apreciado – uma máquina com cápsulas/bolas (que o jogador obtém sempre que nela introduz uma moeda e roda o respectivo manípulo), contém no seu interior uma senha que permite a atribuição de um prémio, seja “coisa” ou dinheiro (caso a referência dela constante coincida com as do cartaz definidor de prémios, exposto).

Para chegar a tal equiparação, depois de percorrer os diversos critérios adotados para a distinção ao longo do tempo, o citado Acórdão afirma que o critério “não pode deixar de ser material”, no sentido de se partir das categorias legais, só se justificando a sanção criminal “quando esteja em causa a necessidade de protecção de um relevante valor com ressonância ético-social, prévio à constituição do tipo legal de crime”.

Conclui o referido AFJ que “Todas as modalidades de jogos que não correspondam às características descritas e especificadas nos referidos artigos 1º e 4° do Decreto-Lei n° 422/89, na redacção do Decreto-Lei n° 10/95, embora os seus resultados dependam exclusiva ou fundamentalmente da sorte, revertem para as modalidades afins, …”. Acrescentando que “os jogos nas máquinas automáticas em causa nos acórdãos em conflito, se apresentavam resultados que dependiam exclusiva ou fundamentalmente da sorte, não desenvolviam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar nem pagavam directamente prémios em fichas ou moedas.” e “não podiam ser enquadradas em qualquer dos tipos de jogos de fortuna ou azar praticados em máquinas automáticas, …, pois constituem uma espécie de sorteio por meio de rifas ou tômbolas mecânicas.”.

De realçar, ainda, que o artigo 4º, nº1, al. g), define como jogos de fortuna ou azar os “Jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos Jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte.” (o sublinhado é nosso).

Isto é, prescreve que preenchem tal condição os “jogos em máquinas” (e não as operações), que desenvolvem aqueles temas ou que “apresentem como resultado pontuações (e não prémios) dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte”.

Revertendo ao caso em apreço, não resta qualquer dúvida que a máquina não pagava directamente prémios em fichas ou moedas, nem que o resultado dos jogos desenvolvidos na máquina dependia exclusivamente da sorte, não dependendo de qualquer perícia do jogador.

Somos de opinião que o preenchimento destes requisitos é suficiente para a qualificação do ilícito como criminal.

Mas e para que não restem dúvidas, vamos mais além.

É que os jogos desenvolvidos na máquina (“Halloween” e “Pantanal”, do tipo slot) - de acordo com a descrição dos mesmos, constante dos pontos 8 a 15 dos factos provados -, constituem jogos de fortuna ou azar, cujo modo de funcionamento é, em tudo, idêntico ao das “slot machines” existentes nos Casinos.

Ao permitirem a acumulação de pontos e a sua utilização em jogadas sucessivas, possibilitando uma série praticamente ilimitada de jogadas, tais jogos induzem um encadeamento mecânico e compulsivo no jogador, capaz de o levar a envolver-se emocionalmente, o que justifica a criminalização, à luz dos princípios da proporcionalidade e da necessidade das penas.

Assim e concluindo como os acórdãos do TRP de 05/12/2018 (processo 132/17.6GDGDM.P1), de 21/02/2018 (processo 280/15.7EAPRT.P1) e do TRL de 11/01/2018 (processo 96/16.3ECLSB.L1-9), o recurso também improcede, nesta parte.
*
Da medida da pena

Neste item, a recorrente pretende que “atendendo às circunstâncias agravantes e atenuantes descritas na decisão recorrida e as concretas exigências de prevenção, geral e especiais, as penas, parcelares e única, devem situar-se nos mínimos legais das diversas molduras …”, por as aplicadas serem manifestamente excessivas.

O Tribunal a quo procedeu à determinação concreta da pena, nos seguintes termos (transcrição):

“Importa agora determinar a natureza e a medida da pena a aplicar à conduta da arguida.
O crime em causa é punido com pena de prisão até 2 anos e multa até 200 dias.
A aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, sendo que a medida da pena não poderá exceder a medida da culpa - artigo 40º nº1 e 2 do Código Penal.

A determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção (cfr. Artigo 71º nº 1), ou dito de outro modo, a prevenção geral positiva ou de integração é a finalidade primordial, entendida esta como reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança, face à violação da norma.

Conforme Figueiredo Dias (Direito Penal Português - As consequências jurídicas do crime, Coimbra Editora 2005, pág. 227 e ss.), a pena deve ser determinada no interior de uma moldura de prevenção geral positiva, cujo limite é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico; dentro desta moldura de prevenção geral positiva, a medida da pena será encontrada em função das exigências de prevenção especial positiva, ou seja, de ressocialização do agente. No entanto, a culpa do agente será sempre o limite inultrapassável da medida concreta da pena (cfr. artigo 40º nº 2 do Código Penal).

A medida da necessidade da tutela de bens jurídicos terá que ser encontrada em concreto, segundo as circunstâncias do caso em análise e não em abstracto, já que o carácter abstracto dessa necessidade foi previamente definido pelo legislador penal ao determinar a moldura penal abstracta aplicável.

Em conformidade com o disposto no artigo 71º nº 2 do Código Penal, atender-se-á a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, exemplificando aquele normativo alguns factores concretos que relevam tanto pela via da culpa como pela via da prevenção.

No presente caso, é de realçar o seguinte:

- o dolo reveste a sua modalidade mais grave - dolo directo;
- a ilicitude é mediana.
- a arguida não tem antecedentes criminais.
- que se encontra, familiar, social e profissionalmente inserida.

As exigências de prevenção geral são elevadas, tendo em conta que a prática deste tipo de crime tem aumentado substancialmente e porque, como se pode ler no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 2/12/2004, publicado www.dgsi.pt, “o jogo constitui um perigo social de apreciável relevo, especialmente em estabelecimento frequentado por jovens», sendo certo que esse perigo justifica a criação e manutenção de zonas próprias para a exploração do jogo, com regras apertadas relativamente, por exemplo, ao ingresso nas mesmas de menores.

As necessidades de prevenção especial não são prementes atento o facto da arguida mostrar-se profissionalmente inserida e não ter antecedentes.

Tudo ponderado, entende o tribunal, por ser adequada e justa face às circunstâncias supra descritas, aplicar uma pena de 3 (meses de prisão) e 70 (setenta) dias de multa).

Não entendendo o tribunal que a execução da pena de prisão aplicada se revela absolutamente necessária para prevenir o cometimento de futuros crimes, substitui-se a pena de prisão por igual número de dias de multa, isto é, 90 dias multa, nos termos do artigo 44º nº 1 do Código Penal.

Dispõe o artigo 6º nº 1 do DL 48/95, de 15 de Março que “enquanto vigorarem normas que prevejam penas cumulativas de prisão e multa, sempre que a pena de prisão for substituída por multa será aplicada uma só pena equivalente à soma da multa directamente imposta e da que resultar da substituição da prisão.”

Assim sendo, a pena a aplicar à arguida deverá ser de 160 (cento e sessenta) dias de multa.

Considerando a factualidade apurada sobre a situação pessoal e profissional da arguida, entende-se adequado fixar o montante diário da multa em € 6,00 – artigo 47º nº 2 do Código Penal.”.

Ora, analisado o modo de determinação da pena concreta usado pelo tribunal recorrido, a conclusão é que procedeu a uma determinação criteriosa e irrepreensível da mesma.

De facto, tendo em conta as circunstâncias agravantes e atenuantes apuradas, assim como as exigências de prevenção descritas na decisão – que a recorrente não questiona – a medida das penas parcelares encontrada mostra-se perfeitamente adequada. Já quanto à medida da pena única foi encontrada de acordo com o critério legal imposto.
Aliás, as penas parcelares – em moldura de prisão de 1 mês a 2 anos e de multa de 10 a 200 dias – mostram-se fixadas em patamares bem próximos dos limites mínimos. Abaixo dos limites concretamente fixados não se daria satisfação às “elevadas exigências de prevenção geral”.

Em suma, as penas fixadas afiguram-se justas e equilibradas, nada havendo a censurar.
*
IV - DISPOSITIVO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar totalmente improcedente o recurso interposto pela arguida M. C. e, em consequência, manter na íntegra a sentença recorrida.
*
Custas a cargo da arguida/recorrente, fixando-se a taxa de justiça na quantia correspondente a 3 UC (três unidades de conta) – artigo 513º, nº 1, do CPP, artigo 8º, nº 9, do RCP e tabela anexa a este diploma legal.
*
Oportunamente, na primeira instância, comunicar-se-á a decisão à IGJ.
*
(Texto elaborado pelo relator e revisto por ambos os signatários – artigo 94º, nº 2, do Código de Processo Penal).
*
Guimarães, 11 de Março de 2019

(Mário Silva)
(Maria Teresa Coimbra)