Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
182/11.6GAFAF.G1
Relator: JORGE BISPO
Descritores: SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
REVOGAÇÃO
NÃO AUDIÇÃO PRESENCIAL
MOTIVOS IMPUTÁVEIS AO CONDENADO
CONTRADITÓRIO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/06/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I) Não tendo sido possível a audição pessoal do condenado, por motivos imputáveis ao próprio, não se pode dizer que o tribunal a quo, ao revogar a suspensão da execução da pena de prisão, cometeu a nulidade prevista no artº 119º, al. c) do CPP, por falta de cumprimento do disposto no artº 495º, nº 2, do mesmo diploma legal.
II) A entender-se o contrário, estar-se-ia a premiar um condenado que se mantém incontactável, como sucede, in casu, assim entorpecendo e retardando intoleravelmente a ação da justiça.
III) Ainda assim, exigindo a lei que o contraditório se exerça, no caso, na sua expressão máxima de audição presencial, frustrada esta por motivo não imputável ao tribunal, será ainda possível garantir o contraditório na sua expressão mínima, ou seja, a audição através de defensor, o qual, nos termos do artº 63º, nº 1, do CPP "...exerce no processo os direitos que a lei reconhece ao arguido, salvo os que ela reservar pessoalmente".
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

1. No presente processo especial sob a forma sumária com o NUIPC 182/11.6GAFAF, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, no Juízo Local Criminal de Fafe - J1 (extinta Secção Criminal da Instância Local), por despacho de 10-03-2015, a Exma. Juíza decidiu, ao abrigo do disposto nos art.s 56º, n.º 1, al. a), do Código Penal, e 495º, n.º 2, do Código de Processo Penal, decretar o incumprimento da condição de suspensão de execução da pena de 6 meses de prisão aplicada ao arguido A. L. e revogar essa suspensão, com o consequente cumprimento da pena de prisão em que o mesmo fora condenado.
2. Inconformado com esse despacho, dele interpôs recurso o arguido, concluindo a sua motivação do modo seguinte (transcrição):
«CONCLUSÕES:
Vem o presente recurso interposto da sentença prolatada nos presentes autos, em 10 de Março de 2015, em que foi decretado o incumprimento da condição de suspensão de execução da pena, nos termos do artigo 495º, nº 2 do Código de Processo Penal e consequentemente determinada a revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao recorrente de 06 (seis) meses de prisão.
Quanto à falta de cumprimento das condições da suspensão, estatui o artigo 495º, nº 2 do C.P.P. “ o Tribunal decide por despacho, depois de recolhida a prova, obtido o parecer do Ministério Público e ouvido o condenado na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão.” (negrito nosso).
O Tribunal recorrido, decidiu condenar o recorrente, por presunção de que o incumprimento das injunções foi provocado de forma grosseira, sem no entanto recolher prova no sentido de fundamentar a sentença de revogação de suspensão da pena de prisão.
Nem tão pouco o Tribunal recorrido procedeu à audição do recorrente, e tinha o dever de o ouvir, por se entender que se trata duma decisão que especialmente o afeta, e claramente a privação da liberdade é uma delas.
A ausência do arguido, nos casos em que a lei exigir a sua comparência, como é in casu, constitui desta forma uma nulidade insanável, e que deveria ser declarada oficiosamente pelo Tribunal à quo, o que não sucedeu. Cfr, artigo 61º, nº 1, alíneas a) e b), e artigo 119º, alínea c) do C.P. P.
Assim, deverá o Tribunal proceder à audição do recorrente, de forma a indagar os motivos que levaram ao incumprimento dos deveres impostos ao condenado, sendo a mesma sentença modificada por uma outra que imponha deveres de conduta que o recorrente possa razoavelmente cumprir.
Conforme o disposto no artigo 374º (Requisitos da sentença), nº 2 do Código de Processo Penal, “ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentem a decisão, com indicação e exame critico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”
Pelo que, o Tribunal a quo, sem indagar ou recolher provas suficientes das razões de incumprimento por parte do arguido, e sem tão pouco, emitir um juízo de culpabilidade do recorrente, decretou sem mais o incumprimento dos deveres ou regras de conduta por parte do recorrente.
A sentença recorrida violou as normas jurídicas previstas nos artigos 61º, nº 1, alínea a) , b) ; artigo 113º, nº 10, artigo 119º, alínea c) artigo 374º, nº 2, artigo 495º, nº 2, ambos do Código de Processo Penal; artigo 51º, nº 1 e 2 do Código Penal, e nº 1 e 2 do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa, não podendo esta sentença manter-se.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, e em consequência ser:
a) A douta sentença ser revogada;
b) Ser declarada oficiosamente a nulidade prevista no disposto no artigo 119º, alínea c) do Código de Processo Penal
Assim decidindo, farão V. Exas. Venerandos Desembargadores, a acostumada,

JUSTIÇA»

3. O Exmo. Procurador-Adjunto na primeira instância respondeu ao recurso, defendendo que lhe deverá ser negado provimento, por entender, em suma, que o recorrente incumpriu grosseiramente a obrigação que lhe foi imposta como condição da suspensão da execução da pena, que a decisão que revogou esta suspensão se encontra devidamente fundamentada e que não foi preterida a audição prévia do condenado, uma vez que foi tentada, em vão, durante cerca de dois anos.
4. Neste Tribunal da Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, acompanhando na íntegra a resposta do Ministério Público junto da primeira instância, convocando o que nela é referido e chamando ainda a atenção para o facto de o condenado ter sido devidamente notificado, por via postal registada, com prova de depósito, enviada para a morada que consta do TIR, para ser ouvido, não tendo comparecido nem justificado a sua falta, igualmente se frustrando a sua comparência coerciva, em virtude de ter emigrado para França, tendo ainda sido notificado das novas datas designadas para a sua audição, por via postal registada, com prova de receção, na morada conhecida nesse país, sem que tenha comparecido, pelo que foi a sua defensora notificada para se pronunciar sobre a promoção do Ministério Público no sentido da revogação da suspensão da pena. Aduz ainda que a decisão recorrida não é uma sentença, mas um despacho, pelo que não tinha de ser fundamentado nos termos do art. 374º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
5. Dado cumprimento ao disposto no art. 417º, n.º 2, deste diploma, o arguido não respondeu a esse parecer.
6. Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos, foram os autos submetidos à conferência, de acordo com o art. 419º, n.º 3, al. c) do citado código.


II. FUNDAMENTAÇÃO

1. Sendo o âmbito do recurso definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso, no caso vertente, as questões colocadas são as seguintes:
a) - Se foi preterido o direito à audição presencial previsto no art. 495º, n.º 2, do Código de Processo Penal, com a consequente nulidade do despacho recorrido nos termos do art. 119º, al. c), do mesmo código.
b) - Assim não se entendendo, se o despacho recorrido padece de falta de fundamentação.
c) - Se também assim não se entender, se houve incumprimento culposo da regra de conduta imposta como condição da suspensão da execução da pena.

2. É do seguinte teor o despacho recorrido (transcrição):
«Referências 1250394 e 138363324:
Compulsados os presentes autos, verificamos que A. L. foi condenado por sentença proferida nestes autos em 17 de Fevereiro de 2011, transitada em julgado, pela prática de um crime de condução de veículo a motor sem habilitação legal, previsto e punível pelo artigo 3º, n.º 1 e n.º 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 03 de Janeiro, na pena de 6 (seis) meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano, mediante a sujeição às seguintes regras de conduta:
- se abster de conduzir qualquer veículo motorizado, na via pública, enquanto não se encontrar devidamente habilitado para tal;
- de comprovar nos autos, em 20 dias, encontrar-se efectivamente inscrito numa Escola de Condução, como afirma estar;
- de se empenhar em obter a carta de condução, frequentando as respectivas aulas, devendo comprovar nos autos, de 2 em 2 meses, a frequência das ditas aulas durante o período da suspensão - frequência esta que apenas terminará quando cessado o período de suspensão (ou antes com a eventual obtenção de carta de condução antes da conclusão do período de suspensão).
Mais verificamos que decorrido o período de um ano de suspensão da execução da pena de prisão, resulta dos autos que o condenado se inscreveu em escola de condução, todavia nunca frequentou qualquer aula teórico-prática, nem se sujeitou a exame de código ou qualquer outro, pelo que o condenado continua a não se estar habilitado com carta de condução.
Diligenciada a sua audição nos termos do disposto no artigo 495º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não foi possível proceder à sua notificação, pelo mesmo se encontrar ausente em parte incerta, não obstante terem sido realizadas diligências para apurar do seu paradeiro.
Em vista o Digno Magistrado do Ministério Público promoveu no sentido da revogação suspensão da execução de pena ao condenado A. L., porquanto este “incumpriu grosseiramente as obrigações que lhe foram impostas como condição da suspensão da execução da pena de prisão a que nestes autos foi condenado e ignorou reiteradamente as oportunidades de ressocialização que lhe foram sendo concedidas, nomeadamente as que decorrem dos presentes autos”.
Notificado o condenado A. L.na pessoa da Ilustre Defensora a mesma pugnou pela não revogação da suspensão da execução da pena de prisão por falta de audição do arguido nos termos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
Dispõe o n.º 1, do artigo 56º, do Código Penal que “a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado: a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
É de referir que o instituto legal da suspensão da execução de pena de prisão surge inserido numa lógica jurídica em que as penas de prisão se apresentam como ultima ratio da política social, que se pretende evitar. Esta é uma matéria intimamente ligada à ideia de reintegração do delinquente na sociedade, que nos surge como uma das finalidades das penas imposta pelo artigo 40º, nº 1 do Código Penal.
A suspensão da execução da pena de prisão é-nos apresentada no artigo 50º do Código Penal que enuncia, também, as condições para a sua aplicação. Tal como escreve Figueiredo Dias (in Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, Editorial Notícias, Lisboa, 1993, pág. 342) «pressuposto material da aplicação do instituto é que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente (…)».
No caso dos autos, a suspensão da execução da pena de prisão foi condicionada ao cumprimento de deveres. A este propósito cumpre realçar o preceituado no artigo 51º, nº 1 do Código Penal que prescreve que «1- A suspensão da execução da pena pode ser subordinada ao cumprimento de deveres impostos ao condenados e destinados a reparar o mal do crime, nomeadamente: a) Pagar dentro de certo prazo, no todo ou em parte que o tribunal considerar possível, a indemnização devida ao lesado, ou garantir o seu pagamento por meio de caução idónea; b) Dar ao lesado uma satisfação moral adequada; c) Entregar a instituições, públicas ou privadas, uma contribuição monetária ou prestação em espécie de valor equivalente».
A fixação dos deveres previstos neste preceito legal liga-se a uma ideia de reparação, sendo a sua aplicação guiada por critérios de razoabilidade.
É neste contexto jurídico que nos aparece a figura da revogação da suspensão da execução da pena de prisão, expressa no já referido artigo 56º do Código Penal. Na verdade, podemos afirmar que opera essa revogação sempre que o raciocínio de prognose feito em sede de decisão de suspensão da pena não encontrou reflexos na realidade dos actos do delinquente.
Sucede, porém, que atendendo ao fim das penas ligado à ressocialização do agente do crime e a sua educação para o direito, a revogação da suspensão não pode operar automaticamente.
Uma vez verificados os pressupostos inscritos na lei, a revogação da execução da suspensão da pena apenas poderá ocorrer quando se verifique que, clara e frontalmente, o raciocínio de prognose feito em sede de julgamento não encontrou reflexos na realidade dos actos do delinquente e na sua capacidade de adesão aos valores societários dominantes.
A este propósito escrevem Manuel de Oliveira Leal-Henriques e Manuel José Carrilho de Simas Santos (in Código Penal Anotado, 3ª edição, 1º Vol., Rei dos Livros, pág. 711) que «(…) a revogação da suspensão tem de ser olhada como um expediente in extremis e sempre subordinado a apertadas limitações, como as que o preceito em análise contém».
No caso dos autos, a condenação nestes autos foi já a quarta pela prática do crime de condução sem habilitação legal, sendo que o condenado A. L. incumpriu com uma das obrigações que lhe foram impostas como condição da suspensão da execução da pena de prisão - se empenhar em obter a carta de condução, frequentando as respectivas aulas, devendo comprovar nos autos, de 2 em 2 meses, a frequência das ditas aulas durante o período da suspensão.
Na verdade, apesar do período de tempo entretanto decorrido (cerca de 4 anos), o condenado nada fez no sentido do seu cumprimento, assim demonstrando um absoluto alheamento perante o juízo de censura que lhe foi dirigido.
Acresce que o condenado desapareceu sem dar qualquer justificação no presente processo, bem sabendo da condenação e das obrigações que sobre si impendiam, pelo que na esteira da douta promoção que antecede, resulta inequívoco que A. L. incumpriu grosseiramente as obrigações que lhe foram impostas como condição da suspensão da execução da pena de prisão a que nestes autos foi condenado.
Além do que A. L. ignorou reiteradamente as oportunidades de ressocialização que lhe foram sendo concedidas, nomeadamente as que decorrem dos presentes autos.
As necessidades de prevenção especial que no caso se fazem sentir são elevadas, sendo que a postura ulterior à condenação de A. L. revela inequivocamente que, as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas, sendo que a gravidade dos factos em causa não se compadece com a aplicação dos mecanismos previstos no artigo 55º do Código Penal.
Com efeito, tendo em conta o lapso de tempo decorrido e a conduta processual do arguido, que se quis eximir à condição da suspensão de execução da pena de prisão, revelando manifesto desrespeito pelas suas obrigações, estamos perante uma violação grosseira do dever imposto na sentença.
Além, disso, neste momento, o arguido encontra-se a residir no estrangeiro, em paradeiro incerto, o que reforça o total alheamento e desinteresse pelo cumprimento das condições impostas de regime de prova relativamente à sua inserção social e profissional, não informando o tribunal do seu paradeiro que foi desconhecido até ao momento em que o tribunal procedeu às devidas diligências.
Da conjugação de todos estes factores, não restam dúvidas que o arguido infringiu grosseiramente os deveres que lhe foram impostos, pois sabia perfeitamente que da comparência às entrevistas e pagamento da aludida quantia indemnizatória dependia a manutenção da suspensão da pena de prisão que lhe fora aplicada.
No que respeita ao cumprimento da exigência do contraditório, plasmada no n.º 2 do art. 495.º do Código de Processo Penal o juiz, antes de proferir despacho a revogar a suspensão da execução da pena de prisão, deve ouvir presencialmente o arguido, pois “exigindo a lei que o contraditório se exerça na sua expressão máxima de audição presencial, frustrada esta por motivo não imputável ao tribunal, que tudo fez para o referido efeito, deverá ser assegurado aquele princípio estruturante do direito processual penal na sua dimensão mínima, ou seja, através da audição do defensor do condenado” (veja-se o sumário do Acórdão da Relação de Coimbra de 19/06/2013, in www. dgsi.pt).
Na situação exposta, a falta de notificação do defensor para se pronunciar, querendo, sobre a questão da eventual revogação da suspensão da pena consubstancia a nulidade insanável prevista no artigo 119.º, alínea c), do CPP, o que nos presentes autos foi devidamente observado.
Na verdade, não obstante todos os esforços por parte deste tribunal para que se apurasse o paradeiro do arguido, não foi possível de obter, pelo não se pode protelar o cumprimento da pena e eventual revogação da suspensão da execução da pena de prisão.
Infirmou, como tal, definitivamente, o juízo de prognose favorável de que beneficiou aquando da condenação, o qual esteve na base da suspensão da pena decretada nestes autos, ou seja, pôs fim à esperança de por meio daquela suspensão o manter, no futuro, afastado da criminalidade e reintegra-lo socialmente.
Como tal, revelam-se frustradas as finalidades que estiveram na base da suspensão, uma vez que a advertência ínsita na decisão de suspensão não surtiu o efeito dissuasor, que se consubstancia no principal objectivo da suspensão da pena.
Atendendo a estes factos, entendo que se encontram preenchidos todos os requisitos impostos legalmente para que se proceda à revogação da suspensão da pena de prisão imposta ao arguido.
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção as considerações expendidas e o disposto no artigo 56º, nº1, alínea a) do Código Penal, decido:
a) decretar o incumprimento da condição de suspensão de execução da pena, nos termos do artigo 495.º, n.º 2 do Código de Processo Penal e
b) revogar a suspensão de execução da pena de prisão aplicada ao arguido A. L. de 06 (seis) meses de prisão.
Notifique o arguido A. L. e bem assim, ser notificado na pessoa do ilustre defensor.
Após o trânsito em julgado:
a) emita-se o competente de Mandado de Detenção Europeu, nos termos do disposto nos artigos 1º, 2º e 36º, todos da Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto;
b) E remetam-se os boletins ao registo.»

3. Para a apreciação do recurso importa ter presentes os seguintes elementos e ocorrências processuais, resultantes dos autos:
- Por sentença de 17-02-2011, transitada em julgado a 10-03-2011, o recorrente foi condenado, pela prática de um crime de condução de veículo automóvel sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3º, n.ºs 1 e 2, do DL n.º 02/98, de 03-01, na pena de seis meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano, mediante a sujeição do condenado às seguintes regras de conduta: - abster-se de conduzir qualquer veículo motorizado na via pública enquanto não se encontrar devidamente habilitado para tal; - comprovar nos autos, em 20 dias, encontrar-se efetivamente inscrito numa escola de condução, como afirma estar; - empenhar-se em obter a carta de condução, frequentando as respetivas aulas, devendo comprovar nos autos, de 2 em 2 meses, a frequência das ditas aulas durante o período da suspensão - frequência essa que apenas terminará quando cessado o período de suspensão (ou antes com a eventual obtenção de carta de condução antes da conclusão do período de suspensão) (fls. 22 a 31).
- Em virtude de não o ter feito, o condenado foi pessoalmente notificado, em 30-09-2011, para comprovar estar inscrito numa escola de condução e a frequentar as respetivas aulas, nada tendo feito chegar aos autos (fls. 45).
- Nessa sequência, foi designada data para a sua audição presencial, que teve lugar no dia 29-11-2011, altura em que o mesmo juntou aos autos uma declaração comprovativa da sua inscrição na Escola de Condução Vimaranense para obtenção de carta de condução, tendo-lhe sido concedido o prazo de trinta dias para juntar comprovativo da frequência das aulas (fls. 56 a 61).
- Decorrido esse prazo sem que o condenado tivesse comprovado tal frequência, foi solicitada à mencionada escola informação sobre se o mesmo se encontrava a frequentar as aulas, a qual respondeu, em 16-03-2012, informando que até essa data aquele não frequentara nenhuma aula teórica (fls. 71 e 75).
- Notificado por contacto pessoal, em 17-10-2012, para se pronunciar sobre o teor dessa informação e/ou requerer o que tivesse por conveniente, o condenado nada disse (fls. 91).
- Em 09-01-2013 foi solicitada a elaboração de relatório social atualizado, com vista a aferir da eventual revogação da suspensão da execução da pena, o qual foi remetido aos autos em 09-07-2013, do qual resulta, nomeadamente, que o condenado se encontrava desempregado desde setembro de 2012, altura em que encerrou a atividade por conta própria que desenvolvia, não tendo direito a subsídio de desemprego, mas realizando alguns biscates pontuais que lhe permitiam obter rendimentos variáveis, encontrando-se igualmente a mulher desempregada, sem auferir quaisquer rendimentos, ponderando o casal emigrar para França, onde ela já se tinha deslocado recentemente para realização de entrevista de trabalho, mais resultando que o condenado apresentava alguma desmotivação para obter a carta de condução, uma vez que não comparecia na escola de condução há vários meses (fls. 98 a 100).
- Foi, então, designada data (25-09-2013) para audição do condenado nos termos do art. 495º do Código de Processo Penal, tendo o mesmo sido notificado por via postal simples, para a morada constante do TIR, não tendo comparecido nem justificado a sua ausência (fls. 104, 106 e 107 a 108).
- Designada nova data (28-10-2013) e determinada a emissão de mandados de detenção do condenado, a fim de assegurar a sua comparência, não foram os mesmos cumpridos, por aquele ter emigrado para parte incerta de França em setembro de 2013 (fls. 115, 116 e 118).
- Após se ter obtido, através de informação solicitada à autoridade policial, a morada do condenado em França, foi designada nova data (20-02-2014) para audição do mesmo, não tendo ele comparecido, apesar de ter sido enviada carta registada com aviso de receção para a referida morada em França, a qual foi entregue no destino em 08-02-2014 (fls. 138 a 139 e 158).
- Foi, então, designada outra data (24-02-2015) para a diligência, com a presença da técnica da Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, à qual o condenado também não compareceu, sendo que a carta registada com aviso de receção enviada para a mesma morada para notificação do condenado foi devolvida, em virtude de não ter sido levantada nem reclamada (fls. 160, 161 e 168 a 169).
- Perante isso, foi notificada a Exma. defensora do condenado para se pronunciar sobre a questão da revogação da suspensão da execução da pena promovida pelo Ministério Público, o que fez, após o que foi proferido o despacho recorrido.

4. Posto isto, cumpre apreciar as questões suscitadas no recurso.
4.1 – Invoca o recorrente a nulidade insanável prevista na al. c) do art. 119º do Código de Processo Penal, diploma a que pertencem os artigos citados sem qualquer menção, alegando para tanto que o tribunal a quo, previamente à decisão de revogar a suspensão da execução da pena, não procedeu à sua audição, conforme impõe o art. 495º, n.º 2, tendo sido igualmente violados, para além daqueles, ainda o art. 61º, n.º 1, al.s a) e b), e o art. 32º, este último da Constituição da República Portuguesa.
Vejamos se lhe assiste razão.
4.1.1 - Da análise do regime jurídico da suspensão da execução da pena de prisão e da sua revogação e extinção, constante dos art.s 50º a 57º do Código Penal e 492º a 495º do Código de Processo Penal, resulta que esta pena de substituição, como verdadeira pena autónoma que é(1), pode assumir três modalidades: suspensão simples, suspensão sujeita a condições (cumprimento de deveres ou de certas regras de conduta) e suspensão acompanhada de regime de prova.
No que respeita à segunda modalidade, os deveres, visando a reparação do mal do crime, encontram-se previstos, de forma exemplificativa, no art. 51º, n.º 1, do Código Penal, enquanto as regras de conduta, tendo em vista a reintegração ou socialização do condenado, se encontram previstas, também a título exemplificativo, no art. 52º do mesmo diploma. Uns e outras podem ser modificados até ao termo do período de suspensão, sempre que ocorrerem circunstâncias relevantes supervenientes ou de que o tribunal só posteriormente tenha tido conhecimento, o que significa que o conteúdo da pena de suspensão da execução da prisão está sujeito, dentro dos limites legais, mesmo independentemente de incumprimento do condenado, a uma cláusula rebus sic stantibus.(2)
Em termos de incumprimento das condições da suspensão, podem verificar-se duas situações distintas:
Na primeira, o condenado, culposamente, deixa de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta ou não corresponde ao plano de reinserção social, caso em que o tribunal pode optar pela aplicação de uma das medidas previstas no art. 55º do Código Penal, ou seja: fazer uma solene advertência, exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão, impor novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no plano de readaptação ou ainda prorrogar o período de suspensão.
Na segunda situação, o condenado, de forma grosseira ou repetida, viola os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social, ou comete crime pelo qual venha a ser condenado, e assim revela que as finalidades que estiveram na base da suspensão não puderam, por intermédio desta, ser alcançadas, casos em que a suspensão será revogada (art. 56º, n.º 1), o que determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença (n.º 2).
Em qualquer destas situações, a revogação da suspensão da pena nunca é uma consequência automática da conduta do condenado, dependendo sempre da constatação de que as finalidades punitivas visadas com a imposição de pena suspensa se encontram irremediavelmente comprometidas.
Naturalmente que a formulação deste juízo apenas é possível após a recolha dos elementos indispensáveis para o efeito, sem deixar de ter em consideração, por um lado, que a prisão constitui sempre a ultima ratio e, por outro, que nessa avaliação não podem ser postergados os direitos constitucionais do contraditório e da audiência do arguido consagrados no art. 32º, n.ºs 1 e 5, da Constituição da República Portuguesa.
Daí que para o caso de falta de cumprimento das condições de suspensão, o art. 495º disponha o seguinte:
1 — Quaisquer autoridades e serviços aos quais seja pedido apoio ao condenado no cumprimento dos deveres, regras de conduta ou outras obrigações impostos comunicam ao tribunal a falta de cumprimento, por aquele, desses deveres, regras de conduta ou obrigações, para efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 51.º, no n.º 3 do artigo 52.º e nos artigos 55.º e 56.º do Código Penal.
2 — O tribunal decide por despacho, depois de recolhida a prova, obtido parecer do Ministério Público e ouvido o condenado na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão.
[…]
Este n.º 2 do art. 495º visa claramente efetivar o princípio constitucional do contraditório, com consagração no art. 32º, n.º 5, segunda parte, da Lei Fundamental, significando o “dever e direito de o juiz ouvir as razões das partes (da acusação e da defesa) em relação a assuntos sobre os quais tenha de proferir uma decisão” e o “direito de audiência de todos os sujeitos processuais que possam vir a ser afetados pela decisão, de forma a garantir-lhes uma influência efetiva no desenvolvimento do processo”, abrangendo “todos os atos suscetíveis de afetar a sua posição”.(3)
Por seu lado, o art. 61º, n.º 1, al. b), assegura ao arguido o direito de ser ouvido sempre que o tribunal deva tomar qualquer decisão que pessoalmente o afete, sendo certo não haver decisão judicial suscetível de o afetar mais gravemente do que aquela que o priva da sua liberdade.
Traduzindo-se a revogação da suspensão da execução da pena no cumprimento de uma outra pena - a pena de prisão substituída - está, pois, em causa um ato decisório que contende com a liberdade do condenado, atingindo-o na sua esfera jurídica, pelo que é de exigir o cumprimento e respeito do direito constitucional de contraditório e de audiência.
Com efeito, apesar de a prisão já estar determinada no seu quantum na sentença condenatória, seria gravemente atentatório das garantias de defesa que a decisão que determina o seu cumprimento efetivo, através da revogação da suspensão, fosse tomada sem que o condenado se pudesse pronunciar.
Noutro prisma, a audição prevista no n.º 2 do art. 495º visa também conferir ao tribunal mais e melhores elementos para avaliar se as finalidades que estiveram na base da suspensão da execução da pena não foram alcançadas no caso concreto, uma vez que a sua revogação não é automática.
Temos, pois, por assente que o condenado tem que ser ouvido antes da decisão de revogação da suspensão, por imperativo legal e constitucional que se prende diretamente com os direitos de defesa que lhe assistem.
Não é, pois, concebível que uma decisão tão gravosa para o condenado em pena suspensa, como é a da revogação da suspensão da execução da pena ou mesmo a mera agravação da sua situação pessoal, decorrente da alteração das condições de suspensão, possa ser decidida sem que lhe seja facultada a possibilidade de expor as razões que conduziram ao incumprimento das condições que lhe foram impostas, ou mesmo de produzir prova que sustente as suas afirmações.
A questão que se coloca é, porém, a de saber se essa audição tem de ser necessariamente presencial.
Há quem entenda que a audição do condenado se basta com a notificação para este se pronunciar e, se assim o entender, apresentar prova, não se exigindo a respetiva audição em declarações presenciais, salvo se a suspensão tiver sido subordinada a condições sujeitas a apoio e/ou fiscalização dos serviços de reinserção social, caso em que será obrigatória a audição presencial do condenado, uma vez que, de acordo com o art. 495º, n.º 2, o mesmo terá de ser ouvido na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão.(4)
Porém, aderimos ao entendimento que sustenta a necessidade de se proceder à audição pessoal e presencial do condenado em todos os casos em que possa estar em causa a revogação da suspensão da execução da pena, com a especialidade de, havendo acompanhamento das condições pelos serviços de reinserção social, essa audição ter de ser feita também na presença do respetivo técnico(5).
Cremos ser essa a melhor interpretação em ordem a salvaguardar o efetivo direito de defesa consagrado nos referidos art.s 32º, n.º 5, da Constituição, e 61º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Penal.
Na verdade, a fundamentação do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 6/2010(6), que, reportando-se já ao momento processual ulterior da notificação da decisão que revoga a suspensão, fixou jurisprudência no sentido de que “nos termos do n.º 9 do artigo 113.º do Código de Processo Penal, a decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão deve ser notificada tanto ao defensor como ao condenado”, fornece um importante contributo para o entendimento de que é necessária a audição presencial do condenado antes de se decretar a revogação da suspensão da execução da pena nos termos do artigo 495º, ou, ao menos, que é necessário possibilitar-lhe essa audição presencial.
Aí se pode ler, nomeadamente, que “… o despacho de revogação da suspensão da pena é complementar da sentença, traduzindo, nas expressivas palavras do Acórdão n.º 422/2005, do Tribunal Constitucional, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 22 de setembro de 2005 (…) «uma modificação do conteúdo decisório da sentença de condenação», «tendo como efeito direto a privação da liberdade do condenado». As suas consequências aproximam-se muito das da sentença que condena em pena de prisão. Tendo esse alcance, a decisão de revogação da suspensão, que implica sempre um juízo de ponderação, pois a revogação não é consequência automática da verificação de um qualquer facto objetivo, deve estar colocada no mesmo plano da sentença condenatória no que se refere ao modo de ser levada ao conhecimento do condenado”. (…) “E a lei não deixa de dar sinais nesse sentido. É o que acontece com a exigência de audição presencial do condenado antes da decisão em que se coloca a possibilidade de revogação da suspensão, por falta de cumprimento das obrigações impostas, prevista no artigo 495.º, n.º 2. Na verdade, essa solução de impor que o condenado se pronuncie pessoalmente na presença do juiz, e não por meio de alegação escrita do defensor, traduz um especial acautelamento do contraditório, que, relevando do interesse em jogo — a liberdade —, tem, em coerência, de estender-se à notificação da decisão, na medida em que só o conhecimento do seu conteúdo lhe possibilita a defesa. O elemento pessoal exigido em ato preparatório da decisão, porque releva da necessidade de garantir um efetivo direito de defesa, não pode deixar de ser também querido no momento da comunicação da decisão, até por maioria de razão, uma vez que, tendo-se passado da mera possibilidade de ser determinado o cumprimento da pena de prisão à certeza, se coloca então com mais acuidade a necessidade de assegurar a defesa do condenado, designadamente o direito ao recurso, objetivo que só é cabalmente conseguido se àquele for possibilitado o conhecimento do conteúdo da decisão, o que se não pode ter como certo apenas com a notificação do defensor, pelas razões já apontadas.”
Ora, se existiu semelhante preocupação em relação à notificação do condenado, a mesma deverá estar presente no momento que antecede a decisão de revogação ou de não revogação da suspensão, tanto mais que o arguido continua a ter o direito a ser ouvido em qualquer fase do processo (art. 61º, n.º 1, al. b)).
Tratando-se efetivamente de casos em que a situação do condenado poderá vir a ser significativamente afetada, com a imposição do cumprimento da pena de prisão, parece-nos da maior relevância ouvi-lo presencialmente, de modo a que melhor possa explicar as razões e o contexto do incumprimento das condições a que ficou subordinada a suspensão da execução da pena ou que rodearam o cometimento do novo crime.
Sustentando também esta posição, Paulo Pinto de Albuquerque(7) defende que "O arguido deve ser ouvido pessoal e presencialmente, sendo irrelevante o motivo da revogação da suspensão, sob pena da nulidade do artigo 119.º, al. c), uma vez que a lei não relaciona a audição do arguido com nenhum motivo especial."
Ou seja, a audição presencial do condenado impõe-se não só no caso de incumprimento dos deveres ou das regras de conduta impostos ou do plano de reinserção social (art. 56º, n.º 1, al. a) do Código Penal), e quer haja ou não apoio e fiscalização desse cumprimento por parte dos serviços de reinserção social, mas também nos caso de cometimento de crime no decurso da suspensão pelo qual venha a ser condenado (art. 56º, n.º 1, al. b) do Código Penal), pois em todas essas situações se justifica dar ao condenado a oportunidade de ser ouvido, do ponto de vista dos seus direitos de defesa.
Independentemente da mencionada divergência, a jurisprudência já é pacífica em enquadrar a preterição da audição prévia do arguido como nulidade insanável e, por conseguinte, de conhecimento oficioso pelo tribunal, nos termos do art. 119º, al. c), por ausência do arguido em caso em que a lei exige a respetiva comparência.
Porém, se o condenado, notificado para comparecer nos termos e para os efeitos do disposto no art. 495º, n.º 2, faltar à diligência, sem qualquer justificação, e não se mostrar possível assim a sua audição por razões a si imputáveis, será de seguir o princípio estabelecido no n.º 4 do art. 185º da Lei n.º 115/2009, de 12 de outubro, relativamente ao incidente de incumprimento da liberdade condicional, situação em que também se exige a audição presencial, e segundo o qual "A falta injustificada do condenado vale como efetiva audição para todos os efeitos legais."
Na doutrina, André Lamas Leite (8) defende que "…, a exigência constitucional do exercício do contraditório (art. 32º, nº 2, in fine) e as previsões normativas dos artigos 61º, nº 1, al. b), e 495, nº 2, ambos do CPP, só admitem a conclusão de que é obrigatório que o tribunal, antes de determinar a revogação da suspensão de execução da pena privativa de liberdade, envide todos os esforços necessários à audição do condenado."
Com efeito, tendo sido desenvolvidos todos os esforços necessários à audição presencial do arguido e não sendo possível obter a sua comparência à diligência, a jurisprudência tem decidido que o contraditório imposto no art. 495º, n.º 2, se tem como cumprido com a notificação do defensor do arguido.(9)
A referida audição mostrar-se-á inviabilizada por motivo imputável ao condenado quando, por exemplo, este se retira, sem justificação, da morada indicada no TIR, revelando-se impossível proceder à sua localização ou obter a sua comparência perante o juiz, uma vez esgotadas as diligências adequadas e possíveis.
4.1.2 - É claramente essa a situação vertente.
Com efeito, a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao condenado foi subordinada às regras de conduta de, nomeadamente, o mesmo comprovar, em 20 dias após o trânsito em julgado da sentença (que ocorreu em 10-03-2011), encontrar-se inscrito numa escola de condução, como afirmou estar, e empenhar-se em obter a carta de condução, frequentando as respetivas aulas, devendo comprovar nos autos, de 2 em 2 meses, essa frequência, durante o período da suspensão.
Como não o fez, nem quando foi notificado pessoalmente para o efeito, foi o mesmo ouvido presencialmente, em 29-11-2011, altura em que apenas comprovou a inscrição na escola de condução, tendo-lhe sido concedido um prazo de 30 dias para comprovar a frequência das ditas aulas.
Na sequência de o condenado não ter comprovado essa frequência, de se ter obtido confirmação por parte da escola de condução de que ele não frequentara nenhuma aula teórica e de o relatório social então solicitado aludir a desmotivação do mesmo para obter a carta de condução, foi designada data para a sua audição presencial nos termos do art. 495º, diligência para a qual foi notificado, através de via postal simples, na morada constante do TIR.
Porém, o mesmo não compareceu nem justificou a sua falta, o que levou à designação de nova data e à emissão de mandados de detenção para obter a sua comparência, o que se inviabilizou, em virtude de o mesmo ter emigrado para parte incerta de França.
Uma vez que o condenado não comunicou a nova morada, o tribunal diligenciou nesse sentido e logrou obter a informação de uma morada naquele país.
Nessa sequência, foi designada nova data para audição presencial do condenado, não tendo o mesmo comparecido, apesar de a carta registada com aviso de receção enviada para notificação ter sido entregue no destino.
Ainda assim, foi designada uma segunda data para a diligência, com a presença da técnica da Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais que tinha elaborado o relatório social, não tendo igualmente o condenado comparecido, sendo certo que desta vez a carta registada com aviso de receção foi devolvida, por não ter sido levantada nem reclamada.
Note-se que a presença daquela técnica não era obrigatória, na medida em que a suspensão da execução da pena não estava a ser objeto de apoio ou fiscalização pela referida entidade.
Perante isso, foi notificada a Exma. defensora do condenado para se pronunciar sobre a questão da revogação da suspensão da execução da pena promovida pelo Ministério Público, o que fez, após o que foi proferido o despacho recorrido.
Do exposto resulta que, não só o condenado chegou a ser ouvido presencialmente, ante a falta de cumprimento das condições de estar inscrito numa escola de condução, com vista a habilitar-se legalmente a conduzir, e de frequentar as respetivas aulas, como, não tendo comprovado o cumprimento desta última regra de conduta, foi designada data para nova audição, à qual não compareceu nem justificou a sua ausência, apesar de notificado para o efeito através de carta depositada na morada constante do TIR.
Não obstante, o tribunal envidou ainda todos os esforços possíveis e adequados com vista a ouvi-lo presencialmente, designadamente emitindo mandados de detenção, que não foram cumpridos por o condenado ter emigrado para parte incerta de França, e, uma vez obtida informação sobre a sua morada nesse país, designando, por duas vezes, novas datas para a diligência, tentando notificá-lo através de cartas registadas com aviso de receção enviadas para tal morada, sendo que a primeira foi entregue no destino e a segunda já foi devolvida por não ter sido reclamada.
Em face do exposto, temos como demonstrado que a não audição presencial do condenado se ficou a dever a razões a si imputáveis, uma vez que não compareceu à diligência, apesar de notificado, nem justificou a sua ausência, e se ausentou para França, inclusivamente sem comunicar nova morada.
Ora, não tendo sido possível a audição pessoal do condenado, por motivos imputáveis ao próprio, não se pode dizer que o tribunal a quo, ao revogar a suspensão da execução da pena de prisão, cometeu a nulidade prevista no art. 119º, al. c), por falta do cumprimento do disposto no artigo 495º, n.º 2.
Não tendo sido possível, por circunstâncias apenas imputáveis ao próprio condenado, assegurar o contraditório máximo (consistente na audição presencial), não vislumbramos que tenha sido cometida aquela nulidade. A entender-se o contrário, estar-se ia a premiar um condenado que se mantém incontactável, assim entorpecendo e retardando intoleravelmente a ação da justiça. Note-se que as próprias diligências feitas pelo tribunal com vista a notificar o condenado na morada conhecida em França, através de carta registada com aviso de receção, se mostraram infrutíferas.
Ainda assim, exigindo a lei que o contraditório se exerça, no caso, na sua expressão máxima de audição presencial, frustrada esta por motivo não imputável ao tribunal, será ainda possível garantir o contraditório na sua expressão mínima, ou seja, a audição através de defensor, o qual, nos termos do art. 63º, n.º 1, " … exerce no processo os direitos que a lei reconhece ao arguido, salvo os que ela reservar pessoalmente".
Ora, no caso concreto, perante a impossibilidade de ouvir presencialmente o condenado, o tribunal a quo, previamente à prolação da decisão recorrida, notificou a sua Exma. defensora para se pronunciar sobre a revogação da suspensão da pena promovida pelo Ministério Público, o que a mesma fez.
Por conseguinte, mostra-se efetivamente assegurado o direito ao contraditório e audição do condenado previsto no art. 495º, n.º 2, pelo que não se verifica a nulidade estabelecida no art. 119º, al. c), invocada pelo recorrente.
Nestes termos, improcede este segmento do recurso.

4.2 - Por outro lado, invoca o recorrente a falta de fundamentação da decisão recorrida (que indevidamente designa de sentença), invocando o teor do art. 374º, n.º 2, que efetivamente se reporta aos requisitos da fundamentação da sentença, e alegando que o tribunal a quo decidiu revogar a suspensão da execução da pena sem recolher prova no sentido de fundamentar essa decisão, sem indagar suficientemente das razões de incumprimento das regras de conduta e sem emitir um juízo de culpabilidade do condenado.
4.2.1 - O dever de fundamentação das decisões judiciais é uma garantia integrante do próprio Estado de direito democrático, tendo consagração constitucional no art. 205º, n.º 1, da Lei Fundamental.
Com a revisão constitucional de 1989 deu-se uma alteração nos contornos desse dever, porquanto deixou de se remeter para a lei os casos em que a fundamentação é exigível, passando então a concretizar-se que a mesma se impõe em todas as decisões que não sejam de mero expediente, remetendo-se apenas a remissão para a lei quanto à “forma” que ela deve revestir. De todo o modo, qualquer que seja essa forma, definida pela lei, terá sempre de permitir o conhecimento das razões que motivam a decisão proferida.
Tratou-se de um aprofundamento do dever de fundamentar as decisões judiciais, reforçando os direitos dos cidadãos a um processo justo e equitativo, assegurando a melhor ponderação dos juízos que afetam as partes, do mesmo passo que a elas permite um controlo mais perfeito da legalidade desses juízos com vista, designadamente, à adoção, com melhor ciência, das estratégias de impugnação que julguem adequadas.
Para além desse relevo da fundamentação, enquanto garantia integrante do Estado de direito democrático, no domínio do processo penal, a mesma assume uma função estruturante das garantias de defesa dos arguidos.
Uma fundamentação cuidada é, pois, essencial, desde logo, para garantir a possibilidade do exercício eficaz do direito ao recurso.
O art. 97º, n.º 5, consagra o princípio geral sobre a fundamentação dos atos decisórios, estatuindo que estes são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão.
Esse princípio geral é reiterado relativamente a alguns particulares e específicos atos que afetam ou podem afetar os direitos dos arguidos, como é o caso da sentença, cuja falta de fundamentação, nos termos exigidos pelo n.º 2 do art. 374º, é geradora de nulidade (art. 379º, n.º 1, al. a).
Especificamente para o caso da decisão revogatória da suspensão da execução da pena, não se prevê expressamente que a respetiva falta de fundamentação constitua nulidade, nem tal vício faz parte do elenco dos art.s 119º e 120º, pelo que configura uma mera irregularidade processual, posto que, de acordo com o princípio da tipicidade ou da legalidade consagrado em matéria de nulidades no art. 118º, n.º 1, “a violação ou infração das leis de processo penal só determina a nulidade do ato quando esta for expressamente cominada na lei”, dispondo o n.º 2 que “nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o ato ilegal é irregular”.
Com efeito, o disposto no artigo 379º é aplicável aos vícios da sentença e não aos despachos em geral. Trata-se de uma norma privativa da sentença.
Assim, a ausência de fundamentação de um despacho – ato decisório do juiz que não conhece a final do objeto do processo – configura uma mera irregularidade.
De acordo com o disposto no art. 123º, n.ºs 1 e 2, nem todas as irregularidades merecem tutela legal, sendo unicamente relevantes para o efeito aquelas que possam afetar o ato praticado.
Por seu turno, o regime regra da declaração da irregularidade é o de que esta seja feita a requerimento do interessado, nos estritos termos e prazos previstos na lei, ficando sanada se não for tempestivamente arguida.
Essa arguição está sujeita ao apertado regime de tempestividade previsto no n.º 1 do citado art. 123º. Assistindo o interessado à prática do ato a que se refere a irregularidade, terá de a invocar no próprio ato. Se a irregularidade se reportar a ato a que o interessado não assista, como é o caso em apreço, aquele dispõe do prazo de três dias após o conhecimento efetivo ou presumido da prática da irregularidade, que, na segunda hipótese, poderá ser extraído da notificação para qualquer termo do processo ou da intervenção no primeiro ato que tenha lugar após a ação ou omissão e em que ele se aperceba da mesma.
As irregularidades, tal como as demais nulidades para além da relativa à sentença, que são suscetíveis de, por si só, serem fundamento de recurso (art. 379º, n.º 2), devem ser previamente suscitadas perante o tribunal que as cometeu, que as apreciará em primeira instância, só havendo recurso da decisão que delas conhecer (10).
4.2.2 - No caso vertente, o condenado foi notificado em 24-06-2016 do despacho que revogou a suspensão da execução da pena (fls. 294 a 295), sem que tenha arguido a pretensa irregularidade perante o tribunal a quo, apenas o tendo feito no presente recurso, em 02-09-2016, ou seja, muito para além do prazo que dispunha para o efeito, pelo que tal irregularidade, a existir, estaria sanada.
De todo o modo, não deixaremos de referir que a decisão recorrida se encontra exaustivamente fundamentada, explanando as razões de facto e de direito com base nas quais foi revogada a suspensão da execução da pena, resultantes da valoração dos elementos de prova que foi possível recolher, em face da impossibilidade de ouvir presencialmente o condenado por razões a ele imputáveis, designadamente as informações solicitadas à escola de condução e o teor do relatório social, no qual, inclusivamente, é feita alusão à sua situação económica.
Distinta é a discordância do recorrente relativamente ao mérito dessa decisão, mormente no que concerne ao acerto do juízo sobre a culpabilidade do mesmo no incumprimento das regras de conduta em apreço, questão a abordar no ponto seguinte.
Conclui-se, assim, pela improcedência do recurso, nesta parte.

4.3 - Resta averiguar se estão ou não verificados os pressupostos que determinaram a revogação da suspensão da execução da pena e, nessa medida, se será de manter ou revogar a decisão recorrida.
4.3.1 - É ponto assente que a suspensão da execução da pena de prisão “não representa um simples incidente, ou mesmo só uma modificação, da execução da pena, mas uma pena autónoma e portanto, na sua aceção mais estrita e exigente, uma pena de substituição”(11), com conteúdo político-criminal e campo de aplicação próprios.
Esta pena constitui uma das opções, vinculativa para o julgador quando se verifiquem os necessários pressupostos, que permite evitar a aplicação de uma pena de prisão, efetiva, sendo certo que esta constitui, no nosso ordenamento jurídico-penal, a ultima ratio, reservada para os casos extremos em que a nenhuma das penas alternativas ou de substituição aplicáveis se reconheça aptidão para realizar as finalidades da punição, que são a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (art. 40º, n.º 1, do Código Penal).
A finalidade essencial visada pelo instituto da suspensão é a ressocialização do agente, na vertente da prevenção da reincidência, sendo que os pressupostos e expectativas de êxito são aferidas, no momento da decisão, em função dos indicadores enumerados no nº 1 do art. 50º do Código Penal. É, pois, sobre estes que há de assentar o prognóstico relativo ao comportamento futuro do agente e que, sendo favorável, imporá o decretamento da suspensão, a menos que a ela se oponham irrenunciáveis exigências de defesa do ordenamento jurídico.
Como já referimos supra (ponto 4.1), o incumprimento culposo dos deveres ou das regras de condutas impostos como condição da suspensão da execução da pena determina a aplicação do regime previsto no art. 55º do Código Penal e só o incumprimento grosseiro ou repetido dessas condições ou a prática de crime pelo qual o condenado venha a ser condenado, revelando que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas, conduzem à aplicação do art. 56º do Código Penal.
As causas determinativas da revogação desta pena de substituição, que admite quatro modalidades (simples, subordinada ao cumprimento de deveres, com imposição de regras de conduta ou acompanhada de regime de prova), estabelecidas no n.º 1 do art. 56º do Código Penal, reportam-se, pois, a anomalias graves, imputáveis ao condenado, que se venham a registar no decurso do período da suspensão, sendo uma delas, a única que no presente caso nos interessa, a infração grosseira ou repetida dos deveres ou das regras de conduta impostos ou do plano de reinserção social.
Como refere Paulo Pinto de Albuquerque(12), a infração grosseira “não tem de ser dolosa, sendo bastante a infração que resulta de uma atitude particularmente censurável de descuido ou leviandade (…) A colocação intencional do condenado em situação de incapacidade de cumprir as condições da suspensão constitui violação grosseira dessas condiçõesenquanto a infração repetida “é aquela que resulta de uma atitude de descuido e leviandade prolongada no tempo, isto é, que não se esgota num acto isolado da vida do condenado, mas revela uma postura de menosprezo pelas limitações resultantes da sentença condenatória”.
Ainda segundo a mesmo autor “O critério material para decidir sobre a revogação da suspensão é exclusivamente preventivo, isto é, o tribunal deve ponderar se as finalidades preventivas que sustentaram a decisão de suspensão ainda podem ser alcançadas com a manutenção da mesma ou estão irremediavelmente prejudicadas em virtude da conduta posterior do condenado. Com efeito, a condição prevista na parte final da al. b) do n.º 1 (”e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas”) refere-se a ambas as causas de revogação da suspensão previstas nas duas alíneas”(13).
Já Victor de Sá Pereira e Alexandre Lafayette(14) sublinham que “grosseira quer dizer grave, rude, ordinária, vil, baixa, reles”, esclarecendo que “a repetição do infringente, persistindo em não cumprir ou em não corresponder vale, só por si, uma forma de grosseria e daí a equivalência analógica que a lei estabelece”.
Refira-se ainda que “as causas de revogação não devem ser entendidas com um critério formalista, mas antes como demonstrativas das falhas do condenado no decurso do período da suspensão. O réu deve ter demonstrado com o seu comportamento que não se cumpriram as expectativas que motivaram a concessão da suspensão da penae que a revogação “só deverá ter lugar como ultima ratio, isto é, quando estiverem esgotadas ou se revelarem de todo ineficazes as providências que este preceito (o atual art. 55º do Código Penal) contém”.(15)
4.3.2 - No despacho recorrido, a Exma. Juíza a quo considerou não restarem dúvidas de que o condenado incumpriu grosseiramente uma das obrigações que lhe foram impostas como condição da suspensão da pena, qual seja a de se empenhar em obter a carta de condução, frequentando as respetivas aulas, devendo comprovar nos autos, de 2 em 2 meses, a frequência das mesmas, infirmando, dessa forma, o juízo de prognose favorável de que beneficiou aquando da condenação, frustrando as finalidades de ressocialização que estiveram na base da suspensão da execução.
Afigura-se-nos inteiramente correta essa avaliação.
Com efeito, por decisão transitada em julgado em 10-03-2011, como condição da suspensão da execução da pena de 6 meses de prisão que lhe foi aplicada, pela prática de um crime de condução sem habilitação, foram impostas ao condenado as regras de conduta de comprovar nos autos, no prazo de vinte dias, encontrar-se efetivamente inscrito numa escola de condução, como afirmava estar, e de se empenhar em obter a carta de condução, frequentando as respetivas aulas, comprovando nos autos, de dois em dois meses, tal frequência.
Não obstante, desde a primeira hora que o condenado se mostrou absolutamente indiferente à censura do facto e à ameaça derivada da execução da pena de prisão cuja suspensão fora condicionada ao cumprimento daquelas regras de conduta, aliás, básicas para quem já sofrera três condenações anteriores pela prática do mesmo tipo de crime.
Com efeito, em relação àquela primeira regra de conduta - comprovar estar inscrito na escola de condução, conforme afirmava estar - não só não a cumpriu no prazo de vinte dias que lhe foi concedido para o efeito, como não apresentou qualquer justificação para tal omissão, apesar de notificado para o efeito, sendo que, somente decorridos mais de oito meses (em 29-11-2011), ao ser ouvido presencialmente em tribunal, é que apresentou a declaração comprovativa dessa inscrição.
Por seu lado, quanto à regra de conduta de se empenhar em obter a carta de condução, frequentando as respetivas aulas, apesar de nessa data lhe ter sido concedido novo prazo de 30 dias para a comprovar, o certo é que o condenado nunca frequentou qualquer aula, conforme em 16-03-2012 foi informado pela escola de condução, e nem se dignou apresentar alguma razão justificativa para esse comportamento, apesar de ter sido notificado por contacto pessoal, em 17-10-2012, para se pronunciar sobre essa informação e requerer o que tivesse por conveniente.
Acresce que, em setembro de 2013, ausentou-se para parte incerta de França, sem comunicar nova morada onde pudesse ser notificado dos ulteriores termos do processo, o que inviabilizou a sua audição presencial, por várias vezes tentada, desinteressando-se em absoluto pelo desfecho do mesmo, já que nada fez chegar aos autos, não obstante saber que o incumprimento das regras de conduta impostas podiam conduzir à revogação da suspensão da pena e ao cumprimento efetivo desta.
Estamos, assim, perante uma atitude particularmente censurável de persistente descuido, leviandade e desprezo pelo menos de uma das condições de suspensão de execução da pena, a de se empenhar na obtenção da carta de condução, frequentando as respetivas aulas.
Essa atitude não pode deixar de ser qualificada de grosseira e de repetida. Houve claramente da parte do condenado, ao longo de vários anos, uma vontade consciente e intencional de não cumprir com a obrigação de frequentar as aulas na escola de condução, demonstrando não estar minimamente empenhado em habilitar-se a conduzir e, dessa forma, promover a sua ressocialização.
Para além de não cumprir essa regra de conduta, o condenado não apresentou qualquer justificação, antes de ausentando da morada até então conhecida dos autos e indicada no TIR, sem disso dar conta ao processo, emigrando para França, inviabilizando as várias tentativas feitas pelo tribunal para o ouvir sobre as razões do incumprimento.
Com bem concluiu a decisão recorrida, está demonstrado que as finalidades de ressocialização que estiveram na base da decisão de suspender a execução da pena não puderam, por esta via, ser alcançadas, mostrando-se inequivocamente frustradas, pelo que não restava outra solução que não a de revogar a suspensão da execução da pena ao abrigo do disposto no art. 56º, n.º 1, al. a), do Código Penal.
Na motivação do seu recurso alega o recorrente que não tinha possibilidades económicas para obter a carta de condução, pelo que o incumprimento não é culposo, e que o tribunal não apurou a sua situação económica.
Não tem razão nesta crítica, porquanto, perante a impossibilidade em localizar o paradeiro do condenado a fim de o ouvir presencialmente, diligência esta por várias vezes tentada, o tribunal a quo, diligentemente, solicitou a elaboração de um relatório social, junto aos autos em 09-07-2013, abrangendo informação sobre a sua situação económica.
Embora conste desse relatório que o condenado se encontrava desempregado desde setembro de 2012, o certo é que, nesta data, já tinha decorrido cerca de um ano e meio desde o início do período de suspensão da execução da pena, durante o qual o mesmo, apesar de estar inscrito na escola de condução, nunca frequentou qualquer aula, revelando desmotivação na obtenção da carta, como também refere o relatório social. E não obstante a situação de desemprego, sem recebimento do respetivo subsídio, consta do relatório que o condenado continuou a realizar alguns biscates pontuais que lhe permitiam obter rendimentos variáveis.
Não dispunha, pois, o tribunal a quo de quaisquer elementos que apontassem no sentido de o incumprimento da regra de conduta se dever a dificuldades económicas do condenado.
Pelo exposto, também nesta parte o recurso improcede.

Por fim, na conclusão 9ª alega o recorrente que a decisão recorrida violou igualmente o art. 113º, n.º 10.
Porém, conforme resulta da motivação do recurso, esse preceito é invocado para justificar a tempestividade da interposição do mesmo, uma vez que, numa primeira fase, o despacho que revogou a suspensão da execução da pena não foi notificado pessoalmente ao condenado, mas apenas à sua Exma. defensora, o que apenas veio a ser feito em 24-06-2016.
Tendo a interposição do recurso sido considerada tempestiva e o mesmo admitido, mostra-se naturalmente prejudicada a apreciação da invocada violação do art. 113º, n.º 10.


III. DISPOSITIVO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso interposto pelo condenado A. L., confirmando a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em quantia correspondente a três unidades de conta (art. 513º, n.º 1, do Código de Processo Penal, art. 8º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III anexa a este último diploma).

*
(Elaborado em computador pelo relator e revisto por ambos os signatários - art. 94º, n.º 2, do CPP)
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Guimarães, 06 de março de 2017

_______________________________________
(Jorge Bispo)

________________________________________
(Pedro Cunha Lopes)


(1) - Vd. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, Aequitas, Editorial Notícias Coimbra, 1993, pág. 90 e 339.
(2) - Cf. o acórdão da do TRC de 16-01-2008 (processo n.º 21/03.1 GTGRD-A.C1), disponível em http://www.dgsi.pt.
(3) - Vd. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, Coimbra, 2007, pág. 522-523.
(4) - Neste sentido se pronunciaram, nomeadamente, os acórdãos do TRL de 18-11-2009 (processo n.º 51/01.8PAOER.L1), disponível em www.pgdlisboa.pt; do TRC de 20-06-2012 (processo n.º 56/05.0GCPBL.C1) e de 09-09-2015 (processo n.º 83/10.5PAVNO.E1.C1), disponíveis em http://www.dgsi.pt.
(5) - Também assim decidiram, entre outros, os acórdãos do TRL de 30-06-2009 (processo n.º 2782/03.9TDLSB-5) e de 30-06-2010 (processo n.º 3506/02.3TDLSB.L1-3) e do TRP de 06-03-2013 (processo n.º 691/05.6PIPRT.P1), todos disponíveis em http://www.dgsi.pt.
(6) - Publicado no Diário da República n.º 99, Série I de 21-05-2010.
(7) - In Comentário do Código de Processo Penal à Luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 3.ª edição atualizada, Lisboa 2009, pág. 1240.
(8) - A suspensão da Execução da Pena Privativa de Liberdade sob Pretexto da Revisão de 2007 do Código Penal, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias, vol. II, Boletim da Faculdade de Direito, Coimbra Editora, pág. 620 e 621.
(9) - Cf., entre outros, os acórdãos do TRL de 08-11-2016 (processo n.º 561/05.8PBSXL-A.L1; do TRP de 09-03-2016 (processo n.º 25/06.2SFPRT-A.P1); do TRC de 25-09-2013 (processo n.º 690/05.8GAACB-A.C1) e de 19-06-2013 (processo n.º 464/10.4GBLSA.C1), todos disponíveis em http://www.dgsi.pt.
(10) - Cf. o acórdão do TRL de 03-5-2016, disponível em http://www.dgsi.pt.
(11) - Vd. Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 339.
(12) - In Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 2008, págs. 201 e 202.
(13) - Ob. cit., pág. 202.
(14) - In Código Penal – Anotado e Comentado, Quid Juris, 2008, pág. 189.
(15) - Vd. Leal Henriques e Simas Santos, in Código Penal Anotado, 1º vol., 1995, pág. 481.