Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
63/22.8T8VVD.G1
Relator: JOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS
Descritores: ACÇÃO DE DIVISÃO DE COISA COMUM
EXCEPÇÃO DILATÓRIA
INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL
ININTELIGIBILIDADE DO PEDIDO E DA CAUSA DE PEDIR
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/06/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (elaborado pelo relator – art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil).

1- Na ação de divisão de coisa comum o pedido e a causa de pedir variam consoante o autor da ação considere que a coisa é divisível ou indivisível em substância.
2- Caso o autor da ação considere que a coisa comum é divisível em substância, o pedido consiste na pretensão do autor para que a coisa seja dividida materialmente entre aquele e os restantes comproprietários de harmonia com os quinhões que forem fixados. Em sede de causa de pedir, o autor terá de, na petição inicial: a) identificar a coisa comum; b) alegar que essa coisa é propriedade comum das pessoas que individualiza; e c) alegar o volume da quota parte de cada comproprietário na coisa, sob pena de atuar a presunção prevista na parte final do n.º 2 do art. 1403º do CC.
3- Caso o autor da ação considere que a coisa comum é indivisível em substância, o pedido é a pretensão do autor para que a coisa seja adjudicada ou vendida. Em sede de causa de pedir, o autor terá de, na petição inicial: a) identificar a coisa comum; b) alegar que essa coisa é propriedade comum das pessoas que individualiza; c) alegar o volume da quota parte de cada comproprietário na coisa, sob pena de atuar a presunção referida em 2); e d) alegar que a coisa não pode ser dividida em substância, alegando os factos concretos que determinam essa indivisibilidade.
4- Instaurando o recorrente uma ação de divisão de coisa comum, pedindo que “se nomeie perito, fixando-se as quotas de cada titular, seguindo-se os demais termos do processo até final”, não ocorre o vício da ineptidão da petição inicial, por falta ou ininteligibilidade do pedido, uma vez que qualquer declaratário médio, perante o disposto no art. 927º do CPC, interpretaria esse pedido como consubstanciando a pretensão do recorrente no sentido de que a coisa seja dividida materialmente entre ele e o apelado por, na sua perspetiva, essa coisa comum ser divisível em substância.
5- Alegando o recorrente, na petição inicial, como causa de pedir para suportar o pedido referido em 4), ser “dono e legítimo possuidor de uma casa inscrita na matriz predial urbana sob o art. ...º e descrita na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ....” e que o recorrido é “dono e legítimo possuidor de uma casa inscrita na matriz sob o art. ...º e descrita sob o n.º .../.......”, e que “apesar de se tratar de descrições autónomas, ambas as casas fazem parte de um conjunto habitacional integrado e murado”, em que essas casas são servidas de água de nascente comum e que a casa do recorrido possui dois fornos de lenha para serventia de todo o complexo, ocorre o vício da ineptidão da petição inicial, por ininteligibilidade da causa de pedir, posto que se as pretensas “casas” têm descrições prediais próprias e distintas, trata-se juridicamente de prédios distintos e autónomos, com proprietários também eles autónomos, conforme é alegado pelo próprio recorrente na petição inicial e é demonstrado pelo teor das certidões prediais que junta em anexo à petição inicial, pelo que a causa de pedir por ele alegada revela-se contraditória nos seus próprios termos, e, inclusivamente, ocorre o vício da ineptidão da petição inicial, por contradição entre essa causa de pedir (intrinsecamente contraditória e, portanto, ininteligível) e o pedido, porquanto é contraditório pedir que o tribunal divida em substância o dito “conjunto habitacional” como se este fosse um prédio propriedade comum de recorrente e recorrido, quando o primeiro alega, em termos de causa de pedir, que esse conjunto é composto por casas, a que correspondem descrições prediais distintas e que, portanto, são prédios juridicamente distintos e autónomos e quando alega que esses prédios têm inclusivamente proprietários também eles distintos.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães no seguinte:

I- RELATÓRIO

R. C., residente na Rua …, n.º …, Porto, instaurou a presente ação especial de divisão de coisa comum contra A. M., residente na Rua …, n.º …, pedindo que se nomeie perito, fixando-se as quotas de cada titular e seguindo-se os demais termos do processo até final.
Para tanto alegou, em síntese, ser dono e legítimo possuidor de uma casa de dois pavimentos, com a área de 125,5 m2, sita em …, União de Freguesias de … e …, inscrita na matriz predial urbana sob o art. ...º e descrita sob o n.º .....
O requerido é dono e legítimo possuidor de uma casa de dois pavimentos, com dependências e capela, sita no mesmo lugar e freguesia, inscrita na matriz sob o art. ...º e descrita sob o n.º .../........
Apesar de se tratar de descrições e inscrições autónomas, ambas as casas fazem parte de um conjunto habitacional integrado e murado, denominado “...”.
Ambos os prédios são servidos de água de nascente comum em granito que, no interior, se localiza junto à parede do prédio do requerente, com abertura para o interior, indo a água restante desembocar num tanque em pedra, existente no conjunto habitacional.
A casa do requerente possui dois fornos de lenha para serventia de todo o complexo.
Não convém ao requerente permanecer na indivisão, pelo que pretender pôr-lhe termo.
O Réu contestou impugnando toda a facticidade alegada pelo Autor, com exceção da do ponto 1º da petição inicial.
Alegou que a pretensa casa que o Autor identifica no ponto 2º da petição inicial constitui um prédio, o qual é exclusiva propriedade do Réu e que é autónomo e independente do prédio propriedade do Autor, este identificado no ponto 1º daquele requerimento inicial.
Mais aduziu que o prédio identificado no art. 2º, exclusiva propriedade do Réu, é murado em toda a sua volta e dispõe de quatro entradas, dele fazendo parte duas casas anexas, que se encontram dentro da dita muralha existente à volta do prédio de que é proprietário.
A água a que se reporta o Autor apenas serve o prédio propriedade do Réu, nascendo numa mina existente dentro de uma outra propriedade deste e indo desaguar num tanque, sito dentro da muralha existente à volta do prédio propriedade exclusiva do Réu, sem passar pelo prédio propriedade do Autor.
Os fornos referidos pelo Autor encontram-se no interior da cozinha da casa que se encontra edificada no prédio propriedade do Réu.
Concluiu pedindo que se julgasse a ação improcedente.

Em 15/05/2022, a 1ª Instância proferiu o despacho que se segue:
“Compulsados os autos ao proceder ao respetivo saneamento e analisados os factos alegados na petição inicial, suscita-se-nos que poderá, eventualmente, verificar-se a ineptidão da petição inicial, por ininteligibilidade da causa de pedir e por ininteligibilidade do pedido.
Nessa conformidade, antes de mais e em integral cumprimento do princípio do contraditório, notifique as partes para, querendo, no prazo de 10 dias, se pronunciarem sobre o exposto, o que se determina ao abrigo do disposto nos artigos 3º, n.º 3 e 6º, n.º 1 do CPC”.

O Autor pronunciou-se, sustentando que: “A casa que hoje pertence ao Requerente, encontra-se integrada no conjunto habitacional denominado “A ...”, a qual foi alienada, há várias décadas, por um familiar do Requerido e esteve na posse de T. C. e seus herdeiros até 07 de maio de 2020, data em que foi adquirida pelo Requerente, por escritura pública; a referida casa é servida de água corrente comum, que abastece as demais casas e desemboca em tanque existente no interior do conjunto habitacional e que também abastece a casa do Requerente para usos domésticos, o que vem acontecendo há mais de cem anos e se comprova por sinais visíveis e permanentes; a casa identificada no art. 3º da petição inicial pertencente ao requerido e integra um conjunto habitacional único; uma modificação ou demolição da casa do Requerente iria colidir com os direitos do Requerido, com alteração substancial de toda a unidade predial e com afetação do seu valor histórico e arquitetural, com manifesto prejuízo e afetação de todo o conjunto, que tem mais de 400 anos”.
Concluiu sustentando que o pedido que deduz é “adequado à previsão legal deste tipo de ação especial (divisão de coisa comum)”.
Por sua vez, o Réu pronunciou-se no sentido da petição inicial ser inepta, por ininteligibilidade do pedido e da causa de pedir, porquanto nela o Autor não alegou a existência de qualquer propriedade em comum ou em compropriedade e, por isso, não se entender o pedido de fixação de quotas de cada titular, sem previamente se identificar o prédio ou prédios relativamente aos quais se pretende fixar as quotas de cada titular.

Por despacho proferido em 31/05/2022, a 1ª Instância fixou o valor da presente causa em 5.000,01 euros e julgou procedente a exceção dilatória da ineptidão da petição inicial, por ininteligibilidade do pedido e da causa de pedir, constando esse despacho do teor que se segue (que aqui se transcreve apenas parcialmente):

“Na situação sub judice, o autor intenta uma ação declarativa sob a forma de processo especial de divisão de coisa comum contra o réu. A este propósito, o artigo 925.º do CPC prescreve que todo aquele que pretende pôr termo à divisão de coisa comum requer, no confronto dos demais consortes, que, fixadas as respetivas quotas, se proceda à divisão em substância da coisa comum ou à adjudicação ou venda desta, com repartição do respetivo valor, quando a considere indivisível, indicando logo as provas.
Daí que, no âmbito da ação de divisão de coisa comum, na petição inicial, “o autor tem ainda o ónus de identificar o bem a dividir, alegar a relação de compropriedade (…) ou outra forma de comunhão de direitos sobre o concreto bem, especificar a posição relativa de cada consorte e as respetivas quotas e tomar posição sobre a divisibilidade (STJ 14-6.11, 1147/06 e STJ 14-10-04, 04B2961)” (neste sentido, v.g., Abrantes Geraldes, Pires de Lima e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, Almedina, pág. 363).
Ora, transpondo estas considerações para o caso dos autos, analisados os factos alegados pelo autor na petição inicial, verificamos que o autor não identifica nem especifica quais as coisas ou direitos cuja divisão pretende, porquanto da análise da petição inicial não resulta se o autor pretende a divisão do(s) prédio(s) e/ou da água e/ou dos fornos que alega existir no local. Mais constatamos que o autor também não alega qual a relação de compropriedade ou de comunhão existente com o réu e que justifica a sua demanda, não indica a posição de cada consorte nem indica as respetivas quotas.
Na verdade, analisada a petição inicial, não se percebe qual(is) a(s) coisa(s) que o autor pretende dividir nem se percebe que relação existente entre o autor e o réu relativamente a essa(s) coisa(s) nem qual o direito que existe em comum.
De facto, no âmbito da presente ação especial de divisão de coisa comum, ao autor cabia alegar a situação de compropriedade ou de contitularidade, identificando a coisa ou direito a dividir, e cabia-lhe indicar as quotas de cada comproprietário ou contitular, o que in casu não foi cumprido pelo autor (cf. artigo 5.º, n.º 1 do CPC).
Do exposto resulta que a petição inicial não contém a alegação de factos essenciais que integram a causa de pedir que fundamenta a ação de divisão de coisa comum e o convite de aperfeiçoamento não seria solução para suprir tal vício da petição inicial, na medida em que “o convite ao aperfeiçoamento procura completar o que é insuficiente ou corrigir o que é impreciso, na certeza de que a causa de pedir existe (na petição) e é percetível (inteligível)”, o que não sucede na situação vertente nos autos (neste sentido, v.g. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10.09.2020, Proc. n.º 17500/18.9T8LSB.L1-2, disponível in www.dgsi.pt).
De igual modo, da petição inicial também não resulta qual(is) a(s) coisa(s) objeto de divisão, por em momento algum o autor ter formulado um concreto pedido nesse sentido, peticionando apenas que se “designe designar Perito Único a nomear pelo Tribunal, fixando-se as quotas de cada titular seguindo-se os demais termos até final”, assim formulando um pedido ambíguo e ininteligível que não permite perceber o seu conteúdo e alcance.
Pelas razões expostas, julgamos que os vícios da petição inicial a que supra aludimos não seria supridos pela prolação de qualquer convite ao aperfeiçoamento, na medida em que julgamos que “não é de convidar à correção da petição inicial (nos termos do art. 590º, n.ºs 2, al. b), 3 e 4 do nCPC) quando a petição inicial seja inepta nos termos do art. 186º do mesmo diploma legal, uma vez que só um articulado que não padeça dos vícios mencionados neste último preceito pode ser objeto desse convite à correção e isto porque se a parte declinar tal convite tal comportamento de inércia não obsta a que a ação prossiga os seus termos, contrariamente à consequência para a ineptidão que é a de determinar a nulidade de todo o processo” (neste sentido, v.g., Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 18.10.2016, proc. n.º 203848/14.2YIPRT.C1, disponível in www.dgsi.pt).
Do exposto resulta que a causa de pedir e o pedido formulado pelo autor apresentam-se confusos, ambíguos e obscuros, não permitindo apreender qual é a causa de pedir nem qual é o pedido desta ação, o que é causa de ineptidão da petição inicial por ininteligibilidade do pedido e da causa de pedir, nos termos previstos no artigo 186.º, n.º 2, alínea a) do CPC.
A exceção de ineptidão da petição inicial configura uma exceção dilatória, de conhecimento oficioso, que importa a nulidade de todo o processado e dá lugar à absolvição do réu da instância (artigos 576.º, n.ºs 1 e 2 e 577.º, alínea b) do CPC).
Nessa medida, impõe-se declarar a nulidade de todo o processado e absolver o réu da instância.
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Pelo que, em face do exposto e nos termos das disposições legais supracitadas, julga-se procedente a exceção de ineptidão da petição inicial e, em consequência, declara-se a nulidade de todo o processo e absolve-se o réu da instância, em conformidade com o disposto nos artigos 186.º, nºs. 1 e 2, alínea a), 576.º, nºs 1 e 2, 577.º, alínea b) e 578.º todos do Código de Processo Civil.
Custas a cargo do autor (cf. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC)”.

Inconformado com o assim decidido o Autor interpôs o presente recurso de apelação, em que formula as seguintes conclusões:

1º- Na petição da ação de divisão de coisa comum, o Requerente que pretenda pôr temo à indivisão requer, no confronto dos demais consortes que fixadas as quotas se proceda à divisão em substância ou à adjudicação ou venda, isto é, deve indicar sumariamente a identificação do prédio, quais os titulares e se, na sua perspetiva o imóvel é divisível em substância.
2º- Neste tipo de ação (especial) não são exigíveis os requisitos e pressupostos da ação declarativa comum, particularmente exigentes nas ações com causa de pedir complexa.
3º- A invocação pelo Recorrente da qualidade de titulares (dele e do Requerido) de um imóvel insuscetível de divisão em substância; e, o pedido de nomeação de perito para a fixação de quotas cumpre o preceituado dos artigos 925º e 928º do CPC.
4º- “Só depois de produzidas as provas oferecidas é que o julgador deve emitir um juízo acerca da suficiência ou insuficiência dos elementos constantes do processo, remetendo, neste último caso, as partes para os meios comuns (Ac. da Relação do Porto - Col. Jur. T2 Ano XVIII de 23/02/1993)”.

Termos em que com o douto suprimento de Vossas Excelências deve o presente recurso ser julgado procedente e determinado o regular prosseguimento dos autos como é de Justiça.
Normas jurídicas violadas: artigo 9º nº 1 e 2 do CC; artigo 6º; 7º; 193º nº 1; 925º e 928 do CPC.

O apelado contra-alegou pugnando pela improcedência da apelação.
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- DO OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo esta Relação conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
No seguimento desta orientação, uma única questão encontra-se submetida pelo apelante à apreciação do tribunal ad quem e que se resume em saber se, ao julgar procedente a exceção dilatória da ineptidão da petição inicial, por ininteligibilidade do pedido e da causa de pedir, e, em consequência, ao absolver o apelado da instância, o tribunal a quo incorreu em erro de direito e se, consequentemente, se impõe revogar esse despacho e ordenar o prosseguimento dos autos.
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A- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

Os factos que relevam para apreciar a questão que se encontra submetida à apreciação do tribunal ad quem são os que constam do relatório acima elaborado.
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B- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

A 1ª Instância julgou procedente a exceção dilatória da ineptidão da petição inicial, por ininteligibilidade do pedido e da causa de pedir, argumentando que, “analisados os factos alegados pelo autor na petição inicial, verificamos que o autor não identifica nem especifica quais as coisas ou direitos cuja divisão pretende, porquanto da análise da petição inicial não resulta se o autor pretende a divisão do(s) prédio(s) e/ou da água e/ou dos fornos que alega existir no local. Mais constatamos que o autor também não alega qual a relação de compropriedade ou de comunhão existente com o réu e que justifica a sua demanda, não indica a posição de cada consorte nem indica as respetivas quotas” e, bem assim, que, “da petição inicial também não resulta qual(is) a(s) coisa(s) objeto de divisão, por em momento algum o autor ter formulado um concreto pedido nesse sentido, peticionando apenas que se “designe designar Perito Único a nomear pelo Tribunal, fixando-se as quotas de cada titular seguindo-se os demais termos até final”, assim formulando um pedido ambíguo e ininteligível que não permite perceber o seu conteúdo e alcance”, entendimento esse com o qual não se conforma o apelante (Autor), imputando erro de direito ao assim decidido.

Vejamos se lhe assiste razão.
Como é sabido, a petição inicial é o articulado mediante o qual o autor formula a pretensão de tutela jurisdicional que pretende que o tribunal lhe reconheça, isto é, o pedido, e em que alega os fundamentos de facto e de direito que suportam essa pretensão, ou seja, a causa de pedir.
Trata-se do articulado que é necessariamente o mais importante de todos, na medida (isto é, quanto aos sujeitos) e objetivamente (ou seja, quanto ao pedido e à causa de pedir) a relação jurídica material controvertida que submete à apreciação e à decisão do tribunal e em que procede, em grande medida, à delimitação do campo de cognição a que o tribunal fica circunscrito, o qual apenas será complementado pelas eventuais exceções que venham a ser invocadas pelo réu na contestação e pela eventual reconvenção que este nela venha a deduzir e, bem assim, pelas eventuais contra exceções que o autor venha a opor às exceções invocadas pelo réu na contestação e com as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal.
É, de resto, com a entrada da petição inicial em juízo que se inicia a instância (art. 259º, n.º 1 do CPC) e, uma vez citado o réu, por força do princípio da estabilidade da instância, esta tem que se manter inalterada quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei (art. 260º do CPC).
É, pois, na petição inicial que o autor não só se terá de identificar, como terá de identificar a parte que demanda, isto é, o réu (al. a) do n.º 1 do art. 552º do CPC), assim como terá de formular o pedido (al. e), do n.º 1 do mesmo preceito), isto é, indicando de forma clara e inteligível para qualquer declaratário médio qual a concreta pretensão de tutela judiciária que pretende que o tribunal lhe reconheça, e terá de indicar os fundamentos que elege e em que faz assentar essa sua pretensão, isto é, identificando a causa de pedir, narrando ou expondo os factos essenciais e as razões de direito que servem de fundamento à ação (al. d), do n.º 1 do art. 552º).
O pedido traduz a pretensão que o autor pretende que o tribunal lhe reconheça.
A dedução do pedido pelo autor é essencial para que o tribunal possa resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe (art. 3º, n.º 1 do CPC), na medida em que o pedido não só conforma ou modela o objeto do processo, como condiciona o conteúdo da decisão de mérito a emitir pelo tribunal, isto porque, na sentença, o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, não podendo ocupar-se de outras, exceto se forem de conhecimento oficioso (art. 608º, n.º 2 do CPC), e não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir (art. 609º, n.º 1 do CPC), sob pena de incorrer em nulidade da decisão que venha a proferir, por omissão ou excesso de pronúncia ou por condenação ultra petitum, respetivamente (art. 615º, n.º 1, als. d) e e) do CPC) (1).
O pedido terá, assim, de ser formulado, na petição inicial, de forma clara e inteligível, de modo a que possa ser compreendido pelo réu e pelo juiz, à semelhança do que aconteceria com qualquer declaratário médio que se encontrasse na situação daqueles, porquanto apenas um pedido com essa característica de inteligibilidade “é passível de sustentar um processo em que se pretende uma decisão judicial definidora de um conflito de interesses, não se admitindo a apresentação de petições que integrem pedidos ininteligíveis, ambíguos, vagos ou obscuros” (2).
Por sua vez, a causa de pedir é o facto jurídico em que assenta a pretensão de tutela judiciária formulada pelo autor (isto é, o pedido); nas ações reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real, enquanto nas ações constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido (n.º 4 do art. 584º do CPC), representando, portanto, a causa de pedir o fundamento fáctico que serve de suporte ao pedido deduzido pelo autor.
“É na causa de pedir, melhor dito, nos factos que a constituem que o autor estriba ou sustenta o pedido formulado. Tais factos são todos aquele que integram a previsão da norma ou das normas materiais que estatuem o efeito pretendido. A causa de pedir tem, pois, um substrato fáctico cuja alegação compete ao autor, de modo a fundamentar a sua pretensão. É muito por isso que usa falar-se em narração: o autor deverá expor (narrar) o quadro factual atinente ao tipo legal de que pretende prevalecer-se na ação instaurada. Tal narração fáctica envolverá a alegação e a descrição, por exemplo, dos concretos factos relativos à celebração do negócio de compra e venda de um bem por via do qual o autor ficou credor do preço sobre o réu, os factos relativos à ocorrência de um acidente de viação e respetivas consequências e à responsabilidade civil daí decorrente, os factos relativos à celebração de um contrato de arrendamento e à conduta do réu violadora dos seus deveres de inquilino”, etc. (3).
Acresce que, atento o disposto no já citado n.º 4 do art. 584º do CPC, importa esclarecer que, em sede de causa de pedir, o sistema processual civil nacional é marcado pela denominada teoria da substanciação, nos termos da qual, na exposição da causa de pedir, não basta ao autor a indicação genérica do direito que pretende tornar efetivo e de que faz derivar o pedido, mas é necessário que indique a causa específica ou concreta do direito de que faz derivar o pedido, ou seja, o título aquisitivo do direito: um determinado ato jurídico de compra e venda, de doação, de sucessão ou a usucapião, etc., pelo que terá de alegar os factos concretos e específicos constitutivos do direito que pretende fazer valer em juízo e em que fundamenta o pedido que pretende que o tribunal lhe reconheça.
É “da correspondência entre o quadro factual apurado nos autos e o quadro fáctico previsto numa ou mais normas substantivas que resultará o reconhecimento do direito invocado”. Consequentemente, “o cumprimento daquele ónus de alegação não se basta com a mera alegação do direito em causa ou com a reprodução da norma ou normas de que aquele emana” (4).
Por conseguinte, o autor tem de alegar, na petição inicial, de forma substanciada os factos que integram a causa de pedir, isto é, o quadro factual atinente ao tipo legal de que pretende prevalecer-se na ação instaurada e de que faz derivar o pedido que nela deduz.
Apraz precisar que segundo a posição tradicional entendia-se que o referido ónus de substanciação que impendia sobre o autor abrangia não só os factos essenciais, principais ou nucleares, como também os factos complementares ou concretizadores e, bem assim, os factos instrumentais (indiciários dos essenciais ou dos complementares) relativos à norma ou normas legais eleitas e de que faz derivar o pedido.
Acontece que, na sequência da revisão operada ao CPC pela Lei n.º 41/2013, de 26/06, os atuais arts. 5º, n.º 1 e 552º, n.º 1, al. d), apenas exigem ao autor a alegação, na petição inicial, dos factos essenciais ou nucleares que constituem a causa de pedir, isto é, os factos concretos necessários, porque nucleares ou essenciais da norma ou normas substantivas que elege e de onde faz derivar o direito em que assenta o pedido, mas já não os complementares, nem os instrumentais.
Acresce precisar que, conforme já advertia Alberto dos Reis, perante uma petição inicial “podem dar-se dois casos distintos: a) a petição ser totalmente omissa quanto ao ato ou facto de que o pedido procede; b) expor o ato ou factos, fonte do pedido, em termos de tal modo confusos, ambíguos ou inteligíveis, que não seja possível apreender com segurança a causa de pedir. Num e noutro caso a petição é inepta, porque não pode saber-se qual a causa de pedir” (5). Na primeira situação, a petição é inepta por falta de causa de pedir e, na segunda, por inteligibilidade da causa de pedir.
Quando, na petição inicial, o autor não alega os factos essenciais nucleares, ou seja, os factos que integram o núcleo primordial da norma ou normas que elegeu e de que faz derivar o direito em que sustenta o pedido, e que, portanto, desempenham uma função individualizadora da causa de pedir, ou quando alegue esses factos essenciais de tal forma deficiente que não permite identificar o tipo legal que o mesmo escolheu como causa de pedir e de onde faz derivar o direito que suporta o pedido, ocorre ineptidão da petição inicial, por falta ou por ininteligibilidade da causa de pedir, respetivamente (6).
Em suma, resulta do exposto que, na petição inicial, o autor não só tem o ónus de formular o pedido, como terá de o formular em termos claros, inteligíveis e compreensíveis para qualquer observador externo médio que se visse confrontado com esse articulado, de sorte a poder ser compreendido pelo réu e pelo juiz, como tem também o ónus de, em sede de causa de pedir, alegar o substrato fático essencial, atinente ao tipo legal de que quer prevalecer-se na ação e de onde faz derivar o direito que suporta o pedido que formula.
A alegação de tais factos essenciais tem de ser clara, de forma a que os mesmos possam ser igualmente apreendidos por qualquer declaratário médio que se visse confrontado com a petição inicial, de modo a permitir que se possa individualizar a norma ou normas de que o autor pretende prevalecer-se na ação intentada e de onde faz derivar o direito em que assenta o pedido.
Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir, a petição inicial é inepta (al. a), do n.º 2 do art. 186º do CPC).
A ineptidão da petição inicial constitui um vício de tal modo grave que acarreta a nulidade de todo o processo (n.º 1 do art. 186º do CPC), originando a exceção dilatória prevista no art. 577 º, al. b) do CPC, obstando a que o tribunal possa conhecer do mérito da causa, dando lugar à absolvição do réu da instância (n.º 2 do art. 576º).
Porque assim é, o juiz, perante o vício da ineptidão, deverá indeferir a petição inicial (art. 590º, n.º 1 do CPC), sempre que o processo esteja sujeito, por determinação legal, a despacho de citação liminar, ou não o estando, ao aperceber-se de semelhante vício genético que afeta aquele articulado inicial, deve determinar que a petição inicial lhe seja apresentada a despacho, por as razões de celeridade e de economia processual que informam as consequências legais previstas para a exceção dilatória da ineptidão da petição inicial (a imediata absolvição do réu da instância) imporem que se elimine o mal pela raiz, absolvendo o réu da instância quanto antes, para que o autor instaure nova ação nos termos processualmente exigíveis, uma vez que uma petição inicial inepta, seja por falta de pedido e/ou de causa de pedir ou por ininteligibilidade do pedido e/ou da causa de pedir, é imprestável para dirimir qualquer conflito que exista entre as partes.
No entanto, impõe-se distinguir as situações em que o teor da petição inicial é de tal modo deficitário que se reconduz à falta ou ininteligibilidade do pedido e/ou da causa de pedir, geradora da ineptidão da petição inicial, com o indeferimento liminar desta (quando a petição seja apresentada, por determinação legal ou do juiz, a despacho liminar), ou a absolvição do réu da instância (quando o vício da ineptidão seja detetado numa fase posterior, sem que se olvide que o vício em causa, com a consequente absolvição do réu da instância, tem de ser conhecido e declarado pelo juiz, o mais tardar, no despacho saneador, se antes não o houver apreciado; se não houver despacho saneador, até à sentença final – n.º 2 do art. 200º do CPC), daquelas outras situações em que, estando embora presentes os elementos objetivos da instância, há insuficiências ou imprecisões na formulação do pedido e/ou na exposição ou concretização dos factos essenciais constitutivos da causa de pedir, importando consequentemente não confundir petição inepta com petição simplesmente deficiente.
“Se o autor exprimiu o seu pensamento em termos inadequados, serviu-se da linguagem tecnicamente defeituosa, mas deu a conhecer suficientemente qual o efeito jurídico que pretendia obter, a petição será uma peça desajeitada e infeliz, mas não pode qualificar-se de inepta (7).
Dito por outras palavras, “quando a petição, sendo clara e suficiente quanto ao pedido e à causa de pedir, omite factos ou circunstâncias necessários para o reconhecimento do direito do autor, não pode taxar-se de inepta; o que então sucede é que a ação naufraga” (8).
Na verdade, quando a petição inicial padeça de insuficiências ou imprecisões na formulação do pedido, mas, apesar desses vícios, é possível conhecer suficientemente qual a pretensão de tutela judiciária (pedido) que o autor pretende que o tribunal lhe reconheça, ou quando padeça de insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização dos factos essenciais constitutivos da causa de pedir mas está assegurada a individualização da norma ou normas de que o autor faz derivar o direito em que ancora o pedido, estando, portanto, assegurada a individualização da causa de pedir, não ocorre o vício da ineptidão da petição inicial por falta ou ininteligibilidade do pedido e/ou da causa de pedir, não existindo, por isso, fundamento legal para se indeferir liminarmente a petição inicial e para se absolver o réu da instância com fundamento na procedência de tal exceção dilatória, devendo a ação prosseguir. Todavia, impende sobre o juiz, ao abrigo dos princípios de gestão processual e de cooperação, o dever legal de, em sede de pré-saneador, convidar o autor a suprir os mencionados vícios (art. 590º, n.ºs 2 a 4 do CPC) (9).
Posto isto, passando à ação de divisão de coisa comum, dir-se-á que nenhuma legislação favorece a compropriedade, porque a propriedade individual constitui a melhor forma de explorar uma coisa e de dela tirar os proveitos possíveis (10).
Em consonância com o acabado de enunciar, dispõe o art. 1412º, n.º 1 do CC que, “nenhum dos comproprietários é obrigado a permanecer na indivisão salvo quando se houver convencionado que a coisa se conserve indivisa”, mas logo se acrescentando no seu n.º 2 que, “o prazo fixado para a indivisão da coisa não excederá cinco anos; mas é lícito renovar este prazo, uma ou mais vezes, por nova convenção”.
Quando exista uma situação de compropriedade e os consortes não tenham validamente acordado na indivisibilidade da coisa, assiste, portanto, nos termos do art. 1412º, n.º 1 do CC, a qualquer um dos consortes o direito potestativo a requerer a divisão da coisa comum.
Essa divisão da coisa comum pode ser feita amigavelmente, ou seja, consensualmente, por acordo dos comproprietários, mediante a observância dos requisitos de forma estabelecidos para a venda onerosa da coisa, ou pode ser realizada judicialmente, nos termos estabelecidos na lei do processo (art. 1413º do CC).
Note-se que o direito potestativo reconhecido pelo n.º 1 do art. 1412º a qualquer consorte de pôr termo à compropriedade sobre a coisa, por acordo de todos os comproprietários ou judicialmente, não tem como fim invariável a divisão material ou em substância daquela, uma vez que essa divisão material poderá não ser juridicamente possível, em face do disposto no art. 209º do CC, além de que a divisão de coisa comum poderá ter por escopo a modificação da compropriedade, através da redução do número de comproprietários (11).
Na verdade, lê-se no art. 209º do CC serem “divisíveis, as coisas que podem ser fracionadas sem alteração da sua substância, diminuição de valor ou prejuízo para o uso a que se destinam” e em que, consequentemente, se adota um critério predominantemente jurídico de divisibilidade, e não naturalístico ou físico, em que a divisibilidade da coisa fica dependente da verificação de três requisitos legais cumulativos, a saber: a) a divisão material ou em substância da coisa não pode alterar a substância desta; b) essa divisão não pode reduzir o seu valor; e c) não pode prejudicar o uso a que a coisa se destina.
Apenas quando esses três requisitos legais cumulativos estão preenchidos, os consortes podem dividir materialmente a coisa de que são comproprietários (12).
Daí que nas situações em que a divisão material, em substância, da coisa não é juridicamente possível, a cessação da situação da compropriedade passa por se alcançar acordo entre todos os consortes, no sentido de se adjudicar a coisa de que são comproprietários a um deles, preenchendo-se em dinheiro as quotas dos restantes comproprietários; na falta de acordo sobre a adjudicação, a cessação da compropriedade passa pela venda da coisa, podendo os consortes concorrer à venda, e caso esta seja vendida a um dos consortes ou a terceiro, os restantes consortes ou todos os consortes, respetivamente, receberão a sua quota em dinheiro (art. 929º, n.º 2 do CPC).
Acresce precisar que, conforme já enunciado, a divisão de coisa comum, seja por acordo dos comproprietários ou por via judicial, pode não passar por se pôr termo à compropriedade sobre aquela, mas pela redução do número de comproprietários.
Daí que o direito potestativo que o art. 1412º, n.º 1 do CC reconhece a todos os consortes de porem termo, por acordo ou judicialmente, à relação de compropriedade sobre a coisa tem por escopo prático a cessação da compropriedade tal como ela existe. Não se trata “tão só de concretizar a quota do requerente na coisa comum, antes, sobretudo, de dissolver a relação de compropriedade existente entre todos os consortes” (13).
Essa dissolução da relação de compropriedade sobre a coisa existente entre todos os consortes passará pela divisão material da coisa entre os consortes, quando essa divisão material ou em substância seja juridicamente possível, ou, não o sendo, pela adjudicação da coisa, por acordo, a um dos consortes, sendo as quotas dos restantes preenchidas em dinheiro ou, na ausência desse acordo entre os consortes, pela venda da coisa, recebendo todos os consortes a sua quota na coisa em dinheiro, caso não concorram à venda da coisa, ou fazendo-o, esta venha a ser vendida a terceiro, ou podendo essa dissolução da relação de compropriedade sobre a coisa passar pela redução do número de comproprietários, em que a compropriedade sobre a coisa permanece, mas com um número inferior de comproprietários.
Centrando-nos agora na divisão judicial de coisa comum, como antedito, nos termos do n.º 1 do art. 1413º do CC, esta processa-se “nos termos da lei do processo”, ou seja, nos termos dos arts. 925º a 930º do CPC, nos quais se regulamenta a ação especial de divisão de coisa comum.
O principal efeito da ação de divisão de coisa comum é que, uma vez dividida esta, a mesma fica sendo propriedade exclusiva do comproprietário ou do terceiro a quem é adjudicada, ou em caso de ser adjudicada em compropriedade a vários comproprietários, fica a ser compropriedade exclusiva dos comproprietários a quem é adjudicada.
Daí que, no âmbito da ação especial de ação de divisão de coisa comum, o pedido se consubstancie na pretensão do comproprietário ou comproprietários autores da ação de divisão de coisa comum para que se proceda à divisão em substância da coisa (caso essa divisão seja, na perspetiva, dos autores da ação, possível) ou na adjudicação ou venda desta (caso, na perspetiva dos autores da ação, a divisão em substância da coisa não seja possível) – art. 925º, n.º 1 do CPC.
Dir-se-á assim, que a ação especial de divisão de coisa comum “é uma distinta forma de dissolução da comunhão ou compropriedade, caracterizada por se dirigir a todos os consortes e ter como fim a cessação da compropriedade, conferindo um caráter universal à ação” (14).
“Trata-se de uma ação de natureza real e constitutiva, na medida em que implica uma modificação subjetiva e objetiva do direito real que incide sobre a coisa, pois, caso se verifique a divisibilidade da coisa, o direito de compropriedade será fragmentado, quer quanto aos sujeitos, quer quanto ao objeto e, nos casos de indivisibilidade, o direito de compropriedade transforma-se em direito de propriedade singular, passando a ser seu titular outro ou outros sujeitos” (15).
Atento o escopo da ação de divisão de coisa comum, esta tem de ter por objeto todo o objeto da coisa em compropriedade e tem de ser intentada por um ou vários dos comproprietários contra os restantes comproprietários da coisa e nos casos em que sobre esta ou sobre as quotas dos comproprietários incidam direitos reais que possam ser afetados pela divisão, como acontece, por exemplo, quando a quota de um dos comproprietários está onerada com uma hipoteca ou com um direito de usufruto, a ação de divisão de coisa comum, além de ter de ser instaurada contra todos os restantes comproprietários que não sejam autores da ação de divisão de coisa comum, tem também de ser instaurada contra os titulares desses direitos reais que possam ser afetados pela divisão, sob pena de a sentença que venha a ser proferida não lhes poder ser oponível, não operando caso julgado material contra os mesmos, tratando-se de uma situação de litisconsórcio necessário passivo, que é imposto pela própria natureza da relação jurídica material controvertida (art. 33º, n.º 2 do CPC) (16).
Precise-se que, do ponto de vista processual, a ação de divisão de coisa comum desenvolve-se em duas fases distintas: uma declarativa e outra executiva.
Na fase declarativa, a que se reportam os arts. 925º a 928º do CPC, define-se o direito do autor, através da determinação da natureza da coisa, da existência ou subsistência da invocada compropriedade sobre ela, fixação dos comproprietários, determinação das quotas de cada um dos comproprietários e determinação do caráter divisível ou indivisível da coisa. A fase executiva, a que alude o art. 929º do CPC, inicia-se com a conferência prevista nesse último preceito, e nela materializa-se o direito já definido na fase declarativa, tendo-se em vista o preenchimento dos quinhões ou por equivalente, conforme se tenha concluído pela divisibilidade ou indivisibilidade da coisa (17).
Em termos de causa de pedir, esta varia conforme a coisa em compropriedade, na perspetiva do autor da ação de divisão de coisa comum, seja divisível ou indivisível.
Com efeito, caso, na perspetiva do autor ou autores da ação de divisão de coisa comum, a coisa em compropriedade seja divisível, esse autor ou autores terá(ão) de instaurar a ação de divisão de coisa comum contra os restantes comproprietários da coisa comum e contra todos os titulares de direitos reais que incidam sobre aquela ou sobre as quotas dos comproprietários, cujos direitos reais possam ser afetados pela divisão e terá de, na petição inicial, em sede de causa de pedir, identificar a coisa, alegando que esta é propriedade comum do autor e dos réus e indicando as quotas de cada um dos comproprietários.
Já caso o autor ou autores da ação de divisão de coisa comum entenda(m) que a coisa é indivisível, terá(ão) de, em sede de petição inicial, em termos de causa de pedir, identificar a coisa, de alegar que esta é propriedade comum dos específicos comproprietários, que terá de identificar, de alegar as quotas de cada um dos comproprietários, bem como terá(ão) de alegar que esta não pode ser dividida em substância, indicando os concretos fundamentos fácticos para essa indivisibilidade.
Neste sentido pronuncia-se António Carvalho Martins, que expende que, no caso de divisibilidade da coisa, “cabe ao autor, na petição inicial, identificar o prédio ou a coisa mobiliária, alegando que é propriedade comum dos individualizados interessados, pedindo que se proceda à divisão entre eles. Para o efeito, é necessário, tão só, alegar que a coisa é propriedade comum das pessoas individualizadas. Cumprirá, porém, acrescentar a referência às proporções em que a divisão se há-de fazer”. Mas no caso de indivisibilidade do prédio, “deve o autor, na petição inicial, alegar a indivisibilidade e sua razão, requerendo que os comproprietários sejam citados para contestar, sob pena de se proceder à adjudicação ou à venda” (18).
No mesmo sentido sustenta Alberto dos Reis que: “Quando propõe a ação, o autor pode partir de um de dois pressupostos: a) Do pressuposto de que a coisa é divisível; b) Do pressuposto de que ela é indivisível. Na 1ª hipótese o objetivo da ação é a divisão material, a divisão em substância; na segunda, é a divisão em valor ou a divisão meramente jurídica”. E concretiza que, no caso de divisibilidade, “na petição inicial o autor identificará o prédio ou a coisa mobiliária; alegará que é propriedade comum de tais e tais interessados; e pedirá que se proceda à divisão entre eles. Não precisa, em rigor, de indicar a origem da compropriedade; basta a alegação de que a coisa é propriedade comum das pessoas mencionadas; se a alegação não for exata, a qualquer dos citados incumbe contestar a compropriedade, arrogando-se a propriedade exclusiva. (…). Uma indicação deve o autor acrescentar na petição inicial: a dos termos ou proporções em que a divisão há-de ser feita. Pode dar-se o caso de serem iguais os quinhões, isto é, de os vários comproprietários terem direito a uma quota parte igual; pode suceder o contrário: serem desiguais os quinhões a formar. Um dos comproprietários tem, por exemplo, direito a metade; há mais três comproprietários, cada um dos quais tem direito a um terço da outra metade, ou seja, a uma sexta parte da coisa. Cumpre ao autor esclarecer logo na petição inicial, qual o volume da quota parte de cada um deles”. Já se o autor alega na petição inicial que a coisa não pode ser dividida em substância, aquele “começará por invocar o estado de compropriedade; começará por dizer que a coisa pertence a tais e tais pessoas e por indicar qual o volume da quota parte de cada comproprietário; a seguir frisará que a coisa não pode ser dividida em substância e apontará o motivo específico da indivisibilidade (impossibilidade de divisão derivada da própria natureza da coisa, impossibilidade derivado do detrimento que a divisão material causaria, impossibilidade derivada da lei). Como consequência desta exposição concluirá pedindo a adjudicação ou a venda” (19).
Assentes nas premissas acabadas de enunciar, revertendo ao caso dos autos, não podemos deixar de sufragar a posição da 1ª Instância quando concluiu pela ineptidão da petição inicial, por ininteligibilidade da causa de pedir, com as precisões que infra se indicarão, as quais nos levam a concluir que a ineptidão da petição inicial deve assentar mais concretamente na falta de alegação da causa de pedir, no vício da ininteligibilidade da causa de pedir alegada pelo autor (embora falha de factos essenciais) e, inclusivamente, por contradição entre essa causa de pedir que alegou (falha de factos essenciais e contraditória nos seus próprios termos e, portanto, ininteligível) e o pedido que formulou.
Na verdade, analisada a petição inicial, verifica-se que o apelante/autor, em vez de pedir, conforme se impunha que acontecesse, que se procedesse à divisão da coisa propriedade comum do apelante e do apelado, caso esta, na sua perspetiva, fosse divisível, ou pedindo que essa coisa fosse adjudicada a um dos comproprietários ou se procedesse à sua venda, caso entendesse que esta era indivisível em substância, o apelante pediu que se “designe perito único a nomear pelo tribunal, fixando-se as quotas de cada titular, seguindo-se os demais termos até final”.
No entanto, perante esse concreto pedido formulado pelo apelante, qualquer declaratório médio interpretaria o mesmo como consubstanciando a pretensão daquele de que a “coisa” seja dividida em substância entre o mesmo e o apelado (Réu) por, na sua perspetiva, essa coisa propriedade comum de ambos ser divisível em substância (material), uma vez que é para os casos de divisibilidade da coisa que o art. 927º do CPC prevê a nomeação de peritos.
Por isso, dentro do atual espírito do CPC, que privilegia decisões de mérito em detrimento das de forma, prefigura-se-nos que não estamos perante uma situação de falta ou (conforme decidido pela 1ª Instância) de ininteligibilidade do pedido, mas antes de formulação de um pedido em que o apelante utilizou linguagem tecnicamente defeituosa, mas que, ainda assim, dá a conhecer suficientemente qual o efeito jurídico que o mesmo pretende obter com a instauração da presente ação de divisão de coisa comum (a divisão da coisa em substância, ou seja, a divisão material desta pelo próprio e pelo apelado), o que é suprível mediante convite ao aperfeiçoamento.
Acontece que, conforme é evidenciado pela alegação do apelante, em sede de petição inicial, e é esclarecido pelo requerimento que apresentou na sequência do despacho proferido pela 1ª Instância em 15/05/2022, a pretensão de tutela judiciária formulada pelo mesmo (pedido) é no sentido de se dividir aquilo que o próprio denomina por “casas” e que identifica nos arts. 1º e 2º da petição inicial e que sustenta que, apesar de terem descrições e inscrições prediais autónomas, “ambas as casas fazem parte de um conjunto habitacional integrado e murado, denominado “...”.
Assentes que, atento o pedido que deduz na petição inicial, de forma deveras deficiente, o apelante pretende que se divida a coisa, por a considerar divisível, e que, portanto, o seu pedido é no sentido de proceder à divisão material dessa coisa entre ele e o apelado (Réu), cumpria-lhe, nesse caso (em que, na sua perspetiva, a coisa é divisível), em termos de causa de pedir, observar os seguintes ónus alegatórios: a) identificar de forma clara, de modo a ser apreensível por qualquer declaratário médio que estivesse na concreta posição em que se encontrava o juiz e o apelado (Réu) quando se viram confrontados com aquele articulado inicial, o(s) prédio(s) ou a(s) coisa(s) mobiliária(s); b) alegar que esse(s) prédio(s) ou coisa(s) mobiliária(s) são propriedade comum de tais e tais interessados; e c) alegar o volume das quotas de cada um dos comproprietários em relação à coisa comum, sob pena de ver atuar a presunção do art. 1403º, n.º 2 do CC.
Ora, perscrutada a petição inicial, como já enunciado: ou entende-se, como entendeu o tribunal a quo, que os factos alegados pelo apelante, na petição inicial, em sede de causa de pedir, não permitem identificar que concreta coisa é essa que alegadamente será propriedade comum do apelante e do apelado e que pretende que seja judicialmente dividida entre eles em substância, porquanto “não identifica nem especifica quais as coisas ou direitos cuja divisão pretende, porquanto da análise da petição inicial não resulta se o autor pretende a divisão do(s) prédio(s) e/ou da água e/ou dos fornos que alega existir no local”, e, tal como concluiu a 1ª Instância, ocorre o vício da ineptidão por ininteligibilidade de causa de pedir; ou entende-se, como nos parece ser o caso, que na petição inicial o apelante, ainda que de forma deficiente, discrimina de forma suficiente a “coisa” que pretende ver judicialmente dividida em substância.
Com efeito, compulsada a petição inicial, prefigura-se-nos que a “coisa” que o apelante alega ser propriedade comum daquele e do apelado são aquilo que o mesmo denomina por “casas” nos artigos 1º e 2º da petição inicial.
Neste sentido aponta-se a circunstância do apelante logo no art. 1º da petição inicial alegar ser “dono e legítimo possuidor de uma casa de dois pavimentos (…), inscrita na matriz predial urbana sob o art. ...º e descrita sob o n.º ....”, de no art. 2º desse mesmo articulado inicial alegar que o Réu é, por sua vez, “dono e legítimo possuidor de uma casa de dois pavimentos, com dependências e capela (…), inscrita na matriz sob o art. …º e descrita sob o n.º .../.......”, logo acrescentando, no art. 3º desse mesmo articulado que, “apesar de se tratar de descrições e inscrições autónomas, ambas as casas fazem parte de um conjunto habitacional integrado e murado, denominado ...”, o que é bem evidenciador que o prédio de que o apelante se arroga comproprietário juntamente com o apelado é composto pelo identificado “conjunto integrado e murado”, denominado “...”, composto pelas pretensas casas que identifica nos enunciados arts. 1º e 2º da petição inicial.
De resto, salvo o devido respeito por entendimento contrário, a alegação feita pelo apelante naquele articulado inicial quanto à água e aos fornos, sustentando que essa água e fornos servem o referido “conjunto integrado e murado”, denominado a “...”, composto pelas casas (a dele e a do apelado identificadas, respetivamente, nos arts. 1º e 2º da petição inicial), é no sentido de demonstrar que essas “casas fazem parte de um conjunto habitacional”.
Ora, porque, na nossa perspetiva, o apelante deixa de forma suficientemente clara, de modo a ser percetível por qualquer declaratário médio que “a coisa” que o mesmo alega ser compropriedade daquele e do apelado e que pretende ver judicialmente dividida em substância, adjudicando-se cada uma das partes resultantes da divisão ao mesmo e ao apelante na proporção das respetivas quotas, é composto pelo identificado “conjunto ou complexo habitacional”, impera concluir ocorrer ininteligibilidade da causa de pedir e, inclusivamente, contradição entre essa causa de pedir e o pedido que deduz.
Na verdade, apesar de alegar nos arts. 1º e 2º da petição inicial que ele e o apelado são “donos e legítimos possuidores das casas” que aí identifica, é o próprio apelante que sustenta naquele ponto 1º que a casa que aí identifica se encontra inscrita na matriz e descrita na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º ...., e que também as que identifica no art. 2º se encontram inscritas na matriz e descritas mesma Conservatória do Registo Predial sob o n.º .../........
Ora, alegando o apelante, naquele art. 1º da petição inicial, que o mesmo é “dono e legítimo possuidor de uma casa” (leia-se, prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º ....), e no ponto 2º desse mesmo articulado que o apelado é “dono e legítimo possuidor de uma casa de dois pavimentos, com dependências e capela” (leia-se, prédio descrito na mesma Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º .../.......) e dispondo-se no art. 79º do Cód. Reg. Predial que, a descrição tem por fim a identificação física, económica e fiscal dos prédios (n.º 1) e que de cada prédio é feita uma descrição distinta (n.º 2), resulta dessa alegação que, no caso, não se está perante quaisquer “casas”, mas sim perante prédios distintos e autónomos, o que torna de todo ininteligível, por incompreensível para qualquer declaratário médio que se visse confrontado com o teor desse articulado inicial, a alegação do apelante vertida no art. 3º desse mesmo articulado quando nele pretende que, “apesar de se tratar de descrições e inscrições autónomas, ambas as casas fazem parte de um conjunto habitacional integrado e murado, denominado ...” e pretende, contraditoriamente com essa sua alegação, e com a circunstância de sustentar que essas pretensas casas têm descrições autónomas na Conservatória do Registo Predial, constituindo, portanto, prédios autónomos e distintos entre si, que aquele conjunto habitacional integra um único prédio, que é compropriedade do próprio e do apelado.
Aliás, o apelante juntou em anexo à petição inicial certidão da Conservatória do Registo Predial dos prédios em análise, de cujo teor resulta que o prédio aí descrito sob o n.º .... está com propriedade inscrita, no registo, a favor do próprio, por compra, enquanto o prédio descrito sob o n.º .../....... se encontra com propriedade inscrita, no registo, a favor do apelado, por sucessão hereditária, pelo que, estatuindo o art. 7º do C.R.Predial que o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define, não tendo o apelante alegado qualquer facticidade tendente a ilidir essa presunção legal, a causa de pedir por ele alegada na petição inicial não só se revela ininteligível, como inclusivamente está em contradição com o pedido que deduz.
Na verdade, estando-se perante descrições prediais distintas e autónomas, as mesmas reportam-se a prédios autónomos e distintos entre si, em que, de acordo com a própria alegação do apelante, os prédios que identifica nos arts. 1º e 2º da petição inicial são prédios autónomos e distintos, em que o primeiro, de acordo com essa sua alegação e da presunção resultante do enunciado art. 7º do CRPredial, é propriedade do apelante, e o segundo é propriedade do apelado, pelo que, se aqueles prédios foram no passado um “conjunto habitacional”, há muito que os mesmos se autonomizaram, dando lugar a prédios distintos, com proprietários distintos, resultando, aliás, da alegação vertida pelo apelante no requerimento que apresentou na sequência do despacho proferido pela 1ª Instância em 15/05/2022 que quando o mesmo adquiriu, por compra, o seu prédio, este já constituía há várias décadas um prédio autónomo e distinto do prédio identificado no art. 2º, propriedade do apelado, ao sustentar que “a casa que hoje pertence ao requerente, encontra-se integrada no conjunto habitacional denominada “A ...”, a qual foi alienada, há várias décadas, por um familiar do Requerido e esteve na posse de T. C. e seus herdeiros até 07 de maio de 2020, data em que foi adquirida pelo Requerente, por escritura pública”.
Porque assim é, para além da causa de pedir alegada pelo apelante na petição inicial, se revelar contraditória ao nível da alegação que a consubstancia e, consequentemente, ininteligível, também ocorre o vício da contradição entre essa causa de pedir e o próprio pedido, porquanto não pode o apelante pretender que se proceda à divisão judicial, em substância, de “uma unidade ou conjunto habitacional”, quando simultaneamente decorre da sua alegação, em sede de causa de pedir, que essa pretensa “unidade ou conjunto habitacional” é composta por prédios juridicamente autónomos e distintos, os quais são inclusivamente propriedade de donos distintos.
Em suma, decorre do que se vem dizendo que, diversamente do decidido pela 1ª Instância, no caso não ocorre o vício da ineptidão da petição inicial, por ininteligibilidade do pedido.
No entanto, ocorre o vício da ineptidão da petição inicial, por ininteligibilidade da causa de pedir que alegou, na medida em que, apesar de pretender que aquele e o apelado são comproprietários da referida “unidade ou conjunto habitacional”, resulta da sua própria alegação que essa pretensa “unidade ou conjunto habitacional” tem duas descrições prediais distintas e autónomas, tratando-se, portanto, de dois prédios juridicamente distintos e autónomos, os quais, inclusivamente, de acordo com a alegação do próprio apelante e do teor das certidões prediais que junta em anexo à petição inicial e da presunção estabelecida no art. 7º do Cód. Reg. Predial, têm proprietários distintos (o prédio identificado no art. 1º da p.i. é propriedade exclusiva do apelante, enquanto o identificado no art. 2º da p.i. é propriedade exclusiva do apelado) e, inclusivamente, por contradição entre essa causa de pedir (contraditória e, por isso, ininteligível nos seus próprios termos) e o pedido que formula, posto que não se pode dividir em substância aquilo que já se encontra dividido em substância, constituindo juridicamente dois prédios autónomos e distintos e que, inclusivamente, têm proprietários distintos.
Decorre do exposto que, ao julgar procedente a exceção da ineptidão e ao absolver o apelado da instância, o tribunal a quo não incorreu em nenhum dos erros de direito que lhe são imputados pelo apelante, impondo-se concluir pela improcedência da presente apelação e confirmar a decisão recorrida, com as especificações supra enunciadas.
*
Decisão:

Nesta conformidade, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar a presente apelação improcedente e, em consequência:
- confirmam a decisão recorrida, com as especificações supra enunciadas.
*
Custas pelo apelante (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
*
Guimarães, 06 de outubro de 2022
Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores:

José Alberto Moreira Dias - relator
Alexandra Maria Viana Parente Lopes - 1ª Adjunta
Rosália Cunha - 2ª Adjunta


1. Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, “Direito Processual Civil”, vol. II, 2015, Almedina, págs. 80 e 81.
2. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pites de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, 2ª ed., Almedina, págs. 231 e 232. Ac. STJ. de 09/05/1995, CJ. t. II, pág. 68, em que se lê que, pedido ininteligível é aquele que se apresente “confuso, incompreensível, indecifrável, obscuro”. Na mesma linha, Ac. STJ. de 15/01/2003, AD, 502º, pág. 1537, em que se escreve que “a ininteligibilidade do pedido ou da causa de pedir consiste na sua indicação em termos verdadeiramente obscenos ou ambíguos, por forma a não se saber, concreta e precisamente, o que o autor pede e com base em que é que o pede. É pelo conteúdo da petição inicial que se afere da sua ineptidão quanto ao pedido e à causa de pedir (falta ou ininteligibilidade) e não pelo entendimento que o réu faz dessa viabilidade, nomeadamente do entendimento da validade jurídica que, na contestação, atribui ao pedido do autor e aos factos em que este o funda, por constituir defesa por impugnação e levar, se aceite, à improcedência do pedido”.
3. Paulo Pimenta, “Processo Declarativo”, 2014, Almedina, págs. 136 e 137.
4. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pites de Sousa, ob. cit., pág. 629; Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, ob. cit., págs. 72 e 73.
5. Alberto dos Reis, “Comentários ao Código de Processo Civil”, vol. 2º, Coimbra Editora, pág. 371.
6. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pites de Sousa, ob. cit., pág. 630.
7. Alberto dos Reis, ob. cit., pág. 364.
8. Alberto dos Reis, ob. cit., pág. 372.
9. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pites de Sousa, ob. cit., pág. 235, nota 18, e págs. 697 a 708. Ac. RL. de 24704/2008, Proc. 2025/2008-2, in base de dados da DGSI, a que se referem todos os arestos infra, sem indicação em contrário, em que se lê: “Fora dos casos de ineptidão, a existência de imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada na petição inicial impõe ao juiz o dever de convidar a parte a suprir tais deficiências aditando factos omitidos, clarificando as dúvidas que se suscitam ou corrigindo o modo de alegação”. Ainda Ac. RL. de 17/11/2009, Proc. 17/11/2009, Proc. 3417/08.9TVLSB.L1: “Padecendo uma petição inicial de vícios que permitem classificá-la de inepta, não pode, face à mesma, ser decretada a absolvição do réu do pedido mas apenas da instância. Quando uma petição inicial, embora imperfeita, é suficientemente explícita para permitir a qualquer declaratário normal colocado na posição de real declaratário (art. 236º do CC) ou de um diligente bom pai – e mãe – de família (art. 487º, n.º 2 do CC), compreender os contornos da relação material controvertida, mesmo que esses contornos não se encontrem claramente definidos, o juiz do processo está vinculado ao dever de convidar a Autora a aperfeiçoar a Autora a aperfeiçoar o seu articulado, nos termos definidos no n.º 3 do art. 508º do CPC”.
10. António Carvalho Martins, “A Ação de Divisão de Coisa Comum”, Coimbra Editora, 1992, pág. 12.
11. Ac. R.P. de 23/02/1993, Proc. 9240988,
12. Pais de Vasconcelos, “Teoria Geral”, 6ª ed., Almedina, 2010, pág. 229; Acs. STJ de 12/12/1989, BMJ n.º 392, pág. 468; R.P. de 28/02/1991, C.J., t. 1º, pág. 260; RC. de 09/10/2007, C.J., t. 4º, pág. 31.
13. António Carvalho Martins, ob. cit., pág. 25.
14. Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol. III, 2ª ed., pág. 387.
15. Ac. RP. de 26/01/2021, Proc. 1509/19.8T8GMDM.P1.
16. António Carvalho Martins, ob. cit., págs. 35 a 26 e 39; Alberto dos Reis, “Processos Especiais”, vol. II, Coimbra Editora, 1982, pág. 41, em que expende que: “A ação deve ser proposta, sob pena de ilegitimidade dos réus, contra todos os comproprietários. É um caso típico de litisconsórcio necessário, sob o aspeto passivo, imposto pela própria natureza da relação da relação jurídica”.
17. Ac. RG. 21/02/2019, proc. 37/16.8T8VRM.G1, relatado pelo aqui relator.
18. António Carvalho Martins, ob. cit., págs. 67 e 71.
19. Alberto dos Reis, ob. cit., págs.41 a 42 e 46. Ac. RL. de 07/01/2021, Proc. 2538/19.7T8LRS-A.L1-6, em que citando Nuno Andrade Pissarra, “Processos Especiais”, vol. I, sobre a coordenação de Rui Pinto e Ana Alves Leal, págs. 168 e ss., se lê que: “A causa de pedir na ação de divisão de coisa comum atual é integrada pela existência (ou persistência) da situação de comunhão e não pelos factos jurídicos de que derivam os direitos em comunhão. (…). Donde não é a propriedade sobre a coisa ou direito erga omnes que se visa, mas sim a relação de comunhão em que está envolvido com os demais consortes e um poder nascido e existente em razão dessa relação que é o de provocar a sua cessão mediante divisão. (…). Existindo os direitos em comunhão e a situação de comunhão fora do objeto do litígio, não vale a regra da substanciação. Logo, o pedido consiste na divisão material da coisa de harmonia com os quinhões que forem fixados ou, sendo a coisa indivisível, na sua adjudicação ou venda, com a subsequente partilha do valor na proporção das quotas de cada um dos consortes”.