Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
114083/18.7YIPRT.G1
Relator: MARGARIDA SOUSA
Descritores: COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
REGULAMENTO (EU) Nº 1215/2012
MATÉRIA CONTRATUAL
LUGAR DO CUMPRIMENTO
DOMICÍLIO CONVENCIONADO
FORO ALTERNATIVO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/26/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- A previsão do art. 7º do Regulamento (UE) nº 1215/2012, de 12 de dezembro, que estabelece uma competência especial relativamente à matéria contratual, de tal forma que uma pessoa com domicílio no território de um Estado Membro pode ser demandada noutro Estado Membro, perante o tribunal onde foi ou deva ser cumprida a obrigação, foi a forma encontrada para complementar e não excluir, nessas hipóteses, a regra do “domicílio do demandado” prevista no art. 4º do aludido Regulamento;
II- É em face do pedido formulado pelo autor e pelos fundamentos (causa petendi) em que o mesmo se apoia, e tal como a relação jurídica é pelo autor delineada na petição inicial (quid disputatum ou quid decidendum), que cabe determinar/aferir da competência do tribunal para, de determinada ação, poder/dever conhecer, não sendo este pressuposto aferível a partir da causa de pedir reconfigurada em ulterior articulado;
III- Quando, como no caso concreto, o autor indica a existência de um domicílio convencionado em Portugal e, por outro, nada alega, na petição inicial, sobre o lugar onde foi cumprida a prestação contratual, com vista a fundamentar a escolha do foro alternativo a que acima aludimos, desprezando, pois, essa possibilidade, indemonstrada a invocada convenção e apurado sendo que o réu tem o seu domicílio num outro Estado-Membro da União Europeia, forçoso é concluir que a competência internacional deve, de acordo com a referida regra geral, ser determinada em função do apurado domicílio.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO:

X SERRALHARIA CIVIL, LDA., com sede no Lugar …, Monção, apresentou, no Balcão Nacional de Injunções, requerimento de injunção contra J. B., alegadamente residente no “Lugar …”, Monção – indicando corresponder essa morada ao domicílio convencionado –, para pagamento da quantia de 11.356,80€, sendo 9.840,00€ relativos a capital, 1.108,80€ concernente a juros de mora e 306,00€ relativo a outras quantias e 102,00€ relativo à taxa de justiça paga.
Invocou, para o efeito que, no decurso do ano de 2015, fabricou, aplicou, forneceu e entregou, ao Requerido, artigos do seu fabrico e comércio, a solicitação deste mediante orçamento, para renovação da caixilharia, num imóvel de sua propriedade, contrato que denominou de “fornecimento de bens ou serviços”.
Indicou como “tribunal competente para a distribuição”, o Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo - Unidade Central de Monção.

O Requerido, após citação, deduziu oposição ao requerimento injuntivo apresentado, com os seguintes fundamentos:
- invocou a incompetência internacional dos Tribunais portugueses, alegando residir em França e inexistir qualquer domicílio convencionado;
- impugnou alguma vez ter encomendado os bens em causa, alegando que a Requerente terá um crédito sobre empresas francesas que o Requerido chegou a administrar mas como não estava a obter o respetivo pagamento decidiu emitir uma fatura em nome do Requerido;
- alegou que os valores em falta se deviam à má execução/defeitos da obra por parte da Requerente que, não obstante ter sido interpelada para os eliminar, e sem prejuízo do perigo que apresentava tal obra, recusou fazê-lo, o que teve que ser levado a cabo por outra empresa.
Pediu ainda o Requerido a condenação da Requerente como litigante de má-fé, em multa e indemnização ao Requerido pelas despesas com o processo, nomeadamente honorários de advogado que fixou em 1000,00€, alegando que no preenchimento do requerimento de injunção aquela indica a existência de “domicílio convencionado”, quando tal não corresponde à verdade, além de que, sabendo que a residência habitual do Requerido é em França (tendo a própria mandatária do Requerido solicitado que todas as notificações fossem dirigidas para França), indicou uma morada em Portugal, bem como deduziu pretensão cuja falta de fundamento não podia ignorar.
Em virtude da oposição deduzida, os autos foram remetidos à distribuição, no Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo - Unidade Central de Monção, para serem tramitados como ACÇÃO DECLARATIVA ESPECIAL PARA CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÕES PECUNIÁRIAS EMERGENTES DE CONTRATO (artigos 16º, n.º 1 e 17º, n.º 1 do DL n.º 269/98, de 1 de Setembro, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 226/2008, de 22 de Novembro).
Ao abrigo do art. 3.º, n.º3, do C.P.C., a Requerente apresentou requerimento de “Resposta” quanto à matéria de exceção invocada pelo Requerido, pugnando pela sua improcedência, referindo, para além do mais, que o fornecimento dos bens constantes da fatura nº FT 2011-1/1950, foi entregue ao Réu, nas próprias instalações da A., sitas no Lugar ..., freguesia de ..., concelho de Monção.
Realizado o julgamento, foi proferida decisão que, no que para agora interessa, julgou improcedente a exceção da incompetência internacional e parcialmente procedente a ação, condenando O RÉU NO PAGAMENTO À AUTORA DA QUANTIA DE 9.840,00€ (NOVE MIL, OITOCENTOS E QUARENTA EUROS), ACRESCIDO DE JUROS DE MORA VENCIDOS NO VALOR DE 1.589,50€ (MIL QUINHENTOS E OITENTA E NOVE EUROS E CINQUENTA CÊNTIMOS), bem como julgou procedente o pedido de condenação da Autora como litigante de má fé, condenando em multa processual fixada em 3UCs.

Inconformado com a referida decisão, veio o Réu interpor o presente recurso, em cuja alegação formulou as seguintes conclusões:

1- Logo que junta a factura, o recorrente arguiu a ineptidão do requerimento injuntivo, a nulidade de todo o processado, e requereu que fosse determinada a absolvição da instância do Réu, por a factura, ao contrário do alegado no requerimento injuntivo, não discriminar cabalmente os “fornecimentos, produtos e valores e datas de vencimentos”, e ser imperioso destrinçar data, trabalhos e o local, por a A. Também ter mantido relações comerciais com empresas com as quais o recorrente tinha ligação, e para as quais este alegou terem-se destinado todas as encomendas, não sendo possível ao recorrente nem ao Tribunal, em face dos elementos em falta, conhecer todos os factos que permitam compreender a causa de pedir em toda a sua extensão, alegando também estar coarctado o pleno exercício do seu direito ao contraditório, a boa preparação da sua defesa e a salvaguarda do caso julgado.
2- Não tendo a A. no requerimento de injunção, ainda que de forma sucinta, exposto os factos que servem de fundamento à sua pretensão, verifica-se a excepção dilatória de ineptidão do requerimento de injunção (art.º 186.º, n.º 1 e 2 al. a) do CPC), por falta de causa de pedir, omissão que gera a nulidade de todo o processado e é de conhecimento oficioso (art.º 196.º do CPC), o que obstava a que o Tribunal a quo conhecesse do mérito da causa e, por não passível de sanação, teria de conduzir à absolvição do recorrente da instância [art.ºs 278.º, n.º 1, alínea e) e n.º 3, 576.º, n.ºs 1e 2, 279.º,n.º1,576.º,n.ºs1e2,577.ºe578.º,do CPC, pelo que, não se pronunciando sobre a (invocada) excepção, e, da qual teria, de qualquer forma, de ter conhecido oficiosamente, o Tribunal a quo omitiu o devera que está obrigado nos termos do art.º 615., º n.º 1, al. d) do CPC, o que determina a nulidade da sentença.
3- Padece ainda a decisão em crise de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos da al. d), do n.º 1 do art.º 615.º, uma vez que, em face da versão do R., vertida nos itens 9.º a 12.º da sua oposição à injunção, era imperioso conhecer e decidir dos contornos do contrato, essencialmente se ele fora celebrado entre as partes, isto é, se o sujeito passivo desta relação jurídica foi mesmo o recorrido, e não apenas conhecer e decidir da “Qualificação do contrato celebrado entre as partes”, como fez a sentença, pelo que, não se tendo esta debruçado acerca da prova, ou falta dela, alegada a esse respeito, deixando de a analisar criticamente, e de a fazer constar dos factos dados como não provados (sendo o caso), incorreu o Tribunal a quo em nulidade, na medida em que deixou de seleccionar matéria com interesse para a boa decisão da causa.
4- O recorrente alegou na sua oposição à injunção a incompetência internacional dos tribunais portugueses para julgarem os presentes autos, nos termos do Regulamento (UE) n.º1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho de 12 de dezembro de 2012, art.º 5 e 7.º, e requereu a absolvição da instância, em virtude de o Réu residir e trabalhar em permanência em França há longos anos, não tendo residência permanente ou habitual em Portugal, e de os trabalhos – correspondentes a uma prestação de serviços – que a Autora alega ter realizado, terem sido realizados (por aplicados) em território francês, mais alegando que, de qualquer forma, tratando-se de um alegado contrato de empreitada num imóvel propriedade do Réu (contrato no âmbito do consumo), em que o recorrente é o consumidor, e reside em França, os Tribunais portugueses também, por essa razão, são internacionalmente incompetentes (n.º1, al. c) do art.º 17.º e n.º2 do art.º 18.º do referido Regulamento).
5- A decisão em crise, considerou não se verificar a invocada excepção dilatória, nos termos do art.º 7.º do Regulamento, argumentando que se trata de venda de bens, e nesse caso o lugar do cumprimento da obrigação é o lugar onde os bens foram ou devam ser entregues. Porém, ainda que se entendesse tratar-se de um contrato de compra e venda, como o Regulamento manda aplicar como critério de conexão o lugar da entrega dos bens, e este tem de ser entendido como o local da entrega efectiva, o local do destino final da mercadoria (dado que o objetivo fundamental de um contrato de compra e venda é a transferência dos bens, do vendedor para o comprador, operação que só se completa no momento da chegada dos referidos bens ao seu destino final),e não o território em que o vendedor entregou os bens ao transportador, conforme tem sido entendimento da jurisprudência nacional e europeia, e destinando-se os bens a França, como admitem as partes, então o local do cumprimento da obrigação é França, país que é competente para dirimir o presente litígio, tendo procedido a Mma. Sr.a Juiz a errada interpretação da al. a) do n.º 1 do art.º 7.º do Regulamento.
6- Porém, a relação jurídica controvertida, tal como é conformada pelo A, no seu requerimento injuntivo (o que depois acaba por se confirmar com as próprias declarações de parte e depoimento da testemunha S. A.), não respeita à celebração de um contrato de compra e venda, mas de um contrato de empreitada, que, de acordo com o alegado no requerimento injuntivo contemplou também aplicação dos trabalhos no imóvel, imóvel que, a A., após inúmeras insistências, e já em sede de audiência de discussão e julgamento, veio a indicar como se situando em França, e já constava dos autos prova da residência permanente e habitual do R. em França (conforme documentos que o mesmo juntou e consultas à base de dados do ISS e Identificação Civil, juntas em 14.06.2019 e 28.06.2019, além de todos os depoimentos terem confirmado a residência em permanência do R. em França),razões pelas quais nos termos do citado instrumento legal, os tribunais portugueses são incompetentes para decidir a presente acção.
7- A incompetência internacional também teria de ser declarada, de qualquer forma, nos termos do n.º 1.º; al. c) do art.º 17.º e no 2.º do art.º 18.º do referido Regulamento, que estabelece que a A. apenas poderia ter demandado o R. em França, porquanto, o R. reside em França, com carácter de permanência e habitualidade, está em causa um contrato de consumo, em que o R. é o consumidor, por se tratar, de acordo com a A., de bens para uso pessoal, para a sua habitação pessoal, e a Autora, que actua no exercício da sua actividade, tem e tinha atividade comercial em França, ou, pelo menos, dirigia e dirige essa sua actividade comercial a França (conforme resultou provado, pelos dois recibos juntos em 18.02.2019 pelo R., das declarações de parte do A. (declarações de parte da A., prestadas na audiência de 13.06.2019, gravadas no sistema de gravação digital, H@bilus Media Studio, das 15:28 horas às 16:11 horas, tal resulta das passagens do minuto 00:01:08 a 00:01:20; 00:09:15 a 00:09:19; 00:39:35 a 00:39:37) e do depoimento da testemunha D. R. (seu depoimento, prestado na audiência de 03.07.2019,gravado no Sistema informático disponível no tribunal “Media Habilus Studio”,com início às 16:22:04 horas e fim às 16:29:56 horas, a sua prova resulta, em concreto, do minuto 00:04:04 a00:04:15;00:01:24 a 00:01:30 e 00:05:55 a 00:06:00), isto é, que a A. tinha à data dos factos clientes em França; vendia mercadoria do seu fabrico de alumínio, a clientes em França, procedendo inclusive à respectiva colocação naquele país e que ela continua a exercer actividade comercial em França).
8- Por isso, e havendo de apreciar-se a incompetência internacional em função da relação controvertida delineada pelo Autor na sua petição inicial (no caso requerimento injuntivo), a Sra. Juiz tinha de ter declarado verificada a incompetência internacional dos tribunais portugueses para decidir este litígio, e absolvido o Réu da instância, conforme o disposto no art.º 278, n.º 1, al. a) e art.º 96.º, al. a) do CPC, tendo violado os citados preceitos legais do Instrumento Internacional em causa ao não o ter feito, o qual, nos termos do disposto no art.º 59.º do CPC, prevalece em matéria da competência internacional dos tribunais portugueses.

SEM PRESCINDIR,

9- O Tribunal a quo nunca poderia ter dado como provada a matéria de facto que fez constar no item 2 dos FACTOS PROVADOS, a saber, “2. Durante o ano de 2015, no exercício da sua actividade profissional, a Autora fabricou e entregou ao Réu, artigos do seu fabrico e comércio, a solicitação deste mediante orçamento, para renovação da caixilharia num imóvel de sua propriedade, no valor de 9.840,00 € (artigos 2, 3 e 5 do requerimento de injunção)”, matéria que, reapreciada e sindicada, terá de ser dada como não provada, uma vez que o Tribunal a quo fez uma não só deficiente, mas incorrecta, análise, apreciação e valoração da prova, sendo que as provas produzidas impunham decisão diferente, pelo que, a final, deverá essa matéria de facto ser dada como não provada.
10-Desde logo, as declarações de parte do legal representante da A., que a decisão em crise refere terem sido prestadas no mesmo sentido pelas testemunhas S. A., D. R. e A. T., além de não terem sido prestadas no sentido em que aí é referido, são também totalmente inconsistentes, pejadas de contradições internas, contradições com documentos juntos pela própria A., e com a lógica, contradições com a própria versão apresentada pela A., mas também com os depoimentos das testemunhas referidas.
11-O representante legal da Autora não disse, ao contrário do referido na sentença, que nas vendas que fazia para clientes que o réu lhe arranjava em França era a A. Quem fazia a entrega, disse ao invés que, na maior parte dos casos, o transporte era tratado pelo Réu, era ele quem ficava responsável pelo transporte, conforme passagens aos minutos 00:08:57 a 00:09:17; 00:09:25 a 00:09:41; 00:32:15 a 00:32:54, das suas declarações de parte, prestadas na audiência de 13.06.2019, gravadas no sistema de gravação digital, H@bilus Media Studio, das 15:28 horas às 16:11 horas.
12-E também não disse o representante legal da A., ao contrário do que se fez constar na sentença, que o Réu veio buscar pessoalmente a mercadoria, mas antes que, foi o Réu que tratou de transporte, tendo enviado um camião de uma transportadora, que levou as mercadorias para França, tendo dito expressamente que o Réu não esteve presente, o que deixou dito aos minutos 00:08:05 a 00:08:19; 00:17:28 a 00:17:37; 0035:20 a 00:35:25;00:36:21 a 00:36:31 e 00:37:44 a 00:37:54,das suas declarações de parte,prestadas na audiência de 13.06.2019, gravadas no sistema de gravação digital, H@bilus Media Studio, das 15:28 horas às 16:11 horas.
13-Não foi dito pelo gerente da A. que o R. «“fez uma encomenda para aplicar em sua casa”» (sentença), embora ele tenha dito que a casa para onde se destinavam os trabalhos “Isso era a casa pessoal dele”, e que a A. fez trabalhos a nível pessoal para o R. (“Sim, foi a nível pessoal. Foi ele onde ali à fábrica pedir-me material”), mas apenas isso, oque é bem diferente do que se fez constar na sentença como tendo sido por ele dito (00:02:47 a 00:03:03, 00:15:26 a 00:15:39, das suas declarações de parte, prestadas na audiência de 13.06.2019, gravadas no sistema de gravação digital, H@bilus Media Studio, das 15:28 horas às 16:11 horas).
14-O legal representante da Autora, por outro lado, disse, efectivamente, que durante o ano de 2015, o Réu foi pessoalmente à fábrica com as medidas, para fazer uma encomenda para a sua casa. Mais, disse que o R. , em Agosto de 2015, levou pessoalmente à sua fábrica as medidas e “os desenhos de como ele queria as coisas”, tendo ele lhe dado o preço, como deixou dito aos minutos 00:02:13 a 00:02:22; 00:02:24 a 00:02:43 e minuto 00:24:42 a 00:24:52,nas suas declarações de parte, prestadas na audiência de 13.06.2019,gravadas no sistema de gravação digital, H@bilus Media Studio,das15:28horas às 16:11 horas. Porém, tal afirmação está em completa e evidente contraposição com o que resulta dos poucos orçamentos que a A. juntou a pedido do R., fls. 23v e 24v, pois eles datam de 2013 e 2014, sendo, por isso, lógica e cronologicamente que o Réu tenha ido às instalações da A. em Agosto de 2015, levando-lhe as medidas e os desenhos de como queria a obra em concreto, e tendo-lhe dado o gerente da A. o preço e combinado transporte, quando os orçamentos para esse pedido feito em Agosto de 2015, altura em que se facultou as medidas e os desenhos, foram feitos em junho de 2013 e de 2014!
15-Por conseguinte, daqui terão de se extrair, desde logo, três consequências. A primeira é que, a decisão em crise não andou bem quando não foi capaz de articular a afirmação quanto à data da encomenda, os moldes em que foi feita (com entrega das medidas e desenhos, na mesma altura, e informação do preço) com os orçamentos juntos pela A., cujas datas neles apostas, aliada à descrição do momento da encomenda, mostram que o que é dito pelo gerente da A. nunca poderia ter ocorrido em agosto de 2015, o que implica que ele não pode estar a dizer a verdade quanto à data. A segunda, é que não se pode valorar, desde logo, as declarações nesta parte. E, a terceira é, se nas suas declarações de parte o gerente da A. não está a dizer a verdade quanto à data, e, tratando-se, como é normal, de declarações interessadas, parciais, tendenciosas, é muito provável que aconteça o mesmo quanto aos demais factos em apreço, razão pela qual as demais afirmações teriam de ser apreciadas com maiores cautelas.
16-As declarações de parte prestadas pelo gerente mostraram-se contraditórias até com a própria versão apresentada pela A., o que aconteceu, por exemplo, quanto à natureza dos trabalhos, na medida em que a A. alegou tratar-se de “renovação de caixilharia de um imóvel propriedade do Réu”, mas o gerente disse que se tratou de uns “acabamentos”, pois já tinha feito a caixilharia em 2011 ou 2012, tendo depois referido tratar-se da realização de uns “anexos”, conforme resulta das suas declarações de parte, prestadas na audiência de 13.06.2019, gravadas no sistema de gravação digital, H@bilus Media Studio, das 15:28 horas às 16:11 horas, concretamente na passagem 00:02:00 a 00:02:12; 00:04:16 a 00:04:44.
17-Mais, no requerimento de injunção, a A. afirma ter aplicado artigos do seu fabrico e comércio e na fatura fez constar “Fornecimento e aplicação” antes de elencar os itens, mas, arguida a incompetência internacional dos tribunais portugueses, designadamente por se tratar de material aplicado em França, a A. apressou-se a contradizer a versão inicial e a reinventar a história dos factos, alegando depois que entregou a mercadoria ao Réu nas suas instalações (requerimento de resposta às excepções). O legal representante, nas suas declarações de parte, embora tenha afirmado que não colocou material, e que apenas o vendeu e o R. depois aplicou, a verdade é que, nas suas declarações/depoimento de parte, usou vocábulos, expressões e formas verbais que evidenciam que a A. aplicou/colocou o dito material, admitindo, no fundo, que colocou na dita casa material, particularizando em relação aos portões, brisa solar e marquise interior(“Em 2015 fui eu que fui lá”; “Esta foi a que nós fizemos os trabalhos e esta onde ele morava”; “fizemos-lhe uma estrutura toda lá dentro para fazer aquilo”;” que também metemos lá”; “quando nós as metemos” (referindo-se à brisa solar); “Eu não coloquei nada, eu vendi-los, ele é que levou para França, eu não coloquei lá nada. Nessa parte final não coloquei nada lá”), tudo como ficou registado nas suas declarações de parte, prestadas na audiência de 13.06.2019, gravadas no sistema de gravação digital, H@bilus MediaStudio, das 15:28 horas às 16:11 horas, especificamente na passagem 00:04:55 a 00:05:00; 00:03:45 a 00:03:48; 00:03:58 a 00:04:07; 00:04:16 a 00:04:44 e 00:05:51 a 00:05:54; 00:05:28 a 00:05:41 e 00:05:55 a 00:06:00.
18-As contradições ao longo das próprias declarações em si mesmas também são muitas e gritantes, o que evidencia a sua inconsistência e incoerência. Ora, a propósito das obras que diz ter realizado no mesmo imóvel em 2011 ou 2012, o gerente da A., inicialmente, admite que foi emitida factura para uma das empresas francesas, embora não recordasse o nome, para logo de seguida declarar que já não se recordava, e para mais à frente admitir que nessa situação de 2011 ou 2012 deu os preços à empresa de materiais de construção, que depois colocava a sua margem e vendia em França, conforme se pode constatar nos minutos 00:08:21 a 00:08:35; 00:08: 31 a 00:08:44; 00:08:57 a 00:09:17 e 00:26:01 a 00:26:13, das suas declarações de parte, prestadas na audiência de 13.06.2019, gravadas no sistema de gravação digital, H@bilus Media Studio, das 15:28 horas às 16:11 horas.
19-Quanto aos procedimentos habitualmente tomados nas relações comerciais entre a A. e as empresas francesas, novamente o legal representante da A. se contradiz frontalmente ao longo das suas declarações de partes, pois que, embora inicialmente tenha dito que, no caso em apreço, em que os trabalhos, segundo diz, eram para o Réu pessoalmente, foi o Réu quem lhe foi dar as medidas à fábrica, e afirmar que era sempre o Réu a dar-lhe as medidas, mais à frente acaba por dizer que, nas situações em que os trabalhos eram para as empresas, era ele- gerente- que ia a França buscar os projectos para depois dar os orçamentos, como se pode ouvir ao minuto 00:02:24 a 00:02:42 e 00:24: 22 a 00:24:54, das suas declarações de parte, prestadas na audiência de 13.06.2019, gravadas no sistema de gravação digital, H@bilusMediaStudio, das 15:28 horas às 16:11 horas.
20-Ademais, sobressai das declarações do legal representante da A. uma falta de memória selectiva para o que possa comprometer a A., e tentativas de justificar não ter de entregar documentos que lhe são pedidos para justificar as afirmações que vai fazendo. Com efeito, primeiramente sabe que as facturas das obras realizadas em 2011, ou 2012, no mesmo imóvel, foram emitidas a uma das empresas francesas, depois diz que já não se lembra, e primeiro diz ter as faturas, e de seguida, quando a mandatária do Réu lhe pergunta se as tem e pode juntar, já diz que como estão num PER, não sabe como está a contabilidade, que não será muito fácil fazer isso, o que se verifica especificamente das passagens 00:08:21 a 00:08:44; 00:08:57 a 00:09:17 e 00:38:26 a 00:38:40, das declarações prestadas na audiência de 13.06.2019, gravadas no sistema de gravação digital, H@bilus Media Studio, das 15:28 horas às 16:11 horas.
21-Questionado acerca da diferença entre as situações em que as mercadorias se destinavam às empresas, e esta situação em que a A. alega ter procedido à entrega de materiais para o Réu pessoalmente, responde: “Isso já não lhe sei dizer.”, e quando a mandatária do Réu o questiona sobra a guia de transporte respeitante a estes materiais, ele diz que ela existe, que foi ele que a emitiu manualmente num livro de guias, mas quando ouviu o requerimento para que fosse ordenada a sua junção, já se apressou a dizer que deveria estar numa carrinha que ficou retida em França, que ficou registado nas passagens 00:23:48 a 00:24:20; 00:40:17 a 00:40:39; 00:41:03 a 00:41:07, das suas declarações de parte, prestadas na audiência de 13.06.2019, gravadas no sistema de gravação digital, H@bilus Media Studio, das 15:28 horas às 16:11 horas.
22-Mas a total inconsistência das declarações de parte do legal representante da A. não se resume ao ora enunciado, mas também, e ao contrário do que ficou vertido na sentença, com a contradição com os outros depoimentos prestados em sede de audiência de julgamento, particularmente aqueles que a sentença indica como tendo corroborado o que por ele foi dito.
23-Começando pelo confronto entre as declarações de parte do gerente da A. com o depoimento do seu primo, D. R. (prestado na audiência de 03.07.2019, gravado no Sistema informático disponível no tribunal “Media Habilus Studio”,com início às 16:22:04 horas e fim às 16:29:56 horas), temos que, enquanto o legal representante da A. diz que, numa das vezes em que foi à casa do R., sita em …, França, vinha de Paris com outro familiar (que identifica como sendo a testemunha D. R.), e passou lá de propósito, para tentar receber a quantia em dívida e ver o que o Réu reclamava de defeitos como justificação para não pagar, tendo procedido a pequenas afinações, e o Réu se comprometido a pagar ( passagens do minuto 00:06:31 a 00:06:42; 00:11:34 a 00:11:47; 00:11:55 a 00:12:06 e 00:08:01 a 00:08:17; das DECLARAÇÕES DE PARTE DO AUTOR, prestadas na audiência de13.06.2019,gravadas no sistema de gravação digital, H@bilus Media Studio, das 15:28 horas às 16:11 horas), já a testemunha D. R. diz que numa altura em que estava em Paris, com o primo, em Janeiro/Fevereiro de 2016, este lhe disse, além do mais, que havia um cliente, entre outros, que não lhe pagava, e que, já que estavam na zona onde ele reside, decidiram passar por lá. Mais referiu que se tratou, apenas, de uma curta conversa, na qual o primo perguntou ao senhor que estava na casa se sabia a razão de ele estar ali e este disse que ia fazer o pagamento, e que ficaram à entrada da casa. Não se referiu a qualquer trabalho de afinação ou outro, e afirmou que o senhor que estava na casa e que foi interpelado pelo primo, não fez qualquer reclamação, nem falou em quaisquer defeitos (depoimento de D. R., prestado na audiência de 03.07.2019, gravado no Sistema informático disponível no tribunal “Media Habilus Studio”,com início às 16:22:04 horas e fim às 16:29:56 horas, precisamente nas passagens 00:00:31 a 00:00:39; 00:01:24 a 00:01:52;00:01:57 a 00:02:08;00:03:35 a 00:03:37; 00:03:42 a 00:04:03; 00:04:04 a 00:04:20; 00:05:30 a 00:05:48; 00:06:01 a 00:06:31; 00:06:57 a 00:07:26; 00:07:27 a 00:07:36), acabando por confirmar, se dúvidas houvesse, que a residência onde se deslocou com o primo foi em Paris, na região parisiense, embora não sabendo a Rua, pois apenas conhece a localidade.
24-Além da evidente oposição do relato de uma que deveria ser a mesma situação, é claro, e notório, que ela, a ter decorrido, nem ocorreu na mesma localização, nem sequer próxima! Efectivamente, como é notório, ... situa-se no sul de França, e Paris no norte desse país, distando 700km e a 7 horas de automóvel uma da outra. Por conseguinte, a versão do legal representante do A., quanto à alegada deslocação a casa do R., sita em ..., em nada é corroborada pelo depoimento da própria testemunha que ele diz ter ido acompanhá-lo.
25-A sentença refere que a testemunha D. R. disse que, “chegados à residência onde reside o Réu, em …”, mas tal não é verdade, pois, como se viu, a testemunha D. R. nunca falou em …, mas referiu expressamente que a residência onde se deslocou se situava na região parisiense.
26-Nesta conformidade, no que tange à admissão por parte do Réu de que devia qualquer quantia à A., e ao compromisso na sua regularização, referidos na sentença, o depoimento da testemunha D. R. não pode valer como prova, pois ela refere expressamente um local e circunstâncias completamente opostas das referidas pelo legal representante da A., o mesmo se dizendo em relação à valoração do depoimento desta testemunha no sentido em que o fez a sentença quanto à visualização de que os alumínios estavam colocados, porquanto além de a testemunha não ter ido à casa onde supostamente mora o Réu, também não pode ter visto os alumínios que a A. alega terem lá sido aplicados, os quais, ademais, no dizer do gerente da A. respeitam a anexos (minuto 00:04:20 a 00:04:44 das declarações de parte, prestadas na audiência de 13.06.2019, gravadas no sistema de gravação digital, H@bilus Media Studio, das 15:28 horas às 16:11 horas), e a testemunha diz terem ficado à entrada ( passagem a 00:06:40 a 00:06:54, do depoimento da testemunha D. R., prestado na audiência de 03.07.2019, gravado no Sistema informático disponível no tribunal “Media Habilus Studio”,com início às 16:22:04 horas e fim às 16:29:56 horas), incorrendo o Tribunal a quo em erro de apreciação da prova, não só por não ter notado as gritantes discordâncias dos depoimentos, mas também por não ter concluído que, em se tratando de uma casa sita na região parisiense nunca poderia respeitar à casa do Réu, que, sendo em …, dista cerca de 700km de Paris.
27-O depoimento da testemunha A. T. também não corrobora a versão do legal representante da A.; não tem o sentido que lhe foi dado pela sentença; não é consentâneo com o do gerente da A.; nem ele próprio, no sentido em que é feito, nomeadamente nem conseguindo indicar o ano em que ocorreu, é passível de fazer prova dos factos enunciados no item 2. Dos factos provados, pelo que não pode ser valorado para prova da referida matéria de facto.
28-Contrariamente ao mencionado na sentença, o depoimento de A. T. não corrobora a versão do legal representante da A., quando este diz que: diferentemente do que acontecia nas situações em que a mercadoria era para clientes que o R. arranjava em França, em que era sempre a A. a ir entrega-la, nesta situação, porque se tratou de material para uso pessoal do R., ele veio buscá-la pessoalmente. Em primeiro lugar, porque essa não foi a versão do legal representante, que disse que nas outras situações era também o R. que tratava de tudo, incluindo transporte, e nunca se disse (nem o gerente da A., nem a esta testemunha, nem ninguém) que o R. veio buscar a mercadoria pessoalmente, mas que mandara uma transportadora, não tendo estado presente (conforme deixa nas passagens 00:08:05 a 00:08:19; 00:17:28 a 00:17:37; 0035:20 a 00:35:25; 00:36:21 a 00:36:31 e00:37:44a00:37:54, das declarações/depoimento de parte, prestadas na audiência de 13.06.2019, gravadas no sistema de gravação digital, H@bilus Media Studio, das 15:28 horas às 16:11 horas, e nos minutos 00:12:26 a 00:12:36; 00:12:45 a 00:12:59; 00:13:11 a 00:13:17; 00:13:18 a 00:13:22; e passagens 00:13:54 a 00:14:12; 00:16:38 a 00:16:40 a 00:16:56 da primeira parte do depoimento de A. T. prestado na audiência de 13.02.2020, gravado no Sistema informático disponível no Tribunal H@bilus Media Studio, com início às 10:32:14 horas e fim às 10:58:01 horas, interrompido e retomado, ficando gravado no Sistema informático disponível no Tribunal H@bilus Media Studio, com início às 11:04:34 horas e fim às 11:13:34 horas). E em segundo lugar, porque, em consequência, se em todas as situações se procedeu assim quanto ao transporte, não se pode inferir que esta mercadoria foi para o R. a título pessoal, porque foi até diferente o procedimento, o que, como se viu, nem foi!
29-Novamente ao contrário do referido na sentença, a testemunha não disse recordar «“o Réu lhe ter dito que depois de carregar a pedra ia carrear o alumínio por cima por ser mais leve, no mesmo camião”», tendo explicado que quem lhe disse isso foi o gerente da A. (passagens 00:12:48 a 00:12:59, 00:13:11 a 00:13:17, 00:13:18 a 00:13:40, 00:15:53 a 00:15:59, primeira parte, do depoimento de M. T., prestado na audiência de 13.02.2020, gravado no Sistema informático disponível no Tribunal H@bilus Media Studio, com início às 10:32:14 horas e fim às10:58:01 horas, interrompido e retomado, ficando gravado no Sistema informático disponível no Tribunal H@bilus Media Studio, com início às 11:04:34 horas e fim às 11:13:34 horas), e não se pode concluir que ela tenha dito: “ele carregava na minha empresa e depois ia carregar na mesma carrinha carregar à X”, antes tendo dito: “Eu acho que era isso, ele carregava na minha e depois ia carregar à X” (minutos 00:05:29 a 00:05:54, primeira parte, do depoimento de M. T., prestado na audiência de 13.02.2020, gravado no Sistema informático disponível no Tribunal H@bilus Media Studio, com início às 10:32:14 horas e fim às 10:58:01 horas, interrompido e retomado, ficando gravado no Sistema informático disponível no Tribunal H@bilus Media Studio, com início às 11:04:34 horas e fim às 11:13:34 horas), não tendo dito, também, que a encomenda da pedra era para aplicar na casa do R., muito menos que ela fosse para seu uso pessoal, mas apenas que o R, lhe pediu pedra igual à anteriormente fornecida para fazer um anexo na casa (na mesma casa para onde antes a testemunha havia fornecido pedra)- minutos 00:15:00 a 00:15:10, da primeira parte do depoimento, 00:55:00 a 00:01:03 da segunda parte, do depoimento de M. T., prestado na audiência de 13.02.2020,gravado no Sistema informático disponível no Tribunal H@bilus Media Studio, com início às 10:32:14 horas e fim às 10:58:01 horas, interrompido e retomado, ficando gravado no Sistema informático disponível no Tribunal H@bilus Media Studio, com início às 11:04:34 horas e fim às 11:13:34 horas.
30- Além de não corroborar a versão do gerente da A., o depoimento de A. T., está em confronto directo relativamente a elementos essenciais da “narrativa”, tudo indicando que, ou não aconteceu, ou, tendo acontecido em moldes tão diferentes, pode o episódio relatado pela testemunha reportar-se a qualquer das outras situações em que a mercadoria se destinava a outras entidades francesas.
31-A testemunha A. T. começa logo por nem recordar o ano em concreto, referindo-se a 2012/2015, mas depois admite que a entrega foi em outubro - sabe-se de lá de que ano-(depoimento prestado na audiência de 13.02.2020,gravado no Sistema informático disponível no Tribunal H@bilus Media Studio, com início às 10:32:14 horas e fim às 10:58:01 horas, interrompido e retomado, ficando gravado no Sistema informático disponível no Tribunal H@bilus Media Studio, com início às 11:04:34 horas e fim às 11:13:34 horas, ao que aqui interessa ao imuto 00:02:47 a 00:03:00 da primeira parte), de nada valendo o relato deste episódio, sem especificar pelo menos o ano, para aferir se, nessa altura, o alumínio era para o Réu, ou se se tratou de uma de todas as outras situações em que foi para as empresas francesas.
32- As contradições começam logo na realização da encomenda (cujo ano se pode situar entre 2012 e 2015…), pois, enquanto o legal representante da A. diz que telefonou à testemunha e esta se deslocou à sua fábrica (declarações de parte, prestadas na audiência de13.06.2019,gravadas no sistema de gravação digital, H@bilus Media Studio, das 15:28 horas às 16:11 horas, aos minutos 00:16:56 a 00: 17:20, 00:17:25 a 00:17:27, 00:17:21 a 00:17.30) já a testemunha diz que foi o R. e o gerente da A. que se deslocaram à fábrica dele (minutos 00:09:13 a 00:09:29, 00:12:19 a 00:12:23, 00:14:23 a 00:14:39, primeira parte do seu depoimento prestado na audiência de 13.02.2020, gravado no Sistema informático disponível no Tribunal H@bilus Media Studio, com início às 10:32:14 horas e fim às 10:58:01 horas, interrompido e retomado, ficando gravado no Sistema informático disponível no Tribunal H@bilus Media Studio, com início às 11:04:34 horas e fim às 11:13:34 horas). E continuam quanto à hora do transporte, pois A. T. referiu que o carregamento – que se resumiu a “duas paletezinhas”- ocorreu por volta das onze e meia da manhã, meio-dia (minutos 00:06:02 a 00:06:12, 00:09:36 a 00:09:46, 00:05:18 a 00:05:58, da primeira parte do depoimento prestado na audiência de 13.02.2020, gravado no Sistema informático disponível no Tribunal H@bilus Media Studio, com início às 10:32:14 horas e fim às 10:58:01 horas, interrompido e retomado, ficando gravado no Sistema informático disponível no Tribunal H@bilus Media Studio, com início às 11:04:34 horas e fim às 11:13:34 horas), e o gerente da A. disse que o camião chegou às suas instalações já passava das sete e meia da noite (minuto 00:32:33 a 00:33:22, das suas declarações/depoimento de parte, prestadas na audiência de 13.06.2019, gravadas no sistema de gravação digital, H@bilus Media Studio, das 15:28 horas às 16:11 horas). Por outro lado, o legal representante da A. diz que o camião já vinha com mercadoria de Braga e que depois foi carregar à pedreira da testemunha A. T. (declarações de parte, prestadas na audiência de 13.06.2019, gravadas no sistema de gravação digital, H@bilus Media Studio, das 15:28 horas às 16:11 horas, aos minutos 00:16:56 a 00: 17:20, e 00:17:25, 00:17:21 a 00:17.30),mas A. T. disse expressamente que ele estava vazio (passagem 00:05:10a 00:05:00:05:28 da primeira parte do depoimento prestado na audiência de 13.02.2020,gravado no Sistema informático disponível no Tribunal H@bilus Media Studio, com início às 10:32:14 horas e fim às 10:58:01 horas, interrompido e retomado, ficando gravado no Sistema informático disponível no Tribunal H@bilus Media Studio, com início às 11:04:34 horas e fim às 11:13:34 horas).
33-A circunstância de o gerente da A. ter dito ao A. T. que o R. não lhe pagava e que ele até tinha ido a França por causa disso, conforme se deixou dito na sentença, merece, desde logo, um reparo, na medida em que, o gerente nem diz que foi de propósito a França à casa do R., diz antes que, em deslocações que fez a França, aproveitou para ir à casa do R. ver o que ele reclamava de defeitos, fazer afinações e insistir pelo pagamento (declarações de parte, prestadas na audiência de 13.06.2019, gravadas no sistema de gravação digital, H@bilusMediaStudio, das 15:28 horas às 16:11 horas, aos minutos 00:06:31 a 00:06:42,00:07:03 a 00:07:05,00:11:34 a 00:11:47,00:8:01 a 00:08:15) e o gerente refere sempre o nome do Réu, “Sr. J. B.” ou “ele”, mesmo quando se está a referir às outras entidades (declarações de parte, prestadas na audiência de 13.06.2019, gravadas no sistema de gravação digital, H@bilus Media Studio, das 15:28 horas às 16:11 horas, pex. aos minutos 00:24:20 a 00:24:54, 00:32:33 a 00:32:54), pelo que, dizer que o R. lhe deve dinheiro, neste caso, não significa que seja mesmo o Réu pessoalmente, para mais quando (como o próprio gerente admite) apenas numa situação a mercadoria foi para ele a título pessoal (“só esta situação foi para réu pessoalmente …as vendas anteriores eram para empresas dele”.- página 10 da sentença).
34-Mas, na verdade, o que a testemunha M. T. disse, em relação às queixas do não pagamento por parte do gerente da A., não foi que este “até foi a França por causa disso”, mas que, ele lhe dizia que o Réu não pagava, porque não estava a pagar a ninguém, pois estava numa situação complicada, em crise, e que sabia que ele tinha ido a França várias vezes após o carregamento da mercadoria, não podendo afirmar se ele tinha ido para tentar receber o dinheiro, pois nada lhe foi dito a esse respeito (passagem 00:07:02 a 00:07:21, 00:07:23 a 00:07:51 a 00:08:20 00:08:29, da segunda parte do depoimento prestado na audiência de 13.02.2020,gravado no Sistema informático disponível no Tribunal H@bilus Media Studio, com início às 10:32:14 horas e fim às 10:58:01 horas, interrompido e retomado, ficando gravado no Sistema informático disponível no Tribunal H@bilus Media Studio, com início às 11:04:34 horas e fim às 11:13:34 horas).
35-Por último, o depoimento da testemunha S. A., além de ser totalmente parcial [parcialidade que a mesma desde logo confessou, dizendo, aos costumes, que era esposa de um dos sócios gerentes da A., e que tomava o partido da Autora (minuto 00:01:29 a 00:01:40 do seu depoimento prestado em 03.07.2019, gravado no Sistema informático disponível no tribunal “Media Habilus Studio, com início às 15:15:47 horas e fim às 16:20) ], é totalmente contraditório com as declarações prestadas pelo legal representante da A., com documentos que constam dos autos (fls. 33 e 23v e 24v), padece de incoerências evidentes, não sendo consistente, e muito menos suficiente para prova do item 2 dos factos provados, sendo certo que, do seu depoimento não decorre, sequer, tudo o que se fez constar da sentença, nem nos precisos termos em que o foi, tendo o tribunal errado ao valorá-lo para prova do item 2 dos factos provados.
36-Na verdade, ao contrário do que consta da sentença, a testemunha S. A. não prestou depoimento no sentido de o Réu ser cliente desde 2012 (o que conflituaria com a afirmação imputada pela sentença ao gerente da A. e confirmada por esta testemunha, de que “só esta situação foi para o réu pessoalmente…as vendas anteriores eram para a empresa dele”, porquanto a situação que é alegada teria decorrido em 2015). O que a testemunha disse foi que, em 2012, a A. começou afazer trabalhos para as “empresas dele”- referindo-se ao R., tendo dito também, é verdade, que apenas a situação em apreço foi para ele pessoalmente, negando até que a A. tivesse realizado anteriormente trabalhos na casa em questão, afirmando que, do seu conhecimento, para a casa do Sr. J. B. só houve a factura dos autos ( minuto 00:03:14 a 00:03:47; 00:44:11 a 00:44:28; 00:58:46 a 00:59:09, do seu depoimento prestado na audiência de 03.07.2019, gravado no Sistema informático disponível no tribunal “Media Habilus Studio”, com início às 15:15:47 horas e fim às 16:20:42 horas), o que, de resto, se encontra em clara oposição com o que disse o legal representante da A.. (nas suas declarações de parte, prestadas na audiência de 13.06.2019, gravadas no sistema de gravação digital, H@bilus Media Studio, das 15:28 horas às 16:11 horas, ao que ora interessa nos minutos 00:02:00 a 00:02:12; 00:04:47 a 00:04:54; 00:08:21 a 00:08:44; 00:26:01 a 00:26:28)
37-A testemunha S. A. também não disse textualmente que o Réu “foi lá tirar as medidas”, o que ela disse foi que o Réu tinha levado as medidas, acrescentado mesmo que era sempre ele quem levava as medidas (minutos 00:06:21 a 00:06:30 do seu depoimento prestado no dia 03.07.2019, constantes do Sistema informático disponível no tribunal “Media Habilus Studio”, com início às 15:15:47 horas e fim às 16:20:42 horas)
38-A testemunha S. A. disse, que isso se passara em agosto de 2015 (único facto em que a sua versão coincide com a do gerente (seu cunhado) - gravações do seu depoimento, em concreto nos minutos 00:05:38 a 00:06:16; 1:04:15 a 1:04:54, prestado no dia 03.07.2019, constantes do Sistema informático disponível no tribunal “Media Habilus Studio”,com início às 15:15:47 horas e fim às 16:20:42 horas- no, entanto, confrontada esta versão com os 2 orçamentos juntos pela A. afls.23ve24v, verifica-se que estando eles datados de 2013 e 2014, não é possível que o Réu tenha ido às instalações da A. levar as medidas e pedir uns trabalhos, quando os orçamentos, que, de acordo com essas declarações, teriam sido pedidos em 2015, já datam de 2013 e 2014! E confrontada a data em que a testemunha refere terem-se passado os factos com o e-mail que ela enviou ao R. em 22.10.2015 (fls.33), pedindo o pagamento de 8.000€, face a descontar-se a obra paneleiros e falhas da X em relação a atrasos e outros, valor que corresponde ao valor da factura junta aos autos (fls. 23 e 28), antes de aplicado o Iva e o “desconto”(vide“Incidência8.000.00”),e, por isso, necessariamente respeitante aos trabalhos sub judice, tem de se concluir que, naquela data, os trabalhos já tinham sido entregues, o que é contraditório com eles terem sido entregues em Dezembro de 2015, como afirmou a testemunha.
39-Em sentido diametralmente oposto ao que disse o gerente da A., que referiu que nas outras situações, nas quais as vendas sempre foram para as empresas, era sempre ele a ir a França e a trazer de lá os projectos (minuto 00:02:48 a 00:26:01 das declarações de parte, prestadas na audiência de 13.06.2019, gravadas no sistema de gravação digital, H@bilus Media Studio, das 15:28 horas às 16:11 horas), a testemunha afirmou que era sempre o R. a dar as medidas (cfr seu depoimento ao minuto 00:06:21 a 00:06:30, prestado na audiência de 03.07.2019, gravado no Sistema informático disponível no tribunal “Media Habilus Studio”, com início às 15:15:47 horas e fim às 16:20:42 horas), e que o Réu fazia sempre as encomendas pessoalmente nas instalações da A., nas alturas das férias do verão e no Natal, altura em que o via lá, conforme consta do seu depoimento prestado na audiência de 03.07.2019, gravado no Sistema informático disponível no tribunal “Media Habilus Studio”, com início às 15:15:47 horas e fim às 16:20:42 horas, do minuto 00:05:48 a 00:06:16; 00:24:00 a 00:24:17; 00:27:43 a 00:28:20.
40-Quando a sentença refere que a testemunha S. A. diz que foi o Réu que quis ir buscar a mercadoria, não se entenda que a testemunha tenha dito que o Réu, porque este material era para ele pessoalmente, quis vir buscar a mercadoria e que o fez pessoalmente. A testemunha disse simplesmente, quando perguntada se sabia a razão da obra não ter sido entregue e colocada pela A., que foi o Réu que quis assim, que combinou com a A. que ele trataria do transporte e da “pousa” da obra, conforme resulta claro do seu depoimento, gravado no Sistema informático disponível no tribunal “Media Habilus Studio”, com início às 15:15:47 horas e fim às 16:20:42 horas, passagens 00:07:46 a 00:08:03; 00:59:32 e 00:59:55.
41-Mais uma vez em total oposição ao relatado pelo gerente da A., a testemunha S. A., afirmou que nunca existiu qualquer reclamação por parte do Réu(cfr.Passagem do minuto 00:16:15 a 00:16:41, do seu depoimento, prestado em 03.07.2019, gravado no Sistema informático disponível no tribunal “Media Habilus Studio, com início às 15:15:47 horas e fim às 16:20:42), quando o contrário se extrai do e-mail que o R. lhe enviou (fls. 37) em resposta ao e-mail enviado por ela em16.03.2016,e da admissão da verificação de falhas por atrasos e outros no e-mail enviado por ela, de fls.33-,eolegalrepresentante afirmou que o R. estava sempre a reclamar, que não pagava por “isto, e por aquilo”, e pedia até para ele ir a França ver a situação, e ele até foi lá para ver o que ele tanto reclamava, afirmando este que era o R. quem lhe ligava, e a testemunha diz que era o legal representante que estava sempre a telefonar (vide passagem 00:06:31 a 00:06:12 00:08:01 a 00:08:06, das declarações de parte, prestadas na audiênciade 13.06.2019, gravadas no sistema de gravação do digital, H@bilus Media Studio, das 15:28 horas às 16:11 horas, e minuto 00:51:00 a 01:04:12 do depoimento de S. A., prestado em 03.07.2019, gravado no Sistema informático disponível no tribunal “Media Habilus Studio, com início às 15:15:47 horas e fim às 16:20:42).
42-Também em sentido completamente oposto das declarações do gerente da A, a testemunha S. A. nega terem sido realizados outros trabalhos anteriormente na casa em referência, e inexistir outra factura com obras feitas anteriormente para a mesma casa ( cfr. Passagem do minuto, 00:44:11 a 00:44:28 e 00:58:46 a 00:59:09, do seu depoimento, prestado em 03.07.2019, gravado no Sistema informático disponível no tribunal “Media Habilus Studio, com início às 15:15:47 horas e fim às 16:20:42), enquanto o legal representante disse, desde logo, que em 2011 ou 2012, fez a obra nessa casa (cfr. Passagem00:04:16a00:04:44 e00:26:01a 00:26:28, das declarações de parte da A., prestadas na audiência de 13.06.2019, gravadas no sistema de gravação do digital, H@bilus Media Studio, das 15:28 horas às 16:11 horas).
43-A decisão em crise refere que o próprio R. confessou ter adquirido a caixilharia em causa à Autora, embora ele diga que o fez na qualidade de intermediário de uns clientes da empresa onde trabalhava na altura em França, para uma obra de uma casa em ..., mas tal não sucedeu, uma vez que o Réu prestou declarações de parte depoimento de parte, mas nunca confessou, no sentido estrito ou outro, que a caixilharia, fabricada/fornecida em 2015, tenha sido fornecida para uma casa em .... É o que resulta da simples leitura da assentada da acta de 13.06.2019, a qual, em bom rigor nem reproduz o que ele disse, por aí se referir “vidros” e “portões”, e ele não se referiu a eles, tendo, isso sim, referido expressamente que todo e qualquer trabalho feito naquela casa foi feito antes de agosto de 2014, altura em que foi morar para essa casa, arrendada (declarações/depoimento de parte, prestados na audiência de 13.06.2019, gravadas no sistema de gravação digital, H@bilus Media Studio, das 14:39 horas às 15:27 horas, nas passagens 00:02:54 a 00:31:00; 00:03:38 a 00:04:10; 00:21:40 a 00:21:53; 00:21:55 a 00:22:04; 00:22:51 a 00:22:55; 00:23:45 a 00:23:57; 00:41:10 a 00:41: 52; 00:42:00 a 00:42:23; 00:20:35 a 00:20:41; 00:02:54 a 00:31:00; 00:20:35 a 00:20: 41).
44-Assim, não tendo o Réu confessado que a caixilharia a que respeita a factura de fls. 23 e28,e que a A. alega ter sido fornecida para ele em 2015, foi fornecida pela A., e muito menos que foi ele enquanto intermediário, que a adquiriu, não pode ser dada como provada a matéria do ponto 2. dos factos provados, pelo menos com base na dita confissão.
45-De resto, e a propósito das declarações de parte do Réu, a decisão revidenda não se pronuncia sequer acerca da sua bondade, credibilidade, coerência, genuidade, ignorando-as completamente, sem, porém, explicar a sua razão, muito menos a razão de valorar as da A. e não as do Réu.
46-Sem prescindir, não existe prova suficiente para o Tribunal a quo ter dado como provado que:
- a mercadoria foi solicitada pelo Réu, mediante orçamento;
- que a mercadoria se destinava à renovação da caixilharia;
- para um imóvel da propriedade do Réu;
- que a mercadoria tivesse o valor de 9.840€.
47-E assim porque, apenas se encontra junto aos autos orçamento (s) (fls. 23v e 24v) de parte da mercadoria constante na factura, e nenhuma das testemunhas aludiu ao fornecimento de orçamento, ou pelo menos do valor/preço, que os trabalhos iriam custar.
48- A casa era nova (depoimento/declarações de parte do R., prestados na audiência de 13.06.2019, gravadas no sistema de gravação digital, H@bilus Media Studio, das 14:39 horas às 15:27 horas, em concreto do minuto 00:21:40 a00:21:53) e, de acordo com o gerente da A. a obra de 2015 respeitava a uns anexos a construir (cfr. das declarações de parte da A., prestadas na audiência de 13.06.2019, gravadas no sistema de gravação do digital, H@bilus Media Studio, das 15:28 horas às 16:11 horas, do minuto 00:02:13 a 00:02:22 e 00:04:20 a 00:04:44). Além disso, o termo “caixilharia” refere-se a qualquer armação, seja de madeira, alumínio ou PVC, utilizada para o encaixe de placas de vidro ou outros tipos de materiais translúcidos que formam a estrutura de uma janela, porta ou vitral, não correspondendo a tal designação “portões”, “brisas solares”, e sabe-se lá a que corresponde as obras não discriminadas na factura.
49-A propriedade do imóvel em causa como sendo do R. apenas era passível de ser provada por documento, o que não sucedeu, sendo certo que, mesmo que assim se não entenda, não há qualquer outro elemento de prova capaz de a dar como provada.
50-Inexistindo orçamentos de todos os itens constantes na factura, e nenhuma testemunha ou parte, tendo deposto quanto ao valor dos trabalhos, não se pode dar como provado que a mercadoria tivesse o valor de 9.840€.
51-O item2. Dos factos provados tem de ser dado como não provado, passando a constar da matéria de facto não provada, e, em consequência, uma vez que o ónus probatório recaía sobre a A., deve o R. ser absolvido do pedido, e a A. condenada nas custas processuais.
52-Por outro lado, foi produzida prova de factos alegados pelo Réu na sua oposição, a saber, itens 10.º a 16º, porquanto, das declarações de parte do legal representante da A. decorre que ele admitiu a realização de trabalhos no mesmo imóvel em 2011 ou 2012, que foram facturados à empresa de construção de materiais (item 10 e 11 da oposição); a realização de todos os outros trabalhos para empresas francesas, a saber, a P. M. e a Y (10 e 11 da oposição); que os trabalhos em causa não respeitaram a qualquer renovação de caixilharia (parte final do item 9.º da oposição); que o Réu reclamava de defeitos nos trabalhos e contactava telefonicamente o gerente nesse sentido; e que o Réu, pelo menos desde a altura em que recebeu o e-mail da testemunha S. A. para proceder ao pagamento da factura (fls. 33 e 34), sempre se mostrou surpreendido com a emissão da factura em nome dele, argumentando que a A. nunca realizou para ele quaisquer trabalhos (itens 13.º a 15.º da oposição), sendo também de atender à confissão que a A. faz no requerimento de 28.02.2019, no qual admite que as empresas francesas não pagaram pelo menos parte dos valores que ela lhes facturou, pelo que está provado que as empresas francesas ficaram a dever quantias que a A. lhes havia facturado (parte do item 10.º da oposição), tudo conjugado com os documentos de fls. 37 e 38. Por isso, deve ser dado como provado o alegado de 10.º a 16.º da oposição, que devem constar da matéria de facto provada, nos seguintes termos:
f) A A. manteve relações comerciais com sociedades de direito francês das quais o requerido chegou a ser o gerente;
g) para quem ela prestou serviços da sua arte, isto é, serralharia civil, em regime de sub-empreitada, sempre em território francês, pelo menos entre os anos de 2012 e 2014;
h) Essas empresas não pagaram à A. a totalidade das facturas que ela lhes emitiu;
i) Quando em Março de 2016 o R. tomou conhecimento da eventual emissão de uma factura em seu nome, reagiu de imediato, informando a A. que nunca lhe solicitara quaisquer serviços, nem ela alguma vez lhos prestou, não percebendo a razão de estar a ser emitida uma factura em seu nome, sendo certo que nunca recebera aquela factura, e apenas estava a tomar conhecimento dela naquele momento.
j)No fim do ano de 2016, quando R. recebeu carta dirigida pelo mandatário subscritor do requerimento de injunção pedindo-lhe o pagamento voluntário da factura em dívida, sob pena de encetar diligências visando exigi-la coercivamente, a mandatária do R. respondeu em moldes semelhantes ao por ele respondido.
53-Ademais, o Tribunal a quo, não extraiu as devidas consequências a nível probatório, da permanente, sistemática e injustificada falta de junção de documentos por parte da A., pois, apesar de ter sido ordenada, a pedido do R., que a A. juntasse todas as Guias de remessa/transporte, orçamentos, notas de encomenda de todo o material que a A. alegara ter sido por ele encomendado a título pessoal, documentos imprescindíveis para o R. provar a sua versão, e não obstante as insistências posteriores, e a notificação em sede de audiência para que a A. juntasse a guia de transporte que se referiu existir em sede de declarações de parte, e e-mail através do qual a testemunha S. A. alega ter remetido a factura ao R. aquando da sua emissão, o certo é que a A. juntou somente 2 orçamentos, que até só correspondem a parte dos trabalhos a que alude a factura cujo pagamento vem solicitar, sem nunca ter dado qualquer justificação.
54-Atendendo à versão do R. apresentada na oposição, sem os documentos aludidos aquele não conseguiria fazer prova da sua versão (no caso, prova diabólica, de não ter contratado com a A.), tendo, assim, a A. tornado ao R. impossível fazer tal prova, razão pela qual deveria o Tribunal a quo, nos termos do disposto no art.º 417.º, n.º 2, ex vi do at.º 430.º do CPC ,e art.º 344.º do CC, ter dado como provado que o Réu não encomendou, nem a A. lhe forneceu, no ano de 2015, artigos do seu negócio para renovação de caixilharia do imóvel de que é proprietário, devendo, assim, este factos passar a integrar os factos provados, com a seguinte redacção:
“Durante o ano de 2015, a A., no exercício da sua actividade profissional, não fabricou nem entregou ao Réu, artigos do seu fabrico e comércio, a solicitação deste mediante orçamento, para renovação da caixilharia num imóvel de sua propriedade, no valor de 9.840,00€.”
55-Ainda que assim se não entenda, a circunstância de a A. não ter junto os documentos em causa, recusando-se, por isso, a colaborar com o Tribunal na descoberta da verdade, em total violação do princípio da boa fé (como foi apanágio da A. em todo o processo) sempre deveria ter valido como princípio de prova de que o Réu não encomendou, nem a A. lhe forneceu, no ano de 2015, artigos do seu comércio para renovação de caixilharia de imóvel de que o R. é proprietário. Este princípio de prova nos termos enunciados, conjugados com os factos provados correspondentes aos itens 10.º a 16.º da oposição, terão de levar, necessariamente, a que se tenha como provado que o Réu não encomendou, nem a A. lhe forneceu, no ano de 2015, artigos do seu comércio para renovação de caixilharia de imóvel de que o R. é proprietário, o que deve ser dado como provado.
56-Como assim, deve passar a constar dos factos provados o seguinte:
“Durante o ano de 2015, a A., no exercício da sua actividade profissional, não fabricou nem entregou ao Réu artigos do seu fabrico e comércio, a solicitação deste mediante orçamento, para renovação da caixilharia num imóvel de sua propriedade, no valor de 9.840,00€.”
57-Em face desta alteração da matéria de facto, o R. tem de ser absolvido do pedido e a A. condenada nas custas do processo.
58-A decisão revidenda violou as seguintes normas jurídicas:
- art.º 10.º, n.º 2, alínea d) do anexo ao regime dos procedimentos a que se refere o art.º 1.º do Dec. Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro;
- art.ºs 5.º; n.º 1; art.º 59.º; art.º 96.º, al.a a); art.º 96.º, al. a); art.º 186.º, n.º 1 e 2. al. a); art.º 278.º, n.º1,alíneaa) e e); n.º3 do art.º576.º;n.ºs 1e 2, doart.º279.º; n.º 1, art.º 417.º, n.º 2, ex vi do art.º 430.º; art.º 552.º, n.º 1, al. d); art.º 576.º; n.ºs 1 e 2, do art.º 577.º; art.º 578.º; art.º 615., º n.º 1, al. d) do CPC, todos do Código de Processo Civil;
- art.sº 4.º ; 5.º (a contrario) ; 7.º (a contrario); 17.º, n.º 1, al. c); n.º 2 do art.º 18.º do Regulamento (UE) n .º 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho de 12 de dezembro de 2012; - art.º 344.º do Código Civil.

Termina pedindo que este Tribunal revogue a decisão recorrida, substituindo-a por outra que, em face das arguidas nulidades ou da declaração da incompetência internacional dos Tribunais portugueses para conhecerem do presente litígio, determine a absolvição da instância do R., ou, não sendo o caso, absolva o R. do pedido.
A Recorrida contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão.
No despacho que admitiu o recurso, a juíza a quo considerou inexistirem nulidades na sentença recorrida.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO:

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigos 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do CPC).

No caso vertente, as questões a decidir que ressaltam das conclusões recursórias são, por ordem lógica, as seguintes:

- Saber se, perante os factos assentes a tal questão respeitante, o tribunal a quo é internacionalmente competente para conhecer da ação;
- Na hipótese de o tribunal ser competente,
. saber se a sentença é nula, por omissão de pronúncia;
. saber se ocorreu erro na apreciação da matéria de facto;
. saber se ocorreu erro na subsunção jurídica dos factos.
*
III. FUNDAMENTOS

Os Factos
A primeira instância considerou provados os seguintes factos:
1. A Autora dedica-se à actividade de fabricação, montagem e colocação de portas, janelas e elementos similares em alumínio, actividade essa que exerce com fins lucrativos (artigo 1.º do requerimento de injunção);
2. Durante o ano de 2015, no exercício da sua actividade profissional, a Autora fabricou e entregou ao Réu artigos do seu fabrico e comércio, a solicitação deste mediante orçamento, para renovação da caixilharia num imóvel de sua propriedade, no valor de 9.840,00€ (artigos 2, 3 e 5 do requerimento de injunção);
3. A Autora enviou e-mail, que o Réu recebeu, em 16-03-2016, do teor do qual resulta “Junto envio a factura que ainda está pendente por pagar, se não efectuar o pagamento da mesma no prazo de 8 dias terei que tomar outras medidas e passará então o processo para o nosso advogado que tomará as devidas providências. Espero não ter que tomar mais medidas, aguardo então uma resposta sua e o devido comprovativo de pagamento. Atentamente, S. A.. X – Serralharia Civil Lda.” (artigo 12 do requerimento de injunção);
4. No requerimento de injunção a Autora apôs a existência de domicílio convencionado entre as partes e indicou como morada do Réu a seguinte: “Lugar de …” (artigo 18 da oposição);
5. Aquando da celebração do negócio jurídico entre as partes descrito em 2., não foi convencionado qualquer domicílio (artigo 18 da oposição);
6. Pelo menos desde 2015 que o Réu se encontra emigrado em ..., França, onde reside (artigo 16 da oposição);
7. A Autora quando preencheu o requerimento de injunção sabia que não tinha sido convencionado domicílio entre as partes processuais, e, não obstante, apôs tal afirmação sabendo ser a mesma inverídica (artigo 18 da oposição);
8. Mais sabia que o Réu residia em ..., França, e não no endereço indicado em 4. (artigo 16 da oposição);
9. Apenas o tendo feito para que o Réu fosse notificado através de carta simples na morada 4., sendo que muito dificilmente saberia da notificação, e, consequentemente, não deduzindo oposição, seria aposta fórmula executória à injunção, passando a Autora a ter contra o Réu um título executivo (artigos 18 e 22 da oposição).

E como não provados os seguintes:
1. A Autora aplicou os materiais referidos no 2.º facto provado (artigo 2 do requerimento de injunção);
2. Foi acordado entre as partes que o preço seria pago pelo Réu à Autora no dia 22-12-2017 (artigo 7 do requerimento de injunção);
3. Os materiais descritos em 2. foram mal executados e apresentavam defeitos, tendo sido a Autora interpelada para os eliminar (artigo 15 da contestação);
4. Porque tais defeitos apresentavam perigo, e perante a recusa definitiva da Autora em os corrigir, tal teve que ser levado a cabo por outra empresa (artigo 15 da contestação).

O Direito.

- Da competência internacional do tribunal recorrido para conhecer da ação

Em causa está a bondade da decisão da primeira instância quanto à decisão sobre a exceção da incompetência internacional suscitada pelo Requerido na respetiva oposição, exceção essa que foi julgada improcedente, questão que, forçosamente, deverá ser conhecida em primeiro lugar porquanto, como pressuposto processual – “condição necessária para que o tribunal se possa pronunciar sobre o mérito da causa” (Acórdão do STJ de 05.05.2004, Relator – Araújo de Barros) – que é, a procedência da pretensão do Recorrente no que a tal questão respeita prejudicará irremediavelmente o conhecimento das restantes, cumprindo aqui realçar que os factos sobre os quais foi emitida decisão na primeira instância e que, no entender deste Tribunal, se mostram relevantes para efeito de apreciação de tal questão – os constantes dos pontos 4 a 6 – se devem ter por definitivamente assentes, uma vez que não foram impugnados no recurso interposto nem relativamente a qualquer um deles foi requerida a ampliação do objeto do recurso.
Isto dito, começar-se-á por recordar só se justificar que a questão da competência internacional seja trazida à colação quando a causa, através de qualquer um dos seus elementos, tem conexão com uma outra ordem jurídica, além da portuguesa, ou, melhor, quando determinada situação, apesar de possuir, na perspetiva do ordenamento jurídico português, uma relação com uma ou mais ordens jurídicas estrangeiras, apresenta também uma conexão relevante com a ordem jurídica portuguesa (cfr. Acórdão do STJ de 08.04.2010, Acórdão da Relação de Évora de 15.12.016, Relator - Mata Ribeiro, e Acórdão da Relação do Porto de 11.07.2018, Relator -Manuel Domingos Fernandes).
Como refere Antunes Varela, in “Manual de Processo Civil”, pág. 188, citado no último dos referidos acórdãos: “a competência internacional (…), designa a fracção do poder jurisdicional atribuída aos tribunais portugueses no seu conjunto, em face dos tribunais estrangeiros, para julgar as acções que tenham algum elemento de conexão com ordens jurídica estrangeiras. Trata-se, no fundo, de definir a jurisdição dos diferentes núcleos de tribunais dentro dos limites territoriais de cada Estado”.
“In casu”, no requerimento de injunção, a Requerente não revelou a existência de qualquer elemento de conexão com ordens jurídica estrangeiras, tendo, para além do mais, indicado como domicílio do Requerido uma morada em Portugal, afirmando ser tal morada a correspondente ao domicílio convencionado (No requerimento de injunção a Autora apôs a existência de domicílio convencionado entre as partes e indicou como morada do Réu a seguinte: “Lugar …”), criando, dessa forma, a aparência de que em causa não estava nenhum caso que justificasse a necessidade de aferir da competência internacional do tribunal português onde foi proposta a ação.
Sucede, porém, que, como resulta dos pontos 5 e 6 dos “Factos provados”, pontos esses não impugnados, aquando da celebração do negócio jurídico entre as partes descrito em 2., não foi convencionado qualquer domicílio e, pelo menos desde 2015 que o Réu se encontra emigrado em ..., França, onde reside.
Significa isto que, de acordo com a matéria apurada, forçoso é, como defendeu o Réu, trazer à colação a dita questão.
Então, vejamos.
O artigo 62º do Novo Código de Processo Civil estabelece os fatores de atribuição da competência internacional aos tribunais portugueses (cuja competência exclusiva vem definida no artigo 63º), salvaguardando-se, no proémio do artigo 59º, a primazia do direito comunitário quando se refere “sem prejuízo do que se ache estabelecido em tratados, convenções, regulamentos comunitários e leis especiais (…)”.
A primazia do direito comunitário neste domínio está em consonância com o preceituado no artigo 8º, nº 4, da Constituição da República, onde se consagra que “as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático”.
Estabelece-se, portanto, o primado dos tratados que regem a União Europeia e das demais normas emanadas das suas instituições sobre o direito interno português, no mesmo se abrangendo, designadamente, os regulamentos europeus.
Tratando-se de países-membros da União Europeia – como é o caso – é aplicável à questão da competência internacional o Regulamento (UE) nº 1215/2012, de 12 de dezembro, que veio substituir o Regulamento (CE) nº 44/2001, do Conselho de 22 de dezembro de 2000, que, por sua vez, tinha vindo substituir a convenção de Bruxelas, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, entre os Estados – Membros da Comunidade.
O critério base para determinar a competência internacional acha-se definido no artigo 4º, nº 1, do referido Regulamento, onde se estatui que: “Sem prejuízo do disposto no presente Regulamento, as pessoas domiciliadas no território dum Estado-Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, perante os tribunais desse Estado”.
Tal significa que o regime regra será o do foro do réu.

Porém, a regra do “domicílio do demandado” não tem carácter absoluto, estabelecendo-se no artigo 7º do Regulamento nº 1215/2012 – equivalente ao art. 5º do Regulamento nº 44/2001 – que:
“Uma pessoa com domicílio no território de um Estado-Membro pode ser demandada noutro Estado-Membro:
1. a) Em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão;
b) Para efeitos da presente disposição e salvo convenção em contrário, o lugar de cumprimento da obrigação em questão será:
- no caso de venda de bens, o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os bens foram ou devam ser entregues;
- no caso de prestação de serviços, o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os serviços foram ou devam ser prestados;
c) Se não se aplicar a alínea b), será aplicável a alínea a)».

Consagra-se, deste modo, um caso de competência especial relativamente à matéria contratual, de tal forma que uma pessoa com domicílio no território de um Estado Membro pode ser demandada noutro Estado Membro, perante o tribunal onde foi ou deva ser cumprida a obrigação, sendo que, na falta de convenção em contrário, se concretiza, inclusive, o lugar de cumprimento de obrigação: na compra e venda, o lugar da entrega dos bens; na prestação de serviços, o lugar da sua prestação.
O citado artigo 7.º, n.º 1, alínea b), do Regulamento, estabeleceu, pois, nas concretas situações de venda de bens e de prestação de serviços, um conceito autónomo de lugar de cumprimento da obrigação, adotando, tal como no Regulamento nº 44/2001, uma “solução prática (designação pragmática do local da execução) que assenta num critério puramente factual, sempre aplicável qualquer que seja a obrigação em litígio, incluindo quando esta obrigação consista no pagamento da contrapartida pecuniária do contrato” (acórdão do STJ de 21.06.2011, in CJ/STJ, ano XIX, Tomo II, pág. 131).
Ou seja, a obrigação relevante é apenas a obrigação característica do contrato e não a correspondente obrigação de pagamento de uma quantia em dinheiro, mesmo que o pedido se fundamente nessa obrigação - cfr. acórdão do STJ a que supra se fez referência (no qual se citam, entre outros, os acórdãos do STJ de 08.06.2006 e de 08.04.2010), bem como o acórdão da Relação de Guimarães de 24.01.12.
Importa, porém, salientar que, como já era interpretação jurisprudencial da regra de igual teor contida no Regulamento 44/2002, esta foi a forma encontrada para complementar e não excluir, nessas hipóteses, a regra do “domicílio do demandado” acima referida, através da introdução de “foros alternativos”, criados uns “em razão do vínculo estreito entre a jurisdição e o litígio” e outros "com vista a facilitar uma boa administração da justiça” (cfr. art. 3.º, n.º 1). (cfr. Acórdão da Relação do Porto, 07.09.2010, Relator – António Guerra Banha).

Com efeito, já a propósito do referido Regulamento se frisava no Acórdão do STJ, de 15.12.2011 (Relator – João Bernardo):
“(…) como já referimos, o artigo 5.º refere que uma pessoa pode ser demandada noutro Estado-Membro.

Aqui surgem dois entendimentos:
Ou se interpreta esta expressão à letra e a competência aqui estabelecida é meramente alternativa (repousando no princípio geral do domicílio do demandado a outra opção);
Ou se interpreta, para além da letra, entendendo-se a competência especial como única.
Para além da força que o próprio texto legal encerra, a opção pelo primeiro dos entendimentos é corroborada pelo considerando 12 do mesmo Regulamento:
“O foro do domicílio do requerido deve ser completado pelos foros alternativos permitidos em razão do vínculo estreito entre a jurisdição e o litígio ou com vista a facilitar a administração da justiça.”(sublinhado nosso).

E tanto assim é que no ponto 34 do Acórdão do Tribunal de Justiça de 11.10.2007, em pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Högsta Domstolen (Suécia), se escreveu:
“A competência prevista no artigo 2.º do Regulamento n.º44/2001, a saber, a competência dos órgãos jurisdicionais do Estado-Membro do domicílio do réu, constitui o princípio geral e só por excepção a esse princípio é que o referido regulamento prevê normas de competência especial, em casos taxativamente enumerados, em que o réu pode ou deve, conforme o caso, ser demandado num órgão jurisdicional de outro Estado-Membro…”.
E, nos considerandos 22 e 23 do Acórdão do mesmo Tribunal de 3.5.2007 (Color Drack GmbH contra Lexx International Vertriebs GmbH), depois de referir que “a regra da competência do tribunal do domicílio do réu é completada, no artigo 5.º, n.º1, do Regulamento n.º44/2001, com uma regra de competência especial em matéria contratual” escreveu-se que “nos termos da referida regra, o autor também pode demandar o réu no tribunal do lugar onde a obrigação que serve de fundamento ao pedido foi ou deve ser cumprida…” (sublinhados nossos).
Não se veem, pois, razões, para não se interpretar a parte inicial do artigo 5.º, como estatuidora duma competência alternativa.
Situação diferente da “competência exclusiva” prevista no artigo 22.º. No n.º1 teve-se em consideração a localização do imóvel que, conforme se refere na douta decisão de 1.ª instância, traduz uma muito maior facilidade na apreciação das questões que importa resolver. Só que, a lei reporta-se a “matéria de direitos reais sobre imóveis e de arrendamento de imóveis”, realidades afastadas da temática do presente caso. Sendo certo que o TJ tem considerado “jurisprudência assente que as referidas normas sobre competências especiais são de interpretação estrita, não permitindo uma interpretação que vá além das hipóteses expressamente previstas no Regulamento…” (considerando 35 daquele Acórdão de 11.10.2007).”

Nesse mesmo sentido e já perante o Regulamento nº 1215/2012, pode ler-se no Acórdão desta Relação, de 14.11.2019 (Relator – Alcides Rodrigues):

“Atendo-nos mais uma vez ao mencionado nos considerandos (16) do preâmbulo do Regulamento aí se refere que o “foro do domicílio do requerido deve ser completado pelos foros alternativos permitidos em razão do vínculo estreito entre a jurisdição e o litígio ou com vista a facilitar uma boa administração da justiça. A existência de vínculo estreito deverá assegurar a certeza jurídica e evitar a possibilidade de o requerido ser demandado no tribunal de um Estado-Membro que não seria razoavelmente previsível para ele (…)”.

A conjugação daquela regra geral e das regras específicas de competência estabelecidas no Reg. n.º 1215/2012 deve, nas palavras de Marco Carvalho Fernandes (10), ser feita nos termos seguintes:
“(…) estando simultaneamente preenchida a regra geral do domicílio do réu e uma regra especial de competência, a regra especial não derroga a regra geral. Diversamente, verificando-se, no caso em concreto, algum critério especial de competência, o autor tem a possibilidade de escolher entre propor a ação nos tribunais do Estado-Membro do domicílio do réu ou nos tribunais do Estado-Membro que sejam competentes à luz desse critério especial, ou seja, a competência desses tribunais é alternativa (…). Isto a não ser que, no caso em concreto, se verifique alguma situação de competência exclusiva (art. 24.º) ou convencional (25.°), as quais afastam os critérios gerais e especiais de competência. Ocorrendo essa possibilidade de escolha do foro, estamos perante uma situação de forum shopping”.
Em sentido convergente, salienta Miguel Teixeira de Sousa, https://blogippc.blogspot.pt/2017/11/jurisprudencia-735.html, de 23/11/2017, que o critério do domicílio do demandado (art. 2.º, n.º 1, Reg. 44/2001; art. 4.º, n.º 1, Reg. 1215/2012) é sempre aplicável. Os critérios especiais -- como é o caso daquele que se encontra estabelecido no art. 5.º, n.º 1, Reg. 44/2001 ou no art. 7.º, n.º 1, Reg. 1215/2012 -- são sempre alternativos em relação àquele critério geral: é o que resulta do disposto no art. 5.º, n.º 1, do Reg. 1215/2012.
Ou seja, nas situações previstas na Secção 2 (arts. 5º a 9º) – que estipula regras especiais que atribuem competência a tribunais de Estados diversos do Estado de residência do réu, mas que não excluem a normal competência dos tribunais deste último –, o autor pode optar entre o tribunal do Estado do domicílio do réu e o daquele Estado para que aponta o critério especial (11). Diversamente, nas situações elencadas nas Secções 3 a 7, a competência internacional é determinada unicamente pelas regras especiais aí estabelecidas (12).”
Quer isto dizer, desde já se enfatiza, que, tendo a causa, através de qualquer um dos seus elementos, conexão com uma ordem jurídica de outro Estado-Membro da União Europeia e não sendo dada qualquer indicação, pelo demandante, no sentido de pretender efetuar opção por um foro alternativo (indicação que poderá ser feita implicitamente alegando, em caso de compra e venda, o lugar da entrega dos bens ou, no caso de prestação de serviços, o lugar da sua prestação), irrelevante se torna saber qual a natureza (se de venda de bens ou de prestação de serviços) do contrato celebrado, para efeito de determinação do lugar de cumprimento da respetiva obrigação, certo que, nessa circunstância, para aferição da competência internacional apenas relevará apurar qual a residência do demandado, dado ser essa a circunstância que importa conhecer para aplicação da regra geral.
Deve, ainda, referir-se que, a par de regras especiais de competência legal, em que se insere o citado artigo 7.º, o Regulamento (UE) n.º 1215/2012 estabelece regras de competência convencional em que a competência internacional do foro resulta de convenção, expressa, os chamados pactos atributivos de jurisdição (art. 25.º), ou tácita (art. 26.º), das partes, como expressão do reconhecimento da autonomia da vontade das mesmas para, nesse domínio, poderem estabelecer a competência do foro.
Isto dito, impõe-se, por fim, recordar que é em face do pedido formulado pelo autor e pelos fundamentos em que o mesmo se apoia, e tal como a relação jurídica é pelo autor delineada na petição, que cabe determinar a competência do tribunal.
Este é o entendimento doutrinário e jurisprudencial consolidado: a aferição do pressuposto processual da competência, nomeadamente da competência em razão da nacionalidade, deve ser equacionada em função dos contornos da pretensão deduzida tal como se encontre configurada na petição inicial. (ver, por todos, Acórdãos do STJ 18.10.2018, Relator – Manuel Tomé Soares Gomes e de 07.03.2019, Relator – Fernando Samões)
No caso dos autos, é indubitável, face à causa petendi apresentada pela Autora, estarmos perante matéria contratual.
Logo, para efeito de instaurar a ação em Portugal e caso fosse de colocar a questão da competência internacional, poderia a Autora ter recorrido à previsão do artigo 7º do Regulamento nº 1215/2012 (desde que, obviamente, os elementos de facto relativos ao lugar de prestação fossem suscetíveis de justificar tal opção).
Todavia, no requerimento injuntivo pela mesma apresentado nada foi alegado no sentido de indicar o lugar da prestação – o que bem se compreende uma vez que a ação foi intentada partindo do aparente, mas, como já se sabe, falso, pressuposto de que havia um domicílio convencionado e que esse domicílio se situava em Portugal –, desse modo desprezando, pois, a Autora, a possibilidade de alegar quaisquer elementos suscetíveis de suportar, com fundamento na aludida previsão, a competência dos tribunais portugueses, em alternativa à que resultaria da aplicação da regra geral do domicílio do réu (tendo em conta o real domicílio do Réu à data da propositura da ação), não tendo aquela carreado para o processo fosse que elemento fosse no sentido de revelar a conexão da questão a decidir com ordens jurídicas estrangeiras.
É certo que, em resposta à arguida exceção de incompetência internacional, veio a Autora dizer que o fornecimento dos bens constantes da fatura nº FT 2011-1/1950, foi entregue ao Réu, nas próprias instalações da A., sitas no Lugar ..., freguesia de ..., concelho de Monção, pretendendo, desse modo, a posteriori e alterando a própria causa de pedir – na medida em que no requerimento injuntivo ao alegar que fabricou, aplicou, forneceu e entregou, ao Requerido, artigos do seu fabrico e comércio, a solicitação deste mediante orçamento, para renovação da caixilharia, num imóvel de sua propriedade (sublinhado nosso), descreveu factos integradores de, para efeito do referido Regulamento, um contrato de prestação de serviços, denominando-o de “contrato de fornecimento de bens ou serviços”, e na referida resposta “reduz” o alegado contrato ao “fornecimento de bens”, dele excluindo a “aplicação” alegada no requerimento injuntivo –, sustentar e justificar factualmente, mediante a alegação de Monção, Portugal, como lugar de “entrega dos bens”, a escolha do tribunal efetuada no requerimento injuntivo, quando, na realidade, como é manifesto, a indicação do tribunal por si feita naquele requerimento apenas teve como fundamento a invocação de que o Réu tinha domicílio em Portugal (domicílio supostamente convencionado), pressuposto que, mais uma vez é de recordar, se revelou ser falso.
Ora, como já se disse, é em face do pedido formulado pelo autor e pelos fundamentos (causa petendi) em que o mesmo se apoia, e tal como a relação jurídica é pelo autor delineada na petição inicial (quid disputatum ou quid decidendum), que cabe determinar/aferir da competência do tribunal para, de determinada ação, poder/dever conhecer, não sendo este pressuposto aferível a partir da causa de pedir reconfigurada em ulterior articulado.
Daí que já se tenha decidido em Acórdão desta Relação de 05.03.2020 (Relator - Moreira Dias) que, “tendo o Autor, na petição inicial, alegados factos dos quais decorre que o mesmo assenta o pedido de condenação do Réu a pagar-lhe o preço da mercadoria fornecida, num contrato de fornecimento celebrado com o último e no incumprimento desse contrato por parte deste, não pode aquele Autor, posteriormente, nomeadamente, em sede de resposta à exceção dilatória da incompetência internacional do tribunal, vir alegar factos novos tendentes a subsumir essa relação contratual no tipo contratual de prestação de serviços, nomeadamente, do contrato de empreitada, por tal implicar uma convolação da causa de pedir originária para causa de pedir diversa, fora dos condicionalismos do art. 265º, n.º 1 do CPC.”
Veja-se, aliás, que, no caso concreto, admitir-se a aferição do pressuposto processual da competência internacional a partir da alegação constante do articulado de resposta à exceção arguida pelo Réu corresponderia a premiar-se um comportamento fraudulento da Autora, já censurado por decisão transitada em julgado, aqui se recordando, para sustentar a afirmação ora feita, que o pedido de condenação daquela como litigante de má fé foi julgado procedente tendo em conta que: A Autora quando preencheu o requerimento de injunção sabia que não tinha sido convencionado domicílio entre as partes processuais, e, não obstante, apôs tal afirmação sabendo ser a mesma inverídica; Mais sabia que o Réu residia em ..., França, e não no endereço indicado em 4.; Apenas o tendo feito para que o Réu fosse notificado através de carta simples na morada 4., sendo que muito dificilmente saberia da notificação, e, consequentemente, não deduzindo oposição, seria aposta fórmula executória à injunção, passando a Autora a ter contra o Réu um título executivo.
Concluindo, no caso concreto, face à relação jurídica delineada no requerimento injuntivo (que aqui funciona como petição inicial), excluída que está a alegada existência de um domicílio convencionado e nada tendo sido alegado pela Autora, naquele requerimento, sobre o lugar onde foi cumprida a sua prestação contratual, com vista a fundamentar a escolha do foro alternativo a que acima aludimos – possibilidade que a Autora desprezou, tentando antes contornar, por outra via, a regra geral que se lhe impunha de demandar o Réu no Estado em que este efetivamente residia –, forçoso é concluir que a competência internacional deve, de acordo com a referida regra geral, ser determinada em função do apurado domicílio do Réu, que, como se viu, se situa em França.
Assim sendo, cumpre julgar procedente a arguida exceção de incompetência internacional, com a consequente absolvição do Réu da instância, ficando, desse modo, prejudicada a apreciação de todas as restantes questões acima elencadas.
Procede, pois, a apelação.
*
Sumário:

I – A previsão do art. 7º do Regulamento (UE) nº 1215/2012, de 12 de dezembro, que estabelece uma competência especial relativamente à matéria contratual, de tal forma que uma pessoa com domicílio no território de um Estado Membro pode ser demandada noutro Estado Membro, perante o tribunal onde foi ou deva ser cumprida a obrigação, foi a forma encontrada para complementar e não excluir, nessas hipóteses, a regra do “domicílio do demandado” prevista no art. 4º do aludido Regulamento;
II – É em face do pedido formulado pelo autor e pelos fundamentos (causa petendi) em que o mesmo se apoia, e tal como a relação jurídica é pelo autor delineada na petição inicial (quid disputatum ou quid decidendum), que cabe determinar/aferir da competência do tribunal para, de determinada ação, poder/dever conhecer, não sendo este pressuposto aferível a partir da causa de pedir reconfigurada em ulterior articulado;
III – Quando, como no caso concreto, o autor indica a existência de um domicílio convencionado em Portugal e, por outro, nada alega, na petição inicial, sobre o lugar onde foi cumprida a prestação contratual, com vista a fundamentar a escolha do foro alternativo a que acima aludimos, desprezando, pois, essa possibilidade, indemonstrada a invocada convenção e apurado sendo que o réu tem o seu domicílio num outro Estado-Membro da União Europeia, forçoso é concluir que a competência internacional deve, de acordo com a referida regra geral, ser determinada em função do apurado domicílio.

IV. DECISÃO:

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação, revogando a decisão recorrida e julgando procedente a exceção de incompetência internacional, com a consequente absolvição do Réu da instância.
Custas da ação e do recurso pela Autora/Recorrida.
Guimarães, 26.11.2020

Margarida Sousa Afonso Cabral de Andrade
Alcides Rodrigues