Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
330/09.6TBPTL.G1
Relator: RITA ROMEIRA
Descritores: RESPONSABILIDADE PROFISSIONAL
ACTO MÉDICO
ÓNUS DA PROVA
PRESUNÇÃO
PRESUNÇÃO DE CULPA
CULPA
ILICITUDE
CUMPRIMENTO DEFEITUOSO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/27/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I – Na responsabilidade contratual por negligência em acto médico, por força da presunção de culpa do artº 799 e do disposto no artº 344, nº1, ambos do Código Civil, compete ao lesante provar a não culpa da sua actuação, mas a ilicitude da mesma deve ser provada pelo lesado, nomeadamente provando que os procedimentos adoptados foram inadequados e inexigíveis perante as regras da arte médica (legis artis).
II – Ilicitude e culpa no acto médico danoso são conceitos diferentes, indicando o primeiro o que houve de errado na actuação do médico e o segundo se esse erro deve ser-lhe assacado a título de negligência.
III - Provando-se que o réu fez uma infiltração nas costas do autor, com observância do protocolo exigido, após ter feito o diagnóstico e explicados os benefícios e riscos da mesma em comparação com outras vias de tratamento, tendo o autor consentido na sua realização, apesar de se provar, também, que dois dias depois, por apresentar cefaleias o autor deu entrada no Centro de Saúde de Paredes de Coura e, face ao agravamento do seu estado clínico, deu entrada no Centro Hospitalar do Alto Minho, onde lhe foi diagnosticada meningite por serratia, isso é manifestamente insuficiente para concluir que esta grave doença decorreu da actuação do réu sobre o autor.
IV – Assumindo o não cumprimento da obrigação do médico, por via de regra, a forma de cumprimento defeituoso, compete ao doente/lesado provar o defeito de cumprimento e provar, ainda, que o médico não praticou todos os actos que lhe eram exigíveis, normalmente, tidos por necessários e adequados para evitar o dano por ele sofrido.
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO
Rosa ... e marido José ..., residentes em Chavião, Castanheira, 4940-108 Paredes de Coura, vieram propor a presente acção na forma ordinária contra Clínica ..., Lda., com sede na Rua ..., bloco F, fracção ..., R/C, 4990-014 Arca, Ponte de Lima, e Pedro ..., médico neurocirurgião (...) melhor identificado como Pedro ..., residente na rua ..., ..., rés-do-chão esquerdo, Porto, pedindo a procedência da acção e, em consequência, a condenação solidária dos RR. a pagar-lhes, a título de indemnização por todos os danos descritos na p.i., as seguintes importâncias:
a) 250.000,00 € a título de danos não patrimoniais;
b) 248.000,00 € a título de danos patrimoniais;
c) juros vencidos e vincendos à taxa legal desde a data de infiltração lombar até ao efectivo e integral pagamento.

Citados, contestou o alegado pelos AA., apenas, o réu, Pedro Sousa, nos termos que constam a fls. 81 e ss, por excepção e impugnação, invocando a sua ilegitimidade, impugnando os factos alegados pelos autores e alegando ter actuado de forma diligente, empregando todas as providências exigidas.
Conclui pedindo que seja julgada improcedente, por não provada, a acção e, em consequência, serem os réus totalmente absolvidos do pedido.

Os AA. a fls. 105 e ss., apresentaram réplica, pugnando pela legitimidade dos réus e pedem que devem as excepções deduzidas improceder por não provadas, quanto ao mais, concluindo como na petição inicial.

Dispensada a realização de audiência preliminar, foi proferido despacho saneador que apreciou a arguida excepção da ilegitimidade do réu Pedro Sousa, concluindo pela legitimidade do mesmo.
Procedeu-se à fixação dos factos assentes e da base instrutória, tudo conforme consta a fls. 110 e ss., tendo sido apresentadas reclamações por ambas as partes, as quais foram apreciadas e decididas nos termos que constam do despacho de fls. 159 e ss., a dos autores indeferida e a do réu parcialmente deferida.
Instruído o processo, procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, com observância das formalidades legais, e respondeu-se à matéria de facto controvertida, nos termos que constam a fls. 564 e ss, sem reclamações.
Por fim, foi proferida sentença que concluiu com a seguinte decisão:
Pelo exposto, julga-se a presente acção improcedente por não provada e, em consequência, absolvem-se os Réus “CLÍNICA ... LDA.” e PEDRO ... do pedido formulado pelos Autores ROSA ... e marido JOSÉ ....
Custas a cargo dos Autores.”.

Não se conformando com esta decisão, dela apelaram os autores, terminando a sua alegação com as seguintes CONCLUSÕES:
1. O presente recurso versa sobre a decisão proferida sobre a matéria de facto, designadamente por não ter sido dada como provada a matéria constante do ponto 29 da base instrutória, considerando-se erradamente, ao arrepio de toda a prova produzida, que os Autores não cumpriram o ónus da prova que lhes incumbia, nos termos do artigo 342.°, n.° 1, da relação de causalidade entre a infiltração lombar realizada pelo Réu e a meningite que sobreveio ao Autor;
2. Versa ainda sobre a consideração da inexistência de prova sobre a ilicitude da conduta do Réu, que, face à prova produzida, é por demais evidente.
3. É entendimento dos Autores que a análise crítica da prova produzida, à luz das regras da experiência comum, impõe uma diversa decisão sobre a matéria de facto, pelo menos no que concerne à matéria contida neste ponto 29 da base instrutória.
4. Desde logo, assim impunha o depoimento da Dr.a Belmira Reis, que efectuou a perícia médico-legal na pessoa do Autor, o qual se revelou de uma isenção, coerência e credibilidade inabaláveis.
5. A mesma apresentou o relatório constante dos autos e respondeu na audiência de discussão e julgamento na qualidade de perita, estando, como tal, obrigada a desempenhar com diligência e isenção as suas funções, cumprindo-as de forma conscienciosa, como, aliás, decorre dos artigos 570.° e 581.° do C.P.C.
6. A citada perita referiu peremptoriamente, sem rodeios ou tergiversações, que o acto médico em crise foi a causa directa e necessária da infecção por serratia que acometeu o Autor.
7. Aliás, o seu depoimento, vem apenas confirmar aquilo que a este respeito (nexo de causalidade) consta de perícia médico-legal junta aos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.
8. Ainda a este respeito e quando questionada pela Ilustre Mandatária sobre se haveria possibilidade, por exemplo, de sabermos se esta infecção por serratia já era pré existente no sangue do Autor, a Ex.ma perita foi igualmente peremptória e assertiva, respondendo que tal não era possível no presente caso, porque, para isso, o Autor teria que ter sintomatologia, designadamente tinha que ter febre, debilidade, mau estar geral, tinha que se sentir doente, concluindo não poder dizer, de modo algum, que houvesse uma infecção anterior.
9. No âmbito da actividade instrutória dos processos emergentes de responsabilidade civil médica, assume acrescida relevância a produção da prova pericial, porquanto a prova da responsabilidade médica precisa de conhecimentos técnicos que só poderão ser proporcionados cabalmente pela prova pericial.
10. À Ex.ma perita, cujo depoimento se reproduziu parcialmente, incumbia, pois, a tarefa de informar o mais completamente sobre os factos, de explicar bem a patologia implicada e a estratégia médica normalmente aplicada nesses casos e isto sem tomar partido, esclarecendo com toda a imparcialidade.
11. Atento o circunstancialismo que normalmente rodeia processos como o presente, estando em causa a valoração da actuação profissional de colegas de profissão, conhecido que é o “corporativismo” dos profissionais médicos, espera-se do perito especial objectividade e profundidade técnica, sendo por isso que os casos de responsabilidade médica são, em geral, resolvidos com base em prova pericial.
12. Para que um facto seja causa de um dano é necessário, nos termos do artigo 563.° do Código Civil, que ele seja condição sem a qual o dano não se teria verificado e, depois, que em abstracto ou em geral, seja causa adequada do dano.
13. A Ex.ma perita foi peremptória e assertiva na confirmação desse nexo de causalidade.
14. Esclareceu não poder dizer, de modo algum, que houvesse uma infecção anterior.
15. Pelo que, assim expostas as coisas, bem andaria o douto Tribunal a quo se valorasse de outra forma a experiência especializada trazida pela Ex.ma perita, aplicando depois a experiência comum
16. E o que releva no caso concreto, da conjugação do relatório médico-legal, que aqui, mais uma vez, se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, do depoimento da Ex.ma perita, cujas partes mais relevantes supra se reproduziram, aplicando depois as regras da experiência comum, que o gravíssimo estado de saúde em que o Autor ... se encontra foi consequência directa do acto médico em crise nos autos, i.é, da infiltração lombar com betametasona que lhe foi ministrada pelo médico/neurocirurgião, aqui Réu.
17. O predito vale, por maioria de razão, quanto à invocada falta de prova da ilicitude na conduta do Réu, na medida em que ficou por demais evidente que a actuação do Réu violou os direitos subjectivos do Autor, sendo suficiente, para tanto, atentar no seu precário estado de saúde, que supra se enunciou.
18. Deve, pois, ser alterada a decisão proferida sobre a matéria de facto, dando por provada a matéria constante do ponto 29 da base instrutória, na medida em que os Autores cumpriram o ónus da prova que lhes incumbia, nos termos do artigo 342.°, n.° 1, da relação de causalidade entre a infiltração lombar realizada pelo Réu e a meningite que sobreveio ao Autor.
19. Assim como cumpre considerar a existência da ilicitude da conduta do Réu.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente Recurso, devendo, em consequência, condenar-se o(s) Réu(s) a pagar aos Autores indemnização nos termos exarados na petição iniciaI, assim se fazendo JUSTIÇA.

O réu, Pedro ... apresentou as contra-alegações que constam a fls. 603 e ss., as quais terminou concluindo que deve ser negado provimento ao recurso dos autores com o que se fará inteira Justiça.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

O objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das alegações (arts. 684º, nº 3, e 685º-A, nº 1, do CPC), salvo questões do conhecimento oficioso (art. 660º, nº 2, in fine). Assim, as questões a decidir traduzem-se em apreciar:
- se deve ser dada por provada a matéria constante do ponto 29 da base instrutória;
- se foi ilícita a conduta do Réu.
II – FUNDAMENTAÇÃO
A) OS FACTOS
Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos:
A) - O Autor José ... nasceu no dia 3 de Agosto de 1951.
B) - A Autora Rosa ... nasceu no dia 12 de Julho de 1952.
C) - Os Autores casaram-se no dia 3 de Julho de 1971.
D) - A partir de finais de 2004, o Autor José ... começou a sentir dores na região lombar.
E) - O Autor, como consequência das dores que sentia na região lombar, reformou-se no ano de 2005 do seu trabalho de condutor/comerciante.
F) - No dia 3 de Novembro de 2006, o Autor deslocou-se a Ponte de Lima, onde foi consultado pelo Réu Pedro ..., que é médico neurocirurgião, para tratamento às dores de costas (dores lombares) de que então se queixou.
G) - Na sequência dessa consulta, o Réu Pedro ... diagnosticou sofrer o Autor de uma lombalgia aguda com bloqueio dos movimentos de flexão e extensão, tendo realizado uma infiltração nas costas do Autor.
H) - Foi, ainda nesse dia, prescrito ao Autor uma receita médica e indicada a realização de uma ressonância magnética da coluna lombar para auxiliar no diagnóstico (para exame sugestivo de radiculopatia S1 bilateral).
I) - O Autor pagou pela predita consulta a quantia de € 100,00.
J) - Aquando da consulta referida em F), o Autor não possuía défices motores ou sensitivos e não evidenciava atrofia muscular, apresentando-se apirético e hemodinamicamente estável.
L) - No dia seguinte à consulta referida em F), o Autor não se dirigiu ao consultório do Réu.
- Está matriculada desde Dezembro de 2003 na Conservatória de Registo Comercial de Ponte de Lima a “..., Lda.”, com sede na rua Dr. Cassiano Baptista, lote ..., letra R, cujo objecto é o exercício da medicina (certidão de fls. 267 a 270).
3.º - A consulta referida em F) realizou-se na “Clínica ...”, no Edifício Portas de Braga, na rua Conde de Bertiandos, Ponte de Lima.
4.º - O Réu Pedro Sousa ministrou, após diagnóstico prévio feito na referida consulta, a infiltração lombar com betametasona para diminuir as dores do Autor marido.
5.º - Após a consulta referida em F), o Autor regressou à sua residência sita na freguesia de Castanheira, em Paredes de Coura.
6.º - Depois de regressar a casa e no dia 3 de Novembro de 2006, o Autor teve dores de cabeça.
7.º - No dia 4 de Novembro de 2006, o Autor sentiu dores de cabeça mais intensas do que as da véspera.
8.º - Às 3h15m de 5 de Novembro de 2006, o Autor foi admitido no serviço de urgência do Centro de Saúde de Paredes de Coura.
9.º - O Autor ficou internado nesse centro de saúde, tendo sido medicado com “Aspergic” e “Tramal”.
10.º - Na manhã de 5 de Novembro de 2006, face ao agravamento do seu estado clínico, o Autor foi transferido para o Centro Hospitalar do Alto Minho, em Viana do Castelo.
11.º - Aí, o Autor ficou internado até ao dia 11 de Novembro de 2006, sendo-lhe diagnosticado sofrer de meningite por serratia, complicada de hidrocefalia aguda com deterioração progressiva do estado de consciência.
12.º - No dia 11 de Novembro de 2006, o Autor foi transferido para o Hospital de S. Marcos, em Braga, apresentando um estado vegetativo persistente.
13.º - Nesse dia, bem assim como nos dias 23 de Novembro e 4 de Dezembro de 2006, o Autor foi submetido a drenagem ventricular externa.
14.º - No dia 4 de Janeiro de 2007, o Autor foi sujeito a uma traqueotomia de difícil cicatrização, da qual lhe foram retirados os pontos no dia 15 de Janeiro de 2007.
15.º - Durante o internamento, o Autor sofreu uma infecção respiratória, hemorragia digestiva alta, síndrome febril persistente e alterações hidro-electrolíticas.
16.º - O Autor foi transferido para o Hospital de Ponte de Lima no dia 10 de Janeiro de 2007, onde permaneceu em estado vegetativo persistente, sem resposta motora, com paralisia das cordas vocais.
17.º - O Autor encontra-se em estado vegetativo, acamado com tetraplegia e é alimentado por sonda gástrica.
18.º - O Autor está totalmente dependente de outra pessoa para a prestação e cuidados básicos, sendo por vezes necessária a ajuda de duas pessoas.
19.º - É acompanhado, e será para o resto da vida, por um especialista em enfermagem e reabilitação.
20.º - O acompanhamento desse especialista custa, sem apoio da Segurança Social, € 200,00 por mês.
21.º - O Autor precisa de acompanhamento médico e terá de tomar medicação para o resto da vida.
23.º - É transportado e internado regularmente ao Centro de Saúde de Paredes de Coura e ao Centro Hospitalar do Alto Minho para receber tratamentos e acompanhamento médico.
24.º - No dia 2 de Abril de 2007 deu entrada na urgência do Centro Hospitalar o Alto Minho com dispneia.
25.º - No período descrito nas respostas aos quesitos 6.º a 10.º, o Autor sofreu dores e angústia, temendo pela vida.
26.º - Actualmente, o Autor continua a sofrer dores, decorrentes do seu estado.
27.º,28.º - O estado de saúde do Autor provoca angústia e desespero à Autora, que acompanhou e acompanha diariamente o marido.
30.º - A Autora é doméstica.
31.º - O Autor, depois de reformado, continuava a fazer tarefas na agricultura e a prestar auxílio ao seu filho, que é comerciante.
32.º - Até ao dia 3 de Novembro de 2006, os Autores dedicavam-se a passear, visitar e conviver com a família e amigos.
33.º - Desde que o Autor teve alta hospitalar, a 27 de Março de 2007, a Autora cuida dele, alimentando-o, tratando da sua higiene, dando-lhe a medicação e acompanhando-o ao hospital.
34.º - Passou, por causa disso, noites sem dormir, não podendo dedicar-se a outra actividade sem perder de vista o cônjuge.
35.º - A 3 de Novembro de 2006, o Réu prestava serviços a “Minhovida – Clínica Médica Serviços Permanentes, Lda.”, com sede na rua Conde de Bertiandos, Edifício Portas de Braga, Ponte de Lima.
36.º - Foi nas instalações da sociedade referida na resposta ao quesito anterior que o Autor foi consultado pelo Réu nas circunstâncias referidas em F).
37.º - Nessa consulta, o Autor apresentava limitação na amplitude dos movimentos da coluna lombar, com agravamento da dor e bloqueio nos movimentos de extensão/rotação lateral, para ambos os lados.
40.º - Após o diagnóstico referido na resposta ao quesito 4.º, o Réu indicou ao Autor duas vias de tratamento da dor: a utilização de medicação por via oral ou a infiltração local dos pontos da dor identificados no exame efectuado.
41.º - E explicou os procedimentos, indicando os seus benefícios e riscos inerentes, por comparação com a via alternativa.
44.º - O Autor optou pela sujeição à infiltração, tendo solicitado e consentido na sua realização.
45.º - Para o efeito, o Autor e o Réu dirigiram-se para outra sala, onde, com o auxílio de uma enfermeira, se realizou a infiltração miofascial peri-vertebral, extracanalar.
46.º - A infiltração miofascial peri-vertebral que foi efectuada era a terapêutica imediata adequada à sintomatologia apresentada pelo Autor.
47.º - O Autor foi posicionado em decúbito ventral para a identificação e marcação dos pontos dolorosos a intervir, tendo a pele da região exposta sido lavada com solução alcoólica, seguido de desinfecção da mesma área com “Betadine”.
48.º - Em todo o procedimento foram utilizadas luvas e compressas esterilizadas e que foram após a desinfecção de imediato descartadas.
49.º - O Réu delimitou a região da intervenção com campo esterilizado e ministrou o anestésico local e a betametasona, tendo utilizado duas seringas e duas agulhas esterilizadas de uso único.
50.º,51.º - A infiltração subcutânea, perivertebral, peri-articular e extracanalar de 2 ml de betametasona e 0,5 ml de lidocaína, ministrada pelo Réu ao Autor, foi feita através da introdução de uma agulha de ponta romba, específica para tal tipo de infiltração.
52.º - Após, o Réu removeu a agulha, limpou e desinfectou a pele com solução alcoólica e Betadine dérmica e colocou um penso simples sobre o local.
53.º - O procedimento decorreu de forma normal, sem intercorrências e sem exteriorização de sangue ou líquido cefalo-raquidiano.
54.º - As meninges não foram invadidas.
55.º - Findo o procedimento, foi solicitado ao Autor que se apresentasse naquelas instalações no dia seguinte para ser submetido a um protocolo de avaliação clínica e dos seus parâmetros vitais.

B) O DIREITO
Da impunação da matéria de facto
Os recorrentes, alegando incorrecta apreciação pela Mm.ª Juíza “a quo da prova produzida na 1ª instância, que consideram impõe uma decisão diversa à luz das regras da experiência comum, insurgem-se contra a resposta dada ao quesito nº 29 da base instrutória, considerando dever a matéria de facto em questão ser dada como provada, na medida que cumpriram o ónus da prova que lhes incumbia, nos termos do artº 342, nº1, da relação de causalidade entre a infiltração lombar realizada pelo réu e a meningite que sobreveio ao autor.
Considerando o corpo das alegações e as suas conclusões, pode-se dizer que os recorrentes cumpriram formalmente os ónus impostos pelo nº 1 do artº 685-B do CPC, tendo em conta que o que realmente importa “é que, de maneira clara, haja indicação dos concretos meios de prova e, se testemunhal, a identificação das testemunhas e também a inequívoca indicação dos pontos de facto que se pretendem ver reapreciados”, cfr. Ac.STJ de 23.2.2010 in www.dgsi.pt.
Os apelantes, no caso, indicam o concreto ponto da materialidade fáctica que consideram incorrectamente julgado, com referência ao que foi decidido na sentença recorrida e referem os concretos meios de prova que, na sua óptica, impunham decisão diversa, sem deixar de assinalar o que, em seu entender, disse em julgamento a testemunha, Belmira Reis, cujo depoimento (que transcreveram parcialmente) pretendem ver reapreciado e que se mostra gravado no CD de suporte.
No que respeita à questão da alteração da matéria de facto face à incorrecta avaliação da prova testemunhal, cabe a esta Relação, ao abrigo dos poderes conferidos pelo artº 712 do C.P.C. e enquanto tribunal de 2ª instância, reapreciar, não apenas, se a convicção expressa pelo tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova e os restantes elementos constantes dos autos revelam, mas também, avaliar e valorar (de acordo com o princípio da livre convicção) toda a prova produzida nos autos em termos de formar a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos da matéria de facto objecto de impugnação, modificando a decisão de facto se, relativamente aos mesmos, tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento da matéria de facto. Em relação a este aspecto, a jurisprudência tem vindo a evoluir no sentido de se formar um entendimento mais abrangente no que se refere aos poderes de alteração da matéria de facto pela Relação, considerando-os com a mesma amplitude que a dos tribunais de 1ª instância. Nessa medida e, no que respeita à questão da convicção, já não estará em causa cingir, apenas, a sua actividade de apreciação ao apuramento da razoabilidade da convicção do julgador da 1ª instância, mas, antes, formar a sua própria convicção nos elementos probatórios disponíveis nos autos, cfr. entre outros, Ac.STJ de 16.12.2010, acessível no lugar supra referido.
No entanto, pese embora isso, deve ter-se sempre presente que o sistema legal, tal como está consagrado, com recurso à gravação sonora dos meios probatórios oralmente produzidos, não assegura a fixação de todos os elementos susceptíveis de condicionar ou influenciar a convicção do julgador perante o qual foram produzidos os depoimentos em causa, sofrendo a apreciação da matéria de facto pela Relação, naturalmente, a limitação que a inexistência da imediação, de forma necessária, acarreta.
Os depoimentos de que a Relação dispõe, que pode, apenas, ouvir, não são susceptíveis de transmitir tudo aquilo que determinou a convicção do julgador da 1ª instância, perante o qual os mesmos foram prestados. Isto, porque os depoimentos não são apenas palavras, por vezes os silêncios da testemunha e toda a expressão corporal da mesma, que não são possíveis ouvir na gravação, de que dispõe a Relação, podem valer mais para formar a convicção do tribunal do que o depoimento uníssono de todas as outras. Uma coisa é aquilo que as testemunhas dizem e outra, muito diferente é o valor daquilo que dizem, aferido por tudo o que se observa a nível do comportamento das mesmas enquanto o dizem. Os depoimentos das testemunhas têm de se valorar caso a caso, no contexto em que se inserem, e tendo em conta a razão de ciência que invocam e a sua razoabilidade face à lógica, à razão, às máximas da experiência e aos conhecimentos científicos.
Assim, porque privado do contacto directo com as provas (princípio da imediação), ao Tribunal da 2ª instância escapa, necessariamente, muita coisa, por dispor apenas do registo sonoro do que foi dito.
Feitas estas considerações e depois de ouvirmos na íntegra, não apenas o depoimento da testemunha Belmira Reis, mas todos os depoimentos, de parte do réu e, de todas as testemunhas inquiridas na audiência de julgamento, já que o considerámos necessário, para uma melhor apreciação de toda a situação concreta, complexa atenta a sua especificidade técnica e delicada, exigindo a maior atenção possível, na sua análise, não só para se atingir a decisão justa que se espera, mas pela gravidade que apresenta o estado de saúde do autor, que tal como sentido por todos, em particular pelo réu, Pedro ..., como o expressou, também nós não podemos deixar de lamentar.

Vejamos então a factualidade posta em causa e o que se afere dos meios de prova que na 1ª instância serviram de fundamento para a resposta que foi dada ao ponto da base instrutória em questão, a qual se reporta quer à questão da ilicitude da actuação do réu quer do nexo de causalidade entre essa actuação e o estado de saúde em que o autor se encontra.
Analisemos, o teor do quesito 29, a resposta que obteve e a resposta pretendida.
Quesito 29º- O estado de saúde em que o autor marido se encontra foi directa e necessariamente provocado pela forma como o réu Pedro ... administrou a infiltração lombar com betametasona ministrada?
Resposta dada: Não provado.
Resposta pretendida: Provado.
Comecemos por ver o modo como a Mª Juíza “a quo” fundamentou a douta decisão de facto, neste ponto: “ Finalmente, e quanto à resposta ao quesito 29.º, além de o respectivo teor resultar contrariado pelos meios de prova referidos no parágrafo anterior, (o qual se transcreve a seguir) outros vieram lançar dúvidas insanáveis: desde logo, as especiais características da bactéria que atacou o Autor (amplamente descritas na literatura médica de fls. 287 a 319 e 330 a 334), que prima pela raridade (o que foi confirmado pela perita do GML nos seus esclarecimentos), a circunstância de a infiltração não ter ocorrido em meio hospitalar (o que aumentaria exponencialmente a possibilidade de ser causa directa da infecção) e, ainda, os depoimentos das testemunhas Maria de Fátima Barreiro e Maria de Fátima Fernandes, quanto ao facto de, na manhã do dia da infiltração, o Autor ter estado a matar patos (ave em cuja cloaca pode existir a bactéria em causa, conforme foi referido pelos dois neurocirurgiões aludidos e resulta também de fls. 330 a 334)”, e, no parágrafo anterior disse: “ Já o procedimento concreto da infiltração, bem como o descrito nas respostas aos quesitos 40º e 41º, foi narrado em detalhe e de forma séria pela enfermeira Maria das Dores Lopes, que assistiu o Réu na infiltração ( e que, como confirmam os documentos de fls. 339/340 e 358/359, com ele colaborava à data), tendo a própria testemunha dado uma explicação cabal para se lembrar da mesma (ter sido o único doente que não compareceu na clínica no dia seguinte, apesar de tal lhe ter sido solicitado pelo Réu). Tal descrição do procedimento coincide com o que aqueles dois neurocirurgiões referiram, em detalhe, como sendo o protocolo para a infiltração lombar.”.
Da análise destes dois parágrafos constantes da decisão que respondeu à matéria de facto da base instrutória, aqui no que, em concreto, respeita ao quesito 29º, que os recorrentes impugnaram, resulta clara a sua falta de razão, quando referem que o douto Tribunal não valorou o depoimento da testemunha Belmira Reis, nem fez uma análise crítica da prova produzida, à luz das regras da experiência comum. Não podemos, de modo algum, corroborar esta conclusão.
Que não lhes assiste qualquer razão, é perfeitamente demonstrado no douto despacho que fundamentou a decisão que respondeu à matéria de facto. Ele reflecte a postura interventiva que a Mª Juíza “a quo”, revelou ao longo de todo o julgamento, o maior interesse e cuidado em se esclarecer, colocando as questões pertinentes, que sentia necessidade de ver esclarecidas, sendo disso notório o modo como conduziu o interrogatório feito à testemunha Belmira, e a todas as demais, de modo a formar uma convicção correcta e segura que lhe permitisse decidir, com rigor e do modo fundamentado, as questões suscitadas, com especificidades técnicas a nível médico que, em nosso entender, conseguiu fazer, de forma subsistente e brilhante como espelha a decisão recorrida.
É por demais evidente que, ao contrário do que referem os recorrentes, o tribunal “a quo”, na pessoa da Mª Juíza julgadora, não se limitou a identificar os meios de prova em que baseou a sua convicção positiva ou negativa, como foi no caso do quesito 29º, especificou com clareza a razão de ser daquela sua convicção, que de modo empenhado formou através da análise de toda a prova recolhida para os autos, solicitando esclarecimentos e analisando com as testemunhas as questões técnicas específicas do acto em questão e os documentos que precisaram de ser esclarecidos pelas testemunhas habilitadas com conhecimentos para o efeito, veja-se a título de exemplo a análise que foi feita com a testemunha Belmira Reis dos documentos juntos, concretamente, as folhas dos mesmos juntas a fls. 189, 192, 195 e 197 e ss, dos autos, relativos ao dia 5.11.2006.
A Mª Juíza interrompeu as instâncias sempre que tinha qualquer dúvida, solicitando até à testemunha que decifrasse o Diário Clínico do Autor, no sentido de se esclarecer e, no decurso deste depoimento solicitou ao Centro de Saúde de Paredes de Coura, o envio dos elementos clínicos do autor referentes à entrada do mesmo naquele Centro no dia 5.11.2006, de modo a melhor se informar de toda a situação.
Não podem existir dúvidas, a Mª Juíza “a quo” concretizou de forma pormenorizada os fundamentos que considerou decisivos para a formação da sua convicção, explicitando as razões e os motivos que relevaram ou obtiveram credibilidade para a tomada de decisão. No caso das testemunhas, além de indicar a razão de ciência de cada uma, relativamente ao conhecimento dos factos que considerou relevantes para a decisão, esclareceu as razões pelas quais as mesmas lhe mereceram credibilidade, dando cumprimento ao que dispõe o artº 653, nº 2 do C.P.C..
Ouvidos os depoimentos constantes do CD, mais do que uma vez o da testemunha Belmira Reis, sobre o conteúdo dos mesmos, nenhum reparo se nos oferece fazer à síntese, que deles foi feita pela Mª Juíza “a quo”, que de modo correcto retirou de cada um, aquilo que efectivamente foi dito, com interesse para a decisão da causa, revelando o cuidado e atenção que teve ao longo de todo o julgamento, de que nos apercebemos através do modo como dirigiu a audiência, colocando sempre as perguntas que se mostravam pertinentes.
Atenta a nossa total concordância com aquela decisão, tornar-se-ía desnecessário consignar, aqui, qualquer síntese, da nossa própria apreensão após a audição dos depoimentos.
Fazemo-lo, apenas, para rebater as conclusões dos recorrentes, no que respeita ao que consta do relatório que elaborou e esclarecimentos que prestou através do seu depoimento a testemunha Drª Belmira Reis, que como os mesmos referem o fez com toda a imparcialidade, carreando informações e esclarecimentos preciosos para que a convicção do Tribunal “a quo”, a respeito da matéria constante do quesito 29, não pudesse ser de modo diferente daquele que foi e, com o qual estamos em perfeito acordo.
Não coincidente foi a convicção dos recorrentes, a qual não subscrevemos.
Desde logo, improcede a conclusão de que a testemunha, Belmira Reis, com o seu depoimento foi peremptória e assertiva na confirmação de que o estado de saúde em que o autor se encontra foi directa e necessariamente provocado pela forma como o réu Pedro ... administrou a infiltração lombar com betametasona ministrada.
Bem ao contrário do que referem os recorrentes, quanto ao estado do autor ter sido causado pela infiltração administrada pelo réu, a testemunha, longe de ser peremptória, apenas, admite essa possibilidade e com o argumento da adequação temporal e causal, expllicando o seguinte: “...digo que existe nexo porque houve a infiltração, é de admitir que a infecção tenha surgido nessa sequência, mas essas situações são extremamente raras, raríssimas. Não é um tipo de bactéria frequente na pele normal, mesmo a “serratia” em si não é uma das bactérias mais frequentes, é pouco frequente nas pessoas.”.
Para acentuar o grau de raridade a que se refere, disse que exerce medicina há 27 anos e, se viu, mais um caso foi muito, e não com estas características. Mencionou várias vezes “é raro”, dizendo que a bactéria é raríssima, podendo aparecer em ambientes hospitalares e em condições de má salubridade.
E, se a este propósito “admite a possibilidade”, pelas razões que explicou, já quanto ao procedimento adoptado confirma que o procedimento foi bem realizado, diz que o acontecido é uma complicação inerente ao próprio acto, imprevisível para o médico. Tendo respondido, questionada pela Mª Juíza, ser o risco da cirurgia, sendo do mesmo género de um risco de embolia após as cirurgias, sendo o caso muito mais raro. Disse, ainda que, o A. podia ser portador da bactéria na pele e, não tinha que ter qualquer sintoma que fosse indiciador de ser portador dessa bactéria, no dia 3 quando se dirige à Clínica e, lhe foi feita a infiltração.
Questionada, referiu, ainda, que as 12 h que decorrem desde que o autor entra no Centro de Saúde de Paredes de Coura até que vem para Viana são muito importantes, esclarecendo que o mesmo só iniciou o tratamento com antibiótico no dia 7.
Consideramos que, no caso, esta atenção que a testemunha chama para o tempo que o autor demora a receber o tratamento adequado ao tratamento da infecção é muito importante para avaliar da própria actuação do autor, após a infiltração, não compareceu, no dia seguinte, na Clínica para avaliar os seus parâmetros vitais, apesar disso lhe ter sido solicitado.
Assim, perante o depoimento da testemunha, Belmira Reis, que os recorrentes consideram essencial para que tivesse sido dado como provado o quesito 29º, da BI, não podemos de modo nenhum concordar com eles. Primeiro, porque o mesmo não responde positivamente ao que ali se diz, segundo porque aliado a toda a restante prova até é mais um elemento e de relevo para a convicção negativa que se formulou.
Com o devido respeito, por diferente opinião, a nossa convicção resultante desse depoimento em conjugação com os demais elementos de prova tidos em consideração para decidir da matéria que foi impugnada e, que nos foi aqui colocada à reapreciação, é totalmente coincidente com a que a Mª Juíza “a quo” formou.
Fazendo uma apreciação crítica, conjugada e concatenada da prova testemunhal e documental constante dos autos, podemos seguramente concluir que os recorrentes/autores (contrariamente ao que defendem) não cumpriram o ónus da prova que lhes incumbia, nos termos do artº 342, nº 1, da relação de causalidade entre a infiltração lombar com betametasona realizada pelo Réu e a meningite que afectou o Autor.
O que se provou foi, apenas, a realização da infiltração pelo Réu e, dois dias depois, por apresentar cefaleias deu entrada no Centro de Saúde de Paredes de Coura e, face ao agravamento do seu estado clínico, deu entrada no Centro Hospitalar do Alto Minho, onde lhe foi diagnosticada a meningite por serratia, Não se encontra de modo nenhum provado que isso pudesse ter sido provocado pela forma como o réu, Pedro …, administrou a infiltração ao Autor, o que era necessário para responder de modo positivo ao quesito 29. Bem pelo contrário, provou-se que a infiltração foi feita com observância do protocolo exigido, após ter sido feito o diagnóstico e explicados os benefícios e riscos da mesma em comparação com outras vias de tratamento, tendo o autor consentido na sua realização, tudo conforme consta dos factos assentes sob os nºs 40 a 55.
Perante todo o exposto, temos de concluir que, atenta a prova produzida, outra não podia ser a decisão sobre a matéria de facto impugnada, que se mantém inalterada.
Mantendo-se a decisão do tribunal “a quo” quanto à matéria de facto dada como provada e não provada, nenhuma censura há, de igual modo, a fazer à decisão recorrida, onde como já supra referimos foi feita, correcta e com a profundidade devida, a subsunção dos factos ao direito, acrescendo que, a resposta negativa que foi definitivamente dada à matéria constante do quesito 29º, acarreta, necessariamente, como bem foi decidido o insucesso da acção e, até a desnecessidade de apreciar da existência ou não da ilicitude da conduta do réu.
Pois que, como foi decidido na sentença recorrida e não questionado pelos recorrentes, a relação jurídica estabelecida entre o autor e o réu foi configurada, como tendo sido no âmbito de um contrato de prestação de serviços, em que é imputado pelos autores ao réu o cumprimento defeituoso do mesmo.
Estamos, conforme decidido e aceite, perante um hipótese de responsabilidade civil contratual, em que o ónus de prova da não culpa pertence ao devedor, conforme o artº 799 do C.C., pertencendo ao credor a prova da ilicitude do acto lesante, além dos outros requisitos, como o nexo de causalidade que demos por indemonstrado.
Ora, independentemente, do que vamos dizer a seguir, é já nossa resposta, face ao que supra deixámos exposto que, os autores enquanto lesados nada provaram a esse respeito, pelo que nunca se poderão ter por preenchidos todos os requisitos da referida responsabilidade, como bem concluiu a decisão recorrida.
E, pese embora, os recorrentes apenas façam incidir a sua impugnação quanto à relação de causalidade entre a infiltração lombar realizada pelo réu e a meningite que sobreveio ao autor, defendendo ter feito essa prova, cumprindo, assim o ónus que sobre eles impendia, nada alegam quanto à prova da ilicitude, nem quem devia fazê-la, limitando-se tão só a concluir que cumpre considerar a existência da ilicitude da conduta do réu, sem se pronunciarem sobre quem devia provar a ilicitude do alegado acto danoso.

Passemos, então, à segunda questão colocada.
Como é sabido são quatro os requisitos da responsabilidade civil: o dano, a ilicitude do acto danoso, o nexo de causalidade entre ambos e a culpa do autor desse acto.
Apesar de, ao contrário do que acontece na responsabilidade civil extracontratual, onde os indicados quatro requisitos têm de ser provados pelo lesante, na responsabilidade civil contratual, por força da presunção de culpa do aludido artº 799, não compete ao lesado provar a culpa do lesante.
Mas, deve provar os restantes requisitos, como já dissemos. Isto porque, todos eles são constitutivos do direito em questão. Só a culpa fugindo a esta regra, em virtude do disposto no artº 344 nº 1 do C.C., que determina que a presunção inverte o ónus da prova.
Nos casos, como o que estamos a apreciar, a responsabilidade civil surge quando o médico com a prática de actos específicos do exercício da sua profissão cause dano a outrem (o seu doente ou um terceiro) de tal modo que se constitua face à lei civil, na obrigação de reparar esse dano.
Pois, a responsabilidade civil nasce geralmente da prática de um acto ilícito que pode consistir na falta de cumprimento das obrigações emergentes dos contratos, de negócios unilaterais ou da lei ou da violação de direitos absolutos.
As relações mais comuns entre médico e doente assumem precisamente natureza contratual, como ficou decidido.
O médico aceita prestar ao doente a assistência de que necessite, mediante acordo, pagando este, de seu lado, a retribuição que for devida .
Assim se procedendo, estamos perante todos os elementos de um contrato, por um lado temos a manifestação da vontade do doente no sentido de ser observado e tratado pelo médico, e do outro, a aceitação por este desse encargo, comprometendo-se a desenvolver a actividade idónea para atingir essa mesma finalidade convergente.
Como vem sendo entendido a obrigação do médico é uma obrigação de meios, e não uma obrigação de resultados, ou seja, a obrigação do médico é do tratamento não da cura.
E, por assim ser, veja-se a propósito o Ac. STJ, de 5.7.2001, in CJ, Acs. do STJ, T.2, pág. 168, onde se decidiu: “O critério distintivo entre obrigações de meios (ou de pura diligência) e obrigações de resultado, reside no carácter aleatório ou, ao invés, rigorosamente determinado do resultado pretendido ou exigível pelo credor.
Deste modo, já se torna compreensível que o ónus da prova da culpa funcione em termos diversos num e noutro tipo de situações (...)”.
A este propósito, o ilustre Prof. Antunes Varela, in “Das Obrigações em geral”, Vol.II, 3ª ed., a págs. 96 e ss., depois de explicar as razões porque, em casos como o dos autos, a generalidade das legislações consagram o princípio de que é ao devedor que “incumbe...provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua”, continua e diz: “É todavia ao credor que incumbe a prova do facto ilícito do não cumprimento. Se, em lugar de não cumprimento da obrigação houver cumprimento defeituoso, ao credor competirá fazer a prova do defeito verificado, como elemento constitutivo do seu direito à indemnização ou de qualquer dos outros meios de reacção contra a falta registada.
Nas obrigações de meios não bastará, neste aspecto, a prova da não obtenção do resultado previsto com a prestação para se considerar provado o não cumprimento. Não basta alegar a morte do doente ou a perda da acção para se considerar em falta o médico que tratou o paciente ou o advogado que patrocinou a causa. É necessário provar que o médico ou o advogado não realizaram os actos em que normalmente se traduziria uma assistência ou um patrocínio diligente,...”.
Genericamente a obrigação do médico consiste em prestar ao doente os melhores cuidados ao seu alcance, no intuito de lhe restituir a saúde, suavizar os sofrimentos e salvar ou prolongar a vida.
Nesta fórmula ampla se compreende toda a actividade profissional, intelectual ou técnica, que tipicamente se pode designar por “acto médico”.
Desde logo, perante cada caso, uma actividade de observação e diagnóstico, que consiste no reconhecimento e distinção da enfermidade em cada caso clínico. Partindo do conhecimento que o médico deve possuir das doenças, e usando de todos os meios ao seu alcance, deve desenvolver toda a sua capacidade no sentido de determinar, em cada caso, qual o processo patológico que se lhe depare e as suas causas.
Após, o médico deve prestar ao doente os melhores cuidados ao seu alcance. Elaborando o diagnóstico com a maior atenção, actuando com o maior cuidado, da forma mais diligente e empregando todos os conhecimentos conformes aos dados adquiridos pela ciência médica, com o exclusivo intuito de restituir a saúde, suavizar o sofrimento e salvar ou prolongar a vida do doente.
Isso para que cumpra o disposto no novo Código Deontológico Médico, nomeadamente, no artigo 5º “1. O médico deve exercer a sua profissão com o maior respeito pelo direito à protecção da saúde das pessoas e da comunidade.” e, no artigo 9º “O médico deve cuidar da permanente actualização da sua cultura científica e da sua preparação técnica, sendo dever ético fundamental o exercício profissional diligente e tecnicamente adequado às regras da arte médica (leges artis).

De acordo com o decidido, e não impugnado, na sentença recorrida a relação estabelecida entre o réu e o autor é qualificável como de prestação de serviços.
Donde para responsabilizar o réu, seja necessário verificarem-se os seguintes pressupostos:
Em primeiro lugar é necessário que o facto do não cumprimento se revista de ilicitude, tanto podendo ser uma acção como uma omissão, que neste domínio da responsabilidade contratual se traduz numa relação de desconformidade entre o comportamento devido e o que seria necessário, para a realização da prestação devida e o comportamento efectivamente tido.
É também necessário que o médico tenha agido com culpa. Significando esta, em termos gerais, ter o médico actuado de tal forma que a sua conduta lhe deva ser pessoalmente censurada e reprovada, isto é poder-se determinar que, perante as circunstâncias concretas de cada caso, o médico obrigado devia e podia ter actuado de modo diferente. Podendo esta reprovação ou censura ter lugar a título de dolo ou negligência.
Importante no aspecto da responsabilidade médica é a mera culpa, a culpa sob a forma de negligência.
Aqui a censura do médico funda-se na circunstância de ele não ter agido com o cuidado, com a diligência, com o discernimento exigíveis, para evitar o resultado ilícito que é o não cumprimento na sua modalidade de cumprimento defeituoso.
É sabido que, por vezes, a fronteira entre ilicitude e culpa é difícil de determinar, nomeadamente, como no caso da actividade médica, em que a ilicitude pode consistir numa infracção aos procedimentos adequados. A infracção é, objectivamente, ilícita na medida em que se impunha outra atitude, mas, ao mesmo tempo, indicia ou pode indiciar, subjectivamente, um menor zelo ou a negligência na prática do acto médico. Tudo isto sem que haja qualquer confusão a nível dos conceitos.
Ou seja, “uma coisa é saber o que houve de errado na actuação do médico e outra saber se esse erro deve ser-lhe assacado a título de culpa.”, cfr. se pode ler no Ac.RL de 22.9.2011, in www.dgsi.pt

Em suma, pode dizer-se que actuará com negligência o médico que perante as circunstâncias de cada caso, não aplica na plenitude, o zelo, a vontade, o esforço, as qualidades, aptidões, capacidade e discernimento exigíveis para executar a conduta que representa que é necessária, ao cumprimento do seu dever contratual.
Sendo que, para além do comportamento ilícito e culposo do médico, é necessário para que surja a sua responsabilidade, com o correspondente dever de indemnizar, a existência de dano e o nexo de causalidade entre o comportamento e o dano.
Razão porque, supra nos referimos ao insucesso da pretensão dos autores, logo que confirmámos a inexistência de prova deste último, conforme já tinha sido decidido pelo Tribunal “a quo”.
Acresce, agora, que também temos de subscrever a decisão recorrida no que à falta de prova da ilicitude na conduta do réu respeita. Da matéria de facto provada, não pode imputar-se ao réu qualquer comportamento culposo ou negligente, nem qualquer omissão que revista estas características.
A matéria de facto provada é manifestamente insuficiente para se poder concluir sobre a existência de ilicitude no comportamento do réu, como pretendem os autores. Nada se apurou que permita afirmar que perante as circunstâncias do caso concreto, o réu devia e podia ter actuado de modo diferente, que o seu comportamento foi censurável e que actuou com violação das regras da arte médica.
Como se refere na sentença recorrida, “...da prova feita pelos Autores, a realização da infiltração pelo Réu e, dois dias depois, perante o agravamento do estado clínico, a entrada do Autor no Centro Hospitalar do Alto Minho, onde lhe foi diagnosticada a meningite por serratia; isso é manifestamente insuficiente para concluir que esta grave doença decorreu da actuação do Réu sobre o Autor. Não há, por isso, prova da ilicitude na conduta do Réu nem do nexo de causalidade entre essa conduta e os (enormíssimos) danos que sobrevieram ao Autor e, por extensão, à Autora.”.
Tendo merecido resposta negativa o quesito 29º da base instrutória, não só não se fez prova nos autos de que o estado de saúde em que o autor se encontra resultou da infiltração administrada pelo réu, como não se provou que os actos praticados pelo réu, consistentes na forma como procedeu àquela, tenham sido inadequados e não tenham sido os exigíveis às regras da arte médica (legis artis).

Improcedem, assim, todas as conclusões da apelação, devendo manter-se a sentença recorrida.

SUMÁRIO (artº 713, nº7, do CPC):
I – Na responsabilidade contratual por negligência em acto médico, por força da presunção de culpa do artº 799 e do disposto no artº 344, nº1, ambos do Código Civil, compete ao lesante provar a não culpa da sua actuação, mas a ilicitude da mesma deve ser provada pelo lesado, nomeadamente provando que os procedimentos adoptados foram inadequados e inexigíveis perante as regras da arte médica (legis artis).
II – Ilicitude e culpa no acto médico danoso são conceitos diferentes, indicando o primeiro o que houve de errado na actuação do médico e o segundo se esse erro deve ser-lhe assacado a título de negligência.
III - Provando-se que o réu fez uma infiltração nas costas do autor, com observância do protocolo exigido, após ter feito o diagnóstico e explicados os benefícios e riscos da mesma em comparação com outras vias de tratamento, tendo o autor consentido na sua realização, apesar de se provar, também, que dois dias depois, por apresentar cefaleias o autor deu entrada no Centro de Saúde de Paredes de Coura e, face ao agravamento do seu estado clínico, deu entrada no Centro Hospitalar do Alto Minho, onde lhe foi diagnosticada meningite por serratia, isso é manifestamente insuficiente para concluir que esta grave doença decorreu da actuação do réu sobre o autor.
IV – Assumindo o não cumprimento da obrigação do médico, por via de regra, a forma de cumprimento defeituoso, compete ao doente/lesado provar o defeito de cumprimento e provar, ainda, que o médico não praticou todos os actos que lhe eram exigíveis, normalmente, tidos por necessários e adequados para evitar o dano por ele sofrido.

III - DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção em julgar improcedente a apelação e manter a sentença recorrida, que se confirma.

Custas em ambas as instâncias a cargo dos Autores/apelantes.

Guimarães, 27 de Setembro de 2012
Rita Romeira
Amílcar Andrade
Manso Rainho