Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
94253/20.0YIPRT.G1
Relator: SANDRA MELO
Descritores: CONTRATO DE CRÉDITO AO CONSUMO
PERSI
HERDEIROS HABILITADOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/10/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1. Nos termos do artigo 21°, nº 3 do Decreto-Lei nº 227/2012, a instituição de crédito que tenha celebrado um contrato de crédito ao consumidor regulado pelo Decreto-Lei 133/2009 está obrigada a informar o fiador sobre a faculdade que lhe é concedida de solicitar a sua integração no PERSI (Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento), bem como sobre as condições para tal.
2. A falta de comunicação ao fiador de que tem a possibilidade de requerer a sua integração no PERSI, tal como a não integração do mutuário no PERSI, implica a violação de norma imperativa que estabelece condição prévia à dedução da ação.
3. A dedução da ação sem que se verifiquem estes procedimentos pré-judiciais especificamente impostas por lei à entidade bancária, em defesa do consumidor, traduz-se na falta de uma condição objetiva imposta por lei para a dedução da ação, que se traduz numa exceção dilatória inominada, que conduz à absolvição da instância.
4. Esta exceção dilatória é insanável, pelo que o cumprimento destes procedimentos no decurso da ação e a superveniente impossibilidade objetiva de tal cumprimento não desfazem os efeitos resultantes da falta de condições objetivas que se verificavam na data da sua instauração.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

. I - Relatório

Recorrente: AA (herdeiro habilitado de BB)
Recorrido e autor: Banco 1..., S.A., Sociedade Aberta
Apelação em ação declarativa de condenação originada em injunção
 
Nos presentes autos de ação declarativa originada em injunção, o Autor pediu que os réus CC e BB fossem notificados no sentido de lhe ser paga a quantia de 9.834,82 €, sendo 8.362,24 € de capital, acrescido de 1.319,58 € a título de juros de mora até data de entrada da providência, e 153,00 € respeitante à taxa de justiça paga.
Alegou, para tanto e em síntese, que celebrou contrato de crédito pessoal com o Réu e no seu cumprimento entregou-lhe a título de empréstimo a quantia de 9.912,14 €, que este utilizou em proveito próprio, obrigando-se a pagar determinadas prestações mensais e sucessivas. O Réu não pagou ao Autor as prestações vencidas em 12/07/2019, nem qualquer outra que se venceu em data ulterior, o que determinou o vencimento imediato de todas as restantes prestações acordadas. Mais alegou, quanto à Ré, que esta se constituiu fiadora e principal pagadora de todas as obrigações assumidas pelo mutuário perante o Autor.
A Ré deduziu oposição, invocando o óbito do Réu e afirmou que ao empréstimo estava adstrito um seguro de vida da companhia de seguros da Autora, a ser ativado em caso de morte do mutuário, com a apólice nº ...45.
O Requerente veio apresentar desistência da instância relativamente ao Réu, a qual veio a ser homologada.
A Ré BB também faleceu na pendência dos autos, tendo sido habilitado em seu lugar o ora Recorrente.
Foi produzido saneador-sentença que conheceu oficiosamente da “preterição da integração dos devedores bancários em PERSI - Decreto-Lei nº 227/2012, de 25.10”, concluindo que o falecimento da fiadora tornou superveniente impossível o cumprimento do disposto neste diploma e que tal determina que não se deve absolver o Réu da instância; julgou regular a instância, fixou os factos provados, aplicou o direito e
condenou o herdeiro habilitado a pagar ao Autor, com o limite previsto no art. 2071.º do Código Civil, o montante de €8.362,24 (oito mil trezentos e sessenta e dois euros e vinte quatro cêntimos) referente ao capital vencido e não pago; e ainda o montante de €1 319,58 (mil trezentos e dezanove euros e cinquenta e oito cêntimos) a título de juros de mora vencidos e não pagos, calculados à taxa contratual prevista, acrescida de uma sobretaxa de 3%, devida a título de cláusula penal, desde a resolução até à entrada da providência (18.12.202);
Mais condenou o Réu “igualmente com o limite previsto no art. 2071.º do Código Civil. a pagar ao A. (ou adquirente cessionário do crédito, ex vi art. 263.º, n.º 3 e 770.º do Código Civil), o montante de juros de mora vencidos e vincendos sobre o referido montante capital, no montante de €8.362,24 (oito mil trezentos e sessenta e dois euros e vinte quatro cêntimos), calculados à taxa contratual prevista, acrescida de uma sobretaxa de 3%, devida a título de cláusula penal, deste a data da entrada da providência (18.12.2020) e até efetivo e integral pagamento”, absolvendo-o do demais.

É desta decisão que o Réu habilitado apela, formulando, para tanto, as seguintes
conclusões:

“1ª – A exceção dilatória atípica de preterição da integração dos devedores bancários em PERSI, decorrente da aplicação imperativa do regime PERSI, plasmado no D.L. nº 227/2012, de 25 de outubro, também se aplica ao sucessor da fiadora, no caso o recorrente;
2ª – Em nenhuma circunstância, como a sentença recorrida deu como provado, o recorrido procedeu à notificação para a possibilidade de a fiadora agir ao abrigo do disposto no artigo 21º do Decreto-Lei nº 227/2012, de 25 de outubro;  
3ª – Bem assim como também não o fez em relação ao recorrido.
4ª – Sendo que, a responsabilidade objetiva pelo pagamento do crédito do recorrido é exatamente a mesma;
5ª – A Ré, fiadora, faleceu na pendência da causa, em .../.../2021, e nessa pendência ocorreu a cessão do crédito do recorrido a uma instituição financeira, à E... ..., em 25.6.2021;
6ª – Seria manifestamente injusto e desproporcionado, que a exceção dilatória inominada que se verificou na pendência da instância com a fiadora, não operasse igualmente com o recorrente, enquanto sucessor daquela;
7ª – Não se vê, mesmo enquanto sucessor, como o recorrente não possa considerar-se consumidor, à luz da al. a), do artigo 4º, do D.L. nº 133/2009, de 2 de junho e, nessa sequência, ser-lhe aplicável o regime do Decreto-Lei nº 227/2012, de 25/10;
8ª – A sentença recorrida violou, assim o artigo 21º, maxime nºs 2 e 4, do Decreto-Lei nº 227/2012, de 25/10, bem assim como a alínea a), do artigo 4º, do D.L. nº 133/2009, de 2 de junho, e incorreu em erro de julgamento.
Termos em que, no seio das conclusões supra, revogando a sentença recorrida e substituindo-a por acórdão que decrete a absolvição da instância do recorrente”.  
        
 O Recorrido apresentou resposta, que terminou com as seguintes
conclusões:
“O presente recurso vem interposta da sentença proferida no dia 03 de abril de 2023.
O Recorrido sublinha a falta de fundamentos que, salvo opinião diversa, padece a posição do Recorrente. O Recorrido foi julgado habilitado na pendência da ação principal, sendo certo que o mesmo não se insere nem se enquadra na posição de “consumidor” nem de “cliente bancário” à luz da al. a), do artigo 4º, do D.L. nº 133/2009, de 2 de junho e, nessa sequência, não lhe é aplicável o regime do Decreto-Lei nº 227/2012, de 25/10.
Bem como, é certo e inequívoco, o cumprimento por parte do Recorrido, das obrigações legais a que estava e está adstrito.
 Não resta senão concluir que não se aplica ao aqui Recorrido o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento, pelo que não se vislumbra qualquer exceção dilatória inominada insanável, devendo ser mantida a decisão proferida por sentença datada de 03 de Abril de 2023, devendo ser, da mesma forma, mantida a decisão de condenação do Recorrente ao pagamento da quantia peticionada nos autos principais, dívida essa devida ao Recorrido, que é certa, líquida e exigível.”

II- Objeto do recurso

O objeto do recurso é definido pelas conclusões das alegações, mas esta limitação não abarca as questões de conhecimento oficioso, nem a qualificação jurídica dos factos (artigos 635º nº 4, 639º nº 1, 5º nº 3 do Código de Processo Civil).
Este tribunal também não pode decidir questões novas, exceto se estas forem de conhecimento oficioso ou se tornaram relevantes em função da solução jurídica encontrada no recurso e os autos contenham os elementos necessários para o efeito. - artigo 665º nº 2 do mesmo diploma.

Assim, são as seguintes as questões a apreciar:

1- se a exceção dilatória inominada decorrente da preterição da integração dos devedores bancários em PERSI não opera caso o devedor primitivo faleça na pendência da ação;
2- em caso afirmativo, se esta obrigação também deve ser observada relativamente aos herdeiros habilitados.

III- Fundamentação de Facto

A sentença vem com a seguinte seleção da matéria de facto:

1)  O Requerido CC celebrou com o Requerente, em 25/06/2018, o contrato de crédito pessoal internamente designado por X... n.º ...12, nos termos do qual este entregou àquele, a título de empréstimo, por crédito na conta de depósitos à ordem, a quantia de 9.912,14 €, que este utilizou em proveito próprio.
2) Estipularam Requerente e Requerido que, pela utilização do capital mutuado, este pagaria juros sobre o capital em dívida, de acordo com a taxa de juro fixada no contrato e que, em caso de mora, seria acrescida de uma sobretaxa de 3%.
3) Ficou, ainda, expressamente convencionado que o empréstimo seria pago pelo Requerido em prestações mensais e sucessivas e nas demais condições constantes do contrato.
4) Sucede, porém, que o Requerido não pagou ao Requerente, nem na data do respetivo vencimento, nem posteriormente, as prestações vencidas em 12/07/2019, nem qualquer outra que se venceu em data ulterior, o que determinou, nos termos contratualmente acordados, o vencimento imediato de todas as restantes prestações acordadas.
5) Está, por isso, o Requerido a dever ao Requerente a quantia de 8.362,24 €, correspondente às prestações vencidas e não pagas nos termos do contrato em apreço, acrescida dos juros de mora, contados dia a dia, à taxa contratual em vigor de 9,36%, acrescida de uma sobretaxa de 3%, a título de cláusula penal, e que ascendem, na presente data, à quantia de 1.319,58€.
6) Por outro lado, a Requerida BB constituiu-se fiadora e principal pagadora de todas as obrigações assumidas pelo mutuário perante o Requerente correspondentes às prestações vencidas e não pagas nos termos do contrato de mútuo em apreço, acrescida dos juros de mora, contados dia a dia, à taxa contratual em vigor de 9,36% acrescida de uma sobretaxa de 3%, a título de cláusula penal, calculados deste a data do incumprimento até efetivo e integral pagamento.
7) O Autor celebrou com o Mutuário CC, em 22/06/20218, um contrato de crédito pessoal internamente designado por X... ...12, nos termos do qual este entregou àquele, a título de empréstimo, a quantia de 9.912,14 €
8) A Ré BB constituiu-se fiadora e principal pagadora de todas as obrigações assumidas pelo Mutuário perante o Banco.
9) Foi previamente estabelecido, por acordo, que a falecida R. se constituiu fiadora e principal pagadora de todas as obrigações assumidas pelo mutuário pela utilização do capital mutuado.
10) O contrato de crédito pessoal em apreço foi assinado, não apenas pelo mutuário CC, mas também pela Ré.
11) O valor mutuado foi efetivamente entregue ao Mutuário, mediante transferência para a conta de depósito à ordem n. ...11, associada ao aludido contrato de mútuo
12) No âmbito do referido contrato de mútuo ficou expressamente convencionado que o empréstimo seria pago pelos mutuários em 60 prestações mensais e sucessivas, de capital e juros, vencendo-se a primeira prestação em 12/07/2018, no valor de 198,81€ cada, e as demais prestações em igual período dos meses subsequente, sendo a taxa de juro inicial de 7,250%.
13) Mais acordaram as partes que, verificando-se a falta de cumprimento pontual do pagamento de qualquer das prestações previstas no plano de reembolso estabelecido, o Mutuário, obrigava-se a pagar juros moratórios sobre o respetivo montante e durante o tempo em que a ora ou o incumprimento se verificar, calculados mediante aplicação da taxa de juro remuneratória em vigor à data de constituição da mora, acrescida de uma sobretaxa anual máxima legalmente permitida, que atualmente é de 3%.
14)  Sucede, pois, que, o Mutuário não pagou ao Autor a prestação vencida em 12/07/2019, nem qualquer outra que se venceu em data ulterior, o que determinou o vencimento imediato de todas as restantes prestações acordadas.
15) A falecida Ré teve conhecimento do incumprimento contratual operado.
16) O Autor sempre promoveu pelo envio mensal dos extratos da conta de depósito à ordem associadas ao contrato, nos quais figuravam todas as responsabilidades contraídas pelo Mutuário e pela Ré junto do Autor
17) Em face da mora verificada no pagamento das prestações acordadas, foi a Ré interpelada na morada por si indicada aquando a celebração do contrato em apreço, em 07/07/2020, para proceder ao pagamento dos montantes em dívida, sendo que as cartas enviadas discriminam a origem dos créditos, a identificação do montante em débito e a data de vencimento.
18) A Ré não só não promoveu pela regularização da dívida, como também não respondeu às missivas enviadas pelo Autor.
19) Por nova carta remetida para a morada da Ré, em 02/09/2020, o Autor resolveu o contrato
20) A Ré foi interpelada para a morada por si indicada, que foi a sua morada até ao falecimento
21) Está associado ao contrato de crédito pessoal um contrato de seguro de vida e risco que tem como tomador e pessoa segura, o Mutuário CC 22) A Ré acionou o referido seguro em 07/02/2019.
23) Volvidos dois anos desde a data do acionamento do seguro, o A. não foi notificado da decisão da seguradora, nem recebeu qualquer quantia para pagamento da responsabilidade peticionada nos presentes autos;
24) No dia 25.6.2021 foi celebrado um contrato de cessão de créditos entre o Autor e a E... ..., pelo qual o primeiro cedeu à segunda, que adquiriu, o crédito em discussão nos presentes autos.
25) A dita cessão foi comunicada à R. entretanto falecida por carta registada – ...;
26) O primitivo R. CC faleceu em .../.../2018;
27) A primitiva R. BB faleceu em .../.../2021;
 Factos não provados:
 28) Em virtude contrato de seguro de vida e risco com a apólice nº ...45 a pretensão do Autor já foi satisfeita, isto é que que o Autor já recebeu quantia aqui peticionada, através do acionamento do identificado seguro de vida, acionado em .../.../2019 pela falecida R.

IV -Fundamentação de Direito

.1- objetivo e âmbito de aplicação do PERSI

Por se considerar que a crise económica e financeira que afeta a maioria dos países europeus exige uma particular atenção ao endividamento das famílias e que para tanto é necessário que a concessão de crédito pelas instituições de crédito se paute pela responsabilidade e pelo acompanhamento sistemático dos contratos de crédito, foi criado um conjunto de medidas legislativas, entre as quais a definição de um Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), delineada pelo Decreto-Lei 227/2012, de 25 de Outubro (o qual criou também outras figuras que aqui não nos importam).
Como se pode ler no Preâmbulo do diploma legal que prevê este procedimento (extrajudicial de regularização de situações de incumprimento), “estamos perante uma relação jurídica caraterizada por uma acentuada assimetria informativa, em que a lei inculca uma especial responsabilidade nas instituições bancárias e considera o cliente bancário-consumidor como a parte mais fraca”.
Impuseram-se condutas às instituições de crédito com o específico objetivo de prevenir e compor a regularização dos incumprimentos de contratos de crédito celebrados com os seus clientes, apresentando mecanismos especificamente bancários para o efeito.
Visou-se “promover a adequada tutela dos interesses dos consumidores em incumprimento e a atuação célere das instituições de crédito na procura de medidas que contribuam para a superação das dificuldades no cumprimento das responsabilidades assumidas pelos clientes bancários.”
As instituições de crédito ficaram obrigadas a aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objetivos e necessidades do consumidor.
Como se resumiu no acórdão 5480/16.0T8PRT-A.P1, de 27/06/2022 (sendo este e todos os demais acórdãos citados sem menção de fonte, consultados in dgsi.pt): “O decreto-lei n.º 272/2012, de 25 de Outubro, em vigor desde 1 de Janeiro de 2013, veio obstar que as instituições bancárias confrontadas com situações de mora ou incumprimento relativamente a contratos de crédito pudessem imediatamente recorrer às vias judicias para obterem a satisfação dos seus créditos relativamente aos devedores que possam integrar o conceito de “consumidores”, tal como este é tratado pela Lei de Defesa do Consumidor (Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, alterada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril), visando, com isso, e através dos mecanismos nele previstos, a proteção dos que, na relação contratual da qual emergiram aqueles contratos, têm uma posição mais enfraquecida e menos protegida.”
O Decreto-Lei 227/2012 (diploma a que pertencem todos os artigos que se mencionarem sem indicação da fonte) tem o seu âmbito de aplicação definido no artigo 2º, abarcando, entre o mais, os contratos de crédito aos consumidores abrangidos pelo disposto no Decreto-Lei n.º 133/2009, de 2 de junho, na sua redação atual.
Não obstante não haver qualquer dúvida entre as partes e o tribunal recorrido no que toca à aplicação deste diploma á relação estabelecida entre os primitivos Réus e a Autora e à sua violação, mostra-se necessário averiguar perante que situações e pessoas tem a instituição de crédito credora que cumprir os procedimentos com vista á regularização da situação de incumprimento exigidos por este diploma, por o Recorrente defender que também deve vir a ser abarcado pelos mesmos.
Para que a entidade bancária tenha que agir em cumprimento do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento, é necessário:
- que estejamos perante um crédito concedido por uma instituição de crédito (englobando qualquer entidade habilitada a efetuar operações de crédito em Portugal, como bancos, sociedades financeiras, às instituições de pagamento e às instituições de moeda eletrónica); (artigo 1º nº 1 e nº 3);
- que nos encontremos perante a falta de pagamento de reembolso de capital e/ou juros remuneratórios assumidas pelo cliente bancário no âmbito de um contrato de crédito (artigo 1º, alínea b));
- que intervenha como mutuário no contrato de crédito um consumidor, na aceção dada pelo n.º 1 do artigo 2.º da Lei de Defesa do Consumidor, e que tal contrato seja abrangido pelo Decreto-Lei n.º 74-A/2017, ou pelo Decreto-Lei n.º 133/2009, ou pelo Decreto-Lei n.º 359/91, ou ser contrato de crédito sob a forma de facilidades de descoberto que estabeleçam a obrigação de reembolso do crédito no prazo de um mês.
Também o fiador do mutuário consumidor deve ser advertido de que pode beneficiar do PERSI, se o requerer.

.2- passos essenciais do procedimento
 
Quando os clientes bancários incorram em mora no cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito as instituições de crédito estão obrigadas a promover as diligências necessárias à implementação do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), diz-nos o artigo 12º deste diploma, integrando-os neste procedimento e disso dando conhecimento aos clientes bancários, em cinco dias, através de comunicação em suporte duradouro. (artigo 14º nº 4 deste diploma).
Após, inicia-se uma fase de avaliação, tendo que entidade bancária que desenvolver as diligências necessárias para apurar se o incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito se deve a circunstâncias pontuais ou se, pelo contrário, reflete a incapacidade do cliente bancário para cumprir, de forma continuada, essas obrigações. Para tanto, procede à avaliação da capacidade financeira do cliente bancário, podendo solicitar-lhe as informações e os documentos estritamente necessários.

No prazo máximo de 30 dias após a integração do cliente bancário no PERSI, a instituição de crédito, através de comunicação em suporte duradouro, está obrigada a:
a) .Comunicar ao cliente bancário o resultado da avaliação desenvolvida nos termos previstos nos números anteriores, quando verifique que o mesmo não dispõe de capacidade financeira para retomar o cumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito, nem para regularizar a situação de incumprimento, através, designadamente, da renegociação das condições do contrato ou da sua consolidação com outros contratos de crédito, sendo inviável a obtenção de um acordo no âmbito do PERSI; ou
.b) Apresentar ao cliente bancário uma ou mais propostas de regularização adequadas à sua situação financeira, objetivos e necessidades, quando conclua que aquele dispõe de capacidade financeira para reembolsar o capital ou para pagar os juros vencidos e vincendos do contrato de crédito através, designadamente, da renegociação das condições do contrato ou da sua consolidação com outros contratos de crédito. (artigo 15º nº 4)
Pode seguir-se uma fase de negociação, podendo o cliente bancário pronunciar-se sobre as propostas que lhe sejam apresentadas no prazo máximo de 15 dias após a sua receção.

O PERSI extingue-se:
a) Com o pagamento integral dos montantes em mora ou com a extinção, por qualquer outra causa legalmente prevista, da obrigação em causa;
b) Com a obtenção de um acordo entre as partes com vista à regularização integral da situação de incumprimento;
c) No 91.º dia subsequente à data de integração do cliente bancário neste procedimento, salvo se as partes acordarem, por escrito, na respetiva prorrogação; ou com a declaração de insolvência do cliente bancário. (artigo 17º)
Importa ainda ter em conta que nos casos em que o contrato de crédito esteja garantido por fiança, a instituição de crédito deve informar o fiador, no prazo máximo de 15 dias após o vencimento da obrigação em mora, do atraso no cumprimento e dos montantes em dívida.
A instituição de crédito que interpele o fiador para cumprir as obrigações decorrentes de contrato de crédito que se encontrem em mora está obrigada a iniciar o PERSI com esse fiador sempre que este o solicite através de comunicação em suporte duradouro, no prazo máximo de 10 dias após a referida interpelação, considerando-se, para todos os efeitos, que o PERSI se inicia na data em que a instituição de crédito recebe a comunicação anteriormente mencionada.
Para tanto, aquando da interpelação para o cumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito que se encontrem em mora, a instituição de crédito deve informar o fiador sobre essa faculdade, bem como sobre as condições para o seu exercício.

.3 Efeitos do PERSI e da não integração do devedor no PERSI

Nos termos do artigo 18º deste diploma, no período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento, a instituição de crédito está impedida de resolver o contrato de crédito com fundamento em incumprimento e intentar ações judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito.
Assim, o PERSI constitui um mecanismo de proteção aplicável a clientes bancários - consumidores - que estejam em incumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito, obviando a que as instituições bancárias possam desencadear, de imediato, os procedimentos judiciais com vista à satisfação dos seus créditos.
Por esta razão, quando a entidade bancária está obrigada á integração do cliente em mora no PERSI e não comprove que desenvolveu as diligências obrigatórias por lei, não satisfaz uma das condições objetivas para a dedução da ação para obtenção do seu crédito.
Verifica-se então a falta de uma condição objetiva imposta por lei para a dedução da ação, que se traduz numa exceção dilatória inominada, que conduz à absolvição da instância.
É pacífica a jurisprudência, nomeadamente dos Tribunais da Relação, no sentido de que a comunicação aos clientes bancários da sua integração em PERSI e da sua extinção é matéria de conhecimento oficioso do tribunal e que a sua falta constitui exceção dilatória insuprível que obsta à apreciação do mérito da causa e conduz à absolvição da instância. Igualmente pacífica parece ser a jurisprudência no sentido de que cabe às entidades bancárias o ónus de provar que efetuou as comunicações legalmente previstas.” (cf acórdão do Supremo Tribunal de Justiça no processo 7430/19.... de 02/28/2023, que concluiu pela desnecessidade de aviso de receção no âmbito das respetivas notificações).
 Realça-se que, tal como a lei construiu o quadro jurídico que nos rege, após a mora inicial e durante o período em que devia correr o PERSI, a instituição de crédito está impedida de «intentar ações judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito».
O cumprimento dos seus procedimentos (enquanto se mostrarem viáveis) são condições necessárias para que a instituição de crédito, neste tipo de créditos e perante estes clientes ou fiadores, possa instaurar a ação.
Assim, não se pode agora dizer que porque neste momento tais procedimentos se mostram de realização impossível, se sanou a violação cometida e a mesma já não tem consequências. A ser assim, poderiam as entidades bancárias cumprir as normas do diploma que rege este procedimento no decurso do processo e após vir argumentar que se sanou o vício que inquinava a dedução da ação, o que, como é bom de ver, desvirtuaria todo o objetivo da lei.
Desta forma, entendemos que, mesmo que se considere que a entidade bancária já não tem que praticar os atos que omitiu relativamente aos devedores originários na pessoa do sucessor no direito, o facto de ter deduzido a presente ação em momento em que lhe estava vedado fazê-lo, mantém os seus efeitos na presente instância. (Mais a mais tendo-se em conta que revogou o contrato em momento em que não o podia efetuar).
É no momento em que se intenta a ação que se devem verificar os requisitos para a sua dedução e a razão de ser desta exigência legal implica que aquele que incumpriu as normas que impõem especiais deveres de zelo e lealdade para com os seus devedores não possa ser premiado pela violação de tais normas, tudo se passando como se não tivessem sido violadas. Tal ocorreria se pudesse beneficiar de uma ação iniciada antes de tempo por se não verificarem as circunstâncias que permitiam a sua dedução e se lhe evitasse a dedução de nova demanda (poupando-o, pelo menos, a ter de explicar perante o novo devedor a antecipada resolução do contrato).
Este também foi o entendimento seguido pelo acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, no processo 4956/14.8T8ENT-A.E1, de 6 de outubro de 2016: “Desta sorte, através do recurso ao método integrativo da inferência lógica de regras imanentes, se existe um quadro de proibição de accionamento de «acções judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito», é manifestamente inviável, na pendência da lide, suprir a irregularidade verificada….Estamos, assim, perante uma excepção dilatória inominada que impedia ab initio a instauração de acção executiva para a efectiva satisfação do crédito do exequente e que implica a absolvição da instância com as consequências descritas na decisão sob censura, incluindo a comunicação ao Banco de Portugal.” Neste sentido, também o supracitado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, salientando que esta exceção dilatória é insanável.
Logo, tem razão o Recorrente em entender que deve ser absolvido da instância por não ter sido dado conhecimento à fiadora da possibilidade de despoletar o PERSI.
Isto, independentemente de tal procedimento se ter tornado inviável já no decurso da ação (pelo menos na pessoa da fiadora) por força do seu óbito: é no momento em que se intenta a ação que devem estar cumpridas as condições necessárias para a sua dedução e se estava legalmente vedado ao credor intentar a ação naquele momento a ação não pode prosseguir, por se verificar exceção dilatória insanável (o que não o impede, obviamente, no momento em que tal condição esteja cumprida ou não se lhe aplique, de deduzir o competente procedimento).

.4 Da aplicação do PERSI aos herdeiros (nessa qualidade)

Questão diversa desta é se a entidade bancária está obrigada a integrar no PERSI o(s) herdeiro(s) da fiadora ou do mutuário.
A mesma, neste momento, já se não mostra necessária para a decisão do recurso, mas sempre teremos que salientar o PERSI só se aplica diretamente aos “clientes bancários”, tendo como objetivo conduzir os bancos a terem uma relação mais cuidadosa com aqueles com quem contratou e impedir o endividamento excessivo dos consumidores. Embora nos casos em que a responsabilidade dos herdeiros fica à partida limitada às forças da herança não se verifiquem os perigos de endividamento excessivo que se visa impedir com este procedimento, certo é que nos casos em que os herdeiros, pessoas singulares, assumam as obrigações dos falecidos consumidores ou seus fiadores acabam por adotar a obrigação. Assim, não nos choca que possam beneficiar destes procedimentos.
 (O acórdão proferido no processo nº 2354/22.9T8ENT.E1, de 8 de maio de 2023 refere-se à impossibilidade de aplicação destes procedimentos a uma herança jacente, objeto de repúdio do seu único herdeiro conhecido, porquanto “Os procedimentos legais previstos no art.13º e 15º do citado diploma não têm como ser executados neste caso” e não a um caso como o presente em que o herdeiro compareceu e assumiu a posição do autor da herança).

.5- concretização

 No presente caso demonstrou-se que a entidade bancária celebrou um contrato de crédito pessoal no valor de 9.912,14 €, com o marido da Ré e que este o utilizou em proveito próprio, tendo a Ré tido intervenção como fiadora e principal pagadora. Dúvidas não há sobre a qualidade de consumidor do marido da Ré e de que o crédito preenche o disposto no artigo 2º nº 1 alínea c), por remissão do artigo 1º, nº 2, do Decreto-Lei n.º 133/2009, de 02 de junho, como unanimemente aceitam as partes e se decidiu na sentença sob recurso.
A Ré foi interpelada para proceder ao pagamento dos montantes em dívida, mas não foi alegado, nem documentalmente demonstrado, que lhe foi dado conhecimento que podia integrar o PERSI.
Como vimos, nos termos do artigo 21°, nº 3 do Decreto-Lei nº 227/2012, a instituição de crédito que tenha celerado um contrato de crédito ao consumidor regulado pelo Decreto-Lei 133/2009 está obrigada a informar o fiador sobre a faculdade que lhe é concedida de solicitar a sua integração no PERSI, bem como sobre as condições para tal e a sua falta tem como consequência a verificação de uma exceção dilatória. (Neste sentido cf acórdão proferido no processo nº 5480/16.0T8PRT-A.P1, de 27 de junho de 2022).
Exceção dilatória esta que, como concluímos supra, não é sanável.
Desta forma, há que dar razão ao Recorrente quando concluiu que a falta de notificação da autora da herança nos termos do artigo 21º nº 3 do Decreto-Lei 227/2012 constitui exceção dilatória que não se pode considerar sanada e que conduz à absolvição da instância (artigo 278º nº 1 alínea e) do Código de Processo Civil) e a decisão recorrida não pode subsistir.

V- Decisão

Por todo o exposto, julga-se a presente apelação procedente e em consequência, revogando-se a decisão recorrida, julga-se procedente a exceção dilatória inominada de incumprimento das condições para a dedução da ação e absolve-se da instância o Réu habilitado.
Custas da ação e do recurso pelo apelado (artigo 527º nº 1 e 2 do Código de Processo Civil)
Guimarães, 10/7/20238 de agosto de 2023

Sandra Melo
Maria Amália Santos
Fernanda Proença Fernandes