Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1397/11.2TBBGC.G1
Relator: MARIA DE FÁTIMA ALMEIDA ANDRADE
Descritores: DESPACHO SANEADOR
HERANÇA INDIVISA
LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO
USUCAPIÃO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/25/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1- A apreciação em sede de despacho saneador de modo tabelar da personalidade, capacidade e legitimidade das partes, bem como da inexistência de nulidades principais, não forma caso julgado por não ter sido concretamente apreciada para os fins do artigo 595º n.º 3 do CPC.
2- Proposta ação em que a A. se identifica como “Herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de (…) representada pelo seu cabeça de casal (…)” o qual e logo como primeiro pedido peticiona o seu (cabeça de casal) reconhecimento como sucessor e universal herdeiro do autor da herança, entende-se legítimo concluir que A. é - não obstante a fórmula (aliás comum) por si utilizada para identificar quem instaura a ação“Herança ilíquida… representada pelo cabeça de casal” - o cabeça de casal e herdeiro, intervindo em defesa/representação - dos direitos da herança.

3- Pela mesma razão o pedido de reconhecimento de que o imóvel em causa nestes autos é propriedade da “autora”, pode e deve ser entendido como um pedido de reconhecimento de que do acervo hereditário faz parte este mesmo imóvel.

4-Igualmente e em função do modo como a açãoé instaurada e a A. identificada, sendo na mesma peticionado o reconhecimento da propriedade sobre determinado bem imóvel que foi registado em comum e sem determinação de parte ou direito a favor dos herdeiros, estes igualmente já habilitados em Procedimento Simplificado de Habilitação de Herdeiros, entende-se a herança como aceite e os seus sucessores já determinados.
5- Aceite a herança e determinados os sucessores, os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos ou contra todos os herdeiros, salvo quando em causa esteja o exercício de direitos contidos no âmbito dos poderes de administração conferidos ao cabeça de casal.
6- Podendo da decisão de tal ação resultar a perda de tal bem para a herança, é exigida a intervenção de todos os herdeiros em situação de litisconsórcio necessário.
7- O incidente de intervenção espontânea deduzido por todos os demais herdeiros da herança nos termos do artigo 313º do CPC, sana o vício de preterição de litisconsórcio necessário que anteriormente a tal intervenção nesta sede ocorria.

8- Sobre a parte interessada na alteração da decisão de facto recai o ónus de alegação e especificação dos concretos pontos de facto que pretende ver reapreciados; dos concretos meios de prova que impõem tal alteração e da decisão que a seu ver sobre os mesmos deve recair, sob pena de rejeição do recurso [artigo 640º n.º 1 als. a) a c) do CPC].
9- No caso de prova gravada, é ainda exigível ao recorrente, tal como decorre do artigo 640º n.º 2 al. a) do CPC, a indicação das passagens da gravação em que se funda o recurso.
Sendo quanto a este ponto o recorrente totalmente omisso – quer por via da indicação de segmentos de gravação quer por via de transcrição de excertos de depoimentos concretos que permitam ao tribunal reanalisar a prova gravada produzida - deve e no que à prova gravada concerne ser rejeitada a respetiva impugnação.
10- Não obstante, na medida em que a prova documental, imponha só por si e pelo seu valor probatório pleno decisão diversa, deverá ser alterada a decisão da matéria de facto, ao abrigo do disposto no artigo 662º n.º 1 do CPC..
11- Os documentos autênticos apenas fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respetivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas perceções da entidade documentadora (artigo 371º n.º 1 do CC).
Consequentemente não beneficiam de tal força probatória as declarações emitidas pelos outorgantes e em tais documentos atestadas, cuja veracidade pode assim ser questionada sem que seja necessária aarguição de falsidade do respetivo documento. Estando sujeitas ao princípio da livre apreciação pelo tribunal.
12- Demonstrados os factos relativos à posse do direito de propriedade mantida por lapso de tempo superior a 20 anos sobre bem imóvel, resta reconhecer a aquisição originária da propriedade por via da usucapião.

13- Para que se possa aferir da existência e gravidade de alegados danos não patrimoniais, bem como quantificar os mesmos, impõe-se que sejam provados factos a tal realidade atinentes.

14-Para que se conclua pela verificação de uma conduta dolosa ou com negligência grave integradora da má-fé, impõe-se ser possível concluir que a parte de forma consciente deduziu oposição cuja falta de fundamento não ignorava, porquanto se encontrava em posição que lhe impunha tal conhecimento.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I- Relatório

A A., identificada como “Herança Ilíquida e Indivisa aberta poróbito de I” (…)“representada pelo respetivocabeça-de-casal, R”, intentou a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum ordinário, contra E, ambos melhor ids. a fls. 4 pedindo que pela procedência da ação:

a) seja o cabeça de casal e aqui representante da herança autora reconhecido como sucessor e universal herdeiro de I;

b) seja declarado que à Herança Autora pertence com exclusão de outrem, o direito de propriedade plena do prédio urbano destinado a habitação, composto por rés-do-chão, 1.° andar, garagem, anexo e logradouro, com a área total de 3.388,83m2, sendo a área coberta de 260,08m2 e a descoberta de 3.128,75m2, a confrontar de Norte com caminho público, sul com Maximino de Jesus Afonso, nascente com estrada municipal e poente com terreno omisso na matriz, sito no lugar de Vale da Cadela, freguesia de Zoio, concelho de Bragança, inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo ….° e descrito na CRP de Bragança com o n.º …;

c) seja o réu condenado a

1. reconhecer o direito de propriedade da autora e a abster-se de impedir, dificultar ou estorvar, a livre e plena fruição daquele prédio;

2. no prazo de 10 dias, após o trânsito em julgado da sentença a proferir nos presentes autos:

i) - a retirar as máquinas de terraplanagem e retroescavadora que colocou na entrada Norte do logradouro do prédio da Herança Autora;

ii) - a refazer o acesso desde o caminho público até à entrada Nascente dos anexos do aludido prédio;

iii) - a refazer o caminho público do lado Norte do prédio da Herança Autora, elevando a respetiva cota, por forma a permitir o acesso direto desde tal caminho a qualquer das 5 portas existentes na fachada Norte daqueles anexos;

iv) - a restabelecer a ligação elétrica subterrânea à bomba colocada no poço de captação de água;

v) - a restabelecer a canalização de água por tubo de plástico, desde o poço até ao tanque sito junto dos anexos do prédio da Herança Autora;

3. a pagar à Herança Autora uma indemnização por danos não patrimoniais causados pela sua conduta ilícita, computada em importância nunca inferior a € 10.000,00.

Para o efeito alegou, em suma, ser a herança autora dona e legítima possuidora do prédio identificado no artigo 1.º da p.i, inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo 249.°, descrito na Conservatória do Registo Predial de Bragança com o n.º 158 e aí inscrito a favor dos herdeiros do autor da herança, I, em comum e sem determinação de parte ou direito.

Imóveleste que alegou adveio à titularidade da herança autora por usucapião e acessão industrial imobiliária, nos termos que descreveu.

Mais alegou que desde 2004 e até 2011, o R. (ou o R. e um seu irmão) tem perturbado a posse e direito de propriedade da herança autora sobre o referido imóvel da propriedade desta, pela prática de vários atos que descreveu.

Atos estes executados pelo réu sem consentimento nem autorização do autor da herança ou de qualquer dos seus herdeiros, pelo que deve o réu repor a situação que se verificava antes da sua conduta.

Condutaesta causa ainda de transtornos, incómodos e preocupações. Danos moraisestes ressarcíveis em quantia não inferior a € 10.000,00, a pagar pelo réu.

Citado, o Réu contestou impugnando todos os factos alegados pela autora, alegando para o efeito e, em síntese que ao contrário do que alega, a autora não é dona nem legítima possuidora do prédio urbano identificado no artigo 1.º da p.i.; nem o falecido I adquiriu o mencionado prédio por usucapião e nem sequer a herança autora adquiriu o referido imóvel por usucapião ou acessão conforme alegado.
Deduziu ainda reconvenção alegando para o efeito e, em síntese que o falecido I, como procurador de Maria de Carmo Nogal e marido, com poderes que estes lhe conferiram em procuração bastante, requereu o registo do prédio identificado no artigo 1.º da p.i, instruindo tal pedido de registo com certidão negativa emitida pela Conservatória do Registo Predial de Bragança, em 13.01.2004, certidão matricial do prédio depois das áreas retificadas e ampliadas e escritura de justificação notarial, encontrando-se tal imóvel registado na CRP de Bragança sob a descrição 158/20040402.
Escritura esta, de justificação notarial, lavrada no dia 22.01.2004, no Cartório Notarial de Bragança e que foi declarada nula, por sentença já transitada em julgado tendo sido ordenado o cancelamento das inscrições G-1 e G-2, sendo certo que a Conservatória do Registo Predial procedeu ao cancelamento de tais inscrições mas manteve a inscrição C-1que deveria igualmente ter cancelado e inutilizado a descrição 158, o que não sucedeu.
Concluiu peticionando a improcedência da ação e procedência da reconvenção, em consequência sendo declarada a nulidade da descrição 158/20040402, com o cancelamento das inscrições nela apensas, ou caso assim não se entenda, seja declarada a inutilização da mesma descrição com a consequente inutilização das inscrições averbadas.

A autora deduziu réplica, respondendo às exceções invocadase invocando ainda a exceção de caso julgado. Mais respondeu igualmente ao pedido reconvencional, pugnando pela sua improcedência.
No mais, tendo concluindo como na p.i.
Invocou ainda a litigância de má-fé do R..

Proferido despacho saneador, foi neste julgada “inadmissível” a reconvenção deduzida.
Foi ainda apreciada e julgada improcedente a exceção de caso julgado invocada pela autora na sua réplica, por referência ao decidido na ação 1373/04.1TBBGC.

*
Selecionados os factos assentes e a provar – e que mereceu reclamação, parcialmente julgada procedente - foi realizada audiência de discussão e julgamento, após o que se decidiu:

“Pelo exposto, julgo a presente ação parcialmente procedente, por parcialmente provada e, em consequência:

1) Reconheço o cabeça de casal e aqui representante da herança autora, R, como sucessor e herdeiro de I;

2) Declaro que à Herança Autora pertence com exclusão de outrem, o direito de propriedade plena do prédio urbano destinado a habitação, composto por rés-do-chão, 1.º andar, garagem, anexo e logradouro, com a área total de 3.388,83m2, sendo a área coberta de 260,08m2 e a descoberta de 3.128,75m2, a confrontar de Norte com caminho público, sul com Maximino de Jesus Afonso, nascente com estrada municipal e poente com terreno omisso na matriz, sito no lugar de Vale da Cadela, freguesia de Zoio, concelho de Bragança, inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo ….° e descrito na CRP de Bragança com o n." …, por usucapião;

3) Condeno o réu, E, a reconhecer o direito de propriedade da autora e a abster-se de impedir, dificultar ou estorvar, a livre e plena fruição daquele prédio;

4) Condeno o réu a, no prazo de 10 dias, após o trânsito em julgado da sentença, a praticar os atos enunciados no ponto 2) i) a v) do petitório, absolvendo-o do restante peticionado.

5) Custas pela autora e réu na proporção de 1/4 para a primeira e 3/4 para o segundo - cfr. art.527.º, n.ºs 1 e 2 e 607.º, n.º6, ambos do novo CPC e art.6º do RCP e Tabela I-A anexa.

6) Julgo improcedente o pedido de condenação do réu como litigante de má-fé;

7) Custas do incidente de litigância de má-fé a cargo da autora que se fixa em 1 (uma) UC - art. 527.°, n.º 1 e 2 do NCPC e artigo 7.°, n.º 4 do RCP e Tabela II anexa.”


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Do assim decidido apelou o R., oferecendo alegações e formulando as seguintes

VI - CONCLUSÕES

1ª A herança impartilhada de titulares determinados não goza de personalidade, e os direitos a ela relativos devem ser exercidos por ou contra todos os herdeiros.

2ª Sendo a herança indivisa mas estando os seus titulares determinados, são eles que têm de figurar como partes numa ação judicial – artº 2091º C. Civ..A herança ainda não partilhada carece de personalidade judiciária.

3ª O julgamento sobre a personalidade , capacidade e legitimidade, em sede de despacho saneador foi efetuado de forma genérica, pelo que nos termos do art. 595º do C. P.C., não faz caso julgado formal no processo. Neste sentido, Ac. STA, Proc. 16/1999.P1.S1, de 16.12.2010, in www.dgsi.pt, Ac. R.P. Proc. 0422734, de 08.07.2004, in www.dgsi.pt

4ª Carece a Autora - HERANÇA ILIQUIDA E INDIVISA POR ÓBITO DE I de personalidade e capacidade judiciária, constituindo, tal falta, exceção dilatória, de conhecimento oficioso, com a consequente absolvição do R., ora recorrente, da instância.

5ª O recorrente não se conforma quanto à decisão da matéria de facto constante dos pontos 1., 2., 10., 11., 37., 38., 39., e 58. docapítulo da douta sentença “ FACTOS PROVADOS”

6ª Deverá ser alterado o ponto 1. dos FACTOS PROVADOS, no sentido da INUTILIZAÇÃO DA DESCRIÇÃO 158/20040402- freguesia do Zoio - Bragança com todas as suas inscrições, em cumprimento das doutas decisões transitadas em julgado, mencionadas nas alegações supra.

7ª Em consequência da INUTILIZAÇÃO DA DESCRIÇÃO 158/20040402- freguesia do Zoio - Bragança, deverá ser eliminado o ponto 2. dos FACTOS PROVADOS

8ª É o próprio Autor da Herança, aqui Autora, o Sr. I, que, como procurador de Manuel Augusto Mouro e Nogal e Maria do Carmo Pousa e Nogal, em documentos oficiais e perante entidade dotada de fé pública , declara não ser o proprietário nem o possuidor do imóvel em causa.

9ª São os próprios “doadores” (Manuel Augusto Mouro e Nogal e Maria do Carmo Pousa e Nogal) que emitem procurações e celebram escrituras perante entidade dotada de fé pública, donde decorre e onde afirmam serem donos e legítimos possuidores do imóvel em causa cerca de 29 anos após a alegada “doação”.

10ª A matéria dos artigos 10. e 11. dos FACTOS PROVADOS deveria ser alterada, passando a ter a redação seguinte:

“10. No Verão de 1975, Maria do Carmo Pousa Nogal e o seu marido Miguel Augusto Mouro e Nogal NÃO doaram verbalmente ao I a casa e a parcela de terreno adjacente que lhe servia de logradouro anexo, mencionados em 1), então ainda omisso à matriz” ( o sublinhado é nosso)

“11 . Desde tal data, o I NÃO passou a ocupar, em exclusivo e sem interrupção, o referido prédio urbano”.

Encontram - se nos autos abundantes elementos, nomeadamente declarações dos próprios intervenientes, que impunham decisão diversa.

11ª Os factos provados em 37. 38. e 39. do capítulo FACTOS PROVADOS, constantes da douta sentença em crise, deverão transitar para o Capitulo Factos NÃO PROVADOS da douta sentença em crise.

12ª Deverá ser retirado à matéria do ponto 58. dos FACTOS PROVADOS, a matéria dos pontos 8. e 9. do mesmo Capítulo, por manifesta contradição.

13ª Dos pontos 8. e 9. dos FACTOS PROVADOS, ressalta à evidência de que foram a Maria do Carmo e marido Miguel quem mandaram construir. Construção cujo custo suportaram, em materiais de construção e mão-de-obra

14ª A Autora, aqui recorrida não goza da presunção de titularidade do direito de propriedade sobre o identificado imóvel, decorrente da inscrição a seu favor na Conservatória do Registo Predial de Bragança, por INUTILIZAÇÃO DA DESCRIÇÃO E CONSEQUENTE INUTILIZAÇÃO DE TODAS AS INSCRIÇÕES AVERBADAS.

15ª É o próprio Autor da Herança, aqui Autora, o Sr. I, que, i) como procurador de Manuel Augusto Mouro e Nogal e Maria do Carmo Pousa e Nogal, em documentos oficiais e perante entidade dotada de fé pública , declara, cerca de 28 anos após a data da alegada doação - Verão de 1975 - não ser o proprietário nem o possuidor do imóvel em causa, ii) são os próprios “doadores” (Manuel Augusto Mouro e Nogal e Maria do Carmo Pousa e Nogal) que emitem procurações e celebram escrituras perante entidade dotada de fé pública, donde decorre e onde afirmam serem donos e legítimos possuidores do imóvel em causa cerca de 29 anos após a alegada “doação”.

16ª A Maria do Carmo Pousa Nogal e o seu marido Miguel Augusto Moura Nogal NÃO DOARAM VERBALMENTE, ao I o imóvel em causa, razão pela qual o recorrente arguiu a alteração deste ponto 10. dos Factos Provados, suportado em declarações dos próprios, prestados em documentos autênticos perante entidade dotada de fé pública.

17ª Constitui elemento essencial da doação, que a mesma se exerça à custa do património do doador ou doadores.

18ª O contrato promessa não tem eficácia translativa da propriedade, visto tratar-se de um contrato de natureza meramente obrigacional cujo objeto não é o contrato prometido, mas a obrigação de o celebrar (obrigação de facere), daí não constitua um título de posse.

19ª No Verão de 1975, a Maria do Carmo e marido seriam titulares de um direito de crédito ( por via do alegado contrato promessa) e ainda não tinham reunido os elementos essenciais para a aquisição originária - através do instituto de usucapião, nomeadamente os elementos - o decurso de certo período de tempo e a invocação –

20ª Pese embora a Maria do Carmo e marido serem possuidores do imóvel, conforme se encontra provado, carecem da manutenção do período de tempo legalmente definido que é muito superior ao decorrido entre 04.10.1973 e o Verão de 1975.

21ª Por falta de título, a Maria do Carmo e marido não acederam na posse exercida pelos antecessores.

22ª No Verão de 1975, a Maria do Carmo e marido não eram proprietários do imóvel em causa, quer por via derivada quer por via originária.

23ª A Maria do Carmo e marido não reuniam as condições que lhe conferiam a titularidade de proprietários para poderem transferir tal direito ao Ismael dos Santos, seja por que via fosse, nomeadamente por via da doação, mesmo que verbal, em nome do princípio “nemo transferrepotestplusquamhabet”.

24ª Trata - se pois de doação de coisa alheia , pelo que se encontra ferida de nulidade, com todos os legais efeitos decorrentes deste vício. ( cfr. C.C., art. 956º)

25ª Nos termos do estabelecido no art. 947º-1 do C. C. : “ a doação de coisas imóveis só é válida se for celebrada por escritura pública ou por documento particular autenticado.”

26ª A alegada doação no Verão de 1975, foi uma doação verbal, pelo que se encontra ferida de nulidade

27ª A nulidade é invocável a todo o tempo, pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal e tem efeitos retroativos( cfr. C.C. art. 947º- 1, 286º e 289º), o que se impetra.

28ª Nos termos do estabelecido no art. 945º - 1 do C.C.“ A proposta de doação caduca, se não for aceita em vida do doador.

29ª Nos termos do art. 945º- 3 do C.C. : “ Se a proposta não for aceita no próprio ato( ou não se verificar a tradição, tratando - se de coisa móvel) a aceitação deve obedecer à forma prescrita no art. 947º e ser declarada ao doador, sob pena de não produzir os seus efeitos.

30ª Compulsados os autos, resulta à evidência que NÃO FOI ALEGADA NEM PROVADA a ACEITAÇÃO PELO DONATÁRIO, o I.

31ª Por falta de aceitação, a doação é manifestamente ineficaz, nos termos das disposições legais, acima mencionadas, o que se impetra.

32ª Resulta dos autos ser manifesto que o I encontra - se destituído do “animuspossidendi”.

33ª Em completa adesão à fundamentação jurídica, constante da douta sentença em crise, dúvidas não restam que, na ausência do “ animuspossidendi, conforme acima alegado, o exercício e a prática dos atos constantes dos pontos 11. a 29. e 31. a 34. dos FACTOS PROVADOS, pelo I, e após o decesso deste pelos seus filhos, se inscrevem no âmbito da sua qualidade de detentor ou possuidor precário, por conta e em representação da sua irmã e cunhado, Maria do Carmo e Miguel.

34ª Dos autos, resulta à evidência que não se encontram preenchidos os invocados caracteres da posse, nomeadamente da posse pacífica, sem oposição de quem quer que seja, na convicção de não lesarem interesses alheios e de forma ininterrupta.

35ª Não se verifica a posse pacífica, uma vez que é manifesta a turbação da posse e privação por parte do R., do exercício dos atos materiais correspondentes ao direito de propriedade.

36ª A Herança / autora tem plena consciência de estar a lesar interesses alheios, pois sabe e tem plena consciência de que o Autora da Herança aqui Autora, a Maria do Carmo e seu Marido , Miguel foram condenados em sentença transitada, proferida no âmbito do Processo que sob o nº 1373/04.1TBBGC, correu termos pelo então 1º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Bragança : a reconhecer que da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito dos pais dos autores faz parte o prédio rústico inscrito na matriz da freguesia de Zoio, do concelho de Bragança sob o artigo … e descrito na conservatória do registo predial de Bragança sob o nº …, pelo que os autores são os únicos contitulares do direito de propriedade sobre tal prédio.

37ª As causas de pedir e pedidos formulados na presente Acão são substancialmente incompatíveis, uma vez que por via do Instituto da Acessão a Autora alega factos que a ela conduzem e reconhece que o terreno onde efetuou a incorporação é ALHEIO. Em sede do Instituto da Usucapião alega factos que conduzem à aquisição originária por esta via, nomeadamente os factos integradores e caracterizadores da posse, peticionando o reconhecimento do direito de propriedade por esta via.

38ª A cumulação de causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis conduzem à nulidade, que é do conhecimento oficioso, o que se impetra (cfr. art. 186º e 196º do C. P. Civil).

39ª Os pressupostos substantivos da acessão industrial imobiliária, estabelecidos no art.1340º C.Civ., são os seguintes : a) - a incorporação consistente no ato voluntário de realização da obra, sementeira ou plantação ; b) - a natureza alheia do terreno sobre o qual é erguida a construção, lançada a sementeira ou efetuada a plantação ; c) - a pertinência inicial dos materiais ao autor da incorporação ; d) - a formação de um todo único entre o terreno e a obra ; e) - o maior valor da obra relativamente ao terreno ; e f) - a boa-fé do autor da incorporação.

40ª A douta sentença em crise parece distinguir dois Agentes realizadores das obras a saber:

a) As obras efetuadas pelo casal Maria do Carmo Pousa Nogal e Miguel Augusto Moura Nogal, as mencionadas no ponto 8. dos FACTOS PROVADOS, consistente na construção “ de uma casa composta por rés - do - chão e 1º andar, com superfície coberta cerca de 1002, destinado o piso térreo ao exercício do comércio e o piso superior a habitação.”

b) Obras efetuadas pelo falecido I, Autor da Herança Autora, tal qual foi dado como provado e assim consta dos FACTOS PROVADOS que são as que constam dos restantes pontos, ou seja as constantes dos pontos 13. e 15. a 28 dos FACTOS PROVADOS, que aqui por razão de economia se têm por integralmente reproduzidos.

41ª As benfeitorias e a acessão distinguem-se através dos seus regimes jurídicos: nas primeiras, a lei atribui ao seu autor um direito de levantamento (iustolendi) ou um crédito contra o dono da coisa benfeitorizada; na segunda, a lei atribui ao autor da acessão, em certas condições, a propriedade da coisa.” (cfr. Revista n.º 3334/00, 7.ª Secção Miranda Gusmão(Relator)

42ª As benfeitorias, ao contrário da acessão, estão sempre dependentes da existência de um vínculo jurídico - o que inexiste no caso da acessão.

43ª As obras realizadas peloMaria do Carmo e Marido terão de ser consideradas como obras de incorporação. Por sua vez as obras realizadas pelo I terão de ser classificadas como benfeitorias.

44ª O casal Maria do Carmo e Marido poderiam aceder à aquisição do imóvel tal qual é definido pela composição correspondente ao artigo matricial nº 206, nos precisos e exatos termos em que se encontra inscrito ,por via da aquisição originária através do Instituto da Acessão, o que se encontra vedado à HERANÇA /Autora, titular, conforme decorre da matéria provada, de um crédito sobre o titular do bem.

45ª Os mencionados Maria do Carmo e marido, nos presentes autos não peticionaram nem reivindicaram o direito de propriedade sobre o mencionado imóvel suportados na aquisição originária, através do Instituto da Acessão.

46ª Colhe-se dos FACTOS PROVADOS que, nos presentes autos se trata de um prédio urbano destinado a habitação e que o rés - do - chão se destinou a comércio e o 1º piso a habitação.

47ª Não definindo a lei o que deva entender-se por prédio para efeitos de acessão e admitindo o fracionamento de terrenos quando destinados a construção, os limites da acessão deverão ser determinados por um critério económico.

48ª Das plantas de fls. 25 e fls. 291 dos autos e depoimento dos técnicos que a área das construções com o logradouro não esgotam a totalidade da área do prédio constante do ponto 1. dos FACTOS PROVADOS.

49ª Definida a viabilidade e o destino da construção - Habitação e comércio - a acessão deverá ser limitada, atento o critério económico, às áreas constantes da planta de fls. 25 dos autos, que determina 101,32 m2, área coberta da casa; 156,76 m2, área coberta dos anexos e 209,07 m2, área descoberta – logradouro.

50ª Nunca poderá ter–se em conta na definição de critério económico a exploração agrícola uma vez que a parte do terreno, não ocupado pelas construções e envolvente – logradouro, não atinge a denominada unidade agrícola, ou seja, pelo menos meio hectare para culturas hortícolas, tal e qual vem definido na portaria nº 202/70, de 21de Abril.

51ª A aquisição originária por via do Instituto da Acessão, a verificar – se, ter - se - á que conter - se dentro dos limites da áreas de construção e logradouro.

Violou a douta sentença em crise, entre outros, oscomandoslegais dos artigos 7º, 16º e 87º do C.R.P, art.s 11º, 186º, 195º, 196º, 577º, 578º, 580º, 608º, e 611º do C. P. C. e art.s 285º, 286º, 289º, 940º, 945º, 947º, 956º, 1251º, 1253º, 1258º, 1287º, 1297º, 1340º do C.C. e Portaria nº 2012/70, de 21 de Abril.

Nestes termos e nos que V. Exas mui doutamente suprirão , deverá o presente recurso merecer inteiro provimento, revogando a douta sentença em crise nos termos expostos julgarão , como sempre, com inteira e sã JUSTIÇA.”.

Apresentou a A. recurso subordinado, após o que e a final apresentou as seguintes:

“D) – CONCLUSÕES

1ª) – Importa proceder à retificação dos dois lapsos de escrita constantes da matéria de facto provada, os quais aliás, foram já objeto de retificação por despacho proferido no início da sessão de 29/01/2015 da Audiência de Julgamento, a requerimento da A./Recorrente, conforme de resto, bem se alcança da respetivaAta e da própria gravação, quer do Requerimento de retificação (10:33:51 a 10:37:43), quer do despacho que sobre ele recaiu (10:53:03 a 10:55:50), devendo ler- -se “AP 2580” onde se lê “AP 2850” no nº 2. dos factos provados e devendo aditar-se a palavra “filhos” entre “seus” e “Maria”, no nº 3. dos factos provados.

2ª) – Da factualidade provada é evidente a violação do direito de propriedade da A./Recorrente sobre o prédio urbano reivindicado nos autos, sendo além disso, ostensivo que tal violação se traduziu em atos praticados pelo R./Recorrido, de apropriação e de posse, relativamente a determinadas parcelas do logradouro do prédio daquela e de criação de obstáculos que dificultaram ou impediram mesmo o livre acesso da Recorrente, por pessoas ou com veículos automóveis, ao logradouro ou aos anexos do seu prédio urbano.

3ª) – Ainda que nenhum prejuízo patrimonial tivesse sido causado à Recorrente e mesmo que esta tivesse o prédio desocupado e sem lhe dar qualquer utilidade ou uso (o que não era o caso), a simples existência dos impedimentos e obstáculos de acesso a parte do prédio, criada pelo Recorrido, constitui uma privação do uso e do pleno gozo e fruição a que a Recorrente tem direito pela circunstância de ser a única e exclusiva proprietária do imóvel.

4ª) – Tal privação de uso, de gozo e de plena fruição causou à A./Recorrente, como é lógico, natural e notório, os transtornos, incómodos e preocupações inerentes à falta de disponibilidade absoluta do seu prédio.

5ª) – Daí que deva a A. ser recompensada por essa privação do gozo pleno do seu direito de propriedade sobre o prédio reivindicado nos autos, compensação que deverá ser exemplar, atenta a quantidade, extensão, gravidade e duração dos factos praticados pelo Recorrido, sendo certo que este não desconhecia nem podia desconhecer que o prédio urbano em causa não lhe pertencia, tendo persistido e reiterado a prática dos factos impeditivos do pleno gozo e fruição do prédio pela A./Recorrente, mesmo depois de na Ação nº 1373/04.1TBBGC, que correu termos pelo 1º Juízo do Tribunal Judicial de Bragança, ter decaído no pedido de reivindicação desse mesmo prédio.

6ª) – Estão assim, reunidos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, além de que os danos não patrimoniais causados à Recorrente são bastante graves, merecendo ser justamente compensados.

7ª) – A compensação peticionada pela Recorrente a título de danos não patrimoniais, no valor de € 10.000,00, afigura-se justa, razoável, proporcionada e perfeitamente adequada no caso subjudice.

8ª) – Da factualidade provada resulta também, com evidência que o autor da Herança Recorrente possuiu em seu próprio nome, desde 1975 e ininterruptamente até à sua morte, em 2011, durante mais de 35 anos, o prédio reivindicado, tendo nele construído um edifício que destinou a casa de habitação e a comércio e tendo no respetivo logradouro edificado construções que destinou a anexos para garagem, palheiros e arrumos, construído vedações, realizado plantações de árvores de fruto e de vinha, feito um poço para captação de água e um tanque para seu depósito, o que tudo fez dia após dia, ano após ano, à vista de todos, de forma pacífica, sem oposição de quem quer que seja, convicto de que não lesava qualquer direito de outrem e de que tal prédio lhe pertencia em exclusivo, assim se comportando e sendo reconhecido por todos, sem nunca ninguém se opor à realização das obras e das plantações por ele realizadas; que desde o decesso do autor da Herança Recorrente, os seus filhos continuaram a praticar em nome da Recorrente, os mesmos atos materiais de posse, com a mesma intenção de exercício do pleno e exclusivo direito de propriedade sobre o imóvel reivindicado; e finalmente, que o Réu, os seus pais e os seus irmãos são ou foram vizinhos do prédio em causa e foram todos clientes do autor da Herança Recorrente no estabelecimento comercial que aquele teve ali instalado durante mais de 10 anos.

9ª) – A factualidade supra transcrita era obviamente do conhecimento do Recorrido, que a não ignorava nem podia ignorar, sendo evidente a completa falta de fundamento da oposição do Recorrido, desde 2004, ao direito de propriedade da Recorrente sobre o prédio reivindicado.

10ª) – O Recorrido deduziu claramente nos presentes autos, pretensão cuja falta de fundamento não ignorava, além de que alterou a verdade dos factos, omitiu factos relevantes para a decisão da causa e fez do presente processo um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal e ilícito, sem fundamento sério para tal, denotando um comportamento manifestamente doloso e inadequado, porquanto conhecia necessariamente a falta de fundamento da oposição deduzida, para mais, depois de ter justamente decaído na Acão nº 1373/04.1TBBGC, que correu termos pelo 1º Juízo do Tribunal Judicial de Bragança, na qual como coautor reivindicava o mesmo prédio objeto destes autos.

11ª) – O Recorrido litiga pois, manifestamente de má-fé, devendo por isso, ser como tal condenado, em multa e em indemnização à Autora/Recorrente, a arbitrar em quantia não inferior a € 10.000,00 (dez mil euros).

12ª) – Foram violados ou mal interpretados os artigos 483º; 496º; 562º e 566º do Cód. Civil e os artigos 542º, nº 1 e nº 2; e 543º, nº 1, do C.P.C..

NESTES TERMOS e nos mais de direito aplicáveis, devem (…) julgar a presente Apelação procedente, e em consequência, revogar nesta parte, a douta sentença recorrida, substituindo-a por outra que condene o Recorrido a pagar à Recorrente uma indemnização, a título de danos não patrimoniais, no valor peticionado, de € 10.000,00 e que condene ainda, o Recorrido como litigante de má-fé, em multa em indemnização à Recorrente, em montante não inferior a € 10.000,00.”


*

Apresentou ainda a A. contra-alegações ao recurso principal do R., nos seguintes termos:

“A) – QUESTÃO PRÉVIA - DA INADMISSIBILIDADE DO RECURSO

O Recorrente veio interpor recurso da douta sentença proferida nos autos, pretendendo além do mais, impugnar a decisão sobre a matéria de facto, alegando para tanto, que “os autos contêm todos os elementos de prova produzidos, incluindo os depoimentos prestados na audiência de julgamento, que se encontram gravados, razão pela qual nada obsta ao uso pelo tribunal “ad quem” dos poderes previstos no artº 662º do C.P. Civil, ao que adiante se apela de forma a obviar a erro de julgamento que, salvo o devido respeito, se incorreu na sentença em crise nos aspetos que adiante se referem”.

Não há dúvidas, portanto, que o Recorrente pretende impugnar a decisão da matéria de facto com reapreciação da prova gravada na audiência de julgamento.

Sucede que era necessário que o Recorrente indicasse com exatidão, as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sob pena de imediata rejeição do mesmo nesta parte – cfr. artº 640º, nº 2, alínea a), do C.P.C..

O Recorrente não procedeu, contudo, a tal indicação, pelo que está vedado ao Tribunal de recurso apreciar a pretendida impugnação da decisão relativa à matéria de facto, devendo o recurso do Réu ser, nesta parte, rejeitado.

B) – DA PERSONALIDADE JUDICIÁRIA DA AUTORA

Invoca o Réu/Recorrente, a falta de personalidade judiciária da Autora/Recorrida.

Não o fez em sede de Contestação e o despacho saneador apreciou em concreto tal pressuposto processual, nele se afirmando expressamente que as partes têm personalidade”.

Tal decisão transitou, uma vez que não foi objeto de reclamação, nem de recurso, pelo que constitui caso julgado formal – cfr. artº 595º, nº 3, do C.P.C.. Sem prejuízo, sempre se dirá que, conforme se alcança do procedimento simplificado de habilitação de herdeiros e registos, junto aos autos com a p.i. como Doc. nº 8 (fls. 32 a 36), a Herança Autora continua a ser a titular dos bens que integram o acervo hereditário.

Na verdade, não foi efetuada qualquer partilha dos bens da Herança Autora, mas apenas identificados os sucessores legais do autor da Herança.

Por isso mesmo, a inscrição da aquisição a favor dos identificados Herdeiros foi feita no registo predial, em comum e sem determinação de parte ou direito – cfr. AP. 2580 de 2011/05/09 da descrição predial junta com a p.i. como Doc. nº 2.

A Herança Autora continua assim, a ser um património autónomo semelhante à herança jacente, cujo titular não está efetivamente determinado.

Só pela partilha é que será ou serão determinados o titular ou os titulares de cada um dos bens que integram o acervo hereditário. A Herança Autora goza assim, de personalidade judiciária.

C) – DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO

Os pontos da matéria de facto cuja decisão foi impugnada pelo Réu/Recorrente foram julgados pelo tribunal “a quo” em conformidade com toda a prova produzida na audiência de julgamento, nomeadamente, pericial, documental e testemunhal.

Ponderado e sopesado devidamente todo o acervo probatório carreado para os autos, é inquestionável que a decisão sobre a matéria de facto não padece de qualquer erro de julgamento. Pelo contrário, todas as provas foram apreciadas e decididas todas as questões de facto de acordo com uma correta, judiciosa, ponderada e refletida avaliação.

Não é por isso, suscetível de modificação, a decisão do Tribunal recorrido sobre a matéria de facto, que portanto, deve manter-se inalterada.

D) – DO RECONHECIMENTO DA PROPRIEDADE

Considerando a matéria de facto julgada provada, é também inquestionável o reconhecimento da aquisição originária do direito de propriedade pela Autora/Recorrida por usucapião, sobre o imóvel controvertido nos autos.

As demais questões suscitadas pelo Recorrido, nomeadamente, a presunção da propriedade derivada do registo e a aquisição da propriedade por acessão industrial imobiliária são secundárias e mostram-se prejudicadas pela decisão da questão da usucapião.

Tanto basta para compreender e alcançar a justiça, razoabilidade e proporcionalidade impostas e permitidas pela decisão recorrida!!!

Deve por isso, ser mantida a aliás, douta sentença impugnada.

NESTES TERMOS, devem (…) considerar improcedente, por infundamentado e absolutamente injustificado, o presente recurso de Apelação, caso não o considerem inadmissível”.


*

Não foram apresentadas contra-alegações ao recurso subordinado.

***
Os recursos foram admitidos como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo (principal e subordinado).

Foram colhidos os vistos legais.


***

II- Âmbito do recurso.

Delimitado como está o recurso pelas conclusões das alegações, sem prejuízo de e em relação às mesmas não estar o tribunal sujeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito nem limitado ao conhecimento das questões de que cumpra oficiosamente conhecer – vide artigos 5º n.º 3, 608º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4 e 639º n.ºs 1 e 3 do CPC – resulta das formuladas pelos apelantes serem as seguintes as questões a apreciar:

A) Do recurso principal

i-Personalidade e Capacidade judiciárias da herança autora (conclusões 1ª a 4ª - onde o recorrente realça: que a herança indivisa de titulares determinados “carece de personalidade judiciária e os direitos a ela relativos devem ser exercidos por ou contra todos os herdeiros);

ii- Cumulação de causas de pedir substancialmente incompatíveis (conclusões 37ª e 38ª);

iii-Erro na decisão de facto – nomeadamente pontos 1, 2, 10, 11, 37 a 39 e 58 (conclusões 5ª a 13ª) /Inadmissibilidade do recurso por não observância do artigo 640º n.º 2 al. a) do CPC por parte do recorrente [vide al. a) da contra alegação].

iv- Erro na aplicação do direito:

- não presunção titularidade do direito por inutilização da inscrição na C.R.Predial (conclusão 14ª);

- Não verificação dos requisitos da usucapião (conclusões 15ª a 37ª);

- Não verificação dos requisitos da acessão industrial imobiliária (conclusões 39ª a 51ª)

B) Do recurso subordinado

- Erro na decisão de direito – indemnização a título de danos não patrimoniais à A. herança (conclusões 2ª a 7ª);

- Litigância de má-fé do R. (conclusões 8ª a 11ª).


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III- Fundamentação

Questão prévia:

Da retificação dos lapsos de escrita ordenados na sentença sob recurso (vide fls. 336 dos autos) sem qualquer oposição das partes diga-se e que certamente por lapso não foram considerados na factualidade dada como provada:

Estando em causa manifesto lapso de escrita, cuja correção foi ordenada, na transcrição infra da factualidade dada como provada será já considerada a retificação em questão [por referência ao teor das als. B) e C) dos factos assentes].

Foram dados como provados os seguintes factos:

“FACTOS PROVADOS:

1. O prédio urbano destinado a habitação, composto por rés-do-chão, 1 ° andar, garagem, anexo e logradouro, com a área total de 3.388,83 m2, sendo a área coberta de 260,08 m2 e a descoberta de 3.128,75 m2, a confrontar de Norte com caminho público, Sul com Maximino de Jesus Afonso, Nascente com Estrada municipal e Poente com terreno omisso na matriz, sito no lugar de Vale da Cadela, freguesia do Zoio, concelho de Bragança, encontra-se inscrito na matriz respetiva sob o artigo …° e descrito na Conservatória do Registo Predial de Bragança com o n° …, a favor de M, MJ,N, R e T (alínea A) dos factos assentes).

2. Tal inscrição foi lavrada por aquisição, a favor de M, MJ, N, R e T, por sucessão por morte e partilha de I, mediante AP 2580 de 09.05.2011 (alínea B) dos factos assentes).

3. Por Procedimento simplificado de Habilitação de Herdeiros e Registos, outorgado na Conservatória de Registo Predial de Bragança, foi declarado que I faleceu no dia 27 de Janeiro de 2011, na freguesia e concelho de Bragança, no estado de divorciado de G, deixando como únicos herdeiros os seusfilhosM, MJ, N, R e T e sem deixar testamento ou outra disposição de última vontade (alínea C) dos factos assentes).

4. A inscrição à matriz de tal prédio foi participada em 2/04/1975, em nome de Maria do Carmo Pousa Nogal, como prédio novo e ocupado em 15/03/1975 (alínea D dos factos assentes).

5. Por força de tal participação, o prédio foi então inscrito na respetiva matriz predial, em 1976, com o artigo 206°, como prédio urbano destinado a habitação e comércio, composto de rés-do-chão e 1 ° andar, com a superfície coberta de 92 m2, a confrontar de Norte com caminho público, Nascente com Estrada municipal e Sul e Poente com o próprio (alínea E) dos factos assentes).

6. Por escrito particular datado de 4/10/1973, A e esposa, I, pais do Réu, prometeram vender a M, representada pelo seu procurador, I, um prédio rústico composto de uma parcela de terreno para construção, com a área aproximada de 2.500 m2, no sítio do Vale da Cadela, freguesia do Zoio com direito a água, pela importância de 25.000$00 (vinte e cinco mil escudos), quantia que foi paga no ato aos promitentes vendedores (art 1.º da base instrutória).

7. M e o seu marido MA passaram, desde 4/10/1973, a ocupar parcela de terreno referida em 1), dispondo dela como lhes convinha, no seu próprio e exclusivo interesse (alínea U) dos factos assentes, em consequência do aditamento - fls. 231).

8. De tal forma que mandaram construir em 1974/75, naquela parcela de terreno, por intermédio de I, uma casa composta por rés-do-chão e 1º andar, com a superfície coberta de cerca de 100 m2, destinando o piso térreo ao exercício do comércio e o piso superior a habitação (alínea V) dos factos assentes, em consequência do aditamento - fls. 231).

9. Construção cujo custo suportaram, em materiais de construção e mão-de-obra e que logo participaram à matriz, sendo então, inscrita com o artigo 206°( alínea W) dos factos assentes, em consequência do aditamento - fls. 231).

10. No Verão de 1975, M e o seu marido MA doaram verbalmente ao Ismael dos Santos a casa e a parcela de terreno adjacente que lhe servia de logradouro anexo, mencionados em 1), então ainda omisso à matriz (art.2.º da base instrutória).

11. Desde tal data, o I passou a ocupar, em exclusivo e sem interrupção, o referido prédio urbano (art.3.º da base instrutória).

12. Nele habitou permanentemente, desde 1975 até 1995, com os seus cinco filhos, ali pernoitando, fazendo as respetivas refeições, recebendo amigos e vizinhos, guardando os seus móveis e outros pertences e recebendo a correspondência que a ele e aos filhos era dirigida (art.4.º da base instrutória).

13. Em 1976 revestiu o chão e as paredes do rés-do-chão do edifício, então em tosco, e adaptou-o ao funcionamento de um estabelecimento comercial de café, cervejaria e comércio a retalho de produtos alimentares, que instalou (art.5.º da base instrutória) .

14. Estabelecimento que explorou até 31/12/1986, cessando então a atividade comercial (art.6.º da base instrutória).

15. Logo em 1975/76, o I vedou o prédio ao longo da sua confrontação Nascente, desde o vértice sudeste da casa até ao extremo sudeste do logradouro, com um muro de blocos de cimento, com cerca de 30 metros de comprimento e 1,60 mts. de altura (art. 7.º da base instrutória).

16. Deixando entre esse muro e a casa, uma abertura com cerca de 1,20 mts de largura, onde colocou um portão de ferro (art.8.º da base instrutória).

17. Ainda em 1975/76, no extremo noroeste do logradouro, o Ismael construiu uns anexos destinados a garagem, palheiro e arrumos, com paredes de tijolo e cimento e cobertura de caibros de madeira e telhas de barro (art.9.º da base instrutória),

18. Nesses anexos, do lado Nascente, deixou uma abertura com cerca de 2,50 mts.da largura, para acesso de veículos automóveis e tratores (art.10.º dabaseinstrutória).

19. E do lado Norte, deixou 5 aberturas com cerca de 0,80 mto.de largura, onde colocou portas de madeira, para acesso direto ao interior, desde o caminho público (art. 11.º da base instrutória).

20. Mais tarde, em 1986, o I mandou desaterrar todo o logradouro adjacente à casa de habitação e aos anexos, fazendo rebaixar a respetiva cota cerca de 3 a 4 metros e deixando todo o espaço do logradouro nivelado (art.12.º da base instrutória).

21. Plantou então, várias árvores de fruto junto ao muro, do lado Nascente, designadamente, 5 cerdeiros, 1 pereira, 3 gingeiras, 1 marmeleiro e 2 macieiras, que podou, tratou e regou ao longo dos anos e cujos frutos passou a colher (art.º 13º da base instrutória).

22. Implantou também, ao longo da confrontação Poente, 7 vigotas de cimento e ferro, com a parte superior fletida e interligadas com arames, plantando vinha nessa extensão, para crescer em latada (art.14º da base instrutória).

23. Ainda do lado Poente do logradouro, mandou fazer um poço para captação de água e colocou uma bomba elétrica, alimentada através de uma ligação subterrânea ao quadro de energia elétrica da casa de habitação (art. 15º da base instrutória).

24. Instalou junto desse poço um pequeno tanque de cimento para lavar a roupa e uma casota de chapa zincada para guarda de utensílios agrícolas (art. 16º da base instrutória).

25. Junto aos anexos, do respetivo lado Sul, plantou outras cepas de vinha em latada, com 3 vigotas de cimento e ferro (art. 17º da base instrutória).

26. E construiu ali, com blocos de cimento, um tanque para depósito de água, revestindo e isolando adequadamente o chão e as respetivas paredes interiores (art. 18º da base instrutória).

27. Colocou ainda, um tubo de plástico para canalizar a água desde o poço até ao dito tanque (art. 19.º da base instrutória).

28. Na confrontação Sul, colocou nos dois extremos, dois marcos de pedra, definindo os limites da sua propriedade de comum acordo com o proprietário do prédio rústico contíguo (art.20.º da base instrutória).

29. Desde 1975, ano após ano, o I limpou, amanhou, lavrou, semeou, tratou e utilizou total ou parcialmente o logradouro do prédio para plantação de produtos hortícolas, designadamente, batatas, feijão, tomates, couves e cenouras, para depósito de lenhas e de alfaias agrícolas, para estacionamento de veículos automóveis, e reboques, ou para apascento de animais (art. 21.º da base instrutória).

30. Em 1995, o I fixou residência em Grandais, freguesia de Castro de Avelãs, concelho de Bragança (art.22.º da base instrutória).

31. Contudo, desde então, continuou a deslocar-se ao prédio supra identificado com periodicidade, designadamente aos fins de semana, sozinho ou com os seus filhos, ali pernoitando frequentemente nessas ocasiões (art.23.º da base instrutória).

32. Manteve na casa de habitação bens móveis a si pertencentes, tal como os seus filhos, continuando a receber ali alguma correspondência (art.24.º da base instrutória).

33. Facultava a vizinhos quer o logradouro, para lavra e cultivo de géneros agrícolas, quer os anexos, para estacionamento de tratores, guarda de alfaias ou depósito de lenhas, feno ou palha, colhendo ele e os seus filhos, os frutos das árvores (art. 25º da base instrutória).

34. E manteve os contratos de fornecimento de água e de energia elétrica à casa de habitação (art.26.º da base instrutória).

35. Praticando tais atos à vista de toda a gente, nomeadamente das pessoas residentes na freguesia do Zoio (art.28.º da base instrutória).

36. O Réu, os seus pais e os seus irmãos são ou foram vizinhos do prédio em causa e foram todos clientes do I no aludido estabelecimento comercial (art.29.º da base instrutória).

37. Desde 1973 e durante mais de 20 e de 30 anos, dia após dia, ano após ano, foram tais atos sempre exercidos de forma pacífica, sem oposição de quem quer que seja, dispondo a M e seu marido e depois, o I, de todo o identificado prédio urbano, como seus únicos donos, convictos de que não lesavam quaisquer direitos de outrem e de que tal prédio lhes pertencia em exclusivo, assim se comportando e sendo por todos reconhecidos (art. 30º da base instrutória).

38. Isto, sem nunca ninguém se opor à realização das obras e das plantações por aqueles realizadas (art.34.º da base instrutória).

39. Desde o decesso do Ismael, os seus filhos continuaram a praticar, em nome da Autora, os atos materiais supra mencionados nos artigos 29.° e 31.° a 34.°, do modo e com a intenção alegados nos artigos 35.° e 37.° a 38° (art.35.º da baseinstrutória).

40. Em 17/10/2003, I, atuando como procurador de M, requereu a alteração da inscrição matricial, por forma a ser retificada a área coberta para 101,32 m2, e aditados os anexos com 158,76 m2 e o logradouro com a área descoberta de 3.128,75 m2, passando a estar inscrito na matriz respetiva sob o n.º 249 (alínea F) dos factos assentes).

41. Em finais de Abril de 2004, já depois do óbito dos seus pais, o Réu e um seu irmão colocaram uma máquina niveladora de terraplanagem, de grande porte, e depois, uma camioneta velha na entrada do logradouro, do lado Norte do prédio, junto ao caminho público (alínea G) dos factos assentes).

42. Impedindo o acesso ao logradouro do prédio com veículos automóveis ou tratores e dificultando o acesso pedonal (alínea H) dos factos assentes).

43. O Réu e um seu irmão cortaram a ligação elétrica subterrânea à bomba colocada no poço de captação de água e bem assim, a canalização da água desde o poço até ao tanque (alínea I) dos factos assentes).

44. O Réu e um seu irmão colocaram entulho junto da entrada Nascente dos anexos, impedindo dessa forma, também, o acesso de quaisquer veículos aos mesmos (alínea J) dos factos assentes).

45. Em Maio de 2010, o Réu lavrou uma parte do logradouro, só não tendo lavrado toda a área do mesmo porque a isso se opuseram alguns dos sucessores legais do autor da Herança Demandante (alínea K) dos factos assentes).

46. Nessa data, voltou a colocar a máquina de terraplanagem na entrada Norte do logradouro, junto ao caminho público, impedindo novamente, o acesso ao prédio com veículos automóveis ou tratores e dificultando o acesso pedonal (alínea L) dos factos assentes).

47. Máquina que mantém no local desde então até à presente data (alínea M) dos factos assentes .

48. Em Julho/2010, o Réu mandou escarificar parte do logradouro (alínea N) dos factos assentes).

49. No dia 2/Maio/2011, com uma máquina retroes cavadora, o Réu removeu terra do acesso à entrada Nascente dos anexos, criando uma barreira com um desnível acentuado, impeditiva de qualquer circulação de pessoas ou veículos desde o caminho público aos ditos anexos (alínea O) dos factos assentes).

50. Além disso, procedeu à abertura de 11 covas, com cerca de 40 cms. de profundidade, no logradouro do prédio, a cerca de 4 metros de distância e ao longo das fachadas Poente e Sul da casa de habitação (alínea P) dos factos assentes).

51. E colocou nessas covas, vigotas de cimento e de ferro, com cerca de 2 mts. de altura, que a Herança Autora fez retirar (alínea Q) dos factos assentes).

52. Mas manteve no local, junto à entrada Norte do logradouro, a máquina de terraplanagem, continuando a impedir o acesso ao prédio com veículos automóveis ou tratores e dificultando o acesso pedonal (alínea R) dos factos assentes).

53. Em 20/Dezembro/2011, o Réu colocou na mesma entrada Norte do logradouro, mais uma máquina retroescavadora, impedindo completamente o acesso pedonal ao logradouro do prédio, pelo seu lado Norte (alínea S) dos factos assentes).

54. O Réu e um seu irmão rebaixaram a cota do caminho público sito do lado Norte do prédio, deixando todas as 5 portas dos anexos a uma cota superior, em cerca de 1 a 1,5 mto, ao referido caminho público (art. 36º da base instrutória).

55. Todos os referidos trabalhos foram executados pelo Réu, sem consentimento nem autorização do autor da Herança Demandante, ou de qualquer dos seus sucessores legais (alínea T) dos factos assentes).

56. Antes da construção realizada pela M e seu marido, a parcela de terreno supra mencionada em 1) e que lhes foi prometida vender, valia cerca de Esc. 25.000$00 (equivalente a € 124,70), preço acordado no contrato-promessa de 4/10 /1973 (art.31.º da base instrutória)

57. Com a obra construída por aqueles, designadamente, a casa de habitação supra descrita em 3), o prédio, em 1975, passou a valer pelo menos, Esc. 250.000$00 (equivalente a € 1.246,99) (art.32.º da base instrutória).

58. Com as obras e as plantações realizadas pelo I entre 1975 e 1986, designadamente, as supra descritas nos artigos 8) a 23), o prédio passou a valer, em 1986, pelo menos, Esc. 1.000.000$00 (equivalente a € 4.987,98) (art.33.º da base instrutória)”.


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O tribunal a quo deu ainda como não provada, a seguinte factualidade

“Factos não provados

a) Desde 1975, o I paga os impostos atinentes à propriedade do imóvel, designadamente, a contribuição predial e o IMI.

b) Desde 1975, ano após ano, o I utilizou total ou parcialmente o logradouro do prédio para estacionamento de tratores.”


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Conhecendo.

Em função do supra enunciado, conhecer-se-á em primeiro lugar do recurso principal (na medida em que o resultado deste poderá influir no sucesso do subordinado).

A) Recurso principal (interposto pelo R.)

i- Da “personalidade e capacidade judiciárias da herança autora”.

Fundamentando a exceção por si invocada, alega o recorrente:

- que a presente ação foi instaurada pela “HERANÇA ILIQUIDA E INDIVISA ABERTA POR ÓBITO DE I, representada pelo cabeça-de-casal R”;

- que do “procedimento simplificado de habilitação de Herdeiros, junto aos autos de fls. 32 a 36, resulta à evidência que o Cabeça- de - Casal , o R não é o único herdeiro da herança aberta por óbito de seu pai, I (…)”;

- “Deste modo, sendo os herdeiros conhecidos e estão determinados, ainda que não tenham expressamente aceite a herança, pode inferir-se do seu comportamento que tacitamente aceitaram a herança” e “sendo a herança indivisa mas estando os seus titulares determinados, são eles que têm de figurar como partes numa ação judicial – artº 2091º C. Civ.;”

- “A herança ainda não partilhada carece de personalidade judiciária.”.

Concluindo: “A herança impartilhada de titulares determinados não goza de personalidade, e os direitos a ela relativos devem ser exercidos por ou contra todos os herdeiros” e a “herança ainda não partilhada carece de personalidade judiciária”.

Termos em que conclui pela verificação da exceção dilatória de conhecimento oficioso da falta de personalidade e capacidade judiciária com a consequente absolvição do R. da instância.

Respondeu aA. invocando:

- caso julgado formal face ao decidido no despacho saneador;

- a herança autora continua a ser a titular dos bens que integram o acervo hereditário, por destes ainda não ter ocorrido partilha, estando por tal a inscrição de aquisição registada (relativa ao imóvel em causa nos autos) a favor dos identificados herdeiros em comum e sem determinação de parte ou direito;

- a herança autora continua a ser um património autónomo semelhante à herança jacente cujo titular só será determinado pela partilha.

Concluindo assim gozar a autora de personalidade judiciária.

Apreciando.

Cumpre em primeiro lugar afastar o invocado pela A. “caso julgado formal”, face ao declarado no despacho saneador.

Atendendo a que em sede de despacho saneador foi de forma meramente tabelar declarado “As partes têm personalidade, capacidade e legitimidade (…)”, já que então nenhuma questão havia nesta sede sido suscitada pelas partes que assim não foi concretamente apreciada, temos que esta apreciação tabelar não forma caso julgado formal, atento o disposto no artigo 595º n.º 3 do NCPC (antes 510º n.º 3) [vide neste sentido Ac. STJ de 12/09/2013, Relator Fernandes do Vale in http://www.dgsi.pt/jstj].

Sendo questão nova, nada obsta porém ao seu conhecimento na medida em que em causa está exceção que sempre cumpriria conhecer oficiosamente – vide artigos 577º e 578º do NCPC (antes 495º do CPC).

Para apreciação da exceção dilatória invocada pelo recorrente, importa em primeiro lugar realçar que e tal como alegado por este e se extrai da p.i., a A. identificou-se como “HERANÇA ILIQUIDA E INDIVISA ABERTA POR ÓBITO DE I” (…) “representada pelorespetivo cabeça-de-casal R”.

O conhecimento da invocada exceção implica de um lado distinguir o conceito de herança jacente de herança indivisa e aceite e de outro esclarecer quem é (foi inicialmente) efetivamente autor nesta ação.

Tal como decorre do disposto no artigo 2031º do CC., ocorrido o falecimento, abre-se a sucessão com a consequente vocação sucessória, sendo chamados à titularidade das relações jurídicas do falecido aqueles que gozam de prioridade na hierarquia dos sucessíveis, desde que tenham a necessária capacidade (art.º 2032º n.º 1 do C.C.).

Sendo que a herança aberta mas ainda não aceite, se diz jacente (art.º 2046º do C.C.).

Temos assim que enquanto a herança está aberta mais ainda não foi aceite – herança jacente -, se pode falar da existência de sucessíveis mas não de sucessores, entendendo-se por estes aqueles que já aceitaram (tácita ou implicitamente – 2056º do C.C.) a herança.

Não tendo os possíveis sucessores (ou “sucessíveis”), respondido à vocação, aceitando ou repudiando a herança, subsiste a jacência da herança, a quem então e excecionalmente lhe é atribuída personalidade judiciária, nos termos do art.º 12º al. a) do N.C.P.C. [anterior 6º al. a) do C.P.C.] mas apenas e tão só até à determinação dos sucessores.

Uma vez determinados estes, a herança reassume a sua condição de património autónomo de que são titulares os herdeiros sucessores do autor da herança e que passa a ser representada por todos estes ou tão só pelocabeça de casal, dependendo do tipo de exercício de direito que esteja em causa.

A aceitação da herança [questão antes não colocada nos autos, diga-se] tem-se pois como verificada, em primeiro lugar pelo modo como a presente ação foi instaurada pela “Herança Ilíquida e indivisa…” representada pelo respetivo cabeça de casal, R, o qual a final requereu igualmente que lhe seja reconhecida a qualidade de herdeiro.

Mais e logo no 2º artigo da p.i. alegou-se que a aquisição do prédio se encontra inscrita a favor dos herdeiros - logo sucessores determinados - do autor da herança, em comum e sem determinação de parte ou direito.

Os titulares do direito são os herdeiros/sucessores do autor da herança, enquanto não partilhada, em comum e sem determinação de parte, não a própria herança que não é sujeito de direitos.

Herdeiros estes igualmente identificados no procedimento simplificado de Habilitação de herdeiros junto a fls. 33 a 36 dos autos.

Precisamente por ainda não ter ocorrido partilha e a herança se encontrar indivisa é que a inscrição mencionada foi feita em comum e sem determinação de parte. Afastando por tanto a situação de herança jacente.

Aliás a intervenção do cabeça de casal nesta qualidade e invocando a sua qualidade de “representante” da herança, só se entende na medida em que esta – cujos titulares já estão determinados - não é sujeito de direitos. Por tanto tendo os direitos à mesma referentes de ser exercidos por todos os herdeiros em conjunto ou apenas pelo cabeça de casal no âmbito dos seus poderes de administração, dependendo dos direitos que estejam em causa.

Do exposto entendemos como legítimo concluir que o aqui A., não obstante a fórmula (aliás comum) por si utilizada para identificar quem instaura a ação, invocando a “Herança ilíquida… representada pelo cabeça de casal” é na verdade o cabeça de casal e herdeiro, intervindo em defesa – representação - dos direitos da herança. Tanto que e em consonância e logo como primeiro pedido peticiona o seu reconhecimento como sucessor e universal herdeiro de I.

E pela mesma razão o pedido de reconhecimento de que o imóvel em causa nestes autos é propriedade da “autora”, pode e deve ser entendido como um pedido de reconhecimento de que do acervo hereditário faz parte este mesmo imóvel.

Vide neste sentido Ac. TRL de 17/03/2011, Relator Farinha Alves in http://www.dgsi.pt/jtrl onde e analisando situação similar à dos autos é dito “O pedido de reconhecimento do direito de propriedade da herança pode, e deve, ser entendido como pedido de reconhecimento de que os bens em causa integram determinada herança, e não de que a herança seja a proprietária dos bens reivindicados.

É, de resto, nestes termos que, nos art. 2075.º e seguintes do C. Civil, são regulados os direitos de ação dos herdeiros e do cabeça-de-casal em relação aos bens da herança. Esses direitos são sempre exercidos pelos interessados nas suas qualidades de herdeiros, ou de cabeça-de-casal (…)”.

A propósito do modo como podem e devem ser exercidos os direitos relativos à herança, consta ainda do mesmo Ac., no seu sumário:

“I - A herança não é, nem nunca foi, um sujeito de direitos, sendo apenas um património autónomo, a quem a lei processual apenas confere, e só até à determinação dos respetivos titulares, personalidade judiciária.

II - Ao cabeça-de-casal apenas são conferidos poderes de administração da herança, nos termos dos art. 2079.º e seguintes do C. Civil, poderes que incluem a instauração de ações possessórias – cf. art. 2088.º, n.º 1 daquele Código, mas não de reivindicação

III - A ação de reivindicação de bens de uma herança enquadra-se, na previsão do art. 2091.º do C. Civil, sendo uma ação que tem de ser intentada por todos, ou contra todos, os herdeiros”.

Uma vez aceite a herança, e definidos os sucessores, passam estes a representar a herança indivisa, tal como decorre do disposto no artigo 2091º do CC, sem prejuízo dos poderes que são conferidos ao cabeça-de-casal [cfr. sobre a aceitação da herança e exercício dos direitos à mesma referentes Ac. STJ 12/09/2013, Relator Fernandes do Vale, in http:///www.dgsi.pt.jstj,Ac. R. Lx. 03/03/2011, Relatora Ondina Alves in http://www.dgsi.pt/jtrle Ac. TRC de 24/02/2015 Relatora Catarina Gonçalves in http://www.dgsi.pt/jtrc].

Conforme decorre do preceituado no artigo 2079º do CC, ao cabeça de casal incumbe a administração da herança até à sua liquidação e partilha. Para além destes poderes, é ainda concedido ao cabeça de casal os poderes de pedir a entrega de bens usando para o efeito de ações possessórias se necessário (artigo 2088º do CC); bem como os poderes para cobrar dívidas quando a cobrança possa perigar com a demora ou o pagamento seja feito espontaneamente (artigo 2089º do CC).

Fora destes casos e sem prejuízo do disposto no artigo 2078º (relativo ao exercício da ação por um só herdeiro com vista a reclamar para a herança os bens que se encontrem em poder de terceiro), os direitos relativos à herança só podem ser exercidos por todos ou contra todos os herdeiros (artigo 2091º do CC).

Atento o pedido nestes autos formulado, interpretado nos termos acima já referidos, bem como a qualidade em que o cabeça de casal interveio nestes autos [não obstante a fórmula (aliás comum) por si utilizada para identificar quem instaura a ação] em defesa – representação - dos direitos da herança, impõe-se em primeiro lugar a conclusão da improcedência da invocada falta de personalidade e capacidade judiciárias “da autora”, por se entender como autor o cabeça de casal e herdeiro da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de I, R.

Em segundo lugar e porque a intervenção de R ocorre na qualidade de cabeça de casal e herdeiro da mencionada herança, está afastada claramente a possibilidade de se entender estar em causa uma ação de petição de herança para os fins referidos no artigo 2078º do CC.

Porque da decisão da ação poderá resultar a perda de bem da herança, é para nós certo estarmos perante uma ação em que é exigida a intervenção de todos os herdeiros, conforme o recorrente invocou de forma expressa logo na conclusão 1ª do seu recurso e na sequência do que já antes alegara na motivação de recurso.

Assim a questão prende-se/prendia-se não com capacidade ou personalidade judiciária da herança, na medida em que autor é o cabeça-de-casal e herdeiro em representação da herança.Mas antes com a legitimidade do cabeça-de-casal para intentar a ação.

Embora o recorrente tenha enquadrado esta questão em sede de capacidade/personalidade, colocou a questão por referência ao titular do exercício dos direitos em questão a qual se prende diretamente com o pressuposto da legitimidade processual.

Esta, face à intervenção espontânea entretanto nos autos deduzida por todos os demais herdeiros da herança de I nos termos do artigo 313º do CPC e admitida por decisão de fls. 450 a 452, considera-se igualmente verificada, sanando o vício de preterição de litisconsórcio necessário que anteriormente a tal intervenção nesta sede ocorria.

Conclui-se assim pela capacidade, personalidade e legitimidade de todos os ora AA.que assim assumiram a posição ativa nestes autos – enquanto herdeiros de I.

E como tal e neste pressuposto, pela improcedência da exceção dilatória de falta de personalidade e capacidade judiciárias dos ora autores, suscitadas pelo R. em sede de recurso.

ii- Da “cumulação de causas de pedir substancialmente incompatíveis”.

Relembrando uma vez mais não formar caso julgado formal a apreciação tabelar em sede de despacho saneador da inexistência de “nulidades que invalidem todo o processo” e nada obstar ao conhecimento desta questão nova (por suscitada apenas em sede de recurso) na medida em que em causa está exceção que sempre cumpriria conhecer oficiosamente – vide artigos 186º, 577º e 578º do NCPC (antes 495º do CPC), será apreciada a invocada nulidade de todo o processo por ineptidão da petição inicial – nos termos do artigo 186º n.º 2 al. c) do CPC.

Em causa está o pedido de reconhecimento da propriedade do imóvel descrito em 1º da p.i. (e 1º dos factos provados) como bem integrante da herança de Ismael Santos seja por via da usucapião, seja por via da acessão imobiliária.

Alega o recorrente que a acessão pressupõe (para além do mais) a incorporação de obra em terreno alheio que assim e como tal é reconhecido (ora) pelos autores, contra a usucapião que por via dos factos integradores e caraterizadores da posse conduzem à aquisição originária do direito de propriedade.

Neste pressuposto fundando a por si invocada incompatibilidade substancial de cumulação de causas de pedir.

Definindo causa de pedir poder-se-á dizer que esta consiste no facto concreto ou composto factual concreto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido pelo A., consubstanciando-se numa indicação de factos suficientes para individualizar o facto jurídico gerador da causa de pedir (cfr. art. 581º, n.º 4 do C.P.C.; Prof. Anselmo de Castro, in “Lições de Processo Civil”, vol. II, p. 764).

Por sua vez esse efeito jurídico que se pretende obter com a ação consistirá no pedido (cfr. art. 581º, n.º 3 do C.P.C.), devendo entender-se aquele efeito como visando, essencialmente, o efeito prático.

O efeito jurídico pretendido pelos ora autores é o do reconhecimento do direito de propriedade sobre o imóvel descrito em 1º.

Alegam como fundamento para tanto de um lado factos integradores da aquisição originária por via da usucapião de tal propriedade.

Alegam por outra via atos praticados sobre o mesmo imóvel – obras que naquele se incorporaram – e por via das quais através do instituto da acessão imobiliária, igualmente causa de aquisição originária da propriedade (vide 1316º do CC / Código Civil) lhe concederiam o direito ao reconhecimento da propriedade sobre o mesmo imóvel (na sua versão).

Ou seja em ambas as causas de pedir está subjacente a aquisição originária da propriedade que os AA. enquadraram num determinado período temporal e em factos comuns identificadores de um lado dos atos de posse exercidos sobre o prédio em questão e de outro das obras que alegam se incorporaram no mesmo prédio. Permitindo assim a compreensão das razões de tal cumulação. A procedência de uma das causas de pedir, tendo a usucapião sido elencada em primeiro lugar afastará a procedência da outra causa de pedir.

Esta é contudo uma incompatibilidade no plano da lei, mas que no plano factual se encontra enquadrada de forma compreensível e coerente.

Nesta medida e porque como consequência das cumuladas causas de pedir resultou (neste ponto) um único pedido percetível, entende-se não se verificar qualquer incompatibilidade entre as causas de pedir identificadas pelos autores [a propósito da incompatibilidade de cumulação de pedidos, mas cuja razão de base se entende equiparável à cumulação de causas de pedir, vide Ac. STJ de 06/05/2008, Relator Alves Velho – posteriormente secundado pelo Ac. do STJ de 03/05/2012, Relator Orlando Afonso - no qual se afirmou “ (…) a incompatibilidade de pedidos, sendo vício que gera a ineptidão da petição inicial, só justifica colher tal relevância, determinando a anulação de todo o processo, quando coloque o julgador na impossibilidade de decidir, por confrontado com a ininteligibilidade das razões que determinaram a formulação das pretensões em confronto.

Com efeito, uma coisa é a incompatibilidade resultante da invocação de fundamentos não apreensíveis ou inteligíveis, atendendo à posição do autor, outra é as pretensões assentarem em razões inteligíveis e claras mas que no plano legal ou de enquadramento jurídico resultam antagónicos.

Nesta última hipótese, a incompatibilidade, porque existente apenas no plano da lei, não encerra o vício de ineptidão, mas apenas a improcedência do pedido cujo direito o autor não possa ver reconhecido, devendo o julgador admitir aquele que, segundo a lei, apresentando-se como fundado, é admissível e conhecer do respectivo mérito (cfr., neste sentido, o Ac. STJ, de 06/4/1983, BMJ 326º-400 e ANSELMO DE CASTRO, “Lições de Processo Civil”; II, 762-769).]

Termos em que se reafirma a inexistência de qualquer nulidade principal do processo, nomeadamente por ineptidão da p.i.

iii- Erro na decisão de facto – nomeadamente pontos 1, 2, 10, 11, 37 a 39 e 58 (conclusões 5ª a 13ª) /Inadmissibilidade do recurso por não observância do artigo 640º n.º 2 al. a) do CPC por parte do recorrente [vide al. a) da contra alegação].

Como questão prévia à impugnação da decisão da matéria de facto, cumpre verificar a admissibilidade de tal impugnação em função do cumprimento do ónus de alegação e especificação a que alude o artigo 640º do CPC.

Invocou o recorrido (ora recorridos) não ter o recorrente R. cumprido cabalmente o ónus de indicação com exatidão das “passagens da gravação em que funda o seu recurso” pelo que o mesmo deve ser rejeitado nos termos do artigo 640º n.º 2 al. a) do CPC.

Estando em causa a impugnação da matéria de facto, obrigatoriamente e sob pena de rejeição deve o recorrente especificar (vide artigo 640º n.º 1 do CPC):

“a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.

No caso de prova gravada, incumbindo ainda ao recorrente [vide n.º 2 al. a) deste artigo 640º] “sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.

Importa ainda ter presente que é ónus do recorrente apresentar a sua alegação e concluir de forma sintética pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão – artigo 639º n.º 1 do CPC - na certeza de que estas têm a função de delimitar o objeto do recurso conforme se extrai do n.º 3 do artigo 635º do CPC.

Assim e sem prejuízo das situações de conhecimento oficioso que impõem ao tribunal da Relação, perante a violação de normas imperativas, proceder a modificações na matéria de facto, estão estas dependentes da iniciativa da parte interessada tal como resulta deste citado artigo 640º do CPC.

Motivo por que e tal como refere António S. Geraldes in “Recursos no Novo Código do Processo Civil, 2ª ed. de 2014 Almedina, em anotação ao artigo 662º do CPC, p. 238 “à Relação não é exigido que, de motu próprio, se confronte com a generalidade dos meios de prova que estão sujeitos à livre apreciação e que, ao abrigo desse princípio, foram valorados pelo tribunal de 1ª instância, para deles extrair, como de se tratasse de um novo julgamento, uma decisão inteiramente nova. Pelo contrário, as modificações a operar devem respeitar em primeiro lugar o que o recorrente, no exercício do seu direito de impugnação da decisão de facto, indicou nas respetivas alegações que servem para circunscrever o objeto do recuso. Assim o determina o princípio do dispositivo (…)”.

Atendendo precisamente à finalidade das conclusões e em obediência ao disposto no artigo 639º nº 1 do CPC, é exigível no mínimo que destas conste de forma clara quais os pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados, sob pena de rejeição do mesmo, o que este observou (vide desde logo conclusão 5ª).

Igualmente tendo indicado o sentido da decisão que no seu entender deveria ser proferido sobre as questões de facto impugnadas – o que igualmente observou, conforme resulta das conclusões 6ª a 13ª.

Quanto aos concretos meios probatórios que impunham decisão diversa, resulta das alegações de recurso que o recorrente invoca em favor da sua pretensão:

i- “todos os elementos de prova produzidos, incluindo os depoimentos prestados na audiência de julgamento que se encontram gravados, razão pela qual nada obsta ao tribunal “ad quem” dos poderes previstos no art. 662º do C.P.C., ao que adiante se apela de forma a obviar a erro de julgamento que salvo o devido respeito, se incorreu na sentença em crise (…)”;

ii- A propósito dos pontos 10 e 11 dos factos provados, alegou ainda o recorrente “Encontram-se nos autos abundantes elementos, nomeadamente declarações dos próprios intervenientes que impunham decisão diversa”;

iii- mais invocou o recorrente o teor dos seguintes documentos: sentença proferida no processo 1373/04 cuja cópia (aceite pelas partes) foi junta a fls. 295 e segs. dos autos; Ac. proferido no âmbito do processo de impugnação judicial que sobre o n.º 356/12 correu seus termos e cuja cópia foi junta a fls. 251 e segs.;procuração outorgada a favor de I por M e MA em 06/08/2003 e junta a fls. 94 dos autos; requerimento de 17/10/2003 subscrito por Iatuando como procurador de M referido em 40) dos factos provados; escritura de justificação notarial de 22/01/2004 junta aos autos a fls. 84 e segs.; escritura de doação de 11/08/2004 junta a fls. 96 e segs.; certidão da CRP relativa ao prédio ai descrito sob o artigo 00296/20040517 e junta a fls. 99/100; levantamento topográfico de fls. 291 relativo a este mesmo prédio descrito sob o n.º 296 “complementada pelo depoimento de (…) J (…)”.

Tal como o realçou o Ac. STJ de 29/10/2015, pode-se distinguir um ónus primário fundamental de delimitação do objeto e de fundamentação concludente de impugnação a que se refere o n.º 1 do artigo 640º do CPC e um ónus secundário, cuja finalidade é o de possibilitar à Relação uma localização mais ou menos facilitada da relação aos excertos de gravação em que se funda a discordância da parte. Quanto ao conteúdo exato deste último ónus tendo o mesmo oscilado ao longo dos anos e como consequência das várias reformas, entre a transcrição obrigatória dos depoimentos até uma mera indicação da localização exata das passagens da gravação relevantes, a que se reporta o atual 640º n.º 2 al. a) do CPC.

Relativamente a este ónus de indicação exata das passagens relevantes se tendo defendido no Ac. vindo de citar e no seguimento da posição que o nosso tribunal superior tem vindo a assumir, uma interpretação mais funcional e conforme ao princípio da proporcionalidade por forma a entender o mesmo observado quando para o tribunal seja possível sem dificuldade relevante localizar os excertos da gravação invocados, em especial nos casos em que uma extensa transcrição complementa e facilita tal localização.

Assim foi nomeadamente e de igual forma defendido no mais recente Ac. do mesmo STJ de 19/01/2016 em cujo sumário se lê “a falta da indicação exata e precisa do segmento da gravação em que se funda o recurso, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 640.º do CPC não implica, só por si a rejeição do pedido de impugnação sobre a decisão da matéria de facto, desde que o recorrente se reporte à fixação eletrónica/digital e transcreva os excertos que entenda relevantes de forma a permitir a reanálise dos factos e o contraditório” [cfr. Ac. STJ de 19-1-2016, Relator Sebastião Póvoas e no mesmo sentido e mais recentemente, Ac. STJ de 06/12/2016, Relator Garcia Calejo, todos in www.dgsi.pt/jstj].

Sobre a parte interessada na alteração da decisão de facto recai portanto o ónus de alegação e especificação dos concretos pontos de facto que pretende ver reapreciados; dos concretos meios de prova que impõem tal alteração e da decisão que a seu ver sobre os mesmos deve recair, sob pena de rejeição do recurso [artigo 640º n.º 1 als. a) a c)]. Bem como e no caso de prova gravada, a indicação das passagens da gravação em que se funda o recurso, entendendo-se para o efeito suficiente a “fixação eletrónica/digital” bem como a transcrição pelo recorrente dos “excertos que entenda relevantes de forma a permitir a reanálise dos factos e o contraditório”.

Ora in casu, em função do acima já extraído das alegações de recurso, bem como do teor das conclusões, resulta de forma clara que o recorrente no que ao n.º 2 al. a) do artigo 640º do CPC concerne, foi totalmente omisso quanto à indicação dos segmentos de gravação ou sequer de transcrição de excertos de depoimentos que permitam ao tribunal reanalisar a prova gravada produzida.

Pelo que e no que à prova gravada respeita se rejeita a impugnação deduzida [vide artigo 640º n.º 1 al. b) e n.º 2 al. a) do CPC].

Neste contexto, a alteração da decisão da matéria de facto apenas deverá ser considerada na medida em que a prova documental, imponha só por si e pelo seu valor probatório pleno decisão diversa, ao abrigo do disposto no artigo 662º n.º 1 do CPC..

Para tanto importa ainda relembrar que os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respetivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas perceções da entidade documentadora (artigo 371º n.º 1 do CC). Consequentemente não beneficiando de tal força probatória as declarações emitidas pelos outorgantes e neles atestadas, cuja veracidade pode assim ser questionada sem que seja necessária a arguição de falsidade do respetivo documento.

Conforme afirma Francisco Manuel L. F. Almeida in Direito Processual Civil, vol. III, ed. 2015 Almedina, “A força probatória legal de documento autêntico reside, assim: - por um lado na fé pública atribuída ao funcionário documentador (…); - por outro na própria natureza das atestações, porquanto versando sobre factos certificados pelo funcionário (…) será escassa a possibilidade de erro.

Prova plena, pois quanto à materialidade (prática ou efetivação) de tais atos ou declarações; já não quanto à sua sinceridade, veracidade ou falta de qualquer vício ou irregularidade formal”.

No mesmo sentido vide Ac. TRC de 17-12-2008, Relatora Isabel Fonseca; Ac. TRG de 26/01/2012, Relator Antero Veiga em cujo sumário consta: “I- As escrituras, sendo é certo documentos autênticos, não provam a factualidade declarada pelos outorgantes. Apenas provam que os declarantes proferiram tais declarações.

(…)IV - Relativamente aos factos de que não façam prova plena, os documentos estão sujeitos ao princípio da livre apreciação pelo tribunal – artº 366º do CC. E não constituem sequer confissão.”; vide ainda Ac STJ de 22-05-2012, Relator Fonseca Ramos e Ac. STJ de 02-03-2011, Relator João Bernardo onde relativamente aos factos que inseridos em documento autêntico não tenham sido objeto de perceção pela autoridade ou oficial público respectivo se afirma não alcançarem os mesmos a prova plena sendo antes “caso de prova de livre apreciação pelo Tribunal”. Mais e sobre eventual efeito confessório das declarações em documento autêntico contidas se tendo decidido que “às dúvidas sobre se tal declaração, sem mais, deve ser considerada como confessória, há que acrescentar que o artigo 358.º n.º2 do Código Civil deve ser interpretado no sentido de que a confissão extrajudicial só conduz à prova plena se esta resultar do documento em que se insere e for feita à parte contrária ou a quem a represente.” [todos in www.dgsi.pt].

Tendo presentes estes considerandos e revertendo agora aos factos em concreto impugnados pelo recorrente no confronto com os docs. pelo mesmo invocados e juntos aos autos, impõe-se reconhecer razão parcial no que aos pontos 1 e 2 dos factos provados concerne, na medida em que os mesmos não traduzem o decidido em Ac. da RP proferido no processo que correu seus termos sob o n.º 356/12.2TBBGC.P1 e cuja cópia foi junta aos autos a fls. 251 e segs..

Deste documento (aceite pelas partes) resulta que o aqui R. E instaurou ação de impugnação judicial nos termos do artigo 131º do C. R. Predial, no âmbito da qual foram notificados os interessados ora AA. [herdeiros de Ismael Santos que a seu favor tinham registado o prédio referido em 1) e 2) dos factos provados].

E nela foi decidido (revogando o que havia sido decidido em 1ª instância) por Ac. de 17/06/2013, portanto já na pendência desta ação à qual foi junta cópia da respetiva decisão ainda antes da realização da audiência de discussão e julgamento: “julgar a impugnação totalmente procedente, declarando-se a inutilização da descrição com todas as inscrições averbadas e a nulidade do ato registral da descrição …, freguesia do Zoio-Bragança.”.

Igualmente não traduzem o decidido no âmbito do processo que correu seus termos sob o n.º 1373/04.1TBBGC em que foram autores Ee outros, na qualidade de únicos e universais herdeiros de seus pais A e IS RR. M e mulher MA, I e outros, com relevo para estes autos (cuja cópia se encontra junta a fls. 295 e segs.), porquanto no mesmo se determinou:

“a) Declaro e condeno os RR.(…) a tal reconhecerem que os AA. são os únicos herdeiros de seus falecidos pais, A e I;

b) Declaro e condeno os mesmos réus a tal reconhecerem que da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito dos pais dos autores faz parte o prédio rústico inscrito na matriz da freguesia de Zoio, do concelho de Bragança sob o artigo … e descrito na conservatória do registo predial de Bragança sob o nº … (Zoio), pelo que os autores são os únicos contitulares do direito de propriedade sobre tal prédio;

c) Declaro e condeno os mesmos RR a tal reconhecerem a nulidade da escritura de justificação lavrada no dia 22/01/2004, no cartório notarial de Bragança e constante de fls. 88 a 89 v do livro para escrituras diversas nº 64 – F;

d) Declaro e condeno os mesmos réus a tal reconhecerem a nulidade da escritura de doação lavrada no dia 11/08/2004, no cartório notarial de Bragança e constante de fls. 78 a 78 v do livro para escrituras diversas nº 87 – F;

e) Ordeno o cancelamento dos registo constantes das cotas G – 1 e G – 2 sobre o prédio urbano inscrito na matriz da freguesia de Zoio, do concelho de Bragança, sob o artº … e descrito na conservatória do registo predial de Bragança sob o nº ….

Absolvo os RR. dos demais pedido”.

Ora o assim decidido nestes dois processos, porque com relevo em sede registral devia ter sido traduzido nos factos provados e não o foi, o que se impõe ora observar, suprindo tal omissão e em conformidade retificando ainda a redação dada aos pontos 1) e 2) dos factos provados, por forma a compatibilizar os mesmos com o assim decidido e com o teor das cópias da CRP juntas aos autos, a fls. 21 a 24 e 121 a 127 nomeadamente.

Como tal decide-se alterar a redação dada aos pontos 1) e 2) dos factos provados nos seguintes termos:

“1. O prédio urbano destinado a habitação, composto por rés-do-chão, 1° andar, garagem, anexo e logradouro, com a área total de 3.388,83 m2, sendo a área coberta de 260,08 m2 e a descoberta de 3.128,75 m2, a confrontar de Norte com caminho público, Sul com Maximino de Jesus Afonso, Nascente com Estrada municipal e Poente com terreno omisso na matriz, sito no lugar de Vale da Cadela, freguesia do Zoio, concelho de Bragança, encontra-se inscrito na matriz respetiva sob o artigo …°.

2. O prédio referido em 1 foi descrito na Conservatória do Registo Predial de Bragança com o n° ….

2A)Através da apresentação 04/020404 foi inscrita a aquisição do prédio descrito nos termos referidos em 2 a favor de M e MA, por usucapião –Cota G-1;

2B)Através da apresentação 08/260804 foi inscrita a aquisição do prédio descrito nos termos referidos em 2 a favor de I por doação – Cota G-2;

2C) Através da AP. 2580 de 2011/05/09 foi inscrita a aquisição do prédio descrito nos termos referidos em 2 por sucessão hereditária – em comum e sem determinação de parte por morte de I - a favor M, MJ, N, R e T.

2D) Por sentença proferida no âmbito do processo que correu seus termos sob o n.º 1373/04.1TBBGC em que foram autores E e outros, na qualidade de únicos e universais herdeiros de seus pais A e I e RR. M e mulher MA, I e outros, foi decidido:

“a) Declaro e condeno os RR.(…)atal reconhecerem que os AA.são os únicos herdeiros de seus falecidos pais, A e I;

b) Declaro e condeno os mesmos réus a tal reconhecerem que da herança ilíquida e indivisaaberta por óbito dos pais dos autores faz parte o prédio rústico inscrito na matriz dafreguesia de Zoio, do concelho de Bragança sob o artigo … e descrito naconservatória do registo predial de Bragança sob o nº … (Zoio), pelo que osautores são os únicos contitulares do direito de propriedade sobre tal prédio;

c) Declaro e condeno os mesmos RR a tal reconhecerem a nulidade da escritura dejustificação lavrada no dia 22/01/2004, no cartório notarial de Bragança e constante defls. 88 a 89 v do livro para escrituras diversas nº 64 – F;

d) Declaro e condeno os mesmos réus a tal reconhecerem a nulidade da escritura dedoação lavrada no dia 11/08/2004, no cartório notarial de Bragança e constante de fls.78 a 78 v do livro para escrituras diversas nº 87 – F;

e) Ordeno o cancelamento dos registo constantes das cotas G – 1 e G – 2sobre o prédio urbano inscrito na matriz da freguesia de Zoio, do concelho deBragança, sob o artº … e descrito na conservatória do registo predial de Bragançasob o nº ….

Absolvo os RR. dos demais pedido”.

2E)No âmbito da ação de impugnação judicial instaurada pelo aqui R. E nos termos do artigo 131º do C. R. Predial, no âmbito da qual foram notificados os interessados ora AA. [herdeiros de Ique a seu favor tinham registado o prédio referido em 1) e 2) dos factos provados] e que correu seus termos sob o n.º 356/12.2TBBGC.P1, foi decidido porAc. de 17/06/2013 (portanto já na pendência desta ação e à mesma junto antes da realização da audiência de discussão e julgamento):

“julgar a impugnação totalmente procedente, declarando-se a inutilização da descrição com todas as inscrições averbadas e a nulidade do ato registral da descrição 158/20040402, freguesia do Zoio-Bragança.”.

Quanto a estes pontos da matéria de facto e em função dos documentos autênticos e do que os mesmos fazem prova plena, são estas as alterações que se impõem.

Relativamente ao ponto 58) dos factos provados, invocou ainda o recorrente que do mesmo deverá ser eliminada a menção aos pontos 8) e 9) dos factos provados, porquanto estes se reportam a atos praticados em 74/75 por MA e marido, por intermédio de I e cujo custo estes suportaram.

Ao invés se reportando o ponto 58) dos factos provados a obras realizadas pelo I.

Assiste neste ponto razão ao recorrente.

Aliás resulta da sentença recorrida que este ponto 58) dos factos provados corresponde à resposta dada ao item 33º da base instrutória, por referência à renumeração que a mesma mereceu na sequência da eliminação dos pontos 2º, 3º e 4º que passaram para a matéria assente (despacho de fls. 231).

Ou seja este ponto 33º era inicialmente o 36º. E na sua redação inicial o mesmo remetia para os itens 8) a 23) da base instrutória que na nova renumeração passaram a ser 5) a 20).

A resposta dada a estes itens 5) a 20) da base instrutória está contida precisamente nos nºs 13) a 28) dos factos provados e são precisamente estes os factos que se reportam às obras realizadas pelo falecido I.

A referência aos pontos 8) a 23) resulta assim de manifesto lapso do tribunal a quo que manteve nesse ponto a numeração da base instrutória e não a atualizou por referência aos factos provados.

Nesta medida impõe-se a retificação da redação dada ao ponto 58) dos factos provados, por forma a do mesmo ficar a constar:

58. Com as obras e as plantações realizadas pelo I entre 1975 e 1986, designadamente, as supra descritas nos pontos 13) a 28), o prédio passou a valer, em 1986, pelo menos, Esc. 1.000.000$00 (equivalente a € 4.987,98) (art. 33.º da base instrutória)”.


*

Quanto aos demais pontos da matéria de facto impugnada, nenhuma outra alteração se impõe em função da prova documental e conforme referido já supra, só com base nesta se poderia efetuar tal alteração.

Na verdade em causa está, ter sido dado como provado:

a) (factos 10 e 11) – que em 1975 ocorreu doação verbal do prédio referido em 1) dos factos provados de MA e marido a favor do falecido I que desde então a passou a ocupar;

b) (factos 37 a 39) – que desde 1973 dispuseram MA e marido e depois I do referido prédio como seus donos, sem oposição de ninguém às obras e plantações pelos mesmos realizadas, tendo após o decesso de I continuado os seus filhos a praticar os atosantes praticados pelo pai e antes pelos mencionados MA e marido;

Para justificar a resposta que no entender do recorrente deveria ter sido dado ao factos referidos em a) – cuja redação deveria antes ser no sentido de ser dado como provado que a M e mariAdonão doaram em 1975 a Ismael o referido prédio e que desde tal data o Ismael não passou a ocupar em exclusivo e sem interrupção o referido prédio – convoca o recorrente: (1) o teor da procuração referida em 40) dos factos provados outorgada em 2003 pelos mencionados MA e marido na qualidade de proprietários do prédio referido em 1) conferindo poderes ao falecido I para proceder à retificação da área deste prédio urbano, bem como para celebrar escritura de justificação notarial; (2) esta celebrada em 22/01/2004, na qual o falecido Ismael como procurador dos referidos MA e marido declarou serem estes donos do referido prédio; (3) e ainda a subsequente escritura de doação celebrada em 11/08/2004 na qual os referidos MA e marido declararam doar ao referido Ismael o mesmo prédio.

Ora importa em primeiro lugar relembrar que estes atos – escritura de justificação notarial e escritura de doação foram precisamente declarados nulos no âmbito do processo instaurado precisamente pelo aqui R. e outros, referido (ora) em 2D) dos factos provados e como tal de nenhum efeito. Em segundo lugar e tal como já supra referido, as declarações neles contidas [bem como nos demais documentos invocados, incluindo a procuração referida em 40) dos factos provados], porque não abrangidas pela força probatória plena que apenas aos atos praticados pela autoridade ou oficial público é conferida, estão sujeitas à livre ao princípio da livre apreciação pelo tribunal, não sendo sequer caso de ponderar qualquer efeito confessório, porquanto e desde logo não foram feitas perante a parte contrária in casu o aqui R..

Neste contexto, as declarações contidas em tais documentos, não têm valor probatório suficiente para, por si só, imporem decisão diversa. Motivo por que e estando apenas em causa a reapreciação da decisão de facto com base nestes mesmos documentos se impõe a conclusão de improcedência da pretendida alteração da redação dada a estes pontos de facto.

Para justificar a resposta que no entender do recorrente deveria ter sido dado ao factos referidos em b) – transitando os mesmos para os factos não provados – convoca o mesmo o decidido na ação referida supra em 2D), nomeadamente a condenação dos ali RR. (incluindo o falecido Ismael) a:

“a)(…) reconhecerem que os AA. são os únicos herdeiros de seus falecidos pais, A e I;

b) (…)reconhecerem que da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito dos pais dos autores faz parte o prédio rústico inscrito na matriz da freguesia de Zoio, do concelho de Bragança sob o artigo … e descrito na conservatória do registo predial de Bragança sob o nº … (Zoio), pelo que os autores são os únicos contitulares do direito de propriedade sobre tal prédio;”.

Conjugado com o teor do levantamento topográfico junto a fls. 291 e depoimento do seu autor.

Quanto ao depoimento já supra nos pronunciámos (pela rejeição da reapreciação da prova gravada produzida).

Por sua vez o documento invocado é documento particular, cujo valor probatório é necessariamente apreciado livremente pelo tribunal.

Finalmente pressupõe a argumentação do R. que o prédio mencionado na al. b) do segmento decisório da ação referida em 2D) coincide com o prédio descrito em 1) dos factos provados.

Ora não só tal não foi nestes autos discutido ou dado como provado, como na ação referida em 2D) integrou o pedido na mesma formulado – al. c) de tal pedido (vide fls. 297 da decisão junta aos autos a fls. 295 e segs.) e do qual os ali RR. foram absolvidos.

Impõe-se assim e sem mais de igual modo a improcedência da pretendida alteração da redação dada a estes pontos de facto.

Procede assim parcialmente, a pretendida alteração da decisão de facto [quanto à redação dada aos pontos 1, 2 e 58 dos factos provados nostermos supra apontados].

No mais mantém-se o decidido pelo tribunal a quo nesta sede.


*

Do direito.

Em função do acima decidido, cumpre apreciar de direito, sendo certo que o tribunal não está vinculado às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito [vide artigo 5º nº 3 do CPC], sem prejuízo do limite imposto pelo artigo 609º quanto ao objeto e quantidade do pedido.

Analisada a pretensão deduzida pelos ora autores, sendo na petição inicial que o objeto processual - conformado pela causa de pedir e pedido identificados, com a interpretação já acima aludida em III-A) i) - ficou definido, resulta peticionada a declaração de que do acervo hereditário faz parte o imóvel que assim identificaram: “prédio urbano destinado a habitação, composto por rés-do-chão, 1.° andar, garagem, anexo e logradouro, com a área total de 3.388,83m2, sendo a área coberta de 260,08m2 e a descoberta de 3.128,75m2, a confrontar de Norte com caminho público, sul com Maximino de Jesus Afonso, nascente com estrada municipal e poente com terreno omisso na matriz, sito no lugar de Vale da Cadela, freguesia de Zoio, concelho de Bragança, inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo … e descrito na CRP de Bragança com o n.º ….”

Tendo ainda sido peticionado (para além do mais) a condenação do R. a tal reconhecer e a abster-se de impedir, dificultar ou estorvar, a livre e plena fruição de tal prédio.

Decidiu o tribunal a quo (entre o mais)

“(…)

2) Declaro que à Herança Autora pertence com exclusão de outrem, o direito de propriedade plena do prédio urbano destinado a habitação, composto por rés-do-chão, 1.º andar, garagem, anexo e logradouro, com a área total de 3.388,83m2, sendo a área coberta de 260,08m2 e a descoberta de 3.128,75m2, a confrontar de Norte com caminho público, sul com Maximino de Jesus Afonso, nascente com estrada municipal e poente com terreno omisso na matriz, sito no lugar de Vale da Cadela, freguesia de Zoio, concelho de Bragança, inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo … e descrito na CRP de Bragança com o n." …, por usucapião;

3) Condeno o réu, E, a reconhecer o direito de propriedade da autora e a abster-se de impedir, dificultar ou estorvar, a livre e plena fruição daquele prédio;”.

Insurgiu-se o recorrente quanto ao assim decidido em suma invocando erro na aplicação do direito fundado em 3 argumentos:

- não presunção da titularidade do direito por inutilização da inscrição na C.R.Predial (conclusão 14ª);

- Não verificação dos requisitos da usucapião (conclusões 15ª a 37ª);

- Não verificação dos requisitos da acessão industrial imobiliária (conclusões 39ª a 51ª).

Tendo presente a alteração aos factos provados acima decidida, será apreciada a pretensão do recorrente.

Dos factos 2) a 2E) resulta desde logo que sobre a descrição do prédio referido em 1) dos factos provados na CRP de Bragança – que ali existira sob o n.º 158/20040402 – recaiu decisão de eliminação da mesma. Como consequência do decidido na ação referida em 2E) quedeclarou a“inutilização da descrição com todas as inscrições averbadas e a nulidade do ato registral da descrição …, freguesia do Zoio-Bragança.”.

Consequentemente inexistindo a descrição em causa na CRP, por eliminação de todas as inscrições, naturalmente que se impõe concluir não beneficiarem os autores (ou seja o acervo hereditário) da presunção de que “o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define” consagrada no artigo 7º do C. R. Predial.

Como é sabido, o registo predial “destina-se essencialmente a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário” (artigo 1º do C.R.P.).

Não gera nem exclui direitos.

Por tal e quando em causa estão direitos reais, devem as partes fundar a sua pretensão não só na eventual presunção da titularidade do direito de que por via registralbeneficiam, como mais devem invocar os factos integradores da aquisição derivada e - porque esta por si só tão pouco é geradora do direito transmitido, sendo apenas do mesmo um meio de transmissão - também na aquisição originária.

Foi precisamente o que os AA. fizeram na presente ação.

Invocaram factualidade integradora da aquisição originária por via da usucapião e também por via da acessão imobiliária.

O tribunal a quo, analisou a pretensão dos AA. nestaperspetiva e tendo dos factos provados retirado a verificação de todos os pressupostos necessários à aquisição por via da usucapião, julgou com base na mesma procedente a sua pretensão.

E neste ponto o decidido não merece qualquer censura, em função dos factos provados.

A usucapião é a posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo que quando mantida por certo lapso de tempo faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua atuação - artigo 1287º do C.C. .

A posse é o poder que se manifesta quando alguém atua por forma correspondente ao exercício de um direito real (artigo 1251º).

Em caso de dúvida estabelece o artigo 1252º n.º 2 do CC uma presunção de posse naquele que exerce o poder de facto, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 1257º [presunção que bem se entende, atenta a dificuldade de prova que sobre este elemento intelectual poderá recair – cfr. sobre esta presunção e a consequente dispensa de prova de quem detém o poder de facto ou “corpus” de provar a “intenção de agir como titular do direito real correspondente”,Ac. TRC de 25/02/2014, Relator José Avelino Gonçalves in www.dgsi.pt].

Diz-se titulada a posse fundada em qualquer modo legítimo de adquirir, independentemente quer do direito do transmitente quer da validade substancial do negócio jurídico (artigo 1259º).

Diz-se de boa-fé quando o possuidor ignora ao adquiri-la que lesa o direito de outrem. Presumindo-se de boa-fé a posse titulada e de má-fé a não titulada (artigo 1260º).

No que concerne aos imóveis, e conforme dispõe o artigo 1294º, havendo título de aquisição e registo deste, a usucapião tem lugar: a) quando a posse, sendo de boa-fé, tiver durado por dez anos contados desde a data do registo; b) quando a posse, ainda que de má-fé, houver durado quinze anos contados da mesma data.

Não havendo registo do título de aquisição, mas registo da mera posse – artigo 1295º - a usucapião tem lugar: a) se a posse tiver continuado por cinco anos, contado desde a data do registo e for de boa-fé; b) se a posse tiver continuado por dez anos a contar da mesma data, ainda que não seja de boa-fé.

Sendo que a mera posse só será registada em vista de sentença passada em julgado na qual se reconheça que o possuidor tem possuído pacífica e publicamente por tempo não inferior a cinco anos (n.º 2 do artigo ora em citação).

Finalmente e quando não haja nem registo do título nem da mera posse, a usucapião só pode dar-se no termo de quinze anos, se a posse for de boa-fé, e de vinte anos, se for de má-fé (artigo 1296º).

Tendo presente os pressupostos da usucapião acima expostos e no confronto com os factos dados como provados, resta concluir pela verificação de todos os pressupostos de que a lei faz depender a aquisição originária por via da usucapião, incluindo o elemento intelectual [vide 37) a 39) dos factos provados quanto a este último elemento e no mais, para além destes mesmos factos, ainda os constantes dos n.ºs 7) a 29) e 30) a 35)].

Note-se que a oposição que os factos constantes dos n.ºs 40) e seguintes dos factos provados poderão traduzir por parte do R. em relação ao direito ora em análise ocorre após 2003, quando há muito se havia já consolidado na esfera jurídica do autor da herança o direito de propriedade por via da aquisição originária de usucapião, já que os atosconsubstanciadores de tal direito remontam à década de 70, mais concretamente 1975 se tivermos em atenção apenas e exclusivamente os atos do mencionado I [vide desde logo 10) e 11) dos factos provados].

Igualmente irrelevantes são os considerandos tecidos pelo recorrente relativos à nulidade da alegada doação deMA e marido para o autor da herança Ismael por não serem então titulares de qualquer direito sobre o imóvel em questão, ou de tal doação não ter sido aceite. Pois que uma vez mais se diz, o que está em causa e foi apreciado é a aquisição originária por via da usucapião e não a aquisição derivada do direito em questão.

Consequentemente tem de proceder o pedido dosAA. dedeclaração de que o imóvel referido em 1) dos factos provados faz parte do acervo hereditário de Ismael Santos por via da usucapião, tal como decidido pelo tribunal a quo.

Tal com tem de proceder a condenação do R. a tal reconhecer, igualmente conforme decidido pelo tribunal a quo.

Apenas sendo de retificar o segmento decisório da sentença recorrida, nas suasals. 2)e 3) por forma a, e em consonância com supra decidido:

- no início do ponto 2) onde consta “2) Declaro que à herança autora pertence com exclusão de outrém (…)”passar a constar“2) Declaro que do acervo hereditário de Ismael dos Santos faz parte, com exclusão de outrém, (…)”;

-e no ponto 3) onde consta “3) Condeno o Réu, E a reconhecer o direito de propriedade da autora (…)”passar a constar“3) Condeno o Réu, E a reconhecer o direito de propriedade do prédio referido em 2) como pertencente ao acervo hereditário de Ie a abster-se (…)”

- Mais e a afinal do ponto 2) sendo eliminada a indicação da descrição do prédio na “CRP de Bragança com o n.º 158/20040402” por tal descrição ter merecido decisão de eliminação.


*

Procedente a pretensão dos AA. por via da usucapião, fica precludido por desnecessário o conhecimento da mesma pretensão por via da também invocada acessão industrial imobiliária.

Procede assim parcialmente o recurso interposto pelo R..


*

***


B) Do recurso subordinado (interposto pelos ora AA.)

Insurgiram-se os AA. quanto ao decidido pelo tribunal a quo, porquanto defendem que deveria ter sido arbitrada uma indemnização por danos não patrimoniais tal como peticionado na p.i. (conclusões 2ª a 7ª). Bem como defendem que o R. deveria ter sido condenado como litigante de má-fé, tal como igualmente o haviam peticionado nos autos.

Decidiu o tribunal a quo julgar o pedido de indemnização por danos não patrimoniais improcedente porquanto da factualidade provada não resultam factos relativos “aos transtornos e prejuízos causados pelo réu com o seu comportamento”.

Afigura-se-nos nenhuma censura merecer o assim decidido.

Nos termos do artigo 496° n.° 1 do CC. só são indemnizáveis os danos não patrimoniais “(...) que, pela sua gravidade mereçam a tutela do direito”, o que não é inovador relativamente aos prejuízos patrimoniais, pois já o n.° 2 do art.° 398° do mesmo código, exige que a prestação a que o devedor está adstrito, “deve corresponder a um interesse do credor, digno de proteção legal”.

Com o art.° 496°, n.° 1 do C.C. o legislador terá querido reforçar, num campo tão fluido, como o das lesões não patrimoniais, a imperiosidade de se não aceitarem de ânimo leve, como compensáveis, prejuízos de pequeno relevo ou de anómala motivação.

“O montante da indemnização será assim fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção as circunstâncias referidas no art.° 494º, devendo de qualquer modo este montante ser proporcionado à gravidade do dano, tendo-se “em conta na sua determinação todas as regras de boa prudência, bom senso prático de justa medida das coisas de criteriosa ponderação das realidades da vida” e sempre considerando que “na fixação da indemnização por danos não patrimoniais há que, recorrendo à equidade e atendendo aos critérios do artigo 494.° do Código Civil, encontrar um quantum que, de alguma forma, possa proporcionar ao lesado momentos de prazer que contribuam para atenuar a dor sofrida”(cfr. Ac. RP de 08/10/02 in http://www.dgsi.pt/jtrp e Ac. STJ de 07/07/09 in http://www.dgsi.pt/jstj).

Ora para que se possa aferir da existência e gravidade de alegados danos não patrimoniais, bem como quantificar os mesmos impõe-se que sejam provados factos a tal realidade atinentes.

E neste conspecto nada em concreto foi provado, sendo certo que aos AA. incumbia alegar e provar tal factualidade, como constitutiva do seu direito (vide artigo 342º n.º 1 do CC).

Os recorrentes invocam para o efeito os factos descritos em 41) a 55) dos factos provados os quais respeitam à atuação do R. perturbadora e violadora do seu direito de propriedade. E assim é. Estes factos evidenciam a violação de tal direito. Motivo porque o R. foi condenado não só a abster-se de impedir ou por qualquer forma estorvar a fruição daquele prédio, como inclusive foi condenado a praticar os atos enunciados em 2 i) a v) do pedido dos AA. repondo o que antes havia alterado.

Não têm porém a virtualidade de demonstrar as lesões não patrimoniais que tal atuação terá causado.

Motivo porque nesta sede nenhuma censura merece o decidido.

Por último insurgem-se os AA. quanto à absolvição do R. como litigante de má-fé.

Invocam que o mesmo, atenta a relação de vizinhança que resultou provada necessariamente tinha conhecimento dos factos dados como provados. Tanto mais que na ação que correu seus termos sob o n.º 1373/04 havia já decaído no pedido relativo ao prédio dos AA. que para si reivindicava.

O tribunal a quo julgou improcedente a pretensão dos AA. por dos factos provados não resultar demonstrada uma atuação de má-fé.

Preceitua o artigo 542º, nº 1, do CPC:

“1. Tendo litigado de má-fé, a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.

2. Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:

a) tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;

b) tiver alterado a verdade dos factos ou tiver omitido factos relevantes para a decisão da causa;

c) tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;

d) tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.”

Infere-se deste preceito legal que o mesmo visa sancionar aqueles que – e para o que ora releva em função do alegado pelos recorrentes - de forma censurável, com dolo ou negligência grave, deduzem pretensão cuja falta de fundamento não devem ignorar ou alteram a verdade dos factos [als. a) e b)] ou ainda fazem do processo um uso manifestamente reprovável com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão [al. d)].

Sanciona assim este normativo dois tipos de condutas que Menezes Cordeiro, in “Da Boa Fé no Direito Civil“, Coleção Teses, Almedina, ed. 1997, p.380, identificou como:

- “dolo substancial”: quando se deduz “pretensão ou oposição cuja improcedência não poderia ser desconhecida – dolo direto – ou altera-se a verdade dos factos, ou omite-se um elemento essencial – dolo indireto”;

- “dolo instrumental” quando se faz “dos meios e poderes processuais um uso manifestamente reprovável”.

Este autor, chamando a atenção para o facto de que em bom rigor “qualquer parte vencida na produção da prova acaba, a final, por deduzir pedido ou oposição não fundamentada” da qual “só através da prova exterior pode o juiz convencer-se de que a parte a ignorava ou não a falaciosidade da sua posição”, acaba por realçar, no seguimento do defendido por Alberto dos Reis que a má-fé processual exige a dedução de um pedido que a parte conscientemente sabe não ter direito, ou a dedução de uma oposição a pretensão concreta que a parte conscientemente sabe estar obrigada a cumprir [vide o mesmo autor, in. ob. cit. p. 381].

Assim e porque relacionadas com o mérito da causa, são as als. a) e b) deste artigo relacionadas com o dolo (ou negligência grave) substancial.

Ao invés se podendo dizer que a al. d) porque relacionada com o uso do processo, se enquadra no dolo (ou negligência grave) instrumental.

Conforme já supra referido, para que se conclua pela verificação de tal conduta dolosa ou com negligência grave integradora da má-fé, impõe-se ser possível concluir que a parte de forma consciente deduziu oposição cuja falta de fundamento não ignorava, porquanto se encontrava em posição que lhe impunha tal conhecimento.

Pressuposto desta condenação era portanto que os autos evidenciassem de forma notória e clara tal atuação censurável imputável à parte a título de dolo ounegligência grave, por das circunstâncias concretas apuradas se deduzir que lhe era imposto ter tal conhecimento[cfr. neste sentidoAc. TRG de 10/11/2011, Relatora Maria Luísa Ramos, e Ac. STJ de 18/02/2015, Relator Silva Salazar, ambos in www.dgsi.pt].

Ora nos autos esteve em apreciação a aquisição originária do direito de propriedade do imóvel que ora foi declarado fazer parte do acervo hereditário de Ismael Santos [seja por via da usucapião seja por via da acessão industrial imobiliária].

E no que a estas causas de pedir respeita, não obstante o que já foidiscutido no âmbito de outros autos com base em outras causas de pedir, não se pode afirmar que do ali discutido se impunha ao R. aceitar o que nesta ação os AA. alegaram com vista à declaração do direito de propriedade por via da referida aquisição originária.

Nesta medida e porque dos factos provados e/ou conduta processual do R. se não pode concluir que o mesmo tenha deduzido de forma consciente e dolosa, ou de forma negligente grave, oposição à pretensão dos AA.relacionada com a invocada aquisição originária, resta declarar que nenhuma censura merece igualmente o nesta sede decidido pelo tribunal a quo, que assim se mantém.

Do exposto resulta a total improcedência do recurso subordinado dos AA..



IV. Decisão.

Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar:

I- O recurso principal interposto pelo R. parcialmente procedente, consequentemente se determinando a retificação do segmento condenatório da sentença recorrida nos pontos 2) e 3) que passarão a ter a seguinte redação:

“2) Declaro que do acervo hereditário de Ismael dos Santos faz parte, com exclusão de outrem, o direito de propriedade plena do prédio urbano destinado a habitação, composto por rés-do-chão, 1.º andar, garagem, anexo e logradouro, com a área total de 3.388,83m2, sendo a área coberta de 260,08m2 e a descoberta de 3.128,75m2, a confrontar de Norte com caminho público, sul com Maximino de Jesus Afonso, nascente com estrada municipal e poente com terreno omisso na matriz, sito no lugar de Vale da Cadela, freguesia de Zoio, concelho de Bragança, inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo …, por usucapião;

3) Condeno o réu, E, a reconhecer o direito de propriedade do prédio referido em 2) como pertencente ao acervo hereditário de Ie a abster-se de impedir, dificultar ou estorvar, a livre e plena fruição daquele prédio”;

II- O recurso subordinado interposto pelos AA. totalmente improcedente.

III- No mais mantém-se o decidido pelo tribunal a quo.

IV-Custas da apelação principaldo R., por R. e AA.na proporção de 4/5 para o R. e 1/5 para os AA. eda apelação subordinada dos AA., pelosAA..


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Guimarães, 2017-05-25


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(Maria de Fátima Almeida Andrade)



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(Alexandra Maria Rolim Mendes)

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(Maria Purificação Carvalho)