Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
142/12.0TBPCR.G1
Relator: MARIA AMÁLIA SANTOS
Descritores: SERVIDÃO DE ÁGUA
ÁGUAS SUBTERRÂNEAS
DANOS MORAIS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/11/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I – Assiste à ré o direito de abrir um poço num terreno seu, para captação de águas subterrâneas, mesmo a competir com os mesmos recursos hídricos de uma mina também existente no mesmo prédio, desde que essa captação da água não prejudique o direito de servidão dos AA sobre as águas sobrantes da mina;
II – Não são indemnizáveis, como danos morais, a deceção, a tristeza e o desgosto dos AA, por não terem gravidade suficiente que mereçam a tutela do direito, à luz do artº 496º do CC.
III – Nunca seriam também indemnizáveis tais danos, por os mesmos não corresponderem à violação dos direitos dos AA, alegadamente levada a cabo pelos RR.
Decisão Texto Integral: V e mulher A, melhor identificados nos autos, intentaram a presente acção declarativa de condenação com processo comum contra a Herança Ilíquida e Indivisa aberta por óbito de J, representada pelos seus únicos herdeiros, AD, JA, M, MT e ML, pedindo que se:
a) Declare os AA donos e legítimos possuidores da água referida no art. 5º da petição inicial, por a terem adquirido por usucapião e reconhecida em sentença judicial decretada em 14/09/2010 no âmbito do processo n.º 172/09.9TBPCR do Tribunal Judicial de Paredes de Coura;
b) Condene os RR a restituírem aos AA a água que beneficia o seu prédio e que ilicitamente foi captada (…), na situação em que se encontrava anteriormente, ou seja, antes de levarem a efeito as obras e trabalhos realizados a partir de 10 de Julho e a canalização ali colocada, demolindo o óculo construído e retirando o respectivo motor de captação;
c) Condene os réus a procederem à imediata abertura da porta de acesso à mina e à entrega de uma chave de acesso aos AA.;
d) Condene os RR a pagar aos AA uma indemnização no total de €5.500,00, a título de danos patrimoniais e morais e, pelo facto de, abusivamente, terem privado e captado a água, propriedade dos AA e ali efectuado construções;
e) Condene os RR. ao pagamento de uma sanção pecuniária compulsória por casa dia de atraso no (in) cumprimento da obrigação, no montante de €250,00 diários, a favor dos AA., por forma a que a obrigação dos RR. seja efectivamente cumprida, desde a citação até que os RR retirem todas as obras efectuadas, nos termos do art. 829-A n.º 1 do CC.;
f) Condene os RR em custas, procuradoria condigna e o mais que for de lei;
g) Condene os RR. a absterem-se da prática de quaisquer actos que ofendam o direito de propriedade dos AA., em particular daqueles que impliquem uma diminuição da água.
*
Alegam, em síntese, que são legítimos proprietários do prédio identificado no artigo 1º da p.i., o qual é abastecido por uma nascente de água situada no prédio dos réus, identificado no artigo 3.º da p.i.; que o prédio de que são proprietários pertencia ao pai do autor, que há mais de 30 anos efectuou várias obras de captação e canalização subterrânea da referida água, desde a nascente até chegar a um tanque situado no prédio que hoje lhes pertence; que desde há mais de 20/30 anos que os autores por si e seus antecessores vêm usando aquela água, destinando-a à rega das suas culturas, à vista de toda a gente, designadamente da ré, sem oposição, ininterruptamente, e no ânimo de quem é dono e exerce um direito de propriedade; que no ano de 2008 intentaram contra os réus um procedimento cautelar e a acção ordinária nº 172/09.9TBPCR, que terminou com a prolação de sentença homologatória de transacção, no âmbito da qual a ré reconheceu aos autores o direito à serventia «ao caneco» das águas da referida mina e o direito de servidão de aqueduto sobre as águas sobrantes da mesma mina.
Acontece que no dia 11 de Julho de 2012 os réus construíram no seu prédio um poço equipado de motor eléctrico de captação de águas, situado perpendicularmente ao veio da mina e a cerca de 10 metros da respectiva entrada, e retiraram a porta de madeira daquela entrada, da qual os autores tinham chave, e colocaram no seu lugar uma porta em ferro, não entregando cópia da chave aos autores.
Assim, desde essa data os autores ficaram impedidos de aceder à mina e privados do uso da água no seu terreno, que desapareceu, em consequência das obras efectuadas pelos réus.
Continuam, assim, os RR, de modo abusivo, a impedir e a denegar o direito que por sentença homologada pelo tribunal foi proferida, obrigando os AA a recorrer, uma vez mais, a tribunal e a suportar os inerentes custos, designadamente custas judiciais, honorários à sua mandatária e demais despesas, como deslocações ao Tribunal e ao escritório dos seus advogados, valores esses que ultrapassam os € 2.500,00.
Acresce que com a conduta dos RR ficaram os AA decepcionados, tristes e desgostosos com aqueles, pois são vizinhos e conhecidos de longos anos, o que consubstancia um dano não patrimonial elevado, tutelado juridicamente, e que se avalia no montante mínimo de € 3.000,00.
Estavam, além disso, os RR obrigados a se absterem de quaisquer actos que ofendam o direito de propriedade da água, em particular daqueles que impliquem uma diminuição daquela, pelo que devem os RR ser condenados no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória aos AA por cada dia de atraso no (in) cumprimento da obrigação, no montante diário de €250,00, por forma a que a obrigação dos RR seja efectivamente cumprida, desde a citação até que eles retirem todas as obras efectuadas e respetivo motor, nos termos do art. 829-A n.º 1 do CC.
*
A ré contestou, impugnando os factos alegados na p.i., dizendo que na acção anterior se limitou a reconhecer que os autores têm direito à serventia ao «caneco» das águas da mina e o direito de servidão de aqueduto sobre as águas sobrantes da mesma mina, adquirido por usucapião, mas não o direito de propriedade sobre as mesmas águas.
Mais alega que embora a água da nascente lhe pertença há mais de 100 anos, toleraram que os AA. a extraíssem, única e exclusivamente ao caneco para gastos domésticos, isto porque há 30, 40, 50 anos não existia distribuição de água por rede pública.
Mais alega que quando a água da mina atingia a abertura existente a 40 cm de altura do seu fundo, saía por esta e ia cair num aqueduto em pedra, capeado, que seguia a céu aberto pelo eido do prédio dos autores e caía numa leira do mesmo prédio, mais a baixo e depois numa quelha, numa das escadas de pedra e ia dar à «Poça de Sueidos», sendo que na maioria dos Verões, entre Junho e finais de Novembro, o volume da água represada na mina era diminuto, quase desaparecendo e raramente atingia a abertura de saída.
Alega ainda que atenta a avançada idade da ré AD, em Julho de 2012, os demais herdeiros decidiram construir um poço para lhe facilitar a rega das culturas e o enchimento do bebedouro dos seus animais, o qual, no entanto, em nada prejudica o caudal da mina, pois não o reduz, sendo que a sua existência levou mesmo a que a ré AD deixasse de utilizar a água da mina, libertando mais águas sobrantes para os autores.
De resto, os autores há já mais de 1, 2, 5 e mais anos que não utilizam a água da mina ao caneco, motivo pelo qual os réus não lhes entregaram a chave da mina.
Deduziu ainda a Ré reconvenção, peticionando a extinção das servidões de água ao caneco e de aqueduto das águas sobrantes, por desnecessidade, e a remição judicial dessas servidões.
*
Os AA. vieram responder à contestação, mantendo o alegado na p.i. e pugnando pela improcedência da reconvenção.
*
Tramitados regularmente os autos, foi proferida a seguinte decisão:
“Pelo exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente e, em consequência:
a. Declaro os AA. possuidores da água referida no artigo 5º da p.i., nos exactos termos que constam da sentença homologatória aludida no ponto F) dos factos provados.
b. Condeno os Réus a restituírem aos autores o uso e posse da água, designadamente procedendo à imediata abertura da porta de acesso à mina e à entrega de uma chave de acesso aos Autores.
c. Condeno os réus a pagarem aos autores a título de indemnização pelas deslocações ao tribunal e ao escritório dos mandatários, no âmbito da presente acção, a quantia que se apurar em posterior liquidação, e a título de danos não patrimoniais a quantia de €1.500,00 (mil e quinhentos euros).
d. Condeno os réus a pagarem a título de sanção pecuniária compulsória a quantia diária de €150,00 (cento e cinquenta euros) até que se mostre integralmente cumprida a obrigação estipulada em b).
e. Condeno os réus a absterem-se da prática de quaisquer actos que ofendam o direito aludido em a).
Absolvo os réus do mais peticionado pelos autores.
Julgo totalmente improcedente o pedido reconvencional deduzido pelos réus e dele absolvo os autores…”.
*
Não se conformando com a decisão proferida, vieram os AA dela interpor recurso de Apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:
“1. Os recorrentes entendem, com todo o respeito por opinião contrária, que a decisão em causa, ao não condenar os RR relativamente à alínea b) do pedido, enferma de omissão quanto às circunstâncias em que a água é represada e conduzida para o prédio dos AA, nomeadamente quanto à existência do motor de captação, o que entra em manifesta contradição com o doutamente decidido na alínea a) e e) da decisão da sentença.
Existe assim contradição entre a matéria dada como provada e a decisão
2. De acordo com a alínea a) da decisão da sentença resulta que os AA. são possuidores da água referida no artº 5º, nos exactos termos que constam da sentença homologatória aludida no ponto F) dos factos provados.
Ora, daquela sentença homologatória retira-se, sem margem para dúvida que toda a serventia da água é “ao caneco”, ou seja, encher o caneco na água da mina quando a sua profundidade o permita, e não prevê qualquer outra forma de captação, como também resulta daquela mesma sentença homologatória, que os aqui AA têm também o direito de servidão de aqueduto sobre as águas sobrantes da mesma mina (…)
3. O caudal de retirada de água da mina por outro meio que não ao caneco, por motor elétrico, (que se alimenta da mesma água como resulta do relatório pericial e da alínea S) dos factos dados como provados na douta sentença recorrida), não só impede que a água atinja em superfície o local de saída para o aqueduto dos AA, como também o direito de servidão da mesma água para rega do prédio dos AA fica na completa discricionariedade e disponibilidade das RR (o motor é ligado ou desligado a belo prazer de quaisquer herdeiros das RR) logo a superfície desta sobe ou desce conforme a vontade dos RR.
4. Face a este circunstancialismo, não resta aos AA mais do que uma expectativa de serventia de água, uma vez que os RR., podendo utilizar motor eléctrico, podem nunca permitir a serventia dos AA “ao caneco” e de “aqueduto” por nunca atingir a altura da abertura de escoamento para o aqueduto dos AA.
5. Ora, da conjugação da alínea e) com a alínea a) da decisão da sentença, resulta que a serventia terá de ser de acordo com o acordo homologado por sentença e referido na alínea f) dos factos provados e que as RR terão de se abster de praticar actos que ofendam o direito aludido.
6. Salvo o devido respeito, ao não condenar os RR. nos termos pedidos na alínea b) do pedido, a sentença do Tribunal “a quo” parece permitir o uso de motor eléctrico, o que, nos termos supra expostos, é uma manifesta contradição da matéria dada como provada e a sentença, nomeadamente o decidido nas alíneas e) e a) da douta sentença.
7. A omissão deste factualismo na decisão da Mª. Juiz “a quo”, que fundamenta este recurso, ao não condenar os RR nos termos pedidos na alínea b) da p.i., não proibindo expressamente o uso de motor de captação, “esvazia” o sentido da mesma condenação nas alíneas a) e e)
8. Ao decidir como decidiu, embora doutamente, violou a sentença recorrida o disposto no artº 1394º do Cód. Civil e alíneas c) e d) do artº 615º do Cód. Proc. Civil…”
Pedem, a final, que seja revogada a decisão recorrida, substituindo-se por outra que julgue a acção totalmente procedente, ou, caso assim se não entenda, que seja proibida a utilização de motor de captação pelos RR.
*
Não se conformando também com a decisão proferida, veio a Ré dela interpor recurso de Apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:
“1) O Tribunal a quo deveria ter considerado não provados os factos N), S), X), W), V), DD) dos factos provados, e provado o facto g) dos factos não provados,
2) Em relação ao facto N) dos factos provados, não é certo que os recorridos vêm explorando e utilizando a água da mina na convicção de serem os seus proprietários,
3) Tanto é assim que no dispositivo da sentença recorrida apenas se declarou que os recorridos são possuidores da água da mina,
4) Pois a mesma pertence única e exclusivamente à recorrente.
5) O que foi corroborado pelo depoimento da testemunha M (minuto 04:25 ao minuto 04:45).
6) Portanto o facto N) dos factos provados deveria ter sido considerado não provado.
7) Em relação ao facto S) dos factos provados, não se provou que o poço compita pelos mesmos recursos hídricos que a mina.
8) Cabe dizer que essa matéria não foi esclarecida de forma suficiente nos autos,
9) Tanto é assim que a sentença recorrida não condenou a recorrida a demolir o óculo que realizou na sua propriedade, como foi pedido na douta petição inicial.
10) O facto S) dos factos provados, deveria ter sido considerado não provado.
11) Em relação ao facto X) dos factos provados, cabe referir que os recorridos não juntaram como deveriam nenhum documento que demonstrasse os gastos que suportaram em Tribunal.
12) Além disso, nenhuma das testemunhas inquiridas em audiência de julgamento referiu o valor que os recorridos supostamente despenderam.
13) O facto X) dos factos provados deve ser considerado não provado.
14) E mesmo que assim não fosse, cabe dizer que o poço construído pela recorrida não violou nenhum direito dos mesmos,
15) Tanto é assim que o Tribunal a quo não condenou a recorrente a demoli-lo,
16) A água ao caneco não foi utilizada pelos recorridos porque recebem água sobrante através de um tubo situado na mina,
17) Portanto não existe nenhum dano patrimonial dos recorridos que deva ser reparado.
18) Em relação ao facto provado W) e DD), cabe dizer que os recorridos como os demais vizinhos deixaram de utilizar completamente a água da mina ao caneco desde a implantação da água da Câmara na freguesia de Cossourado,
19) Sendo que os recorridos nunca chegaram a utilizar de forma constante a água a caneco porque se aproveitavam das águas sobrantes da mina que estava canalizada para o terreno dos recorridos.
20) O que foi corroborado pelos depoimentos das testemunhas JL (minuto 03:21 ao minuto 03:30) e J (minuto 18:49 ao minuto 19:25).
21) Os recorridos não ficaram impedidos de ir à mina buscar a água a caneco,
22) Porque depois da realização da canalização da água sobrante para o seu terreno e da existência da água pública, os recorridos não necessitavam ir à mina para buscar água a caneco,
23) Portanto deve assim ser considerado não provados os factos W) e DD) dos factos provados, que acarreta assim extinção da servidão dos recorridos a caneco por desnecessidade.
24) Não ficou provado que os recorridos ficaram decepcionados, tristes e desgostosos.
25) O que foi reforçado pelo depoimento da testemunha M (minuto 15:06 ao minuto 15:22).
26) Ainda mais que não existe qualquer violação do direito dos recorridos por parte da recorrente, como ficou atrás dito.
27) O facto Y deve assim considerar-se não provado.
28) Por último deve-se referir que na época do verão a água da mina diminuía, chegando alguns anos a secar, como ficou provado em sede de audiência de julgamento,
29) Nomeadamente pelos depoimentos das testemunhas M (minuto 05:30 ao minuto 06:15) e C (minuto 05:37 ao minuto 07:15).
30) Assim, o facto g) dos factos não provados deve-se considerar provado.
31) A alteração dos factos provados e não provados atrás referidos acarreta que a acção seja julgada totalmente improcedente e que o pedido reconvencional realizado pela recorrente seja julgado procedente, o que agora se requer.
32) Sem prescindir e no caso que assim não se entenda sempre se dirá que,
33) O valor estabelecido na sentença recorrida para a indemnização dos supostos danos materiais e não materiais dos recorridos é excessivo, pois a recorrente aufere uma pensão que não chega ao valor do salário mínimo (ver documento nº 1).
34) A recorrente teria que entregar o valor da pensão de mais de cinco meses para sufragar o pagamento da referida indemnização.
35) Caso a sentença seja confirmada a recorrente irá ver-se obrigada a apresentar-se à insolvência porque não terá com que realizar o referido pagamento.
36) A recorrente entende que na quantificação da indemnização há que ponderar que a lesante possa realizar o pagamento da mesma,
37) Não devendo o montante indemnizatório a encontrar atingir um valor que redunde numa extrema dificuldade em cumprir ou num convite ao incumprimento.
38) O referido valor deve assim ser reduzido de forma equitativa pelo Tribunal de recurso.
39) O mesmo se diga ao valor que é estabelecido a título de sanção pecuniária compulsória, que a taxa diária corresponde a quase a metade do valor da pensão que aufere a recorrente.
40) A sanção pecuniária compulsória estabelecida na sentença recorrida, traduz-se assim numa ilegítima pressão sobre a recorrente.
41) O valor da sanção não é assim razoável (artigo 829°-A, nº 2 do CC), pelo que deve ser reduzido pelo Tribunal de recurso tendo em vista factores de equidade.
42) A sentença recorrida violou o artigo 829-A, nº 2 do CC.
Nestes termos deve conceder-se provimento ao presente recurso observando as legais consequências…”.
*
Pela ré/recorrida foram apresentadas contra-alegações nas quais pugna pela improcedência do recurso apresentado pelos AA.
*
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes (acima transcritas), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, as questões a decidir são:
- Da Apelação dos AA:
- Saber se deveria ter sido julgada procedente a acção na sua totalidade (com a procedência do pedido formulado em b).
- Da Apelação da Ré:
- Saber se é de alterar a matéria de facto, nos termos por ela propugnado;
- Se perante a matéria de facto alterada é de alterar a decisão em conformidade, com a improcedência total da acção e a procedência da reconvenção;
- Se mesmo perante a matéria de facto provada, haveria que reduzir os valores indemnizatórios, por excessivos.
*
Foram dados como provados na 1ª Instância os seguintes factos:
“A) Os AA são legítimos proprietários do prédio misto, composto por habitação e terreno de cultura, (denominado de campo do lugar), sito no lugar de Suadouro, da freguesia de Cossourado, a confrontar de Norte com Júlio Cândido Vaz Montenegro e Vítor Manuel Vaz Montenegro, de Sul com Sílvio Vaz Montenegro, de nascente Júlio Barros Pereira e de Poente com Caminho Público, inscrito na matriz predial sob o artigo … rústico e … urbano, descrito na Conservatória de Registo Predial sob o n.º … da freguesia de Cossourado.
B) A totalidade do prédio referido em A) adveio à posse dos AA no âmbito dos autos de acção de divisão de coisa comum n.º 15/1997, que correu termos pelo Tribunal de Paredes de Coura.
C) Os RR são proprietários em comum e sem determinação de parte ou direito, do prédio urbano, composto por casa de habitação, dependência e rossios, inscrito na matriz predial da freguesia de Cossourado, sob o art. …, registado na Conservatória de Registo Predial sob o n.º ….
D) O prédio referido em C) adveio à propriedade dos Réus, por dissolução da comunhão conjugal e sucessão hereditária de J.
E) No prédio referido em C) encontra-se implantada uma mina, no fundo da qual existe uma nascente de água.
F) No âmbito do processo ordinário com o n.º172/09.9TBPCR, instaurado pelos AA. contra os RR, as partes transigiram nos termos do acordo constante do documento de fls. 38 a 40, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, nomeadamente: «1º Os autores reconhecem a ré como proprietária da mina em discussão nos autos, da qual brota a água que aqui também se discute. 2.º A ré reconhece aos autores o direito à serventia “ao caneco” das águas da referida mina. 3.º A ré reconhece aos autores o direito de servidão de aqueduto sobre as águas sobrantes da mesma mina. 4.º…”
G) No âmbito dos autos de oposição à execução n.º 172/09.9TBPCR-C, que correu termos sob o n.º 172/09.9TBPCR-D, na qual figuram como exequentes os ora RR, as partes transigiram nos termos do acordo constante de fls. 41 e 42, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e da qual consta, nomeadamente:“1.º As exequentes comprometem-se até final do mês de Julho de 2012, a embutir um tubo com o diâmetro de 15 cm na abertura aludida na al. b) da cláusula quinta da transacção efectuada na acção principal. 2.º O tubo deverá ter um comprimento de 1,5m, a partir do início da abertura até ao cano existente e ficar fixo em todo o diâmetro da referida abertura. 3.º Os trabalhos efectuados serão acompanhados pelos ilustres mandatários das partes.…”
H) No dia 10 de Julho de 2012, os RR fizeram as obras referidas em G), na presença dos seus mandatários.
I) No dia 11 de Julho de 2012, e durante um período de mais de duas semanas, os RR. procederam à construção de um óculo, equipado com um motor eléctrico de captação de águas (com várias argolas em betão).
J) O prédio referido em A. é abastecido pela água da nascente referida em E.
K) Há pelo menos 30 anos, o pai do A. marido efectuou obras para captação e canalização subterrânea da água referida em J., que se estendiam desde a nascente até ao prédio referido em A., passando pela estrada camarária até chegar a um tanque existente no quintal do prédio dos AA.
L) Cuja reparação e manutenção foi feita ao longo de todos estes anos, pelos AA. e seus antecessores, designadamente pelo pai do A. marido.
M) A água referida em J. destina-se à rega do quintal dos AA., e é conduzida até um tanque existente no terreno anexo à habitação e que serve de regadio às culturas de batata, couves, cenouras e cebolas que os AA. semeiam e colhem.
N) Os AA. por si e por seus antecessores, desde há pelo menos 30 anos, vêm explorando e utilizando a água referida em J., à vista e com conhecimento de toda a gente, designadamente dos RR., sem oposição, ininterruptamente, na convicção e comportando-se como seus proprietários.
O) A mina referida em E), tem uma entrada para o exterior.
P) De onde eram conduzidas as águas que seguiam até ao prédio referido em A., ficando as demais para os RR.
Q) O que se manteve durante mais de 20 anos, sem interrupção.
R) No ano de 2005, os AA. e RR. colocaram uma porta de madeira com fechadura na entrada da mina, ficando, pelo menos, os AA. e os RR. com uma chave.
S) O óculo referido em I) localiza-se no terreno dos RR., está ligado à mina referida em E. e compete pelos mesmos recursos hídricos subterrâneos que esta.
T) Encontra-se implantado a 10/11 metros da entrada da mina, segundo uma direcção E-W a N280 – cfr. imagem de fls. 228 que aqui se dá por integralmente reproduzida.
U) Os RR. retiraram a porta de madeira referida em R. e colocaram uma porta de ferro.
V) E não entregaram cópia da chave aos AA.
W) Em consequência os AA. ficaram impedidos de aceder à mina referida em E.
X) No pagamento de custas judiciais, honorários à sua mandatária e deslocações ao Tribunal e escritório dos seus advogados, os AA. despenderam uma quantia não concretamente apurada mas de, pelo menos, € 2.000,00.
Y) Em face dos factos referidos em I), U), V) e W), os AA, ficaram decepcionados, tristes e desgostosos, pois são vizinhos dos RR. e conhecidos de longos anos.
Z) Os RR. utilizam a água da mina referida em E) para dar de beber aos animais e regar as cebolas, batatas, couves, cenouras.
AA) Para além da água referida em E., os AA. recebem água de uma Bouça, conhecida por água do Miradouro, que utilizam para as suas culturas.
BB) E dispõem de água da rede pública.
CC) Há mais de 30 anos, a freguesia de Cossourado, do concelho de Paredes de Coura não dispunha de abastecimento de água da rede pública.
DD) Desde que os RR. procederam da forma aludida em U. e V. que os AA. não utilizam a água da mina ao «caneco»”.
E foram dados como não provados os seguintes:
“a) Nas circunstâncias referidas em R), o vizinho Francisco Montenegro ficou com uma chave da mina.
b) O óculo referido em I. localiza-se na perpendicular do veio da mina referida em E.
c) O poço referido em I. mudou o curso da água.
d) Em consequência dos factos referidos em I), S) e T), os AA ficaram sem água no quintal e tanque.
e) A situação referida na alínea anterior afectou a subsistência das culturas existentes no quintal dos AA.
f) Os RR. utilizam a água da mina referida em E) para gastos domésticos.
g) No Verão, a água da mina, não chegava para os gastos referidos em Z”.
*
Apreciando as apelações apresentadas, dir-se-á:
Considerando que a ré na sua apelação interpõe recurso da matéria de facto, haverá que apreciar previamente o recurso daquela – quanto a essa questão – a fim de se definir previamente qual a matéria de facto assente, sendo com base nela que se apreciarão, depois, as demais questões jurídicas colocadas por ambas as partes.
*
Da impugnação da matéria de facto:
Defende a ré recorrente que o tribunal recorrido deveria ter considerado não provados os factos constantes das alíneas N), S), X), W), V), DO) dos factos provados, e provado o facto constante da alínea g) dos factos não provados.
Diz que em relação ao facto N), não é verdade que os AA/recorridos vêm explorando e utilizando a água da mina na convicção de serem os seus proprietários, pois como consta do dispositivo da sentença recorrida, apenas se declarou que os recorridos são possuidores da água da mina, a qual pertence única e exclusivamente à recorrente, de acordo, aliás, com a prova produzida.
E com razão, adiantamos já.
Cremos mesmo que só por manifesto lapso se consignou tal alínea como provada, já que de toda a decisão recorrida consta, de forma inequívoca – que os AA aceitam, de resto -, que os AA apenas têm um direito de servidão sobre a água sobrante da mina, a qual pertence à ré, assim como a água que a ela acede. Isso mesmo resulta também, de forma clara, da decisão homologatória da transacção efectuada pelas partes nos autos n.º172/09.9TBPCR, em cujas cláusulas 2.º e 3ª a ré reconhece aos autores o direito à serventia “ao caneco” das águas da referida mina e reconhece também aos autores o direito de servidão de aqueduto sobre as águas sobrantes da mesma mina.
Assim sendo, e sem necessidade de maiores considerações, deve ser dada como não provada a alínea N) da matéria de facto provada.
Já quanto ao facto vertido na alínea S) dos factos provados, contrariamente ao defendido pela recorrente, provou-se, pela perícia realizada nos autos (fls. 227 e ss) que o poço aberto pelos RR no seu terreno, em 2012, compete pelos mesmos recursos hídricos que a mina, sendo afirmado pelo sr. perito, textualmente: “…posso referir sem qualquer sombra de dúvida que, quer o poço quer a mina competem pelos mesmos recursos hídricos subterrâneos…”
Ou seja, contrariamente ao defendido pela recorrente, consideramos – tal como aconteceu com a decisão recorrida -, que essa matéria foi esclarecida de forma suficiente nos autos, motivo porque é de manter como provado o facto vertido na alínea S).
Em relação ao facto X) dos factos provados, alega a recorrente que os recorridos não juntaram como deveriam nenhum documento que demonstrasse os gastos que suportaram em tribunal, acrescentando que nenhuma das testemunhas inquiridas em audiência de julgamento referiu o valor que os recorridos supostamente despenderam. Por isso, o facto X) dos factos provados deve ser considerado não provado.
Deu-se como provado naquela alínea que “No pagamento de custas judiciais, honorários à sua mandatária e deslocações ao tribunal e escritório dos seus advogados, os AA. despenderam uma quantia não concretamente apurada mas de, pelo menos, €2.000,00”.
Começamos por dizer que a resposta dada a este facto se mostra praticamente irrelevante – no que toca a despesas tidas pelos AA com as custas judiciais e honorários ao seu mandatário -, dado o que ficou a constar do dispositivo final da decisão recorrida:
“c. Condeno os réus a pagarem aos autores a título de indemnização pelas deslocações ao tribunal e ao escritório dos mandatários, no âmbito da presente acção, a quantia que se apurar em posterior liquidação.”
No seguimentos, aliás, do que consta do corpo da decisão, em sede de integração dos factos ao direito aplicável: “No âmbito dos danos patrimoniais os autores englobaram uma série de despesas sem descriminar o valor de cada uma delas. Assim, reclamam as despesas inerentes a custas judiciais, honorários à sua advogada e deslocações ao tribunal e ao escritório dos mandatários.
Ora, tanto as taxas de justiça pagas como os honorários do mandatário da parte que obtém ganho de causa são recuperados (total ou parcialmente) através das custas de parte (artigos 533º, nº 2, alínea d) do Novo Código de Processo Civil e 25º e 26º do Regulamento das Custas Processuais), pelo que tem sido entendimento jurisprudencial maioritário que não é atendível a consideração desses valores através da formulação de um pedido indemnizatório específico dirigido aos mesmos.
Restam as despesas com as deslocações ao tribunal e ao escritório dos mandatários cujo valor em concreto não se provou e nem se apuraram factos capazes de auxiliar à sua fixação equitativa nos termos previstos no nº 3 do art. 566º do CC – p. ex, o número de deslocações e as distâncias percorridas.
Assim, relega-se para posterior liquidação o apuramento desta quantia (art. 358º e ss., do CPC)…”.
Ora, atento o exposto, a redacção da alínea X) afigura-se-nos praticamente irrelevante – no que respeita às despesas tidas pelos AA com custas judiciais e honorários –, restando apenas as despesas com deslocações a tribunal e ao escritório dos mandatários, as quais ficaram provadas, pela prova testemunhal produzida.
Assim, reanalisados os depoimentos prestados pelas testemunhas dos AA, a testemunha José de Morais, anterior membro da junta de freguesia de Cossourado e habitante da freguesia há 52 anos, referiu ao tribunal que tem conhecimento que toda esta situação tem feito os AA incorrer em despesas, de montante que não sabe ao certo, mas que deverá ser de pelo menos €2.000,00.
O mesmo se passou com a testemunha MF, sobrinha dos autores, que garantiu ao tribunal que os tios têm gasto bastante dinheiro, não sabendo concretizar a quantia em causa mas reputa-a como certamente superior a € 2.000,00, porque já teve processos em tribunal e tem a noção de quanto gastou.
Em relação ao facto provado constante da alínea W) – “Em consequência, os AA. ficaram impedidos de aceder à mina referida em E”, que a ré pretende ver dado como não provado, ele é uma evidência, que terá de ser dado como provado, pois se a ré substituiu a porta de madeira da mina por uma de ferro e não deu uma chave daquela porta aos AA, eles ficaram impedidos de aceder á mina (fosse para que fins fosse).
O mesmo se não passa já com o facto vertido na alínea DD) “Desde que os RR. procederam da forma aludida em U. e V. que os AA. não utilizam a água da mina ao caneco”, tendo ficado sobejamente demonstrado, pelos depoimentos de todas as testemunhas ouvidas, que há muito tempo (sem se precisar desde quando) que os AA deixaram de ir buscar água ao caneco à mina -, assim como os demais moradores da freguesia –, e não apenas depois que a ré mudou a porta da entrada da mina – o que terá ocorrido, segundo algumas testemunhas, desde a implantação da rede de abastecimento de água da Câmara na freguesia de Cossourado.
Assim, a testemunha JL, irmão do autor, confirmou ao tribunal que há pelo menos 30 anos os autores iam buscar água ao caneco à mina para uso doméstico, dado que não dispunham na freguesia de rede pública, o que deixou de acontecer depois da implantação daquela rede.
A testemunha J confirmou também esse facto, afirmando que as pessoas daquelas redondezas, inclusive os autores e seus antecessores, costumavam ir buscar água ao caneco à mina, para uso doméstico, sendo que nesta altura esta não tinha porta e que a água da rede pública existe há cerca de trinta anos.
A testemunha MF, sobrinha do autor, que nasceu e morou na casa que hoje pertence aos autores, confirmou também que, tal como os outros vizinhos, ia buscar água ao caneco para os usos domésticos à mina quando não havia água canalizada, o que já não acontece hoje em dia.
Também a testemunha C, actualmente com 67 anos, relatou ao tribunal que vive desde os seus 10 anos naquela freguesia e que era usual os vizinhos, e também os autores e seus antecessores, irem buscar água ao caneco à mina, o que passou a acontecer com menos frequência desde que há água da rede pública, sendo que há mais de 5/6 anos que ninguém mais a foi buscar.
A testemunha JC, referiu também que era costume os vizinhos irem buscar água ao caneco à mina, pois não havia água da rede pública a qual existe desde há cerca de 30 anos.
Ora, de toda a prova produzida resulta, cremos que de forma evidente, que a serventia da água ao caneco deixou de ser usada, quer pelos AA quer pelos demais moradores da freguesia, depois que foi instalada a rede pública de abastecimento de água ao domicílio, pelo que não foi por causa do fecho da porta da mina que os AA deixaram de ir ali buscar a água.
Consideramos, assim, que o facto vertido na alínea DD) da matéria de facto provada deverá ser dado como não provado.
Considera também a recorrente que o facto vertido na alínea Y) deve considerar-se não provado.
Diz que não ficou provado que os recorridos ficaram decepcionados, tristes e desgostosos, o que foi reforçado pelo depoimento da testemunha MV, sendo certo também que não existe qualquer violação do direito dos recorridos por parte da recorrente.
Mas esse facto ficou demonstrado, cremos que de forma cabal, pelo depoimento das testemunhas ouvidas.
Confirmou esse facto a testemunha J, ao referir que toda esta situação implica transtornos para os autores, os quais andam nervosos e apreensivos; a testemunha MF, que referiu também que os tios têm andado tristes e incomodados com toda esta situação; e a testemunha MA, que também referiu que toda esta situação tem sido um transtorno para os autores que andam nervosos e chateados.
Dizem-nos também as regras da experiência que estas questões de conflitos de vizinhança trazem aborrecimentos e chatices, pelo que este facto não merece ser alterado.
Finalmente, considera a recorrente que o facto g) dos factos não provados deve considerar-se provado.
Diz que ficou provado que na época do verão a água da mina diminuía, chegando alguns anos a secar, como ficou provado em sede de audiência de julgamento, nomeadamente pelos depoimentos das testemunhas M e C.
Mas não cremos que assim tenha sido.
O que consta do facto vertido no ponto g) é que “No Verão, a água da mina não chegava para os gastos referidos em Z” constando desta alínea que “Os RR. utilizam a água da mina referida em E) para dar de beber aos animais e regar as cebolas, batatas, couves, cenouras”.
Ora, nenhuma das testemunhas indicadas pela recorrente garantiu esse facto ao tribunal, limitando-se ambas a referir, muito genericamente, que durante o Verão o caudal da água da mina diminuía e por vezes secava, o que se nos afigura uma prova muito parca para dar tal facto como provado (com o alcance que o mesmo tem), pelo que é de manter o mesmo como não provado.
*
Feitas as alterações à matéria de facto, ficam então eliminadas as alíneas N) e DD) dos factos provados e acrescentados os factos das mesmas alíneas aos factos não provados (alíneas h) e i), sendo à luz da nova matéria de facto assente que irão ser apreciadas as questões colocadas nos autos por ambas as apelações.
*
Da improcedência do pedido formulado pelos AA na alínea b):
Pediam os AA na alínea b), que se “Condene os RR a restituírem aos AA a água que beneficia o seu prédio e que ilicitamente foi captada (…), na situação em que se encontrava anteriormente, ou seja, antes de levarem a efeito as obras e trabalhos realizados a partir de 10 de Julho e a canalização ali colocada, demolindo o óculo construído e retirando o respectivo motor de captação”.
Consideram os AA/recorrentes que a decisão em causa, ao não condenar os RR naquele pedido, enferma de omissão quanto às circunstâncias em que a água é represada e conduzida para o prédio dos AA, nomeadamente quanto à existência do motor de captação, o que entra em manifesta contradição com o decidido na alínea a) e e) da decisão recorrida.
Claro que a omissão e a contradição a que os AA se referem, embora invoquem no final das conclusões de recurso o artº 615º, alíneas c) e d) do CPC, não é a omissão e a contradição da decisão, em termos de vícios formais da mesma – vícios de que trata aquele dispositivo legal –, resultando antes de todas as conclusões e alegações de recurso que os recorrentes se querem referir à omissão e contradição entre pedidos ou entre pretensões por si deduzidas, defendendo que não poderá ser assegurado o seu direito às águas sobrantes – que lhes foi reconhecida pela sentença homologatória proferida nos autos nº 172/09.9TBPCR - sem a condenação dos RR a demolirem a obra efectuada, que, na sua ótica, vem impedi-los de usar plenamente a servidão de aqueduto que lhes foi reconhecida naquela decisão, transitada em julgado.
A questão é, assim, de mérito, de eventual erro de julgamento e não de vícios formais da decisão (que não se verificam, como é bom de ver, não podendo ser para aqui convocado o disposto no artº 615º do CPC).
Vejamos então se foi bem decidida a pretensão dos AA formulada na alínea b) do pedido – e que o tribunal recorrido julgou improcedente.
Como consta das alíneas E) F) e G) da matéria de facto provada, no prédio referido em C) (pertencente aos RR) encontra-se implantada uma mina, no fundo da qual existe uma nascente de água; no âmbito do processo ordinário com o nº 172/09.9TBPCR, instaurado pelos AA. contra os RR, as partes transigiram nos termos do acordo constante do documento de fls. 38 a 40, do qual consta, nomeadamente, que “Os autores reconhecem a ré como proprietária da mina em discussão nos autos, da qual brota a água que aqui também se discute; que a ré reconhece aos autores o direito à serventia “ao caneco” das águas da referida mina; e que a ré reconhece aos autores o direito de servidão de aqueduto sobre as águas sobrantes da mesma mina…”
Subscrevemos, nesta matéria, as considerações tecidas na decisão recorrida sobre o acordo celebrado entre as partes no aludido processo, no sentido de que “Nos termos do disposto no art. 284º, do CPC, a transacção modifica o pedido ou faz cessar a causa nos precisos termos em que se efectue. A sentença homologatória de transação é uma sentença de mérito, que faz caso julgado material relativamente à matéria do litígio (…).
(…) No âmbito da acção identificada na alínea F) dos factos provados, as partes reconheceram que os autores são titulares de um direito de servidão, em claro prejuízo do direito de propriedade que tinha sido peticionado.
Tendo a transacção como meta concertar a divergência das partes, com mútuas cedências, quanto aos direitos relativamente aos quais se arrogavam na acção, o desejado consenso foi obtido com a redução do pedido dos autores quanto ao direito de propriedade ou compropriedade.
Nesta medida, por força do caso julgado que se formou naqueloutro processo quanto à relação material controvertida, propendemos a entender que nesta acção está vedado o reconhecimento do direito de propriedade de que se arrogam, indevidamente, titulares.
Na verdade, o domínio e a posse sobre a água da mina agora em discussão nesta sede só podem ser vistos como os próprios daquele direito de servidão (…).
Transitada em julgado a sentença homologatória de transacção, a força obrigatória da correspondente decisão sobre a relação material controvertida impõe-se dentro e fora do processo, nos limites fixados pelos arts. 580.º e segs. (art. 619.º, n.º 1, do CPC)(…).
Definiu-se, assim, cremos que em termos pacíficos, o direito dos AA sobre as águas sobrantes da mina (ou melhor sobre as águas sobrantes da nascente que afluem à mina) existente no prédio dos RR.
Acrescentaremos apenas que o reconhecimento aos AA, por parte da ré, do direito de servidão de aqueduto sobre as águas sobrantes da mesma mina, lhes confere, de facto, um verdadeiro direito às águas sobrantes da mina, como vem sendo entendido de forma pacífica, quer na doutrina, quer na jurisprudência, de que não pode haver um direito de servidão de aqueduto sem o correspondente direito às águas conduzidas pelo dito aqueduto.
De facto, como refere José Cândido de Pinho (“As águas No Código Civil, Almedina, 1985, pág., 193), a servidão de aqueduto “porque se prende com a condução (conduz-se algo) carece da existência, prévia ou simultânea, de um direito à água que se quer conduzir. Nesta perspectiva, a servidão é sempre um acessório do direito à água. A vida dela pressupõe a deste.
Ora, cientes do seu direito, entendem os AA que a construção do poço levada a cabo pelos RR (enquanto representantes da ré) lhes coartou esse direito.
E é essa, cremos, a questão fulcral a decidir nesta acção, competindo-nos apurar se, à luz da matéria de facto provada, houve a violação do direito dos AA por parte dos RR.
Recorrendo, uma vez mais, à matéria de facto provada, da mesma consta que: No prédio referido em C) encontra-se implantada uma mina, no fundo da qual existe uma nascente de água; Os RR. procederam à construção de um óculo, equipado com um motor eléctrico de captação de águas (com várias argolas em betão); O óculo referido em I) localiza-se no terreno dos RR., está ligado à mina referida em E e compete pelos mesmos recursos hídricos subterrâneos que esta.
E consta como não provado que: O poço referido em I. mudou o curso da água; Em consequência dos factos referidos em I), S) e T), os AA ficaram sem água no quintal e tanque; A situação referida na alínea anterior afectou a subsistência das culturas existentes no quintal dos AA.
Ora, de acordo com a matéria de facto – provada e não provada -, não podemos afirmar que o direito dos AA tenha sido perturbado com a construção do poço, levada a cabo pelos RR., que podem, legalmente, proceder à construção de obras de captação subterrâneas de águas no seu prédio, livremente, desde que as mesmas não afetem os direitos de outrem.
A não ser que desintegradas, por lei ou por negócio jurídico, da propriedade da superfície, as águas subterrâneas constituem, nos termos e limites estabelecidos no artigo 1344º, parte componente do prédio em que corram ou se encontrem estancadas.
Estipula ainda o artº 1394º, nº 1, do Código Civil que “É lícito ao proprietário procurar águas subterrâneas no seu prédio, por meio de poços ordinários ou artesianos, minas ou quaisquer escavações, contanto que não prejudique direitos que terceiro haja adquirido por título justo”, acrescentando o nº 2 do mesmo preceito que “Sem prejuízo do disposto no artº 1396º, a diminuição do caudal de qualquer água pública ou particular, em consequência da exploração de água subterrânea, não constitui violação de direitos de terceiros, excepto se a captação se fizer por meio de infiltrações provocadas e não naturais”.
Resulta assim da letra da lei que o proprietário de um terreno pode explorar as águas existentes no subsolo desse terreno, desde que com essa exploração não afete direitos de terceiros.
Há, no entanto que distinguir, face á letra da lei, as duas espécies de infiltrações de águas no solo a ter em conta: as naturais, que dão lugar à formação de bolsas e veios e as artificiais, devidas à acção do homem, para efeito de escoamento ou desvio de corrente ou veio subterrâneo para prédio vizinho (Mário Tavarela Lobo, Manual do Direito das Águas, 2ª ed. 1999 p. 77); a limitação do direito, poder ou faculdade do proprietário regulado no artigo 1394º só respeita a estas últimas (Pires de Lima e Antunes Varela Código Civil Anotado, III, 2 ed. p. 324, nota 8 ao artigo 1394º e Mário Tavarela Lobo, ob citada, p. 79).
Ou seja, o dono do prédio onde existe a água subterrânea pode livremente aproveitá-la e explorá-la, salvo o disposto no artigo 1394.°, n.° 1, do Código Civil. Se a exploração dessa água fizer diminuir o caudal da água particular da nascente, só haverá violação do direito do dono desta se a captação se fizer por infiltrações provocadas e não naturais.
A questão está em saber em que medida a procura de águas subterrâneas pelo dono do prédio, através de poços – ordinários ou artesianos -, minas ou quaisquer escavações, pode prejudicar direitos de terceiros, questão que a lei não resolve, deixando essa concretização para a doutrina e a jurisprudência.
José Cândido de Pinho (ob citada) afirma: “Não pode (…) contestar-se, que quem tem a propriedade do solo tem também a propriedade de tudo o que está acima e abaixo da superfície (…). Aquele direito, na demonstrada plenitude, permite ao proprietário a possibilidade de no prédio abrir minas, poços e fazer escavações, para captar as águas ali existentes. Ninguém lhe pode coarctar a liberdade de exercício do direito de transformação, bem ilustrado no artigo 1348.º, com exclusão de qualquer outra pessoa …».
E acrescenta: «O dono do prédio onde a fonte ou a nascente existam, ainda que ambas alimentadas por águas não nativas desse prédio, detém, por regra, na sua esfera jurídica, a propriedade destas. O desvio ao princípio situa-se na possibilidade que existe de outrem, sobre elas, deter um poder soberano, que bem pode ser o de propriedade (…) ou de servidão (…)”.
Ou seja, haverá que averiguar previamente se sobre as águas subterrâneas existentes em determinado prédio existe um direito constituído de terceiro que possa ser afectado pela exploração feita pelo dono do prédio onde a obra seja levada a cabo. Se esse direito existe, o dono do prédio onde se faça a dita escavação ou exploração, deverá respeitá-lo.
A tese dos AA é essa: a de que a construção do poço por parte dos RR lhes coartou o seu direito à agua – o direito às sobras da água da mina -, cujo caudal foi afectado pela captação da água do poço.
Mas não lograram provar tal facto.
É certo que ficou provado que os réus procederam à construção de um poço, localizado no seu prédio, equipado com motor eléctrico de captação de águas, o qual está ligado à mina e compete pelos mesmos recursos hídricos subterrâneos que esta.
Ora, estando o poço ligado à mina (à qual acede a água que brota da nascente situada no fundo da mesma), e competindo ambos – mina e poço - pelos mesmos recursos hídricos subterrâneos (a tal nascente) haveria a possibilidade de o caudal de água que aflui à mina ser agora menor, dado que o poço (e o motor que a capta) a pode ir buscar à nascente.
Mas tal facto não ficou provado (sendo muito impressivas as considerações tecidas pela Exma sra. Juíza - na fundamentação da matéria de facto - sobre a prova pericial realizada, que não permitiu concluir pela diminuição do caudal de água, com o motor do poço a funcionar e/ou desligado).
Aliás, foram dados como não provados os factos relacionados com essa matéria – com os quais, de resto os AA se conformaram -: que a construção do poço tenha alterado o curso da água, e que em consequência da captação da água da nascente através do poço, os AA. tenham ficado privados de água no seu quintal e tanque, o que nos leva a concluir que os AA continuam a beneficiar das sobras da água da mina como antigamente.
Teremos então de concluir, como na decisão recorrida, que “…a factualidade provada impede que se conclua que a construção do poço é objectivamente violadora do direito de servidão dos autores, muito menos ao ponto de ser ordenada a sua demolição. Em consequência, o pedido deduzido na alínea b) do petitório deve improceder”.
Tal improcedência do pedido formulado na alínea b) não colide também, contrariamente ao defendido pelos AA, com a procedência dos demais pedidos, constantes da outras alíneas da decisão, nomeadamente com a alínea a) – que reconhece o direito de servidão dos AA sobre as águas sobrantes da mina, nem impede também os RR de livremente explorarem as águas no subsolo do seu prédio, desde que o façam sem colisão dos direitos dos AA.
Improcedem, assim, as conclusões de recurso dos AA quanto a esta matéria.
*
Do pedido reconvencional da ré, de extinção dos direitos de servidão:
No que se refere aos pedidos formulados pela ré, por via reconvencional, foram os mesmos julgados improcedentes, pugnando aquela, na presente apelação, pela sua procedência – embora direccione a sua alegação apenas para a extinção da serventia de água “a caneco”, por desnecessidade.
Efetivamente, nas suas alegações de recurso pedia a ré que se dessem como não provados os factos vertidos nas alíneas W) e DD) dos factos provados, o que acarretava a extinção da servidão dos recorridos da água “a caneco” por desnecessidade.
Mas sem razão.
Os AA têm, de facto, um direito de serventia “ao caneco” das águas da referida mina, que lhes foi reconhecido pela própria ré na transacção que efectuaram no processo nº 172/09.9TBPCR, direito esse que pode ser tido como uma “servidão de águas para usos domésticos”, reconhecida legalmente no artº 1557º do CC.
Não vemos é como ela possa ser extinta, por desnecessidade, por falta de verificação dos respectivos pressupostos legais (taxativamente elencados no artº 1569º do CC), os quais, de resto, os AA não invocam, mas apenas, de uma forma muito vaga, a da sua desnecessidade.
De notar ainda é o facto de a transacção na qual a ré reconhece aos AA o direito de servidão da água “ao caneco” ser de 14.9.2010, sendo a contestação onde é formulado o pedido reconvencional de 31.10.2012, não tendo sido alegado nenhum facto – ocorrido nesses dois anos – que tenha levado à pretendida desnecessidade da servidão, sendo certo que, segundo a ré, a desnecessidade da mesma servidão terá ocorrido há cerca de 30 anos, na altura em que a água da Câmara foi canalizada.
É certo que Mário Tavarela Lobo (Manual do Direito de águas, vol II, pag. 316) admite a possibilidade de alargamento das causas de extinção das servidões elencadas, ao referir que “Além dos factos jurídicos extintivos das servidões enumeradas no artº 1569º do CC outras causas apresentam os autores. Se o proveito da servidão se torna impossível ou inútil por impossibilidade do uso das coisas, a servidão extingue-se, quer tal impossibilidade de uso se verifique nos prédio dominantes ou servientes, quer em prédio de terceiro”.
E cita exemplos: “A perda do prédio dominante ou do prédio serviente por inundação, terramoto, etc. a arrematação do prédio serviente se a servidão não se encontrava registada e o registo era necessário para produzir efeitos perante terceiros, etc. etc. são outras tantas causas de extinção das servidões”.
Ora, não podemos também enquadrar o caso dos autos em nenhuma da situações admitidas por aquele autor – casos que poderíamos apelidar de força maior ou de alteração anormal das circunstâncias.
Nenhum reparo temos, assim, a fazer à decisão recorrida, quanto a este pedido, que não encontra apoio legal para a sua procedência, pelo que improcedem também as conclusões de recurso nesta matéria.
*
Dos danos não patrimoniais em que a ré foi condenada:
Pediram também os AA nesta acção que se condenasse os RR a pagar-lhes uma indemnização, no total de €5.500,00, a título de danos patrimoniais e morais, pelo facto de, abusivamente, terem privado e captado a água, propriedade dos AA, e ali efectuado construções.
Alegaram para o efeito que com a conduta dos RR ficaram os AA decepcionados, tristes e desgostosos com aqueles, pois são vizinhos e conhecidos de longos anos, o que consubstancia um dano não patrimonial elevado, tutelado juridicamente, e que se avalia no montante mínimo de € 3.000,00 em virtude de tudo pelos quais os RR são responsáveis.
*
Quanto aos danos não patrimoniais ficou provado nos autos que “Em face dos factos referidos em I), U), V) e W), os AA ficaram decepcionados, tristes e desgostosos, pois são vizinhos dos RR. e conhecidos de longos anos”.
E com base nesse facto o tribunal condenou a ré no pagamento aos AA da quantia de € 1.500,00 a título de danos não patrimoniais, considerando que “Sobre os danos não patrimoniais estabelece o artigo 496º, nº1, do Código Civil, que deve atender-se aqueles que pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, sendo a compensação a atribuir, a esse título, fixada a partir das circunstâncias enunciadas no nº3, do citado normativo e artigos 494º e 566º, do Código Civil, que são o grau de culpabilidade do agente, a situação económica dele e as demais circunstâncias, entre as quais está a gravidade da lesão (assim, Vaz Serra, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 113º, p.96).
Os danos não patrimoniais que os autores sentiram, assumem alguma gravidade, pelo que merecem a tutela do direito, nos termos conjugados dos artigos 496º, nºs1 e 3, 494º e 566º, nº1, todos do Código Civil.
Assim sendo, não se afigurando possível a reconstituição natural, e tendo em conta o critério supra definido, afigura-se-nos adequado computar os danos não patrimoniais sofridos pelos autores na quantia de €1.500,00”.
Pedia a recorrente nesta apelação, em primeira linha, que a acção fosse julgada totalmente improcedente. Sem prescindir, e no caso de assim se não entender, considera que o valor estabelecido na sentença recorrida para a indemnização dos supostos danos não materiais é excessivo, devendo ser reduzido.
E temos de dar razão à recorrente, no sentido da improcedência deste pedido.
Preceitua-se no art. 496º do C.Civil que na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
Como decorre da letra da lei – e tem sido considerado, de forma pacífica, pela doutrina e pela jurisprudência – são ressarcíveis apenas os danos que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, e que como já se escrevia no Acórdão do STJ de 12.7.1988, os danos não patrimoniais indemnizáveis devem ser seleccionados com extremo rigor, devendo medir-se em primeira linha a gravidade por um padrão objectivo, embora se deva levar depois em conta também as circunstâncias concretas do caso em análise.
Oportuno nos parece ser também a consideração dos Acs da Relação de Coimbra, de 21.3.2013 e de 28-05-2013 (disponíveis em www.dgsi.pt), de que os danos consequentes a lesões a direitos de personalidade devem ser considerados mais graves do que os resultantes de violação de direitos referidos a coisas.
A doutrina e a jurisprudência tem-se pronunciado também no sentido de que o artº 496º do CC deve ser interpretado por forma a que os simples incómodos ou contrariedades (inerentes, por norma a qualquer demanda judicial) não justifiquem a indemnização por danos não patrimoniais (Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 3ª edição, Coimbra Editora, 1982, pág. 473, citando vários acórdãos do STJ e Capelo de Sousa, O Direito Geral da Personalidade, pags. 555 e 556), defendendo aquele primeiro autor (Das Obrigações em Geral, vol. I, 9ª edição, Almedina, pág. 628, nota 1) que admitir a reparação de todos os danos não patrimoniais seria abrir uma porta por onde passariam os maiores absurdos.
Ora, à luz da orientação seguida, a noção corrente de uma simples contrariedade ou incómodo traduz normalmente um nível de gravidade objectiva insuficiente para os efeitos do nº 1 do art. 496º do CC.
Ou seja, não são todos os desgostos, dores e sofrimentos que têm a gravidade suficiente para merecerem a tutela do direito, mas só alguns desses desgostos, particularmente graves (Ac RL de 2-02-2006 e Ac RC de 08-02-2011, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).
Ora, no caso dos autos, consideramos que os danos sofridos pelos AA – que ficaram decepcionados, tristes e desgostosos, pois são vizinhos dos RR. e conhecidos de longos anos – não são de tal forma graves que mereçam a tutela do direito e, como tal, que sejam susceptíveis de serem reparados em termos indemnizatórios (como se considerou na decisão recorrida).
Desde logo, há que atentar que o principal motivo da deceção, tristeza e desgosto dos AA – a construção do poço levada a cabo pelos RR – foi lícita e não lhes causou o prejuízo que eles alegaram ter sofrido - a privação das águas sobrantes da mina, e que ficaram sem água no quintal e no tanque, o que lhes afetou a subsistência das culturas ali existentes.
No mais, não resultou também provado (com a matéria de facto alterada), que foi desde que os RR. retiraram a porta de madeira da entrada da mina e lá colocaram uma porta de ferro, sem terem entregue uma cópia da chave aos AA., que eles deixaram de utilizar a água da mina ao caneco, pois ficou provado que embora tenham esse direito – que lhes foi reconhecido pela ré – já não vão buscar água à mina dessa forma há alguns anos.
E também não ficou provado nenhum dano sofrido pelos AA com a falta de acesso à mina – embora tenham o direito de a ela aceder.
Ou seja, o sofrimento dos AA – apesar de não merecer, em nosso entender, a tutela do direito -, também não encontrou respaldo em nenhuma violação, por parte dos RR, dos direitos que lhe foram reconhecidos, pelo que, por esse motivo, nunca seria de lhes atribuir qualquer indemnização.
Procedem, assim, nesta parte as conclusões do recurso dos apelantes RR
*
Da sanção pecuniária compulsória:
Pediam finalmente os AA que se condenasse os RR. no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória por casa dia de atraso no (in) cumprimento da obrigação, no montante de €250,00 diários, a seu favor, por forma a que a obrigação dos RR. fosse efectivamente cumprida, desde a citação até que os RR retirassem todas as obras efectuadas, nos termos do art. 829-A n.º 1 do CC.
E o tribunal condenou-os na sanção pecuniária compulsória, na quantia diária de €150,00 (cento e cinquenta euros) até que se mostre integralmente cumprida a obrigação estipulada em b) – que os RR restituam aos autores o uso e posse da água, designadamente procedendo à imediata abertura da porta de acesso à mina e à entrega de uma chave de acesso aos Autores.
E nenhum reparo temos a fazer em relação à condenação efectuada.
Reconhecido que está o direito dos AA à serventia “ao caneco” das águas da mina, assim como o direito de servidão de aqueduto sobre as águas sobrantes da mesma mina, eles têm o correspondente direito de aceder à mesma para poderem usufruir desses direitos, pelo que deverão os RR proceder à imediata abertura da porta de acesso à mina ou à entrega de uma chave de acesso aos Autores.
O valor em causa – de € 150,00 diários – também não nos parece excessivo, dado que a sua função é precisamente a de “constranger e determinar o devedor recalcitrante a cumprir a sua obrigação”, como consta da sentença recorrida, pelo que, verificado que seja o cumprimento da obrigação – como se pretende –, nenhuma relevância terá para a situação económica da ré o valor da sanção aplicada.
Improcedem, assim, nesta parte, as conclusões de recurso da ré.
*
Sumário:
I – Assiste à ré o direito de abrir um poço num terreno seu, para captação de águas subterrâneas, mesmo a competir com os mesmos recursos hídricos de uma mina também existente no mesmo prédio, desde que essa captação da água não prejudique o direito de servidão dos AA sobre as águas sobrantes da mina;
II – Não são indemnizáveis, como danos morais, a deceção, a tristeza e o desgosto dos AA, por não terem gravidade suficiente que mereçam a tutela do direito, à luz do artº 496º do CC.
III – Nunca seriam também indemnizáveis tais danos, por os mesmos não corresponderem à violação dos direitos dos AA, alegadamente levada a cabo pelos RR.
*
Decisão:
Pelo exposto, julga-se improcedente a Apelação dos AA
Custas (da Apelação daqueles) a cargo dos mesmos.
Julga-se parcialmente procedente a Apelação dos RR e altera-se a condenação da alínea c) da sentença recorrida no seguinte sentido:
“c. Condeno os réus a pagarem aos autores a título de indemnização pelas deslocações ao tribunal e ao escritório dos mandatários, no âmbito da presente acção, a quantia que se apurar em posterior liquidação”.
Mantém-se, no mais, a decisão recorrida.
Custas (da Apelação dos RR a cargo de ambas as partes, na proporção do respectivo decaimento).
Notifique.
Guimarães, 11.5.2017.