Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2734/10.2TJVNF-A.G1
Relator: JOSÉ AMARAL
Descritores: TESTEMUNHAS
INABILIDADE PARA DEPOR
COMPARTES
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/18/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1. Por serem compartes, estão impedidos de depor como testemunhas, nos termos do artº 496º, do CPC, os credores reclamantes impugnantes da Lista apresentada pelo Administrador de Insolvência, sobretudo quando os fundamentos, de facto e de direito, da impugnação e o objectivo da mesma são comuns.
2. A incumbência que o artº 411º, do CPC, comete ao juiz de realizar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, não constitui um dever que se sobreponha ou substitua ao ónus de prova a cargo das partes nem destinado a colmatar o fracasso destas.
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

Na sequência de ter sido decretada a insolvência de B., Ld.ª, veio a Administradora nomeada (AI), em 07-04-2011, apresentar a relação de credores, a que se refere o artº 129º, do CIRE, que, depois de corrigida, é a que consta a fls. 189 e 190 dos autos.

Entre os vários credores aí reconhecidos está o aqui apelante C., este, tal como os demais reclamantes de créditos com origem em relação laboral, apenas com privilégio mobiliário geral.

A tal lista foram apresentadas as impugnações pelos vários credores/trabalhadores, em articulados distintos, representados pela mesma Advogada, e, entre eles, o apelante C. (fls. 193 a 233).

Alegou este, além do mais, que, conforme sua reclamação, prestou serviço para a insolvente, como marceneiro, em todos os imóveis apreendidos que são propriedade desta, nomeadamente nos situados na freguesia de …, em Guimarães, e nas freguesias de … e …, em Vila Nova de Famalicão, pelo que o seu crédito goza de privilégio imobiliário especial, uma vez que tais imóveis estão afectos à organização empresarial e não excluídos da actividade daquela.

Renovou o rol de testemunhas apresentado, constituído por três dos demais credores reclamantes reconhecidos, mas igualmente impugnantes, aliás reiterado a fls. 366.

Depois de múltiplas diligências instrutórias oficiosamente ordenadas pelo tribunal a quo a pretexto da determinação do local de trabalho dos impugnantes e subsequentes ao despacho de 18-12-2012 (fls. 267), maxime junto do ex-Gerente, da AI e da Segurança Social, da obtenção de documentos relativos aos prédios, de pronúncia sobre o seu resultado pelas partes e de os impugnantes terem reiterado e desenvolvido a sua tese fáctica, por despacho de 02-03-2015 (fls. 462) foi designada audiência prévia, em que, gorada a tentativa de conciliação, se fixou o valor da causa, se proferiu saneador tabelar, se fixou o objecto do litígio na “averiguação da existência do privilégio imobiliário especial” e se determinaram como temas de prova (fls. 465): “a averiguação do tipo de serviço prestado pelos trabalhadores nos imóveis em causa nos autos, se o mesmo se enquadra no objecto social da insolvente, ou se, pelo contrário, apenas prestaram serviço na sede da empresa de fls. 271”, tendo sido admitidos os meios de prova requeridos, incluindo, sem excepção, os róis de testemunhas, e designada data para a audiência final.

Entretanto (fls. 479), o ora apelante requereu a alteração do seu rol de testemunhas, substituindo todas as antes apresentadas, mas igualmente por outras tantas também nestes autos credoras reclamantes, reconhecidas e impugnantes.

No decurso da audiência de julgamento, que se realizou em 27-05-2015, nos termos e com as formalidades descritas na acta de fls. 566 a 569, depois de ouvida a AI, de tomados dois depoimentos de parte e de ouvidas testemunhas arroladas pelas demais partes, foi proferido, na presença de sua mandatária, logo notificada, o seguinte despacho exarado na acta: “Uma vez que as testemunhas arroladas, pelos credores impugnados, são partes nos processo, não se admite a sua inquirição”.
Seguidamente, por sentença sem data, exarada a fls. 570 a 583 dos autos, foi decidido, além do mais:
-Julgar como facto não provado que “ Os credores impugnantes prestaram serviço para a insolvente nos imóveis desta sitos na freguesia de …, concelho de Guimarães, e nas freguesias de …e …, ambas do concelho de Vila Nova de Famalicão”;
-Declarar improcedente, “por falta de sustentação probatória, o peticionado pelos credores impugnantes”, designadamente, entre outros, pelo ora recorrente C., “não se reconhecendo que o seu crédito beneficia de privilégio imobiliário especial, nos termos do disposto no art.º 333,1,b) CT, no que toca às verbas 71 a 74.”
O credor reclamante C. (fls. 584 a 587) – e apenas este, note-se –, dizendo não se conformar com a sentença de verificação e graduação, dela interpôs recurso, apresentado via Citius em 26-06-2015, para esta Relação mas expressamente restringido à parte relativa àqueles referidos segmentos decisórios, nas alegações referindo também não concordar com o despacho proferido na audiência de discussão e julgamento que não admitiu a inquirição das testemunhas arroladas por ele e demais credores (ex-trabalhadores) uma vez que são partes no processo, concluindo assim a sua peça:
“1. A sentença recorrida considerou improcedentes as impugnações apresentadas pelo recorrente e demais credores laborais impugnantes.
2. A sentença recorrida declarou improcedente, por falta de sustentação probatória, a atribuição do privilégio imobiliário especial sobre os bens apreendidos para a massa insolvente peticionada pelo recorrente e demais credores laborais impugnantes.
3. Na audiência de discussão e julgamento das impugnações apresentadas o Tribunal a quo não admitiu a inquirição das testemunhas arroladas pelo recorrente por considerar que as mesmas são partes no processo.
4. Cada um dos credores impugnantes, incluindo o recorrente, apresentou individual e separadamente a respectiva impugnação à lista de credores reconhecidos.
5. Existe no processo uma impugnação autónoma para cada um dos credores impugnantes.
6. Cada uma das impugnações apresentadas tem de ser considerada como um incidente autónomo, sendo cada um dos impugnantes parte apenas na impugnação que apresentou e já não nas demais impugnações apresentadas.
7. Cada impugnante tem interesse directo em demandar apenas na impugnação que apresentou, já que só a procedência da sua impugnação terá utilidade para o mesmo.
8. A sentença recorrida recusou injustificadamente a inquirição das testemunhas arroladas pelo recorrente e demais credores laborais impugnantes.
9. Só com a inquirição e apreciação do depoimento das testemunhas arroladas pelo recorrente e demais credores laborais impugnantes poderia a sentença recorrida decidir a procedência ou improcedência do peticionado por cada um dos credores impugnantes.
10. Dispõe o artigo 411º do NCPC que incumbe ao Juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio…
11. O direito à produção de prova resulta da necessidade de se garantir à parte a adequada participação no processo.
12. A sentença recorrida não suportou suficientemente a sua decisão de direito, já que baseou a mesma apenas na prova produzida por uma das partes.
13. A sentença recorrida violou o direito constitucionalmente consagrado à tutela jurisdicional efectiva, previsto no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa.
14. Os presentes autos não decorreram de forma equitativa, já que só foi tida em conta pelo Tribunal a prova arrolada por uma das partes.
15. A sentença recorrida fez incorrecta interpretação e aplicação da lei, nomeadamente dos artigos 411º e 496º do Novo Código de Processo Civil.
16. Face ao défice instrutório, e porque se reporta essencial para uma conclusão e decisão fundamentada a realização de mais diligências probatórias, nomeadamente a inquirição das testemunhas arroladas pelo recorrente, deverá a sentença recorrida ser considerada nula,
17. sendo revogada na parte em que julgou improcedente, por falta de sustentação probatória, o peticionado pelo recorrente e demais credores laborais impugnantes,
18. e, em consequência, ser ordenada a repetição d audiência de discussão e julgamento das impugnações apresentadas, com a observância de todos os formalismos legais, desde logo com a admissão da inquirição das testemunhas arroladas pelo recorrente.
Nestes termos deve o presente recurso ser julgado procedente, com as consequências legais, assim se fazendo a COSTUMADA JUSTIÇA.

Apresentaram contra-alegações os outros credores reclamantes:

-Banco D. (fls. 592 a 596);
-Banco E. (fls. 603 a 608);
-Banco F. (fls. 613 a 618);
-“G., Ldª” (fls. 624 a 629), todos rebatendo os argumentos aduzidos pelo apelante e defendendo a confirmação do decidido.
O recurso foi admitido por despacho sem data exarado a fls. 633, como de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo.
Corridos agora os Vistos legais, cumpre decidir, uma vez que nada a tal obsta.
II. QUESTÕES A RESOLVER
É pelas conclusões que, sem prejuízo dos poderes oficiosos, se fixa o thema decidendum e se definem os limites cognitivos deste tribunal – como era e continua a ser de lei e pacificamente entendido na jurisprudência (artºs 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nº 4, 637º, nº 2, e 639º, nºs 1 e 2, do CPC).

No caso, importa saber se:

a) A sentença é nula e deve repetir-se o julgamento;
b) Deve ela ser revogada, por incorrecta interpretação e aplicação de normas e por violar a Constituição;
c) Se padece de “falta de sustentação probatória” ou insuficiência de fundamentação e deve realizar-se oficiosamente a diligência indeferida.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Além da factualidade de índole processual relevante que resulta do relato anterior e emergente dos autos, importa atentar no que decidiu o tribunal, neste âmbito:

“Após produção de prova, com prestação de depoimentos de parte, pelos legais representantes da insolvente, e audição da prova testemunhal prestada, dão-se como provados os seguintes factos:

1. O Credor Reclamante Banco F., detém hipoteca sobre o imóvel composto por rés-do-chão frente, destinado a comércio, descrito na Conservatória de Registo Predial de Palmela sob o n.º 1243/19890322-B, registada pela Ap. 22 de 2008/10/15 convertida em definitivo pela Ap. 33 de 2008/12/04, que integra a Massa Insolvente.
2. O credor reclamante Banco E. detém hipoteca sobre o Prédio urbano, terreno a mato, sito no lugar do Sobreiro Grosso, na freguesia de Gavião, concelho de V. N. Famalicão, com 3.150 m2, (junto à fábrica) descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 1287 e inscrito na matriz sob o art. 749 rústico, registada pela Ap. 22, de 15-10-08.
3. O credor reclamante Banco D. detém hipoteca sobre o Terreno rústico, de mato e lenha, sito em … concelho de V.N.Famalicão, com 3.150 m2, (junto à fábrica) descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 613 e inscrito na matriz sob o art. 657, registada pela Ap 76 de 10-7-07.

Não se provaram os seguintes factos:
1.Os credores impugnantes prestaram serviço para a insolvente nos imóveis desta sitos na freguesia de …, concelho de Guimarães, e nas freguesias de … e …, ambas do concelho de Vila Nova de Famalicão.
Todos os outros factos alegados foram considerandos conclusivos, de direito, ou irrelevantes para a discussão da causa em apreço.
O tribunal fundou a sua convicção no conjunto da prova prestada.
Por um lado, a Sr.ª AI alegou que a empresa já se encontrava encerrada na altura da sua nomeação, pelo que não pode constatar por si própria o local onde os trabalhadores impugnantes prestavam serviço. Por outro lado, em conversa com os legais representantes daquela, apurou que o serviço dos trabalhadores se resumia ao edifício onde se encontrava instalada a oficina, ou seja, à sede da empresa.
Isto mesmo foi confirmado pelos legais representantes – H. e I. – ouvidos em depoimento de parte. Depuseram com isenção, afirmando que a empresa, dedicada à carpintaria e fabrico de móveis, apenas desenvolvia a sua actividade na oficina, na sede. Os outros imoveis foram adquiridos como investimento, ou, no caso da loja em Palmela, em dação em pagamento por dívidas à insolvente.
As testemunhas ouvidas foram arroladas pelo Banco E. – Pedro e Maria, e Banco D. – John.
As testemunhas, que demonstraram conhecimento de causa, depuseram no sentido de que o imóvel que conheciam – a bouça localizada ao lado da oficina - não tinha qualquer edificação, e se encontrava coberta por vegetação, pelo que nenhuma actividade poderia lá ter sido desenvolvida.
O terceiro, perito avaliador, referiu-se em concreto ao imóvel sito na freguesia de..., em Vila Nova de Famalicão, que também se encontrava tomada pela vegetação, e das 3 visitas feitas, nunca recolheu indício de lá se ter exercido qualquer actividade.”

IV. APRECIAÇÃO/SUBSUNÇÃO JURÍDICA

No que mais directamente respeita ao fixado objecto do litígio, a sentença recorrida, ponderou:

“No caso vertente, importava apurar factos que permitissem atribuir ao crédito reclamado pelos impugnantes a natureza de privilegiado, nos termos do disposto no art.º 333 CT.
Estatui este preceito que “1 - Os créditos do trabalhador emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação gozam dos seguintes privilégios creditórios: a) Privilégio mobiliário geral; b) Privilégio imobiliário especial sobre bem imóvel do empregador no qual o trabalhador presta a sua actividade.
2 - A graduação dos créditos faz-se pela ordem seguinte: a) O crédito com privilégio mobiliário geral é graduado antes de crédito referido no n.º 1 do artigo 747.º do Código Civil; b) O crédito com privilégio imobiliário especial é graduado antes de crédito referido no artigo 748.º do Código Civil e de crédito relativo a contribuição para a segurança social”.
Ora, como se viu, foi feita prova que os impugnantes não prestavam funções laborais noutro prédio que não a sede da empresa.
Nos restantes imóveis aprendidos não era desempenhada nenhuma função pelos impugnantes.
Ora, o crédito destes é, por força das disposições legais ora transcritas, classificado como privilegiado, nos termos da supra citada alínea a) do n.º 1, mas não da alínea b), não prevalecendo, portanto, sobre as garantias hipotecárias existentes.”

Deve, antes de mais, ter-se bem presente que não foi na sentença mas no despacho proferido em acta, datado de 27-05-2015, que o tribunal decidiu que as pessoas pelo apelante (e demais trabalhadores) arroladas como testemunhas tinham a qualidade de partes e que, por isso, não foi admitida a sua inquirição.

Assim sendo, como é, não pode dizer-se, como diz o apelante, que a sentença apelada recusou injustificadamente a inquirição das testemunhas arroladas (conclusão 8ª), ou até de quaisquer testemunhas (qualidade que o despacho anterior – não ela – já havia negado aos seus compartes como tal indciados), nem, por isso, à mesma imputar um correspondente défice instrutório, muito menos a pretensa nulidade fundada numa vicissitude de que ela não tratou, nem tinha de tratar, na medida em que fora antes objecto daquele (conclusão 16ª).

Aliás, as nulidades da sentença estão típica e taxativamente previstas no artº 615º, do CPC, e a nenhuma delas se subsume a hipótese colocada, nem com elas se pode confundir a anulação da decisão de facto com regime e pressupostos (diferentes) traçados na alínea c), do nº 2, do artº 662º (evidentemente referidos a tal decisão tout court e que nada têm a ver com a não produção de um qualquer meio de prova requerido, nada nesse âmbito o apelante invocando nem se vislumbrando capaz de justificar o desencadeamento dos mecanismos aí previstos, já que a mesma se mostra completa, clara e coerente).

Tal como se não podem confundir, mas frequentemente se confundem, as nulidades secundárias subsumíveis ao regime dos artºs 195º, e sgs., nenhuma delas invocada.

Sem cabimento, semelhantemente, se apresenta a alegação de que a sentença interpretou e aplicou incorrectamente o disposto nos artºs 411º e 496º, do CPC (conclusão 15ª), uma vez que nem o impedimento à luz desta última norma foi nela decidido nem se está ante a omissão de diligências necessárias ao apuramento da verdade (em face até de tantas e diversas das que foram realizadas) mas sim face à não admissão de inquirição com fundamento em ilegalidade, que, evidentemente, aquela primeira não serve para contornar.

Inexiste qualquer fundamento legal pertinente (o apelante não o aponta e aquilo que alega não consubstancia qualquer das hipóteses na lei contempladas) capaz de justificar a repetição da audiência de julgamento (conclusão 18ª).

Da falta de sustentação probatória também não pode aquele queixar-se (conclusões 1ª, 2ª e 17ª), uma vez que o facto essencial foi discutido, apreciado e julgado, constando, bem clara e expressamente, tratado ao nível da decisão da matéria de facto como da de direito, não se perfilando qualquer fundamento para que a sentença (como refere tal conclusão) seja “revogada na parte que julgou improcedente …o peticionado pelo recorrente e demais credores laborais”.

Aliás, pedir a revogação de uma sentença depois de defender a sua nulidade carece, em princípio, de sentido lógico e, portanto, de coerência.

A sentença recorrida não violou o artigo 20º, da CRP, na medida em que nenhuma norma refere o apelante ter sido nela interpretada ou aplicada em sentido divergente daquela. E, como se sabe, não é o despacho ou sentença que atentam contra a Constituição. Podem sê-lo, sim, as normas legais em que se eles baseiem (conclusão 13ª).

Não é correcto afirmar que só foi tida em conta a prova arrolada por uma das partes. Desde logo, porque amplas e variadas diligências, até de carácter oficioso, foram feitas no sentido de apurar a verdade dos factos quanto ao tema probatório, e, depois, porque o problema não está na prova que foi ou não foi tida em conta, já que o foi toda a produzida e disponível, mas na inadmissibilidade da requerida pelo apelante, que teve participação activa plena no processo. Deste modo, não se verifica qualquer réstia de iniquidade (conclusões 12ª e 14ª) na condução do processo e na concessão às partes de oportunidades para nele exercerem os seus direitos – o que tem de obedecer sempre aos princípios e regras legais.

Nas demais restantes conclusões, parece, aí sim, querer o apelante discutir e eventualmente alterar o sentido e efeitos daquilo que, anteriormente à sentença, no despacho proferido na audiência, fora decidido (com reflexos que entende, naturalmente, projectados na sentença).

Simplesmente, cabendo dele apelação autónoma à vista da alínea d), do nº 2, do artº 644º, do CPC, há muito que já lá ia o prazo de 15 dias previsto no artº 638º, nº 1, para a interpor quando apresentou este recurso da sentença.

Ainda que, num esforço peregrino, se cogitasse o entendimento de que tal despacho podia ser impugnado na apelação da decisão final, ao abrigo do nº 3, do artº 644º, a verdade é que nenhuma menção sequer é feita no requerimento de interposição de recurso, tal como nas alegações e nas conclusões, a tal intenção ou objectivo. Pelo contrário, apenas em tudo se refere inconformismo com a sentença, apenas se ataca esta (embora com fundamentos que seriam mais adequadamente dirigidos àquele) e só a nulidade e revogação dela se pedem. Nada quanto ao despacho, suposto como definitivo.

De todo o modo sempre se deixa consignado que as pessoas indicadas pelo apelante como “suas” testemunhas são partes no processo (tal como ele, aqui reclamantes de créditos, com a mesma origem, natureza, relativamente a cujo reconhecimento deduziram similar impugnação, com os mesmos fundamentos e pretensão). Disso não há a menor dúvida, nem o apelante, de resto, a coloca, questionando esse entendimento expresso no despacho.

Assim como não diz em que consiste o erro de interpretação e aplicação do artº 496º, do CPC, norma muito clara no sentido de que estão, na verdade, impedidos de depor como testemunhas, os que na causa possam depor como partes, qualidade e possibilidade estas que se nos afiguram indiscutíveis, pois que a impugnação em articulado separado e autónomo não configura incidente individualizado, quer porque, em função das regras do CPC como das do CIRE, tal é inadmissível, quer porque a comunhão de motivos, de argumentos e pretensões, ou seja, de interesses directos, é demasiado óbvia, despindo, naturalmente, cada um da exigível verticalidade e imparcialidade à testemunha responsavelmente exigíveis para relatar sem paixão e com fidelidade factos cuja utilidade e relevo jurídico não se circunscrevem ao pedido singular mas que nos de todos se projectam e a todos aproveitam e, por isso, comprometem.

Partes são as pessoas pelas quais ou contra as quais é requerida uma providência judiciária. Tanto da parte contrária como de compartes (litisconsortes ou coligadas) pode, nos termos dos artº 453º, nº 3, e 452º, nº 1, ser exigida a prestação de depoimento, informações ou esclarecimentos. Logo, é inelutável que os demais reclamantes estavam impedidos, por força do artº 496º, de depor como testemunhas.

Bem justificada foi, por isso, a inadmissibilidade da sua inquirição como testemunhas, inútil se perspectivando a sua eventual audição, oficiosa, como partes em face das demais provas obtidas e dos resultados alcançados, uma vez que, como de tudo resulta óbvio, se limitariam a reproduzir verbalmente a versão arquitectada e já trazida aos autos nos respectivos articulados e não a confessar, informar ou esclarecer factos.

De resto, a incumbência que o artº 411º comete ao juiz de realizar todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio não constitui um dever que se sobreponha ou substitua o ónus das partes nem destinado a colmatar o fracasso destas.

Como a este propósito se escreve no Acórdão da Relação do Porto, de 09-02-2015 :

“De tais preceitos [artºs 411º e 526º] se retira, pois, que o juiz pode, ou melhor, deve determinar a produção de qualquer meio de prova, desde que, como se escreveu no acórdão deste tribunal de 18-11-2013 (Proc. 851/10.8TTVFR-B.P1) “(…) o mesmo tenha aptidão para fazer corresponder a realidade processual à extraprocessual.
(…)
Esta amplitude de poderes/deveres, no entanto, não significa que o juiz tenha a exclusiva responsabilidade pelo desfecho da causa. Associada a ela está a responsabilidade das partes, sobre as quais a lei faz recair ónus, inclusive no domínio probatório, que se repercutem em vantagens ou desvantagens para as mesmas e que, por isso mesmo, aquelas têm interesse direto em cumprir. Até porque, no limite, em sede probatória, a dúvida sobre a realidade de um facto resolve-se contra a parte a quem o mesmo aproveita (artº 516º). Daí que as partes tenham natural interesse em concorrer ativamente no processo de instrução da causa».
E mais adiante acrescenta-se no mesmo aresto: «(…) reconhecendo embora a lei às partes um interesse legítimo na instrução da causa, não lhes permite o exercício desse direito de forma arbitrária. Bem pelo contrário. Condiciona esse exercício a determinados pressupostos, fora dos quais aquele direito pode ficar comprometido. E, neste contexto, não faz sentido que esses pressupostos possam ser contornados por recurso aos poderes/deveres que a lei comete ao juiz em sede instrutória.
Como salienta Lopes do Rego : “O exercício dos poderes de investigação oficiosa do tribunal pressupõe que as partes cumpriram minimamente o ónus que sobre elas prioritariamente recai de indicarem tempestivamente as provas de que pretendem socorrer-se para demonstrarem os factos cujo ónus probatório lhes assiste - não podendo naturalmente configurar-se como uma forma de suprimento oficioso de comportamentos grosseira ou indesculpavelmente negligentes das partes”.
(…)
Se, como salienta Nuno Lemos Jorge [“Os poderes Instrutórios do Juiz: Alguns Problemas”, na revista “Julgar”, nº 3, pág. 70], a necessidade de promoção de diligências probatórias pelo juiz “não for patentemente justificada pelos elementos constantes dos autos, a promoção de qualquer outro diligência resultará, apenas, da vontade da parte nesse sentido, a qual, não se tendo traduzido pela forma e no momento processualmente adequados, não deverá agora ser substituída pela vontade do juiz, como se de um seu sucedâneo se tratasse”[].
Significa isto que a investigação oficiosa de que estamos a tratar não deve ser exercida apenas porque foi sugerida ou requerida por uma ou por ambas as partes, mas porque tem mérito em si mesma, em função dos elementos probatórios em que se apoia e dos fins que visa alcançar. O que tem como consequência que essa investigação pode ser exercida sem o concurso da vontade das partes ou até mesmo contra essa vontade.
Por outro lado, também não basta para desencadear essa investigação a mera referência por uma testemunha de que outra pessoa não arrolada conhece ou participou em determinado evento. Como é sabido pelas regras da experiência comum, muitas pessoas podem ter entrado em contacto com um acontecimento concreto, sem que, ainda assim, se encontrem habilitadas a testemunhá-lo em aspetos que não apreenderam.
O que é decisivo, pois, para que os citados poderes de investigação oficiosa sejam exercitados, não é que sejam sugeridos pelas partes ou por outros intervenientes acidentais, mas que tenham uma utilidade presumida, em si mesmos, devido, como dissemos, aos elementos em que se apoiam e aos fins que visam alcançar, que necessariamente devem estar ligados à descoberta da verdade material e à correta decisão da causa.».”

O que os autos patenteiam é que, em face da actividade da insolvente, da categoria e função do (s) reclamante (s) e da natureza, localização e estado dos prédios em causa, a factualidade que todos primeiro alegaram e depois densificaram quanto ao pretenso exercício neles da sua actividade laboral ou relação deles com a actividade empresarial da insolvente, nem sequer à partida se apresentava com laivos de plausibilidade.

Tanto assim que nenhuma prova presumivelmente consistente apresentaram, a não ser a “testemunhal” de outros seus colegas também reclamantes e, nesta medida, cúmplices da estratégia processual. Não obstante, empenhou-se, antes da audiência, o tribunal em múltiplas diligências no sentido de apurar a verdade. Com base nelas e na prova produzida em audiência, concluiu que aqueles não prestavam funções laborais nos prédios em causa e, portanto, deu como não provados os factos que haviam alegado e cujo ónus da prova sobre eles impendia.

Nada mais poderia ser exigido, justificada e utilmente, ao tribunal.

E se o fosse, pela alegada omissão não foi arguida, na devida oportunidade e segundo o regime próprio, a correspondente nulidade, que seria o vício consequente.

Enfim, quer por isso quer, no caso de se considerar como objecto também da apelação o despacho interlocutório referido, sempre este deveria manter-se incólume. Tal como o deve a sentença. Pelo que, de todo improcede a apelação.

V. DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes desta Relação em julgar totalmente improcedente o recurso e, em consequência, negando provimento à apelação, confirmam a decisão recorrida.

Custas pelo apelante – (artºs 527º, nºs 1 e 2, e 529º, do novo CPC, e 1º, nºs 1 e 2, 3º, nº 1, 6º, nº 2, referido à Tabela anexa I-B, 7º, nº 2, 12º, nº 2, 13º, nº 1 e 16º, do RCP).

Notifique.

Guimarães, 18 de Fevereiro de 2016



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José Fernando Cardoso Amaral




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Helena Maria de Carvalho Gomes de Melo




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Maria Isabel Sousa Ribeiro Silva
(1) Acrescenta, certamente por lapso no uso displicente do formulário/articulado, que os imóveis destinados à construção ou construídos para revenda têm de ser considerados como objecto da actividade da empresa!
(2) Embora a Snrª Advogada deste apelante seja também mandatária de outros credores e, nas conclusões 17ª e 18ª, se refira a todos e às impugnações, no plural, é absolutamente inequívoco que apenas este interpôs recurso.
(3) Sublinhados por nós apostos.
(4) Proferido no processo nº 572/11.4TTPNF-A.C1.P1, relatado pelo Desembargador João Nunes.