Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3984/18.9T8BRG.G1
Relator: VERA SOTTOMAYOR
Descritores: NULIDADE DA SENTENÇA
PEDIDO GENÉRICO
VALOR EXTRAPROCESSUAL DAS PROVAS
VIOLAÇÃO DO DEVER DE OCUPAÇÃO EFECTIVA
ASSÉDIO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/06/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I – A nulidade da sentença por contradição ou oposição entre os fundamentos de facto e de direito e a decisão judicial ocorre quando esta sofre de um vício intrínseco à sua própria lógica, traduzido no facto da fundamentação em que se apoia não poder suportar o sentido da decisão que vem a ser proferida.
II – Constitui pedido genérico processualmente admissível o pedir-se a condenação ao pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais, advenientes “de todo o incerto e continuado período vincendo de inactividade laboral” a que o trabalhador permaneça votado, e até que lhe voltem a ser efectivamente atribuídas pela R. funções inerentes à sua categoria e carreira profissional, calculada e atribuída ao A. de acordo com o mesmo predito critério de 1.500,00€ (mil e quinhentos euros) mensais mencionado na alínea anterior.
III – Resulta do artigo 421.º do CPC que não são os factos provados numa acção que podem ser invocados noutra, mas apenas que pode o tribunal nesta outra acção servir-se de alguns meios de prova, tais como os depoimentos/declarações de parte, depoimentos testemunhais e perícias, que foram utilizados na anterior acção.
A regra é a de que, os efeitos de tais meios de prova se restringem ao processo em que foram produzidas, sendo contudo extensíveis a outros processos quando exista identidade da parte contra a qual é invocada a prova e se verifiquem os restantes requisitos do citado artigo do código do processo civil.
IV O artigo 662.º do CPC confere ao Tribunal da Relação a possibilidade de renovação de certos meios de prova e mesmo a produção de novos meios de prova, em casos de dúvida fundada sobre a prova realizada em primeira instância.
Tal não ocorre quando o depoimento da testemunha que se pretende que seja de novo inquirida, está gravado, não suscitando qualquer dúvida sobre a factualidade por si referida e as opiniões por si emanadas, tendo tal sido analisado e valorado de forma critica pelo juiz a quo em conjunto com a restante prova produzida que sustenta decisão da matéria de facto.
V – Não é de considerar verificada a violação do direito de ocupação efectiva quando o empregador, por diversas razões, designadamente de restruturação da empresa e por se tratar de trabalhador com competências limitadas, o coloca na situação de mobilidade funcional ou afectação a novas funções, por um significativo período de tempo, por não dispor de cargo compatível com a sua categoria profissional.

Vera Sottomayor
Decisão Texto Integral:
APELANTE: J. M.
APELADO: X – SERVIÇOS DE COMUNICAÇÕES E MULTIMÉDIA, S.A.
Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo do Trabalho de Braga – Juiz 2

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO

J. M., casado, residente na Rua …, Braga, instaurou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum contra “X – SERVIÇOS DE COMUNICAÇÕES E MULTIMÉDIA, S.A.”, com sede na na Avª. … Lisboa, pedindo a condenação da Ré:

a) pela prática ilícita e dolosa de acosso e assédio moral infligida ao Autor, maxime, mas não apenas, pela violação do dever de ocupação efectiva estabelecido no art.º 129.º do Código do Trabalho;
b) em consequência a indemnizar o A. a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, pela não atribuição de trabalho e assédio, num montante não inferior a 28.500,00€ (vinte e oito mil e quinhentos euros) o que equivale à atribuição de uma verba de 1.500,00€ (MIL E QUINHENTOS EUROS), por cada mês de inactividade a que o trabalhador tem estado votado, na presente data correspondendo a 19 meses, acrescida do pagamento de juros mora calculados à taxa legal de 4% desde a citação, sobre as quantias vencidas e vincendas até integral pagamento;
c) a pagar ao A. uma indemnização emergente dos danos morais, advenientes “de todo o incerto e continuado período vincendo de inactividade laboral” a que o trabalhador permaneça votado, e até que lhe voltem a ser efectivamente atribuídas pela R. funções inerentes à sua categoria e carreira profissional, calculada e atribuída ao A. de acordo com o mesmo predito critério de 1.500,00€ (mil e quinhentos euros) mensais mencionado na alínea anterior;
d) que seja o A. colocado em posto de trabalho a exercer as funções inerentes à sua referida categoria profissional; e
e) A pagar uma sanção pecuniária compulsória a fixar em 200,00€ (duzentos euros) por cada dia de atraso no cumprimento da observância da obrigação do dever de ocupação efectiva plasmado no art.º 129.º, n.º 1, alínea d) do CT/2009, desde a decisão proferida em 1.ª instância.
f) Ser a Ré condenada ao pagamento de todas as custas e demais encargos tidos com o processo.

A Ré contestou a acção, deduzindo a excepção da não verificação dos requisitos de dedução de pedido genérico concluindo pela sua procedência com as respectivas consequências e pela total improcedência dos pedidos contra si formulados.
O autor respondeu à excepção concluindo ela sua improcedência
Os autos foram saneados, tendo sido dispensada a fixação do objecto do litígio e a enunciação dos temas da prova.

Realizada a audiência de julgamento foi proferida sentença pelo Mmo. Juiz a quo, que terminou com o seguinte dispositivo:
“Em face do exposto, julgo a presente a acção improcedente, por não provada, e, consequentemente, absolvo a Ré do pedido.
*
Custas pelo Autor.
*
Registe e notifique.“

Inconformada com esta sentença, dela veio o Autor interpor recurso de apelação para este Tribunal da Relação de Guimarães formulando as seguintes conclusões que se transcrevem:

I.) – Prima facie, fundamenta-se o presente salvatério, ao abrigo do artigo 640do C.P.C., na impugnação da matéria de facto ínsita à factualidade dada como provada, verbi gratia, a constante das alíneas: h, i, j, k, l, n, o, p, q, r, s, t, u, v, w, x, y, bem assim, no sentido inverso, relativamente à não provada, maxime, a vertida nos pontos 36.º, 37º, 38º, 41º, 42º, 43º, 44º, 47º, 48.º, 49º, 50º, 51º, 52º, 53º, 54º, 55º, 56º, 57º, 58º, 59º, 60º, 61º, 62º, 63º, 64º, 65º, 66º, 69º, 94º, 102º e 106º todos da petição inicial, indicando como elementos de prova que impõe decisão diversa, os depoimentos das testemunhas Dr. P. F. (médico psiquiatra), C. G. (chefia directa do trabalhador), ambas arroladas pelo Recorrente, bem como do alegado por este no seu articulado de petição inicial, secundado, ainda, pelo teor de todos documentos juntos, maxime dos que foram juntos sob os n.ºs 7 a 24 (registos de produtividade), e ns 41, 42, 43 e 44, para os quais expressamente se remete, como ainda, as declarações da testemunha Drª. M. L. (membro integrante dos Recursos Humanos da Recorrida), esta arrolada pela empregadora;
II.) – Doutra sorte, estriba-se a presente Apelação, na circunstância do douto aresto recorrido ter violado o preceituado o n1, alínea c) do artigo 615.º, n1 do C.P.C. (ex-vi art.º 1,º e art.º 77.º do CPT), vale isto por dizer, no facto dos fundamentos estarem em oposição com a decisão, ou, senão mesmo, por ocorrer uma ambiguidade ou obscuridade que tornam a decisão ininteligível, o que poderá conduzir a uma nulidade da sentença, ou à sua anulação com vista a uma ampliação da matéria de facto, nos termos do artigo 662.º, do C.P.C.;
III.) – Seguidamente, pretende-se a sindicância por parte deste Venerando Tribunal, sobre uma totalmente insubsistente excepção dilatória inominada de inverificação dos requisitos de dedução de pedido genérico, respeitante à pretensão formulada pelo Recorrente no âmbito da alínea c) do petitório;
IV.) - Sem prescindir, e salvo o devido respeito por melhor opinião, o presente recurso tem acrescidamente por fundamento a desajustada interpretação/aplicação do direito efectuada na douta sentença recorrida, atinente à sujeição do trabalhador a assédio moral por parte da empregadora/Apelada, maxime, pela violação do dever de ocupação efectiva e com a qual o Apelante não concorda, designadamente, sobre a alínea b) do n1 do art129do Código do Trabalho, Lei 7/2009 de 12 de Fevereiro, devendo, para além duma diferente aplicação e interpretação daquela, terem sido considerados, ainda, o art342.º, n2, n1, do art799.º, do Código Civil, “primeira parte” do n2 do art574do CPC, ex-vi art1.º, n2, alínea b) do CPT, pela manifesta violação do disposto no n2 do art412.º, 413.º e 621todos do C.P.C. relativamente ao conhecimento oficioso das provas e à consideração de todas as provas produzidas independentemente da parte que devia produzi-las, bem como do encadeado normativo dos ns 1 e 2 do art126.º, art127.º, n1, alínea c), art363.º todos do Código do Trabalho;
V.) – No âmbito da empreendida impugnação da matéria de facto, deparamo-nos de entre o conjunto da facticidade considerada provada, a arrimada nas alíneas h, i, j, k, l, n, o, p, q, r, s, t, u, v, w, x, y, com relação à qual não resulta minimamente claro em que sentido o julgador de 1.ª instância a deu como provada, vale isto por dizer, se tal matéria foi considerada, tão-somente, como provada e unicamente reportada ao âmbito dos autos dos acidentes de viação ocorridos em 2010 e 2013, que correram termos, correspectivamente, sob os n.ºs 995/11.9TTBRG e 538/14.2TTBRG, ambos do Juízo do Trabalho – J2, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga;
VI) - Ou, se, outrossim e ao invés, se limitou a transpor tal facticidade para os autos em apreço, unicamente com base nos documentos que instruíram o articulado de contestação apresentado em juízo pela aqui Apelada, sem que para tanto tenha sido estabelecido qualquer nexo de causalidade entre, por um lado, a facticidade discutida nos sobreditos autos de acidente de viação e aqueloutra, totalmente distinta, do assédio moral a que o Apelante foi sujeito durante vários anos, completamente desacompanhada, portanto, de qualquer demais prova que a sustente, (circunstância essa que parece transparecer da sentença de que se recorre);
VII) Precisamente em contraponto com o aqui Apelante, que logrou exaustivamente fazer a competente contraprova, maxime, devidamente apoiado nas declarações da testemunha, Dr. P. F., médico psiquiatra, o qual, prestando serviços para a Companhia Seguradora contratada pela própria empregadora no âmbito da transferência de responsabilidade emergente dos acidentes de trabalho e que in casudesde o início do ano de 2017 acompanha o trabalhador na sequência das sequelas advenientes dos mesmos, depoimento esse que foi totalmente ignorado pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal a Quo”!!!!;
VIII) A este propósito, outrossim e ao invés daquilo que vem alvitrado pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal “a Quo”, o aqui Apelante, através do requerimento apresentado em juízo em 05/11/2018, refª 7795467, procedeu expressamente à impugnação de tais documentos;
IX) Tal “expediente” de que o Tribunal “a Quo” se fez valer, ou seja, transposição do valor probatório/facticidade provada de um processo para outro, remete-nos para a problemática atinente ao valor extraprocessual das provas no âmbito do processo civil, a qual encontra-se regulada no art.º 421.º do CPC;
X) Perante o regime do valor extraprocessual das provas ínsito no art421do CPC, ressuma de modo inequívoco que a Apelada limitou-se a carrear para os autos meros documentos avulsos (reportados a duas acções respeitantes a sinistros laborais), mas jamais vindicou pretender fazer-se valer de quaisquer depoimentos e/ou arbitramentos em si mesmo considerados, o que desde logo arredaria de qualquer valor extraprocessual da sobredita prova no caso em apreço;
XI) Ademais e em qualquer caso, a – putativa, ainda que inexistente, porque totalmente distinta similitude da factualidade invocada (e inclusivamente a dada como provada) no âmbito dos autos dos acidentes de viação ocorridos em 2010 e 2013, que correram termos, correspectivamente, sob os n.ºs 995/11.9TTBRG e 538/14.2TTBRG, ambos do Juízo do Trabalho – J2, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga e unicamente reportada aquilo que se discutia em tais processos, quando colocada em perspectiva com aqueloutra, objecto de apreciação nesta Acção de Processo Comum, tramitada no âmbito do processo n3984/18.9T8BRG deste Juízo do Trabalho de Braga Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, verbi gratia, no que especificamente tange à questão das sequelas advenientes para o trabalhador dos aduzidos sinistros;
XII) Afigura-se como absolutamente imprestável, porquanto, transpor os factos provados numa acção (sinistros laborais) para a outra (assédio moral) constituiria pura e simplesmente, conferir à decisão acerca da matéria de facto um valor de caso julgado que não tem, ou conceder ao princípio da eficácia extraprocessual das provas uma amplitude que manifestamente não possui;
XIII) Posto isto, tendo o julgador de 1.ª instância ancorado a prova atinente aos pontos h), i), j), k), l), m), n), o), p), q), r), s), t), u), v), w), x), y), UNICAMENTE, no teor da referida prova documental, facilmente se alcança que em qualquer caso e sem prejuízo de tudo o mais quanto a este propósito ao diante melhor se aduzirá, sempre teria sido inobservado o regime estabelecido no art.º 421.º do CPC, devendo, em consonância, modificar-se a facticidade assente nos pontos h), i), j), k), l), m), n), o), p), q), r), s), t), u), v), w), x), y), dando-a como não provada;
XIV) No que à impugnação da matéria de facto concerne, existe disponível todo um manancial de elementos probatórios mais do que suficientes para alterar, no sentido propugnado infra, a modificação da sobredita matéria de facto dada como assente (e não assente);
XV.) – Confessada judicialmente que foi, nos termos e para os efeitos do estabelecido na “primeira parte” do n.º 2 do art.º 574.º do CPC, ex-vi alínea a) do n.º 2 do art.º 1.º do CPT, a absoluta falta de funções em que o trabalhador/Apelante se encontrava desde 9 de Dezembro de 2016 (vide para tanto aquilo que consta nos pontos 80.º e 98do articulado de contestação deduzido em juízo pela Recorrida);
XVI) - Cuja tradução prática, decorre, de resto, do consignado na alínea uu) da facticidade dada como provada, SIC: “(...) uu) Assim, desde 9 de Dezembro de 2016, o Autor cumpriu o seu horário de trabalho dentro de uma sala, sem nada para fazer, sendo certo que as funções que antes desempenhava, continuam a ser desempenhadas por outros colegas da DOI. (...)”;
XVII) Tal significando com que a discussão nestes autos tivesse ficado entrecortada, no que à inocupação do Recorrente concerne, em saber se o empregador obstou injustificadamente à prestação efectiva do trabalhador (vide alínea b) do art.º 129.º do Código do Trabalho, Lei 7/2009 de 12 de Fevereiro), sendo que correspondendo este direito à ocupação efectiva ao inerente dever por parte da entidade empregadora, a sua violação traduz-se num incumprimento contratual que se presume culposo, nos termos do disposto no n1, do artigo 799.º, do Código Civil - neste sentido cfr. o Ac. da RL de 25/06/2008, disponível em www.dgsi.pt.;
XVIII) Incidindo, por conseguinte, sobre o empregador o ónus da prova de que a violação do dever de ocupação efectiva era em concreto justificada, na medida em que se trata de facto impeditivo do direito do trabalhador à ocupação efectiva art342.º, n2 do Código Civil. (Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 17/12/2014, prolatado no âmbito do proc. n.º 250/13.0TTGRD. C1, cujo relator foi o Ex.mo Sr. Juiz Desembargador Ramalho Pinto, acessível em www.dgsi.pt., sob os descritores: “Impugnação de facto”, “Resolução do contrato”, “Justa causa”, “Culpa”;
XIX) Para tanto, atentemos na contraprova decorrente das declarações prestadas pelo Dr. P. F., na sessão de julgamento de 13/11/2019, CD/registo fonográfico: 00:03:16 a 00:14:41:;
XX) Ademais, no decurso do seu depoimento na sessão de julgamento de 13/11/2019, CD/registo fonográfico 00:14:41 a 00:24:15, a mesma testemunha, Dr. P. F., foi absolutamente inequívoco em afirmar que o quadro clínico apresentado pelo Recorrente, em nenhuma circunstância adveio como consequência dos vindicados acidentes de viação;
XXI) Em complemento das anteriores declarações, o mesmo Dr. P. F., ainda no decurso da sessão de julgamento de 13/11/2019, CD/registo fonográfico: 00:39:04 a 00:39:34, voltou a salientar que é necessário distinguir claramente as situações e os eventos, tendo peremptoriamente particularizado que no que especificamente tange a um dos sintomas apresentados pelo trabalhador, a nível sexual (ejaculação precoce), tal tivesse advindo de algum dos acidentes sofridos por aquele em 2010 e/ou em 2013;
XXIII) Nesta conformidade, e ainda no decurso da sessão de julgamento de 13/11/2019, CD/registo fonográfico: 00:56:07 a 01:00:37, foi o Dr. P. F. absolutamente taxativo, no estabelecimento do nexo de causalidade entre a situação de assédio (v.g. violação do dever de ocupação efectiva) perpetrado pela Apelada e os respectivos danos sofridos pelo trabalhador;
XXIV) Por seu turno e a instâncias da Drª. I. G., Ilustre mandatária da Recorrida, veio a testemunha Dr. P. F., corroborar e reforçar tudo quanto havia aventado anteriormente, designadamente, no âmbito das declarações proferidas na sessão de julgamento de 13/11/2019, CD/registo fonográfico: 01:21:35 a 01:26:03;
XXV) Na esteira das demais, e já na parte final do seu depoimento prestado na sessão de julgamento de 13/11/2019, CD/registo fonográfico: 01:36:44 a 01:42:32, a testemunha Dr. P. F., voltou a repisar que não tinha quaisquer dúvidas de que o quadro clínico evidenciado pelo trabalhador/Recorrente foi indubitavelmente provocado pela retirada de funções;
XXVI) Neste contexto, afiguram-se de suma relevância, as declarações prestadas pelo Dr. P. F., na sessão de julgamento de 13/11/2019, CD/registo fonográfico: 00:35:43 a 00:39:03, desta feita a propósito das consequências, rectius: danos morais sofridos pelo trabalhador emergentes do assédio moral a que foi sujeito durante cerca de dois anos e meio;
XXVII) Ainda acerca do tema que aqui ora nos ocupa e na senda das declarações que antecedem, concretizou ainda mais o Dr. P. F. na sessão de julgamento de 13/11/2019, CD/registo fonográfico: 00:45:13 a 00:53:33;
XXVIII) O mesmo clínico, Dr. P. F., no decurso da sessão de julgamento de 13/11/2019, CD/registo fonográfico: 00:24:14 a 00:56:06, pronunciou-se, ainda, acerca da inexistência de qualquer incapacidade para trabalhar por parte do Apelante na sequência dos acidentes, tendo confirmado que o mesmo sempre continuou a laborar e sendo que outrossim e ao invés, até de um ponto de vista terapêutico, havia todo o interesse em manter o trabalhador plenamente activo;
XXIX) Desta sorte, decorre com indubitável certeza do teor das declarações do depoimento do Dr. P. F., na sessão de julgamento de 13/11/2019 que existem nos autos elementos probatórios suficientes para que tivessem sido dados como provados os factos inscritos nos pontos 36º, 37º, 38º, 40º, 41º, 42º, 43º, 44º, 45º, 46º, 47º, 48º, 49º, 50º, 51º, 52º, 53º, 54º, 55º, 56º, 57º, 58º, 59º60º, 61º, 62º, 63º, 64º, 65º, 66º, 68º, 69º, 94º, 102º e 106º, todos da petição inicial;
XXX) Para além da facticidade vinda de referir-se, ainda que conexa com ela, e no que à central e fulcral questão da (in)justificada inocupação do trabalhador concerne, entendeu o julgador de 1.ª instância, que “o que sobressaiu daqueles depoimentos é que a inocupação do Autor a partir de Dezembro de 2016 se ficou a dever a múltiplas causas: incapacidade para o Trabalho do Autor, em resultado dos dois acidentes de trabalho; restruturação do departamento em que trabalhava o Autor; dificuldades em conseguir nova colocação compatível com a categoria profissional do Autor e limitações funcionais; e recusa por parte do Autor da dispensa do dever de assiduidade proposto pela empresa. Aliás, ao prestar declarações, o Autor acabou por confirmar que tinha dificuldades na aprendizagem de novas tecnologias.”;
XXXI) Nesta conformidade consignou o Tribunal “a quo” no ponto bb) do elenco da factualidade assente que (SIC): “as funções supra descritas acarretam, necessariamente, deslocações diárias a vários locais, nomeadamente a centrais e a clientes, através de condução de viatura de serviço” e bem assim;
XXXII) Referiu também o Tribunal “a quo” no ponto cc): “Acresce ainda que, também para o exercício de funções de técnico de telecomunicações, é essencial o transporte de pesos, particularmente de caixa de ferramentas, que podem pesar mais de 10 kg.”;
XXXIII) No entanto e também aqui, no modesto entendimento do ora Recorrente, existem nos autos abundantes elementos probatórios, que em qualquer caso, sempre ditariam com que a facticidade ínsita nos sobreditos pontos bb) e cc), tivesse sido dada como não provada;
XXXIV) Com efeito, tal inelutavelmente decorre das declarações prestadas por C. G., testemunha arrolada pela empregadora/Apelada, chefe directo do aqui A./Recorrente, no decurso da sessão de julgamento de 20/11/2019, CD/registo fonográfico: 00:20:12 a 00:22:18;
XXXV) De igual sorte, a mesma testemunha, C. G. mais ao diante na mesma sessão de julgamento de 20/11/2019, CD/registo fonográfico: 00:35:43 a 00:39:54 reforçou tais explicações;
XXXVI) Em complemento das anteriores declarações, dilucidou ainda o vindo de referir-se C. G., sempre no decurso da sessão de julgamento de 20 de Novembro de 2019 CD/registo fonográfico: 00:44:38 a 00:50:07;
XXXVII) Em abono das declarações que antecedem, escute-se o mesmo C. G., sempre na sessão de julgamento de 20/11/2019, CD/registo fonográfico: 00:56:14 a 00:57:33;
XXXVIII) Do depoimento prestado por C. G., testemunha que, aliás, o Tribunal considerou como um dos funcionários da Apelada que conseguiu explicar as causas que levaram à situação de inactividade do trabalhador, é possível concluir objectivamente e sem qualquer margem para ambiguidades, até porque em nenhum lado da sentença a credibilidade da testemunha em apreço foi colocada em crise), que o trabalhador/Apelante continuou a ser um trabalhador produtivo e disponível, sendo que mesmo depois dos acidentes continuou a trabalhar e a exercer funções necessárias e essenciais ao quotidiano da empresa;
XXXIX) Ademais, não foi devido à circunstância de constar dos vários exames médicos que o trabalhador estaria limitado na sua actividade profissional, que o aqui Recorrente deixou de praticar actos correspondentes ao normal e regular exercício de funções de técnico de telecomunicações, conquanto tal foi inequivocamente dilucidado através do depoimento da testemunha C. G.;
XL) Ficou também indubitavelmente demonstrado, a partir das declarações prestadas pela testemunha C. G., quando expressamente afirmou que o “o J. M. era muito útil nessa altura”, tendo mesmo sido inserido por aquele numa bolsa de trabalhadores, na condição de chefia directa, uma vez que conseguia resolver vários problemas que surgiam no âmbito da empresa, acelerando, inclusivamente, a dinâmica da reparação de avarias, sem que fosse necessário recorrer a outros departamentos!;
XLI) Ao tudo o mais acresce que, também, não obstante o propalado impedimento mencionado nas inenarráveis fichas de aptidão, tal nunca consubstanciou impedimento do exercício de funções de técnico de telecomunicações, tendo em conta que o trabalhador nunca deixou de conduzir e a deslocar-se para desempenhar funções de técnico de telecomunicações;
XLII) Num outro plano, veio o Meritíssimo Juiz do Tribunal “a Quo”, ininteligivelmente, plasmar em sede da douta sentença em crise, que o trabalhador se opôs a receber formação adequada para preencher um novo posto de trabalho, circunstância essa que é totalmente inverdadeira, como de resto deflui das declarações da testemunha M. L., responsável dos RH da empregadora, prestadas na sessão de julgamento de 06/02/2020, CD/registo fonográfico: 00:58:25 a 01:02:20;
XLIII) Ainda conexa com esta questão, veio o julgador de 1.ª instância afirmar que (SIC):“a Ré não deixou de diligenciar no sentido de encontrar novas funções compatíveis com a categoria profissional do Autor, apesar da oposição deste”, circunstância essa que é inteiramente falsa, conquanto não foi apresentada qualquer proposta de reintegração durante todo o período de dois anos e meio em que o trabalhador esteve alocado na USP sem quaisquer funções atribuídas, como de resto transparece das declarações da mesma testemunha, Drª M. L., na sessão de julgamento de 06/02/2020, CD/registo fonográfico: 00:26:42 a 00:27:00;
XLIV) Considerou, ainda, o Meritíssimo Juiz do Tribunal “a Quo”, como um dos motivos justificativos para a – forçada - inactividade do trabalhador a alardeada reestruturação empresarial ocorrida no seio da Apelada;
XLV) Como facilmente se alcança, consubstanciando tal asserção, mera mimetização do argumentário expendido pela Recorrida, enquanto facto impeditivo do direito do trabalhador à ocupação efectiva, impendia sobre o empregador o ónus da prova de que a violação do dever de ocupação efectiva era em concreto justificada art342.º, n2 do Código Civil, o que, salvo o devido respeito por melhor opinião, a empregadora não logrou, sequer, efectuar;
XLVI) Nesta sede, a “prova testemunhal produzida” e na qual o Meritíssimo Juiz do Tribunal “a Quo” se ancorou, assentou em declarações como as que foram proferidas pela Drª M. L., na sessão de julgamento de 06/02/2020, CD/registo fonográfico: 00:54:25 a 00:56:41, as quais, nada lograram concretizar a esse propósito, antes pelo contrário;
XLVII) Com efeito, uma vez percorrida a toda a prova carreada e/ou produzida nos autos, ressuma de modo inequívoco que, para além de meras generalidades, que inclusivamente nunca esclareceram em que medida é que a aduzida reestruturação empresarial afectou concretamente o aqui Recorrente, ao ponto de lhe ter sido retirado por completo o exercício de funções;
XLVIII) Na verdade, reflexo disso mesmo, conforma aquilo que foi dado como provado pelo próprio Tribunal “a Quo”, “in fine” na alínea uu) Assim, desde 9 de Dezembro de 2016, o Autor cumpriu o seu horário de trabalho dentro de uma sala, sem nada para fazer, sendo certo que as funções que antes desempenhava, continuam a ser desempenhadas por outros colegas da DOI.”;
XLIX) Tal inculcando que a artificiosa reestruturação da empresa, não apenas não determinou qualquer extinção das funções que o trabalhador/Apelante desempenhava, as quais continuam a ser desempenhadas por outros colegas da DOI, vicissitude essa, que inclusivamente reforça a ideia de que a violação do direito ao exercício da ocupação efectiva, foi algo direccionado especificamente para atingir alguns trabalhadores, entre os quais se destaca o aqui Recorrente;
L) Nesta decorrência, em se tratando, não de um facto, mas outrossim e ao invés de um mero juízo conclusivo, sem qualquer prova que a sustente, afigura-se totalmente ininteligível que o Meritíssimo Juiz “a Quo” tivesse dado como provada tal facticidade, em (SIC):
“(...) nn) Em resultado da restruturação interna da empresa, a DOI foi afectada por uma profunda restruturação fruto, entre outras, de inovações tecnológicas incontornáveis e de concentração de serviços nos grandes centros urbanos, circunstância que culminou, até à presente data, na movimentação de 179 trabalhadores por todo o país. (...)”;
LI) Sem prejuízo do antecedentemente arrimado acerca da questão da restruturação interna da empresa, muito embora sem conceder e/ou sequer conceber, somente aqui se equacionando por mera cautela de patrocínio, sempre se dirá que tal argumento tem vindo a ser completamente desmontado e desconsiderado pela nossa (boa) jurisprudência, noutros casos em que foi objecto de apreciação a violação do dever de ocupação efectiva, nos quais a aqui Apelada tem sido recorrentemente parte;
LII) Destarte, veja-se, por todos, aquilo que foi decidido pelo Tribunal da Relação do Porto, em sede do Acórdão de 08/03/2019, no âmbito do proc. n.º 158/18.2T8AVR.P1, cujo relator foi o Ex.mo Sr. Juiz Desembargador Rui Ataíde de Araújo, disponível em: www.dgsi.pt, sob os descritores: “Aplicação”, “Coima única”, “Violação do dever de ocupação efectiva”;
LIII) Uma vez aqui chegados e sem necessidade de alongadas considerações adicionais, propugnando integralmente o Apelante da orientação vinda de referir-se, perfilhada pelo Tribunal da Relação do Porto, precisamente acerca do mesmíssimo argumento da reestruturação empresarial e em que foram intervenientes, quer a aqui Apelada, quer duas outras trabalhadoras, colegas do ora Apelante, não se afigura minimamente inteligível o desazado entendimento plasmado na sentença recorrida por parte do julgador de 1.ª instância!!!;
LIV) Na esteira do anterior, foi igualmente abordado na sentença recorrida, a questão da dispensa do dever de assiduidade, sempre rejeitada pelo trabalhador, não se compreendendo muito bem com que intuito tal foi mencionado (porventura, pretender perpassar-se a imagem negativa, de alguém relapso e actuando em contrário a algumas regras de “boa conduta”), ainda para mais correlacionadas com uma total e absoluta falsidade;
LV) Tal inverdade assentou na afirmação de que a aludida dispensa do dever de assiduidade se deveu à recusa do trabalhador em frequentar acções de formação que a empregadora lhe pretendia ministrar, tal não passando de uma mera construção conclusiva da lavra do julgador de 1instância!;
LVI) Efectivamente, sendo demonstrativas da vindicada conclusiva falsidade, temos, desde logo e por um lado, aquilo que foi alegado pela Recorrida no ponto 98.º do seu articulado de contestação e por outro lado, podemos constatar, a partir do elenco da materialidade dada como provada, atinente a este tema, que unicamente ali se plasmou o constante das alíneas qq), rr), ss) e tt) do elenco da matéria assente;
LVII) Rigorosamente nenhum nexo de causalidade tendo sido estabelecido entre a comunicada faculdade de dispensa do dever de assiduidade, adveniente de qualquer recusa em frequentar qualquer acção de formação!;
LVIII) Para além disso, cumpre salientar que a própria dispensa do dever de assiduidade em si mesma considerada, não afasta a ilicitude e a culpa do acto praticado pelo empregador, como de resto deflui do plasmado num distinto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 07/01/2019, proferido no âmbito do recurso do processo contraordenacional n.º 4855/17.1T8OAZ.P1, instaurado pela ACT à aqui Recorrida, precisamente mercê da violação do dever de ocupação efectiva dos trabalhadores ao seu serviço, cujo relator foi o Ex.mo Sr. Juiz Desembargador Jerónimo Freitas, disponível em: www.dgsi.pt, sob os descritores: “Contra-ordenação”, “Nulidade da decisão administrativa”, “Violação do dever de ocupação efectiva do trabalhador”;
LIX) Vale isto por dizer, portanto, que a ardilosa dispensa do dever de assiduidade não afasta a ilicitude e a culpa do acto praticado pelo empregador, para além de reforçar aquilo que já anteriormente havia sido abordado, de que tal expediente não seria apto a evitar com que os trabalhadores por ela abrangidos, efectivamente sofressem os danos emergentes da violação do dever de ocupação efectiva;
LX) Do concatenamento do universo da prova carreada e/ou produzida nos autos, não consegue entender-se como é que o Tribunal “a Quo” definiu, nos exactos termos em que o fez, a matéria de facto dada como assente, sem que para tanto tenha incorrido num clamoroso erro de julgamento;
LXI) Na verdade, se o julgador de 1.ª instância considerou como factor que conduziu à inactividade do trabalhador as sequelas resultantes dos sinistros laborais ocorridos em 2010 e 2013, então não seria mais lógico que, sendo as mesmas incapacitantes, a retirada de funções tivesse ocorrido logo em 2010, o mais tardar em 2013 e não apenas em 7 de Dezembro de 2016?!;
LXII) Na verdade, se se entendeu e verteu na matéria assente, que após o acidente de 2010 o trabalhador ficou com incapacidade para trabalhar, maxime, para conduzir, então como se explica que em 2013 tenha tido um segundo acidente de trabalho, no qual se encontrava a conduzir uma viatura da empregadora (em nenhum lado constando e/ou tendo sido dado como provado que o estivesse a fazer sem o conhecimento e anuência da Apelada)?:
LXIII) De facto, no âmbito do depoimento da chefia directa do trabalhador (C. G.), foi inequivocamente afirmado que o aqui Recorrente nunca deixou de trabalhar, tendo sido sempre solicitado e encarregue de tarefas até ao momento em que, 7 de Dezembro de 2016, sem nenhum motivo aparente, foi colocado numa sala sem funções?;
LXIV) Funções essas que não tendo sido extintas, continuaram e continuam a existir no seio da empresa, as quais são exercidas pelos demais colegas do trabalhador no departamento denominado DOI;
LXV) Perante este cenário, não se vislumbra qual o raciocínio lógico que permitiu ao Meritíssimo Juiz do Tribunal “a Quo”, “dar o salto” e sem estabelecer qualquer nexo de causalidade, ter considerado que as sequelas resultantes dos sinistros laborais, justificam a retirada de funções ao trabalhador vários anos após terem ocorrido, ou seja, em 7 de Dezembro de 2016!;
LXVI) Acresce que, das declarações da testemunha, Dr. P. F., médico psiquiatra, o qual, presta serviços para a Companhia Seguradora contratada pela própria empregadora para acompanhamento do trabalhador na sequência das sequelas advenientes dos preditos acidentes de viação, “in casudesde o início do ano de 2017, atestou peremptória e categoricamente que os danos sofridos pelo trabalhador resultaram exclusivamente da conduta assediante da empregadora, mas nada tiveram que ver com as sequelas resultantes dos sinistros laborais de 2010 e 2013, depoimento esse que foi total e olimpicamente ignorado pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal a Quo”!!!!;
LXVII) Tal testemunha, ter-se-á de reputar como totalmente isenta, desinteressada, profundamente conhecedora da situação clínica concreta do trabalhador há já vários anos, e nessa medida totalmente credível, como de resto deflui daquilo que foi reconhecido pelo próprio Meritíssimo Juiz do Tribunal “a Quo”, que em nenhum momento colocou em causa a idoneidade e/ou a credibilidade da testemunha!;
LXVIII) Contrariamente à Recorrida, que nenhuma prova a este respeito logrou efectuar!;
LXIX) Por tudo isto, a impugnação da matéria de facto vinda de referir-se, não conforma um mero exercício de vontade subjectiva da parte, no sentido de alcançar a sua própria verdade, sendo que atentos todos os expendidos argumentos, demonstrativos de que o Meritíssimo Juiz não actuou dentro da margem de formação da sua livre convicção, afigurando-se tal apreciação totalmente desadequada, no universo da prova integral produzida, consubstanciando, por isso, em relação ao decidido e como de resto ao diante melhor se explicitará, fundamento para invocação da previsão da al. c) do n1 do art. 615do CPC por parte do Apelante;
LXX) Em tais termos, pois, e no enquadramento referido, com o objectivo primordial de evitar o julgamento formal e privilegiar o apuramento da verdade material dos factos, o art662do CPC regula a reapreciação da decisão da matéria de facto dando-lhe a configuração de um novo julgamento, devendo este Venerando Tribunal da Relação avaliar livremente todas as provas carreadas para os autos, valorá-las e ponderá-las, recorrendo às regras da experiência, aos critérios da lógica, aos seus próprios conhecimentos das pessoas e das coisas, para formar a sua própria convicção (Ac. RG. de 23.4.2015. Proc. 372/10: dgsi.Net);
LXXI) Deste modo, em função do que se revela, pode concluir-se que, não tendo fundamentado o juiz a sua convicção, v.g., na razão de ciência das testemunhas inquiridas, e havendo abundantes motivos que contrariem tal convicção, verifica-se um ostensivo erro de julgamento por tal forma o revelando o universo concatenado da prova produzida, na incompatibilidade com a motivação/fundamentação exarada, como se verifica;
LXXII) Assim, roga-se a este Venerando Tribunal para que forme uma convicção verdadeira - e fundamentada -, sobre a prova produzida na 1.ª instância, independente ou autónoma da convicção do juiz a quo, não devendo limitar-se a controlar a legalidade da produção da prova realizada naquela instância e a aceitar o resultado do exercício dessa prova, conquanto ressuma de modo inequívoco que esse julgamento demonstra ser totalmente ilógico, irracional, arbitrário, incongruente e absurdo;
LXXIII) Sendo que, no caso em apreço, a apreciação da prova não decorreu sob o signo da probabilidade lógica - de evidence and inference -. i.e., segundo um critério de probabilidade lógica prevalecente, portanto, segundo o grau de confirmação lógica que os enunciados de facto obtiveram, a partir das provas disponíveis (Cf. Ac. RC. de 23.6.2015: Proc. 1534/09.7TBFIG.C1.dgsi.Net), na estrita medida em que nos autos foram reveladas, mas não consagradas em sede da sentença recorrida;
LXXIV) Por tudo isto e no modesto entendimento do Apelante, existem nos autos abundantes elementos probatórios, mais do que suficientes para que tivessem sido dados como provados os factos arrimados nos pontos 36º, 37º, 38.º, 40º, 41º, 42º, 43º, 44º, 45º, 46º, 47º, 48º, 49º, 50º, 51º, 52º, 53º, 54º, 55º, 56º, 57º, 58º, 59º60º, 61º, 62º, 63º, 64º, 65º, 66º, 68º, 69º, 94º, 102º e 106º da petição inicial, o que expressamente se impetra;
LXXV) Acresce que no nosso caso é manifesto, que ocorre a nulidade referida no art615n1, alínea c) do Código de Processo Civil, segundo o qual ocorre tal invalidade da sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão, ou seja quando os fundamentos invocados devessem, logicamente, conduzir a uma decisão diferente da que a sentença ou o acórdão expressa;
LXXVI) Efectivamente, pode constatar-se que de entre o acervo dos factos dados como provados no âmbito do aresto de que se recorre, contraditoriamente, foram concomitantemente dados como assentes alguns factos essenciais dissonantes com a solução jurídica preconizada pelo Tribunal a quono âmbito deste processo, conquanto as grandes questões que se suscita(va)m nos presentes autos residiam em, por um lado, aquilatar acerca da justificação e licitude da inobservância do dever de ocupação efectiva por parte do empregador (alínea b) do art129do Código do Trabalho) e por outro, em caso de resposta negativa, apurar os danos daí advenientes sofridos pelo trabalhador;
LXXVII) Deste modo e na esteira do anteriormente já aduzido em sede de impugnação da matéria de facto, ressuma de modo inequívoco que se o julgador de 1.ª instância considerou como factor que conduziu à inactividade do trabalhador as – putativas - sequelas resultantes dos sinistros laborais ocorridos em 2010 e 2013, então não seria mais lógico que, sendo as mesmas incapacitantes, a retirada de funções tivesse ocorrido logo em 2010, o mais tardar em 2013 e não apenas em 7 de Dezembro de 2016?!;
LXXVIII) Na verdade, se se entendeu e verteu na matéria assente, que após o acidente de 2010 o trabalhador ficou com incapacidade para trabalhar, maxime, para conduzir, então como se explica que em 2013 tenha tido um segundo acidente de trabalho, no qual se encontrava, precisamente, a conduzir uma viatura da empregadora (em nenhum lado constando e/ou tendo sido dado como provado que o estivesse a fazer sem o conhecimento e/ou a anuência da Apelada)?;
LXXIX) Para tanto atente-se nas alíneas: f), g) “in fine”, m), p) “in fine”, x) e y) da matéria dada como provada;
LXXX) De facto, no âmbito do depoimento da chefia directa do trabalhador, outrossim e ao invés, foi inequivocamente afirmado que o aqui Recorrente nunca deixou de trabalhar, tendo sido sempre solicitado e encarregue de tarefas até ao momento em que, 7 de Dezembro de 2016, sem nenhum motivo aparente, foi colocado numa sala sem funções, como de resto deflui das alíneas aa), bb) e cc) da matéria dada como provada;
LXXXI) Funções essas que não tendo sido extintas, continuaram e continuam a existir no seio da empresa e que são exercidas pelos demais colegas do trabalhador no departamento denominado DOI, tendo tal sido dado como provado na alínea uu) da matéria assente;
LXXXII) Perante este cenário, não se vislumbra qual o raciocínio lógico que permitiu ao Meritíssimo Juiz do Tribunal “a Quo”, “dar o salto” e sem estabelecer qualquer nexo de causalidade, ter considerado que as sequelas resultantes dos sinistros laborais, justificam a retirada de funções ao trabalhador vários anos após terem ocorrido, ou seja, e mais concretamente em 7 de Dezembro de 2016!;
LXXXIII) Na verdade, nenhum dos factos integrantes do elenco da facticidade considerada como provada, refere que tal tenha demonstrado;
LXXXIV) Acresce que, das declarações da testemunha, Dr. P. F., médico psiquiatra, o qual, presta serviços para a Companhia Seguradora contratada pela própria empregadora para acompanhamento do trabalhador, “in casudesde o início do ano de 2017, na sequência das sequelas advenientes dos preditos acidentes de viação, aventou peremptória e categoricamente que os danos sofridos pelo trabalhador resultaram exclusivamente da conduta assediante da empregadora, mas nada tiveram que ver com as sequelas resultantes dos sinistros laborais de 2010 e 2014, depoimento esse que foi totalmente ignorado pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal a Quo”!!!!. (Vide pontos 36º, 37º, 38º, 40º, 41º, 42º, 43º, 44º, 45º, 46º, 47º, 48º, 49º, 50º, 51º, 52º, 53º, 54º, 55º, 56º, 57º, 58º, 59º, 60º,61º, 62º, 63º, 64º, 65º, 66º, 68º, 69º, 94º, 102º e 106º, da petição inicial, e considerados como não provados);
LXXXV) Contrariamente à Recorrida, que nenhuma prova a este respeito logrou efectuar!;
LXXXVI) Na Jurisprudência do S.T.J. tem-se entendido que a nulidade sub judice está relacionada, por um lado, com a obrigação imposta pelos artºs. 154.º e 607.º nºs. 3 e 4, de o Juiz fundamentar os despachos e as sentenças e, por outro, pelo facto de a sentença dever constituir um silogismo lógico-jurídico, em que a decisão deverá ser a conclusão lógica da norma legal (premissa maior) com os factos (premissa menor);
LXXXVII) Desta sorte a ostensiva oposição que, no modesto entendimento do Recorrente existe e é manifesta entre alguns pontos da matéria de facto, os meios de prova produzidos no processo, a decisão, rectius: fundamentação sobre certos pontos da decisão de facto e da fundamentação de Direito, consubstancia nulidade da sentença recorrida, porquanto, através da simples leitura da mesma, facilmente se alcança que os fundamentos de facto e de direito não estão em concordância lógica com a decisão, conformando esta oposição causa de nulidade da sentença;
LXXXVIII) Doutra sorte, entendeu o tribunal “a Quo” que o pedido genérico, tal como foi formulado pelo autor, não é admissível, considerando que não foi intenção do autor recorrer à faculdade conferida pelo art.º 569.º do Código Civil, na medida em que na alínea b) do petitório já havia indicado a importância de 28.500,00€, correspondente à indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais;
LXXXIX) Na situação em apreço, contrariamente aquilo que o Tribunal “a Quo” entendeu estamos inelutavelmente perante um pedido enquadrável na alínea b) do art.º 556.º CPC, conquanto, não tendo sido possível, à data da entrada da P.I em juízo, determinar em definitivo a consequência do facto ilícito – assédio moral – imputada à Recorrida, peticionou então o Recorrente a aduzida cifra de 1.500,00€ (MIL E QUINENTOS EUROS) enquanto critério indemnizatório, devidamente quantificado, não apenas para todo o tempo até aí transcorrido, bem assim por todo o indeterminado período vincendo pelo qual viesse a perdurar o assédio moral, maxime, através da violação do dever de ocupação efectiva imputado à empregadora, ao que acresce que não impendia sobre o trabalhador, sequer, qualquer obrigação de liquidação do quantum indemnizatório;
XC) Nesta sede, e como de resto facilmente se alcançará, em se tratando o assédio então em curso de uma situação continuada e sem um horizonte definido para cessar, não era possível determinar a quantidade, extensão e durabilidade dos danos que o processo iria revelar!;
XCI) Afigura-se de extrema relevância, trazer aqui à colação a apreciação que acerca desta mesmíssima questão foi decidida pelo Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 03/02/2020, no âmbito do processo n.º 14236/18.4T8PRT.P1 cujo relator foi o Exmo. Juiz Desembargador Domingos Morais, no âmbito de uma acção de um colega de trabalho do aqui Apelante e na qual figurou enquanto demandada a aqui Apelada, em tudo idêntica no seu objecto e cujos pedidos foram redigidos praticamente “ipsis verbis”;
XCII) Como será bom de ver, considerando o impetrado nas alíneas b) e c) verifica-se que o Recorrente respeitou todas as regras processualmente exigidas, na medida em que liquidou o pedido referente ao período de tempo em que conseguiu determinar os danos e prejuízos sofridos, tendo, relativamente aos danos em que, à época, lhe era impossível determinar com probabilidade séria, verbi gratia, todo o período vincendo da inactividade laboral a que o trabalhador estava votado, até que lhe voltassem a atribuir funções e que seria necessário ainda apurar, limitou-se a fornecer o respectivo critério de cálculo, o qual assentou na divisão dos danos até aí liquidados, num montante não inferior a 28.500,00€ (VINTE E OITO MIL E QUINHENTOS EUROS), os quais, tendo sido “repartidos” pelos 19 meses em que o trabalhador já se encontrava sem funções, equivaliam à atribuição de uma verba de 1.500,00€ (MIL E QUINHENTOS EUROS), por cada mês de inactividade!;
XCIII) No que especificamente tange à interpretação e aplicação do direito, entendeu o Tribunal “a Quo” que a Apelada teria logrado demonstrar que a inactividade do Apelante se encontraria justificada à luz do preceituado na alínea b) do n1 do art129do Código do Trabalho, Lei 7/2009 de 12 de Fevereiro;
XCIV) Ora, ainda que seja sempre devidamente ressalvado o devido respeito, que é muito, está o Recorrente inteiramente convencido de que a sua pretensão em ser ressarcido pelos danos decorrentes de uma situação de inactividade forçada, vivida durante cerca de 2 anos e meio, como de resto foi reconhecido em sede da facticidade dada como assente pela própria sentença de que se recorre, maxime no ponto uu), dos factos provados, não diminui o sentido e, muito menos, banaliza o conceito de assédio;
XCV) Desta feita, conforma arreigado entendimento do Apelante de que não poderão subsistir quaisquer dúvidas de que o comportamento observado pela Apelada, ao ter mantido o trabalhador numa deliberada situação de inactividade laboral, constitui uma ostensiva situação de assédio moral (“mobbing”);
XCVI) O mobbing laboral é, assim, uma atitude hostil e antiética, que é dirigida de uma forma sistemática normalmente pelo empregador ou pessoa que o representa contra um indivíduo, por regra, o trabalhador, que, por força desta situação, é levado a uma situação de desamparo e indefesa, em que ali é mantido devido a uma actividade contínua de mobbing;
XCVII) Importa ainda salientar que a distinção entre conflito e mobbing, não se foca no que é feito ou como é feito, mas na frequência ou duração do que é feito, vale isto por dizer, o mobbing deve ser visto como um conflito exagerado (neste sentido, vide, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 07/05/2018, no âmbito do processo n.º 2326/16.2T8VNG.P1, cujo relator foi o Exmo. Juiz Desembargador Domingos Morais);
XCVIII) Transmutando as aduzidas considerações relativas à figura do assédio moral, na vertente do “mobbing”, é possível concluir que o Recorrente foi efectivamente sujeito a tal situação por parte da Recorrida;
XCIX) Concretizando, o esvaziamento de funções do aqui Recorrente, adveio por força de uma ordem da entidade empregadora, ao ter sido indicado, como de resto decorre do ponto kk) dos factos provados, mais a este propósito constando dos pontos ll) e mm);
C) Ora, apesar de todo o artificioso enquadramento criado pela empregadora, a verdade é que a referida Unidade de Suporte, nada mais significou para o aqui Recorrente e demais colegas trabalhadores, do que terem sido colocados, sentados a uma secretária, sem rigorosamente nada para fazer, na estrita medida em que estes foram mantidos numa situação de inactividade laboral, debaixo de enorme pressão psicológica;
CI) Nesta decorrência, não se afigura minimamente inteligível o entendimento perfilhado pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal “a Quo”, a propósito da predita USP, o qual é claramente conclusivo e nada concretizado, tendo em consideração que aquela não se coaduna, de todo, à forma como é descrita na sentença recorrida;
CII) Mais evidente dos propósitos ínvios desta unidade, não fosse já suficientemente demonstrativa circunstância dos trabalhadores lá se encontrarem sem qualquer tipo de funções atribuídas, temos, ainda, as duas propostas apresentadas pela Recorrida para que o trabalhador rescindisse o contrato de trabalho por mútuo acordo, constantes dos pontos ww) e xx) do elenco dos factos assentes;
CIII) Neste sentido, concatenando a absoluta (e prolongada no tempo) retirada de funções, com as duas propostas apresentadas para efeitos de rescisão do contrato de trabalho por mútuo acordo, sem que de permeio existam quaisquer evidências, verbi gratia, factos provados, respeitantes a uma procura activa de novas funções, afigurar-se-ia mais lógico entender que esta unidade terá sido “verdadeiramente” criada para atribuir novas funções aos trabalhadores aí alocados, ou como uma mera “via instrumental” para os pressionar a aceitar a desvinculação da empresa a troco de uma quantia pecuniária?;
CIV) Na modesta, mas inabalável, convicção do Apelante, ressuma de modo inequívoco que o intuito desta unidade, maxime, a retirada de funções, tiveram como único e exclusivo propósito ínvio, pressionar o trabalhador a desvincular-se da empresa;
CV) Ademais, como facilmente se alcançará, no ínterim compreendido a partir do momento em que lhe foram retiradas totalmente as funções, sentiu-se o Apelante profundamente agastado e afectado psicologicamente;
CVI) Circunstâncias essas que nos remetem para as segunda e terceira “facetas” essenciais, para caracterizar a figura do “mobbing”: a duração e as consequências dos comportamentos praticados, “ta quale” são descritas pelo Prof. Dr. Júlio Gomes;
CVII) Desta sorte e no que concretamente concerne à duração, tendo ficado inquestionavelmente demostrado que tal relapsa situação não se cingiu a um ou vários actos isolados no tempo, mas outrossim e ao invés numa situação continuada e ininterrupta de cerca de 2 anos e meio, cuja tradução prática redundou com que a apelidada permanência numa situação de hostilidade, se tivesse transmutado naquilo que poderia “ab initio” ter sido enquadrado num mero conflito, num distinto (e mais gravoso) assédio moral;
CVIII) Finalmente, quanto à terceira “faceta”, atinente às já acima demonstradas (em sede de reapreciação da matéria de facto) consequências (estado clínico de reacção depressiva, materializando-se em ansiedade, alterações de sono, irritabilidade, vergonha, afastamento social e problemas na esfera sexual), não poderão subsistir quaisquer dúvidas de que foram resultantes dos ilícitos comportamentos perpetrados pela empregadora/Recorrida;
CIX) Ainda este propósito, perpassa do douto aresto de que se recorre, que o Meritíssimo Juiz do Tribunal “a Quo”, ou não reconhece a existência do direito à ocupação efectiva, ou tem do mesmo uma concepção que não é aquela que é generalizadamente sufragada pela nossa jurisprudência, decorrente da consagração legal expressa da alínea b) do n1 do art129do Código do Trabalho;
CX) Finalmente, atento o inusitado e chocante desfecho que os presentes autos encerram, os quais se traduzem numa incompreensível não realização da justiça, compelem o Apelante a rogar a competente produção de prova em sede de 2instância, tornando-se imperioso, seja ouvido por este Tribunal da Relação, o Dr. P. F. (médico psiquiatra), tudo, nos termos e para os efeitos do preceituado nas disposições conjugadas dos art.ºs 662.º, n.º 2, alíneas a) e b) e art.º 499.º, todos do CPC, aplicáveis por analogia no âmbito do estatuído no art.º 10.º do Código Civil, o que expressamente se requer a este Venerando Tribunal.

TERMOS EM QUE, deve revogar-se a douta sentença recorrida, substituindo-a por outra que julgue totalmente procedente, por provada, a Acção de Processo Comum, condenando-se a Recorrida pela imputada prática de assédio moral, entre outras e designadamente, pela inobservância do dever de ocupação efectiva do trabalhador; (ii) condenando-se a Apelada ao pagamento da competente indemnização adveniente dos danos não patrimoniais sofridos pelo trabalhador; bem assim (iii) ao pagamento de uma sanção pecuniária compulsória no montante diário de 200,00€ (DUZENTOS EUROS) por cada dia de atraso na atribuição de funções ao trabalhador, tudo com as legais consequências, deste modo se fazendo a habitual e costumada JUSTIÇA!”
A Ré respondeu ao recurso pugnando pela sua improcedência, com a consequente manutenção da decisão recorrida.
Foi proferido despacho que admitiu o recurso na espécie própria e com o adequado regime de subida,
Seguidamente foram os autos remetidos a esta 2ª instância e foi determinado que se desse cumprimento ao disposto no artigo 87.º n.º 3 do C.P.T., tendo o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitido douto parecer, no sentido da improcedência do recurso.
Colhidos os vistos dos Exmos. Desembargadores Adjuntos, cumpre apreciar e decidir.

II – OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objeto do recurso pelas suas conclusões e não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, que aqui se não detetam, no recurso interposto, colocam-se à apreciação deste Tribunal da Relação as seguintes questões:

1 - Da nulidade da sentença por violação do artigo 615.º n.º 1 al. c) do CPC;
2 – Da excepção dilatória inominada de inverificação dos requisitos de dedução de pedido genérico, referente à pretensão formulada pelo Recorrente na al. c) do petitório
3 - Da impugnação da matéria de facto;
4 – Da necessidade de produção de prova no tribunal de recurso;
5 - Da violação do direito de ocupação efectiva e do assédio moral.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos provados são os seguintes:

a) A R. é uma sociedade comercial por acções que se dedica por conta própria e escopo evidentemente lucrativo: “1- A concepção, a construção, a gestão e a exploração de redes e infra-estruturas de comunicações electrónicas, a prestação de serviços de comunicações electrónicas, dos serviços de transporte e difusão de sinal de telecomunicações de difusão e a actividade de televisão. 2 - A sociedade tem ainda como objecto a prestação de serviços nas áreas de tecnologias de informação, sociedade da informação, multimédia e comunicação, o desenvolvimento e a comercialização de produtos e equipamentos de comunicações electrónicas, tecnologias de informação e comunicação, bem como a realização da actividade de comércio electrónico, incluindo leilões on line, e ainda a prestação de serviços de formação e consultoria nas áreas que integram o seu objecto social. 3 - A sociedade poderá ainda exercer quaisquer actividades que sejam complementares, subsidiárias ou acessórias das referidas nos números anteriores, directamente ou através da constituição ou participação em sociedades. 4 - A sociedade pode, mediante deliberação do Conselho de Administração, adquirir e alienar participações em sociedades com objecto social diferente do descrito nos números anteriores, em sociedades reguladas por leis especiais, em sociedades de responsabilidade limitada ou ilimitada, bem como associar-se com outras pessoas jurídicas para, nomeadamente, formar agrupamentos complementares de empresas, agrupamentos europeus de interesse económico, novas sociedades, consórcios e associações em participação e, bem assim, constituir ou participar em quaisquer outras formas de associação, temporária ou permanente, entre sociedades e ou entidades de direito público ou privado.”
b) Nesta conformidade sucedeu que a R. incorporou por fusão a sociedade comercial por acções outrora denominada por Y COMUNICAÇÕES, S.A., NIPC: ………, com sede na Rua … Lisboa.
c) O Autor é trabalhador da Ré, encontrando-se, por isso, sob as suas ordens, direção e fiscalização, tendo presentemente a categoria profissional de “Técnico Especialista 5”.
d) Atualmente aufere um salário base de 1.379,53 €, acrescido de diuturnidades no montante de 202,72€, de subsídio de alimentação diário que ascende a 8,15€ e tem o seguinte horário de trabalho: das 09h00m até às 12h30m e das 14h00m às 17h36.
e) O Autor integra os quadros de pessoal efectivo da “Y COMUNICAÇÕES, S.A. (actual X – SERVIÇO DE COMUNICAÇÕES E MULTIMÉDIA, S.A.) desde 31/01/1985, tendo desempenhado as seguintes funções, nos níveis a seguir mencionados:
­ em 31/01/1985, Auxiliar de Telecomunicações, nível C;
­ em 21/05/1986, Técnico de instalações interiores/exteriores, nível D;
­ em 23/09/1988, Técnico de instalações interiores/exteriores, nível E;
­ em 23/09/1992, Técnico de instalações interiores/exteriores, nível F;
­ em 28/01/1995, Técnico de Telecomunicações, nível 3;
­ em 28/01/1996, Técnico de Telecomunicações, nível 4;
­ em 01/01/1998, Técnico de Telecomunicações, nível 5;
­ em 01/04/1999, Técnico de Telecomunicações, nível 6;
­ em 01/06/2000, Técnico de Telecomunicações, nível 7;
­ em 01/07/2000, Electrotécnico de Telecomunicações, nível 6;
­ em 01/07/2002, Electrotécnico de Telecomunicações, nível 7;
­ em 01/07/2004, Electrotécnico de Telecomunicações, nível 8;
f) Em 18/10/2010, o Autor sofreu um acidente de trabalho, dos quais resultaram sequelas que o condicionam para o trabalho.
g) Em 13/04/2012, foi realizado Exame Médico de Aptidão para o Trabalho, que considerou o A. como apto condicionalmente, com as recomendações de não executar tarefas que exijam grande elaboração mental, de não subir a postes e não poder conduzir qualquer tipo de veículo.
h) E no seguimento do Processo N.º 995/11.9TTBRG, de averiguação do Acidente de Trabalho ocorrido em 18/10/2010, foi elaborada Perícia de Avaliação do Dano-Corporal, em 09/05/2012.
i) Da referida Perícia resultou como história do evento que o A., na sequência do acidente tomou anti-depressivos.
j) E como dados documentais, a Perícia refere que entre outros tratamentos, o A. foi tratado em psiquiatria e urologia, por queixas de ejaculação precoce sem justificação.
k) Ainda na mesma Perícia, o próprio A, se queixou de ter dificuldade em relacionar-se sexualmente, incapacidade de jogar futebol com os amigos e não conseguir transportar material pesado.
l) Finalmente, refere ainda a Perícia, que como exames complementares de diagnóstico, o A. foi sujeito a avaliação médico-legal da especialidade de Psiquiatria, em 04/04/2012, da qual foi concluído que o A. «(…) desenvolveu na sequência do acidente sofrido (…) um síndrome depressivo-ansioso (..) Porém, mantem-se desde o início do quadro depressivo o problema de ejaculação precoce (…) No momento actual apresenta níveis de ansiedade elevados, com irritabilidade fácil perante acontecimentos desfavoráveis e dificuldade no desempenho sexual. (…) Assim, sou da opinião que, J. M.: 1.º Padece de síndrome ansioso com repercussão na vida diária e na sua actividade sexual (…)»
m) Em 26/06/2013, também ao serviço da Ré, voltou a sofrer novo acidente de trabalho, do qual resultaram lesões sérias para o A.
n) Em 29/10/2013, em Exame Médico Periódico, o A. foi dado como Apto Condicionalmente para o Trabalho, com as recomendações de não poder: estar sujeito a elevado stress, executar tarefas que exijam postura em carga; fazer transporte manual de cargas com peso superior a 7 kg, subir a postes; ter horário nocturno; e trabalhar em altura.
o) Um ano depois, em 21/10/2014, foi realizado novo Exame Médico Periódico, do qual resultou a manutenção de quase todas as recomendações, tendo o A. ficado Apto condicionalmente uma vez mais.
p) Em 16/07/2015, o A. foi sujeito a nova Perícia de Avaliação do Dano Corporal, resultante do acidente de trabalho ocorrido em 26/06/2013, de cujo relatório se infere que o A. esteve a ser tratado em ortopedia e psiquiatria, assim como antecedentes de IPP de 16% por acidente de viação 2 anos antes com acompanhamento psiquiátrico.
q) Nesta Perícia de 2015, o A. queixou-se de: dificuldade em conduzir por medo; dificuldade de concentração, dormir e irritabilidade; ejaculação precoce após o acidente, lombalgia, tonturas e irritabilidade com os colegas.
r) Do exame objectivo resultou que o A. apresentava perturbação de stress pós-traumático e sequelas de psiquiatria por acidente de 2010.
s) Em 31/05/2016, o A. foi sujeito a novo Exame de Saúde Periódico, donde resultou estar Apto Condicionalmente, com as recomendações de não poder: estar sujeito a elevado stress, fazer transporte manual de cargas com peso superior a 10 kg, subir a postes; ter horário nocturno; e trabalhar em altura.
t) E em 15/09/2016, no âmbito do processo de averiguação do acidente de trabalho ocorrido em 2013, que correu termos sob o N.º 538/14.2TTBRG, no Juiz 1, deste Juízo do Trabalho, o A. foi sujeito a Exame por Junta Médica de Psiquiatria.
u) De tal Exame por Junta Médica, resultou que o A., em virtude do acidente sofrido, apresentava perturbação/reacção depressiva prolongada, com tratamento psicofarmacológico, três/quatro vezes por ano, pelo período provável de dois anos.
v) E em 10/10/2016, foi proferida decisão nos autos supra mencionados, da qual resultou para o A. uma incapacidade permanente parcial para o trabalho de 25,20%, com direito a receber uma pensão anual vitalícia de € 4.439,81.
w) Todavia, cerca de três meses depois, em 26/01/2017, o A. participou à seguradora nova recidiva, segundo a qual o A., para além da lesão no peito e cervical, sentia-se afetado psicologicamente, com dores de cabeça, insónias, tonturas e estado psíquico alterado.
x) E em 01/06/2017, foi o A. sujeito a Exame Médico Periódico, do qual resultou que ficou o apto condicionalmente para o trabalho, com as recomendações de não poder: conduzir qualquer tipo de veículo, estar sujeito a elevado stress, fazer transporte manual de cargas com peso superior a 10 kg, ter horário nocturno, e trabalhar em altura.
y) E, finalmente, em 15/06/2018, foi o A. sujeito a Exame Médico Periódico, do qual resultou que ficou apto condicionalmente para o trabalho, com as recomendações de não poder: conduzir qualquer tipo de veículo, estar sujeito a elevado stress, fazer transporte manual de cargas com peso superior a 10 kg, ter horário nocturno, e trabalhar em altura.
z) Desde o pretérito dia 10 de Fevereiro de 2017 a esta parte, o Autor tem estado a ser seguido pelo psiquiatra, Dr. P. F., com consultório em Braga no Centro Médico ... Lda., que lhe tem prescrito o consumo de vários fármacos, verbi gratia, cetralina, mitrosipina, alprazolan, diplex etc.
aa) Desde 2010, após o primeiro acidente de trabalho, o Autor passou a desempenhar as seguintes funções: provisão e manutenção de circuitos alugados; projetos de instalação de cartas em Dslams; manutenção em Dslams (substituição de cartas e recuperação de portos); limpeza de filtros em Dslams; desmontagens de X Fibra (levantamento de ONTs e retirada de patchcords em PDO); desmontagens de circuitos alugados; desmontagens de routers/CPE; e apoio a outros colegas.
bb) As funções supra descritas acarretam, necessariamente, deslocações diárias a vários locais, nomeadamente a centrais e a clientes, através de condução de viatura de serviço.
cc) Acresce ainda que, também para o exercício de funções de técnico de telecomunicações, é essencial o transporte de pesos, particularmente da caixa de ferramentas, que podem pesar mais de 10kg.
dd) No sentido de procura activa de funções diferentes, mas compatíveis com a categoria profissional do A. e condicionantes físicas, entendeu a R. contactá-lo com vista ao apuramento da sua experiência profissional, bem como elaboração de breve diagnóstico de conhecimentos.
ee) Com este apuramento, a R. pretendia inserir o A. num programa de aquisição de novas competências, chamado “Programa 3D”, no qual seriam fornecidas mais de 70 horas de formação profissional presencial.
ff) Tal contacto ocorreu em 16/03/2016, através da trabalhadora da R. S. M., que ligou ao A.
gg) Nesse telefonema, o A. não deixou a trabalhadora dizer-lhe sequer qual o objectivo do seu contacto.
hh) Após a trabalhadora S. M. se ter identificado como pertencente aos Recursos Humanos da R., o A. iniciou o seu discurso dizendo “não estou bem da cabeça”, “estou medicado e tenho relatórios psiquiátricos”, “tenho a decorrer processos inerentes a acidentes de trabalho”, e “levo uma pistola e dou-lhe um tiro”.
ii) Chocada com as palavras do A., a trabalhadora da R. não adiantou mais o telefonema, com receio pela postura demonstrada pelo A.,
jj) A trabalhadora contou ao sucedido aos colegas da Direcção de Recursos Humanos, e a partir daí nenhum deles, incluído a trabalhadora S. M., se disponibilizou para abordar o A., sequer telefonicamente.
kk) Assim sendo, foi o mesmo indicado pela direcção para integrar a mobilidade funcional, através da sua alocação à Unidade de Suporte (doravante USP).
ll) A USP foi uma direção criada com o propósito de afectar temporariamente trabalhadores que se encontrem em situação de mobilidade ou alteração funcional, enquanto aguardam nova alocação a outras áreas de negócio, onde existam necessidades efetivas.
mm) Esta USP tem ainda como objectivo diligenciar, com toda a brevidade possível, pela atribuição de novas funções para os trabalhadores que lhe estão alocados, de acordo com as necessidades que as demais direcções da empresa lhe vão reportando, e depois de analisar os perfis e competências evidenciadas pelos trabalhadores disponíveis, assim como o respectivo enquadramento na categoria profissional, os coloca nessas direções.
nn) Em resultado da restruturação interna da empresa, a DOI foi afectada por uma profunda restruturação fruto, entre outras, de inovações tecnológicas incontornáveis, que implicaram a movimentação de alguns trabalhadores. (alterada a redacção em conformidade com o decidido no ponto IV.3)
oo) O Autor não acompanhou a evolução tecnológica da empresa, tornando-se um trabalhador com competências limitadas face aos demais colegas, para as funções da DOI, daí que foi entendido que o mesmo poderia ser aproveitado noutras áreas da empresa.
pp) No dia 21 de Novembro de 2016, o Autor recebeu um e-mail da Direcção de Recursos Humanos da Ré, com o seguinte teor:
“Dando cumprimento ao disposto na alínea b) do nº 7 da Clª 36ª do ACT, venho dar-lhe conhecimento que na sequência da sua afetação à USP a mesma implica transferência de local de trabalho para o Largo … para o posto de trabalho nº 6, em Braga, a partir do dia 9 de Dezembro, data em que se deve apresentar nas novas instalações.
Quaisquer esclarecimentos adicionais relativamente à presente alteração de local de trabalho, poderão ser endereçados à sua hierarquia no âmbito da USP (M. L.).
Cumprimentos,
Direção de Recursos Humanos”.
qq) Através do despacho nº 1065.17, de 19/10/2017, de que o Autor tomou conhecimento em 25/10/2017, a Ré autorizou “a título excecional e temporário, a dispensa de assiduidade ao colaborador J. M. (……), de 2 de novembro de 2017 a 31 de janeiro de 2018”, dispensa essa que poderia “cessar a qualquer momento por iniciativa da Empresa”.
rr) Por e-mail datado de 30/10/2017, dirigido a M. L., com conhecimento de J. T., e cuja cópia foi junta com a petição como documento nº 37, o Autor comunicou à Ré, entre o mais, que repudiava totalmente aquela autorização a título excepcional e temporário de dispensa de assiduidade ao trabalho.
ss) Através do despacho nº 112.2018, de 05/01/2018, comunicado ao Autor por carta datada de 23/01/2018 a que estava anexado o referido despacho, a Ré autorizou a prorrogação da dispensa de assiduidade do Autor até ao dia 30 de Junho de 2018.
tt) Dispensa de assiduidade essa que o Autor sempre rejeitou.
uu) Assim, desde 9 de Dezembro de 2016, o Autor cumpriu o seu horário de trabalho dentro de uma sala, sem nada para fazer, sendo certo que as funções que antes desempenhava, continuam a ser desempenhadas por outros colegas da DOI.
vv) Desde que o A. foi alocado à USP, foram-lhe apresentadas duas propostas pela R., com vista à rescisão do contrato de trabalho por mútuo acordo.
ww) Na primeira reunião, ocorrida em 09/05/2017, foi-lhe proposto um montante indemnizatório para efeitos de rescisão do contrato de trabalho por mútuo acordo, recusado pelo A..
xx) E na segunda reunião, ocorrida em 25/10/2017, foi incrementado o montante indemnizatório para efeitos de rescisão do contrato de trabalho por mútuo acordo, que foi recusado, invocando o A. que o fazia por se encontrar a preparar processo em tribunal contra a R.

IV - APRECIAÇÃO DO RECURSO

1 - DA NULIDADE DA SENTENÇA - ARTIGO 615.º N.º 1 AL. C) DO CPC;

Suscita o Apelante a nulidade da sentença recorrida nos termos do disposto no art.º 615 n.º 1 al. c) do CPC., defendendo que a sentença padece do vicio de oposição entre os fundamentos e a decisão, bem como de ambiguidade ou obscuridade que tornam a decisão ininteligível.

Vejamos:

Por força do disposto no art. 615.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi art. 1.º do Código de Processo do Trabalho, a sentença é nula quando:
“a) Não contenham a assinatura do juiz;
b) Não especifiquem os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.”

Como é sobejamente sabido as nulidade da sentença respeitam apenas aos vícios taxativamente previstos no citado artigo 615.º n.º 1 do CPC., que geram dúvidas sobre a sua autenticidade, ou ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que se decide em determinado sentido e não noutro, ou porque essa explicação conduz, logicamente a resultado diverso do seguido, quer ainda por falta de tomada de posição sobre questões (de facto ou de direito) suscitadas com vista à procedência ou improcedência do pedido, não se confundindo nem com os erros de julgamento – errada subsunção dos factos ao direito – nem com as nulidades processuais, que se traduzem em desvios ao formalismo processual previsto na lei.
Assim, para que ocorra a nulidade da sentença por contradição entre a fundamentação e a decisão judicial impõe-se que exista uma verdadeira contradição entre os fundamentos e a decisão, apontando a fundamentação num sentido e a decisão num sentido diferente. Tal verifica-se quando a sentença sofre de um vício intrínseco à sua própria lógica, traduzido no facto da fundamentação em que se apoia não poder suportar o sentido da decisão que vem a ser proferida.
Como escreve Alberto dos Reis in CPC. anotado Vol. V, (reimpressão) pág. 141, a este propósito: “No caso considerado no n.º 3 do artigo 668º a contradição não é apenas aparente, é real; o juiz escreveu o que queria escrever; o que sucede é que a construção da sentença é viciosa, pois os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto.”
Como também refere o Prof. Antunes Varela, in Manual de Processo Civil, 2ª edição, pág. 689, o seguinte: “a lei refere-se, na alínea c) do n.º 1 do artigo 668º à contradição real entre os fundamentos e a decisão e não às hipóteses de contradição aparente, resultantes de simples erro material, seja na fundamentação, seja na decisão. (…) Nos casos abrangidos pelo artigo 668º, 1, c), há um vício real no raciocínio do julgador (e não um simples lapsus calami do autor da sentença): a fundamentação aponta num sentido; a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos direcção diferente.”
Daqui resulta, que estamos na presença desta nulidade quando os fundamentos invocados pelo juiz deveriam logicamente conduzir ao resultado oposto ao que vem expresso na sentença, ou seja a sentença padece de erro lógico na conclusão do raciocínio jurídico, pois a argumentação desenvolvida ao longo da sentença aponta de forma clara para um determinado sentido e não obstante, a decisão é proferida em sentido oposto.
Assim não ocorre a referida nulidade quando o resultado a que o juiz chega na sentença deriva, não de qualquer oposição entre os fundamentos e a decisão, mas da subsunção legal que entendeu melhor corresponder aos factos provados.
Por outro lado, é de considerar a sentença obscura quando o seu conteúdo ou parte dele, seja ininteligível e é de considerar de ambígua quando se preste a interpretações diferentes.
“Num caso não se sabe o que o juiz quis dizer; no outro hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos. É evidente que, em última análise, a ambiguidade é uma forma especial de obscuridade. Se determinado passo da sentença é suscetível de duas interpretações diversas, não se sabe, ao certo, qual o pensamento do juiz.”, Alberto dos Reis, ob. citada, pág.151.
Analisemos o caso concreto.
Defende o Recorrente que estando em causa nos presentes autos apurar da justificação e licitude da inobservância do dever de ocupação efectiva por parte do empregador verificado desde 7 de Dezembro de 2016, o julgador veio a considerar como factor que conduziu à inactividade do trabalhador, as sequelas resultantes dos sinistros laborais ocorridos em 2010 e 2013. Ficando assim sem se perceber porque é que tal não ocorreu em 2010 ou o mais tardar em 2013. Na opinião do Recorrente a factualidade provada respeitante às sequelas de que padece o Autor em consequências dos dois acidentes de trabalho sofridos nos anos de 2010 e 2013, respectivamente, não permitem estabelecer qualquer nexo de causalidade justificador da retirada de funções ao trabalhador, em Dezembro de 2016, ficando assim sem se perceber o raciocínio lógico que permitiu ao Juiz a quo concluir nesse sentido, sendo ainda certo que a factualidade provada não permite concluir que vários anos após a ocorrência dos acidentes venham a ser retiradas funções ao autor, em face das sequelas que o mesmo padece em consequência do acidente.
Ora, salvo o devido respeito, por opinião em contrário não se nos afigura que exista a alegada contradição, nem ocorre qualquer ambiguidade que permita apelidar a sentença de ininteligível, isto sem prejuízo de se discordar da interpretação e da aplicação do direito, o certo é que a argumentação de facto e de direito que consta da sentença, só podia conduzir à improcedência da acção.
Com efeito, na decisão recorrida não se justifica a inactividade do trabalhador exclusivamente com as sequelas de que ficou o autor a padecer resultantes dos acidentes de trabalho sofridos, mas sim justifica-se a inactividade, fundamentando-a na globalidade da factualidade provada, que aponta para diversas situações, nela se incluindo as sequelas resultantes do acidente, aliadas à reestruturação da empresa, conjugado ainda com a oposição do trabalhador em receber formação adequada para preencher um novo posto de trabalho. Tal resulta claro e evidente do teor da sentença recorrida como se transcreve:
“…a apreciação desta situação redundaria sempre, em última instância, em saber se existia motivo ligado ao funcionamento da empresa que, como facto não imputável à Ré e alheio à sua vontade, justificasse a inactividade forçada daquele trabalhador durante aquele período de tempo, afastando a violação do dever geral de boa fé.
Ora, no caso dos autos, a modificação substancial da posição do Autor sem ocupação deve-se, não à vontade injustificada da Ré em opor-se a que aquele exercesse, sem mais, as funções correspondentes à sua categoria profissional, mas a outras circunstâncias alheias à vontade daquela, designadamente relacionadas com a incapacidade para o trabalho do Autor que o condicionam na sua prestação laboral (sendo impeditivas do exercício de parte das funções antes desempenhadas), aliadas à reestruturação da empresa que resultou por sua vez numa profunda reorganização do departamento da empresa onde trabalhava o Autor, tudo isso associado à oposição do trabalhador em receber formação adequada para preencher novo posto de trabalho, o que, aliás, levou à decisão da Ré de o dispensar do dever de assiduidade, que o Autor rejeitou Pensamos, pois, que existia aquele motivo objectivo justificador daquela inactividade do Autor. Além do mais, como referimos, a Ré não deixou de diligenciar no sentido de encontrar novas funções compatíveis com a categoria profissional do Autor, apesar da oposição deste.
Por isso, não podemos concluir, sem mais, que ao actuar como ficou provado, a Ré tivesse agido contra os ditames da boa fé no cumprimento das suas obrigações (artigo 126º, nº 1 do Código do Trabalho).
Por outras palavras, a factualidade dada como assente, não é suficiente para se concluir que a situação de inocupação do Autor, a partir de Dezembro de 2016, fosse injustificada, como exige o preceito, cuja violação é imputada à arguida. A norma em causa envolve apenas a obrigação de o empregador não obstar à prestação, o que é seguramente menos do que propiciar os meios necessários a que a prestação se efective.”
Voltamos a salientar que não ocorre qualquer violação às regras necessárias à construção lógica da sentença, já que os fundamentos que dela constam não conduzem logicamente a conclusão oposta ou diferente da que se encontra nela enunciada.
Por outro lado, também não vislumbramos em que medida é que a decisão recorrida enferma de ambiguidade ou obscuridade, que a torna ininteligível, já que como bem acentua a Apelada, “o Recorrente entendeu de forma clara a decisão proferida, não levantando qualquer questão sobre o seu não entendimento.”
O facto de o Recorrente discordar da factualidade que o tribunal a quo considerou relevante para a decisão tomada, o facto de sustentar que o tribunal a quo deveria ter considerado outra factualidade, ou, ainda, sustentar que houve erro na interpretação ou valoração da prova produzida e de subsunção jurídica aos factos apurados, não consubstancia, nem uma qualquer contradição lógica entre os fundamentos de facto e de direito considerados pelo tribunal a quo, nem consubstancia qualquer ambiguidade ou obscuridade da sentença recorrida. Podemos quanto muito estar perante um erro de julgamento, que interferirá apenas com o mérito da decisão e não com a sua conformidade lógico-formal.
Tal como refere a este propósito o Procurador Geral-Adjunto no parecer junto aos autos “…para além de os fundamentos de facto e de direito estarem em concordância lógica com a decisão, o silogismo seguido pelo julgador mostra-se claramente compreensível, não sendo também, por isso, contrariamente ao alegado pelo recorrente, a sentença ambígua, obscura ou contraditória de forma a acarretar a sua nulidade.”
Improcede assim a arguida nulidade da sentença, bem como as conclusões LXXV a LXXXVII da alegação de recurso.

2 – DA EXCEPÇÃO DILATÓRIA INOMINADA DE INVERIFICAÇÃO DOS REQUISITOS DE DEDUÇÃO DE PEDIDO GENÉRICO, REFERENTE À PRETENSÃO FORMULADA PELO RECORRENTE NA AL. C) DO PETITÓRIO

Insurge-se o Recorrente relativamente ao facto do Tribunal a quo ter considerado de inadmissível o pedido genérico formulado pelo autor, por considerar desnecessário recorrer à faculdade conferida pelo artigo 569.º do Código Civil, na medida em que estando em causa danos morais e tendo o autor liquidado os mesmos na importância de €28.500,00, não se vislumbra qualquer razão para não ter procedido ao cálculo da totalidade destes danos.
Vejamos:
Como é sobejamente consabido em regra os pedidos formulados na petição inicial devem ser determinados e apresentados de forma específica, quer quanto ao seu conteúdo, quer quanto o seu quantitativo, contudo situações ocorrem em que o autor, no momento em que propõe a acção não consegue concretizar totalmente aquilo que pretende, daí ser excepcionalmente admitida a formulação de pedido genérico, nos termos prescritos no artigo 556.º do CPC.

Assim, prescreve o n.º 1 do artigo 556.º do CPC. o seguinte:

“1. É permitido formular pedidos genéricos nos casos seguintes:
a) Quando o objeto mediato da ação seja uma universalidade, de facto ou de direito;
b) Quando não seja possível determinar, de modo definitivo, as consequências do facto ilícito, ou o lesado pretenda usar da faculdade que lhe confere o artigo 569º do Código Civil;
c) Quando a fixação do quantitativo esteja dependente de prestação de contas ou de outro ato que deva ser praticado pelo réu.”.
E dispõe o art.º 569.º do C.C. que “quem exigir a indemnização não necessita de indicar a importância exacta em que avalia os danos, nem o facto de ter pedido determinado quantitativo o impede, no decurso da acção, de reclamar quantia mais elevada, se o processo vier a revelar danos superiores aos que forem inicialmente previstos”.

Daqui resulta que apenas é permitido formular pedido genérico nas seguintes situações:
- quando a acção tenha por objecto mediato uma universalidade de facto ou de direito;
- quando no momento da propositura da acção de indemnização, não é ainda possível fixar de modo definitivo as consequências do facto ilícito, por não ser possível ainda determinar a extensão dos danos, ou seja os elementos que o autor dispõe não permitem com rigor e segurança determinar as consequências danosas. O autor pede uma indemnização cujo quantitativo não precisa, quer por tal lhe ser ainda impossível (por exemplo, na situações em que o lesado fica impedido de continuar determinada actividade económica, pretende ser ressarcido dos lucros cessantes, mas não dispõe de todos os elementos para quantificar a perda de ganho); quer por querer usar da faculdade que lhe concede a 1ª parte do art.º 569.º do C.C. (a de não indicar a quantia exacta em que avalia o dano). Daqui resulta que o autor pode deduzir um pedido ilíquido, pelo menos, em caso de dúvida quanto ao apuramento do quantitativo, já possível, do dano verificado;
- quando a fixação do quantitativo estiver dependente de prestação de contas ou de outro ato que deva ser praticado pelo réu, ou seja é pedida a condenação do réu na quantia que venha a ser apurada em consequência do ato a praticar por ele.
A dedução de pedido genérico fora deste condicionalismo reconduz-se a uma excepção dilatória inominada, tendo como efeito a absolvição da instância (crf. art.º 278.º n.º 1 al. e) do CPC).
De acordo com o n.º 2 do art.º 556.º do CPC. a determinação do objecto a que o pedido genérico respeita faz-se, nos casos previstos nas alíneas a) e b) do seu n.º 1, mediante o incidente de liquidação, o qual se processa nos termos dos artigos 358.º a 360.º do CPC.
Em suma e no que aqui releva podemos dizer que existe fundamento legal para o pedido genérico, através da referida al. b) do nº 1 do art.º 556º, do CPC. desde que haja indeterminação da extensão das consequências danosas do facto gerador da responsabilidade, ou através do prescrito no art.º 569º CC, em que se permite ao lesado não avaliar pecuniariamente as consequências danosas já verificadas, embora, tenha de alegar factos que revelam a existência e a extensão dos danos, ou seja tem de fornecer os factos indispensáveis à determinação do dano, abstendo-se apenas de o avaliar em termos pecuniários. A que acresce dizer que o facto de ter pedido determinado quantitativo não o impede, de no decurso da acção, de reclamar quantia mais elevada, se o processo vier a revelar danos superiores aos que foram inicialmente previstos.
Ora, a possibilidade de se utilizar o pedido genérico no que respeita à regra que consta da 2ª parte do art.º 569.º do CC, ou seja nas situações em que foi fixado o montante dos danos não patrimoniais, mas por os mesmos não serem conhecidos em toda a sua dimensão, parece-nos estar abrangida pela citada al. b) do n.º 1 do art.º 556 do CPC. que tem de ser entendida quer se trate de danos de natureza patrimonial ou não, relativamente aos quais está em causa a fixação de uma indemnização em dinheiro, ainda que, no que respeita aos danos de natureza não patrimonial esta seja fixada equitativamente pelo tribunal tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art.º 494º, como o dispõe expressamente o nº 3 do art.º 496º CC..
Sem margem para dúvida, que o facto do montante da indemnização dever ser fixado equitativamente, impõe que o autor indique a importância em que avalia os seus próprios danos, pois ninguém melhor que ele estará em condições para avaliar os seus prejuízos. A obrigatoriedade de liquidez no pedido de ressarcimento de danos de natureza não patrimonial advém, da sua própria natureza, conjugada com o disposto no art.º 564º n.º 1ª parte CC, quando nele se refere que “na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis”.
Contudo, nada impede que se tendo valorado em termos de pedido líquido o dano não patrimonial, mas não tendo sido possível até à data da propositura da acção determinar em definitivo toda a extensão e consequência do facto ilícito imputado à recorrida, se formule um pedido genérico relativamente à extensão do dano que o lesado não conseguiu determinar à data da propositura da acção.
Como se refere a este propósito no Acórdão da Relação de Lisboa de 8/10/2009, proc. n.º 132/1996.L1-2 (relatora Teresa Albuquerque), “O lesado em bens de natureza não patrimonial, porque sabe que não é qualquer dano moral futuro, que é, ou que será, indemnizável, mas apenas aqueles que à data da lesão se configurem, desde logo, como previsíveis, de acordo, como se referiu, com o curso normal dos acontecimentos, não pode deixar de valorar em termos de pedido líquido este tipo de danos no momento em que requer a sua compensação, não podendo remete-los genericamente para liquidação em execução de sentença,…”
E mais à frente refere ainda “Também não se exclui, por outro lado, que o pedido, mesmo que relativamente a danos de ordem não patrimonial, possa ser remetido para liquidação posterior, mas apenas parcialmente, e não genericamente, como o A. o fez.
Isso sucederá, quando no momento da formulação do pedido, o lesado, tendo embora o dano não patrimonial como suficientemente provável na sua ocorrência, e portanto, devendo ser tido como certo, não possa valora-lo em toda a sua extensão, “por haver falta de elementos ou necessidade de os já reunidos serem objecto de aclaração ou de concretização de pormenores” utilizando aqui as palavras do Ac STJ de 7/12/05”
No caso em apreço, estando apenas em causa a formulação de pedido genérico relativamente à extensão do dano que o lesado não conseguiu determinar à data da propositura da acção, não se vislumbra qualquer razão para considerar inadmissível o pedido formulado pelo Recorrente, sob a al. c) do petitório, já que se encontram preenchidos os requisitos legais, designadamente os previstos na al. b) n.º 1 do art.º 556.º do CPC.
Assim é de concluir que constitui pedido genérico processualmente admissível o pedir-se a condenação ao pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais, advenientes “de todo o incerto e continuado período vincendo de inactividade laboral” a que o trabalhador permaneça votado, e até que lhe voltem a ser efectivamente atribuídas pela R. funções inerentes à sua categoria e carreira profissional, calculada e atribuída ao A. de acordo com o mesmo predito critério de 1.500,00€ (mil e quinhentos euros) mensais mencionado na alínea anterior.
Procedem as conclusões LXXXVIII a XLII da alegação de recurso e consequentemente revoga-se nesta parte a sentença recorrida deixando-se consignado que em face do exposto improcede a excepção dilatória inominada

3 - DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO;

O Recorrente/Apelante impugna a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal a quo, por erro de julgamento quanto a diversos pontos de facto provados e não provados que devem ser alterados, impondo-se assim a reapreciação da prova.

Prescreve o art.º 662.º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe «Modificabilidade da decisão de facto» que:
1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
2 - A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:
a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento;
b) Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova;
c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;
d) Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados.
3 - Nas situações previstas no número anterior, procede-se da seguinte forma:
a) Se for ordenada a renovação ou a produção de nova prova, observa-se, com as necessárias adaptações, o preceituado quanto à instrução, discussão e julgamento na 1.ª instância;
b) Se a decisão for anulada e for inviável obter a sua fundamentação pelo mesmo juiz, procede-se à repetição da prova na parte que esteja viciada, sem prejuízo da apreciação de outros pontos da matéria de facto, com o fim de evitar contradições;
c) Se for determinada a ampliação da matéria de facto, a repetição do julgamento não abrange a parte da decisão que não esteja viciada, sem prejuízo da apreciação de outros pontos da matéria de facto, com o fim de evitar contradições;
d) Se não for possível obter a fundamentação pelo mesmo juiz ou repetir a produção de prova, o juiz da causa limitar-se-á a justificar a razão da impossibilidade.
4 - Das decisões da Relação previstas nos n.ºs 1 e 2 não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.”

Por seu turno, o art.º 640.º do Código do Processo Civil que tem como epígrafe o ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, dispõe que:

“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º”

Cabe assim ao Tribunal de recurso verificar se o juiz a quo julgou ou não adequadamente a matéria de facto controvertida em face dos elementos a que teve acesso, de forma a verificar ou não um eventual erro de julgamento na apreciação/valoração das provas, aferindo-se da adequação, ou não, desse julgamento, que possa vir a impor decisão diversa.
Tenha-se presente que o Tribunal da Relação só deve alterar a matéria de facto em caso de manifesta desconformidade dos factos apurados com os meios de prova disponíveis nos autos, devendo dar-se prevalência aos princípios da oralidade e da imediação, bem como ao da livre apreciação da prova.
A admissibilidade da alteração da factualidade apurada, ainda que exista prova gravada só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando não exista qualquer sustentabilidade face à compatibilidade entre a resposta dada à matéria de facto e a respectiva fundamentação ou seja só se deve abalar a convicção criada pelo juiz a quo, em casos pontuais e excepcionais, ou seja quando não estando em causa a confissão ou qualquer facto só susceptível de prova documental, se verifique que as respostas dadas não têm qualquer suporte nos elementos de prova trazidos aos autos ou estão em manifesta contradição com a prova produzida, ou não têm qualquer fundamento perante a prova constante dos autos.
Cumpre acrescentar, no que respeita aos depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida deverá o Tribunal da Relação dar prevalência à decisão proferida pela 1ª instância, em observância aos princípios acima mencionados (princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação), tendo presente que importa apenas verificar se a convicção do tribunal a quo tem suporte razoável nos elementos de prova que constam dos autos, pois para que ocorra o erro de julgamento importa que a prova constante dos autos se revele inequívoca no sentido pretendido pelo recorrente.
Em suma, o Tribunal da Relação só deve alterar a decisão sobre a matéria de facto da 1ª instância, quando exista a necessária segurança para se poder concluir relativamente a cada um dos pontos de facto impugnados, que os depoimentos prestados em audiência conjugados com a demais prova produzida imponham e não permitam, uma conclusão diferente da assumida em 1ª instância.
Depois de termos ouvido todos depoimentos prestados na audiência de julgamento e analisado a prova documental junta aos autos, passamos à apreciação da impugnação da matéria de facto, uma vez que se mostram minimamente cumpridos os ónus de impugnação previstos no citado art.º 640.º do CPC.
Pretende o Recorrente que se dê como não provadas as alíneas h, i, j, k, l, n, o, p, q, r, s, t, u, v, w, x, y dos pontos de facto provados, uma vez que esta factualidade foi considerada como provada única e exclusivamente com fundamento nos autos de acidentes de trabalho/viação, ocorridos em 2010 e 2013, que correram os seus termos sob os n.ºs 995/11.9TTBRG e 538/14.2TTBRG, ambos do Juízo do Trabalho – J2, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, limitando-se o tribunal a quo a transpor tal factualidade para os autos, sem que tivesse sido estabelecido qualquer nexo de causalidade entre a mesma e a discutida nos autos e completamente desacompanhada de qualquer outra prova que a sustente, em clara inobservância ao regime estabelecido no artigo 421.º do CPC que rege a eficácia extraprocessual da prova.

Dispõe o art.º 421.º do CPC, sob a epígrafe “ Valor extraprocessual das provas”, o seguinte:

1 “Os depoimentos e perícias produzidos num processo com audiência contraditória da parte podem ser invocados noutro processo contra a mesma parte, sem prejuízo do disposto no nº 3 do artº 355º do Código Civil; se, porém, o regime de produção da prova do primeiro processo oferecer às partes garantias inferiores às do segundo, os depoimentos e perícias produzidos no primeiro só valem no segundo como princípio de prova.
2 O disposto no número anterior não tem aplicação quando o primeiro processo tiver sido anulado, na parte relativa á produção da prova que se pretende invocar”.

Daqui resulta que não são os factos provados numa acção que podem ser invocados noutra, mas que apenas, o tribunal pode nesta outra acção servir-se de alguns meios de prova, tais como os depoimentos/declarações de parte, depoimentos testemunhais e perícias, que foram utilizados na anterior acção. A regra é a de que, os efeitos de tais meios de prova se restringem ao processo em que foram produzidas, sendo contudo extensíveis a outros processos quando exista identidade da parte contra a qual é invocada a prova.
Como se refere em anotação ao art.º 421.º no CPC anotado, vol., I, 2ª edição, António Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa “Qualquer um dos referidos meios de prova vale como princípio de prova se acaso o processo em que foi produzido proporcionar garantias inferiores, como sucede na acção de averiguação oficiosa da paternidade. Ademais, nenhum efeito poderá ser extraído das provas produzidas se o processo entretanto tiver sido anulado na parte da instrução. Igualmente sucede nos casos em que a prova tenha sido produzida sem contraditório, como ocorre em determinados procedimentos cautelares.”
Acresce dizer que é a parte que se pretende aproveitar dos meios de prova, que incumbe o ónus de indicação da produção da prova extraprocessual, na parte que se pretende invocar no processo, e, de forma especificada, nomeadamente por via da junção do exame ou exames periciais que se pretende fazer valer, que deve ser apresentado no momento normal e em que se requerer a produção de prova.
Retornando ao caso em apreço cumpre dizer que ao contrário do afirmado pelo Recorrente o Tribunal a quo não se limitou a transpor a factualidade que consta dos processos de acidente de trabalho n.ºs 995/11.9TTBRG e 538/14.2TTBRG, ambos do Juízo do Trabalho – J2, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, completamente desacompanhada de qualquer outra prova que a sustente e para tanto basta atentar na motivação da matéria de facto na qual a este propósito se consignou o seguinte.
“Com efeito, os factos mencionados nas alíneas a), b), c), d), e), f), g), h), i), j), k), l), m), n), o), p), q), r), s), t), u), v), w), x), y), z), qq), rr), ss), tt), uu), que se referem à carreira profissional do Autor ao serviço da Ré e vicissitudes do respectivo vínculo contratual, nomeadamente as resultantes dos dois acidentes de trabalho sofridos, ou foram confessados pela Ré ou têm correspondência no conteúdo dos documentos juntos quer com a petição, quer com a contestação, sendo certo que nenhuma das partes impugnou a validade dos documentos juntos pela contraparte, designadamente todos os relatórios de exames médicos do IML e de Aptidão para o Trabalho.
Por outro lado, a factualidade mencionada nas alíneas aa), bb), cc), dd), ee), ff), gg), hh), ii), jj), kk), ll), mm), nn), oo), vv), ww) e xx), pese embora não tivesse sido de todo impugnada pelo Autor, resultou do depoimento das testemunhas arroladas pela Ré, nomeadamente, de: C. G. (chefe directo do Autor pelo menos até 2015), M. L. (Gestora de Recursos Humanos da Ré, departamento onde trabalha desde 1995), S. M. (Consultora de Recursos Humanos da Ré há cerca de 15 anos) e A. S. (funcionária da Ré, na Direcção de Recursos Humanos, há cerca de 25 anos). Estas testemunhas, foram ou são funcionários da Ré, pelo que souberam explicar, com clareza, as causas que levaram à situação de inactividade laboral do Autor, desde que foi afectado à USP e colocado nas instalações da Ré de ..., em Braga. Concretamente, explicaram que, depois de 2014, o Autor deixou de fazer prevenção, por causa das limitações funcionais de que ficou afectado em resultado dos dois acidentes de trabalho sofridos, respectivamente, em 2010 e 2013. Por isso, e também fruto da reestruturação do departamento a que pertencia, referiram que quando foi colocado na USP foi com o objectivo de lhe darem novas funções compatíveis com a sua categoria profissional, o que não foi tarefa fácil, como referiu a testemunha A. S., dadas as condicionantes referidas nos vários relatórios médicos de Aptidão para o Trabalho. Todas elas depuseram de forma que nos pareceu desinteressada e isenta, não condicionando os respectivos depoimentos aos seus interesses ou aos da empresa.
Assim, o que sobressaiu daqueles depoimentos é que a inocupação do Autor a partir de Dezembro de 2016 se ficou a dever a múltiplas causas: incapacidade para o trabalho do Autor, em resultado dos dois acidentes de trabalho; reestruturação do departamento em que trabalhava o Autor; dificuldades em conseguir nova colocação compatível com a categoria profissional do Autor e limitações funcionais; e, recusa por parte do Autor da dispensa do dever de assiduidade proposto pela empresa. Aliás, ao prestar declarações, o Autor acabou por confirmar que tinha dificuldades na aprendizagem das novas tecnologias.”
Daqui resulta que a convicção do tribunal a quo não foi apenas firmada no teor dos documentos apresentados em sede de contestação, neles se incluindo dois exames periciais realizados no âmbito dos autos de acidente de trabalho, mas sim, também na demais prova produzida em audiência de julgamento, designadamente os depoimentos das testemunhas arroladas pela Ré - C. G. e M. L.. - que se pronunciaram quer sobre os acidentes de trabalho sofridos pelo autor, quer sobre as fichas de aptidão médica juntas aos autos. Acresce dizer que a testemunha P. F., médico psiquiatra que ultimamente acompanha o autor também se pronunciou sobre esta factualidade, tendo-lhe sido exibidos os documentos e relatórios de perícia, os quais analisou e se pronunciou, nomeadamente quanto às sequelas de que ficou a autor a padecer em consequência desses dois acidentes, revelando ainda ter conhecimento, porque o autor lhe relatou que na altura teve acompanhamento por psiquiatria, que o medicou.
Os documentos juntos aos autos, dos quais resulta inequívoco não só as limitações de que o autor é portador e que constam das fichas de aptidão médica, como também que o autor sofreu dois acidentes de trabalho em consequência dos quais ficou a padecer de sequelas do foro psiquiátrico, merecedoras de atribuição de incapacidade parcial para o trabalho, passando a beneficiar de acompanhamento psiquiátrico prestado pela Seguradora responsável pela reparação dos acidentes (como é reconhecido pelo Psiquiatra que acompanha o sinistrado e que presta serviços para a Seguradora) conjugados com a prova testemunhal produzida designadamente os testemunhos acima referidos, afigura-se-nos que ao tribunal a quo mais não restava do que dar como provada a factualidade que agora se pretendia que fosse considerada de não provada.
No que respeita à inobservância das regras que regem a eficácia extraprocessual das provas apraz dizer, que ao contrário do defendido pela recorrente, diremos que apenas factualidade que respeita às perícias médicas levadas a cabo naqueles outros autos de acidente de trabalho mencionados pela requerente, estaria abrangida pelo prescrito no artigo 421.ºdo CPC, a que acresce dizer que no que respeita a tais provas perícias consideramos estarem preenchidos os requisitos para a admissão e valoração dos meios de prova em causa como passamos a demonstrar.
Assim, a parte contra quem se pretendeu fazer valer a prova pericial em todos os processos é a mesma – o autor; podemos afirmar que o autor em todos os processos teve a possibilidade de exercer o contraditório quer quanto à admissão, quer quanto à produção de tal prova, pois nada foi alegado em contrário; o regime de produção dessas provas nos dois processos ofereceu às partes garantias pelo menos iguais às proporcionadas por este processo; também não consta nem foi invocado que qualquer uma das provas periciais aqui invocada tivesse sido anulada.
Quanto aos restantes documentos juntos com a contestação e que fundamentam também da prova da factualidade agora impugnada, não resulta dos autos que os mesmos tivessem servido de meio de prova nas acções de acidente de trabalho, sendo certo que também não estariam abrangidos pelo regime previsto no art.º 421.º do CPC., razão pela qual conjugados com a demais prova produzida, designadamente a testemunhal impunha-se a sua valoração, tal como foi entendido pelo Tribunal a quo.
Em suma, não só não se vislumbra qualquer razão para que a matéria de facto provada agora impugnada pelo Recorrente passe a constar da factualidade não provada, como não se mostra violado ou desrespeitado o regime estabelecido no art.º 421.º do CPC., uma vez que relativamente à prova pericial que aqui se pretendeu valorar o mesmo foi respeitado e relativamente aos demais documentos, designadamente as fichas de aptidão nada indica que se trate de documentos que constassem ou tivessem sido valorados no âmbito de uma qualquer processo judicial.
Improcede nesta parte a impugnação, sendo de manter inalterada a factualidade provada.
Quanto à factualidade que consta nos pontos 36.º, 37º, 38º, 41º, 42º, 43º, 44º, 47º, 48.º, 49º, 50º, 51º, 52º, 53º, 54º, 55º, 56º, 57º, 58º, 59º, 60º, 61º, 62º, 63º, 64º, 65º, 66º, 69º, 94º, 102º e 106º da petição inicial, entende o Recorrente que o depoimento da testemunha Dr. P. F. (psiquiatra) é suficiente para que tais factos sejam dados como provados.
Tais pontos de facto provados têm a seguinte redacção:
36.º Na verdade, aquilo que a R. tem manifestado é uma intenção em “ver-se livre do trabalhador”, convocando-o amiudadas vezes para reuniões em que os interlocutores têm sido o sobredito Dr. X., apenas para lhe apresentar propostas no sentido de o pressionar a aceitar a desvinculação da empresa a troco de uma quantia pecuniária,
37.º mas já não para lhe darem trabalho atribuindo-lhe funções condignas e compatíveis com a sua experiência e categoria profissionais.
38.º - Ora como facilmente se alcançará, neste ínterim compreendido entre o momento em que lhe foram retiradas totalmente as funções e o dia de hoje, o A. tem-se sentido profundamente agastado e afectado psicologicamente.
41.º - Com efeito, como consequência directa, imediata e necessária do assédio moral a que o A. tem sido sujeito, designadamente, a partir do momento em que o A. foi abusivamente transferido para o departamento USP e ficou sem quaisquer funções atribuídas, apresenta sintomatologia de sindrome ansioso-depressivo reactivo, caracterizada por desânimo, tristeza, apatia, alguma indiferença, choro fácil e melancólico.
42.º O A. que era uma pessoa que não tinha dificuldades em dormir, passou, depois do assédio moral a que tem sido submetido, a muitas noites sem conseguir dormir.
43.º E quando consegue adormecer tem pesadelos com a “tortura psicológica a que está a ser sujeito”, o que o impede de retomar o sono!
44.º Circunstância que lhe causa continuadamente profunda tristeza e amargura por não conseguir ultrapassar esses momentos e más memórias.
47.º Na verdade, devido ao assédio moral vindo de referir-se aqui sub judicio, o A. passou a sofrer de “Stress pós-traumático”, manifestado por: (i) Cefaleias; (ii) alterações do sono, com dificuldades em adormecer e dormindo apenas por curtos períodos; (iii) alterações persistentes do humor alternando com períodos de disporia e períodos de ansiedade; (iv) irritabilidade exacerbada; (v) alterações da capacidade de memoria, concentração e atenção.
48.º Acresce que, na sequência do assédio moral de que tem estado a ser alvo, o A. ficou inclusivamente afectado na sua actividade sexual,
49.º- na estrita medida em ficou o A. a padecer de uma total apatia, desinteresse e indiferença em termos sexuais.
50.º- Existindo, por isso, um prejuízo sexual, que desde então, o impede de ter uma vida sexual “normal” e saudável.
51.º- Vicissitude essa que aumenta o sentimento de desgosto, revolta, e frustração com toda esta inusitada e rocambolesca situação.
52.º Como facilmente se alcançará, o A. sente-se diminuído e infeliz, pela afectação da intimidade com que sempre viveu com a sua mulher.
53.º- O que como será bom de ver se traduz num elevado prejuízo na afirmação pessoal do A.
54.º - Finalmente, importa referir que o A. por causa das sequelas de que padece mercê do assédio moral expendido dos autos, deixou de fazer as atividades físicas que até então fazia.
55.º - Na verdade, o A. era uma pessoa saudável, fisicamente bem constituído, dinâmico, alegre, trabalhador e com espírito jovial.
56.º - Não sendo menos certo que o A. sempre teve alegria de viver e sempre se sentiu bem consigo mesmo.
57.º- Acrescendo que o A. sempre praticou exercício físico,
58.º- jogava futebol, o que nunca mais se sentiu capaz, ou sequer motivado, para continuar a fazer.
59.º Não conseguindo, desde que o acosso por parte da entidade empregadora aqui R. teve início, exercer qualquer actividade a esse nível.
60.º Tendo desse modo deixado de conviver com esse grupo de amigos que se reuniam para a práctica desportiva.
61.º Na senda da sanha persecutória encetada pela aqui R., deixou igualmente o A. de ir a jantares e outros convívios,
62.º tendo nessa estrita medida ficado o A. com tendência ao isolamento.
63.º Com efeito, o A. que tinha uma intensa vida familiar, deixou de conseguir ter actividades com a família, de planear passeios.
64.º O que, como é obvio, provocou, provoca e vai continuar a provocar uma profunda tristeza e angústia.
65.º Tudo, com reflexos numa enorme alteração na vida pessoal, familiar e social do A., instabilidade emocional que este não consegue superar.
66.º Mercê de tudo quanto vem de referir-se, o A. desde o pretérito dia 10 de Fevereiro de 2017 a esta parte, tem estado a ser seguido pelo psicólogo, o Dr. P. F. com consultório em Braga no Centro Médico ... Lda., que atento o seu degradado estado de saúde mental.
69.º Nesta sede, foi neste contexto que o A. ficou sem funções, não mais lhe tendo sido ministrada/proporcionada por parte da R. qualquer formação profissional, sendo que outrossim e ao invés tem o trabalhador sido compulsiva e recorrentemente assediado para rescindir o seu contrato de trabalho e colocado numa sala que nem sequer tem folhas de papel disponibilizadas pela entidade empregadora, entre outras outras prácticas ilícitas que ao longo de cerca de dois anos a esta parte a R. vem infligindo ao A. (v.g. retirada de prestações pecuniárias bem assim da viatura de serviço, dispensa do dever de assiduidade, etc.).
94.º - Nesta conformidade, em consequência da inactividade laboral a que a Ré injustificadamente e de má-fé votou o A., sentiu-se este profundamente humilhado, vexado, frustrado, perseguido, desconsiderado, desesperado, sofrendo de forte ansiedade, afectado psicologicamente, indignado, cismático, perturbado, transtornado, irritando-se com facilidade.
102.º - A R. não lhe atribui tarefas e manteve-o e mantém inocupado durante anos, bem sabendo que esta(va) a violar um direito fundamental do trabalhador..
106.º A R. ao deliberadamente manter o A./trabalhador na descrita situação de inactividade, bem sabe que desse modo o rebaixa perante os colegas e ofende a sua dignidade própria.

A este propósito na sentença recorrida consignou-se o seguinte:

“Para além dos que acima vão descritos, mais nenhum dos factos alegados pelas partes resultou provado, que tivesse algum interesse para a apreciação do mérito de causa, nomeadamente os que constam dos artigos 6º, 17º, 19º, 20º, 25º, 30º, 36º, 37º, 38º, 41º, 42º, 43º, 44º, 47º, 48º, 49º, 50º, 51º, 52º, 53º, 54º, 55º, 56º, 57º, 58º, 59º, 60º, 61º, 62º, 63º, 64º, 65º, 66º, 69º, 94º, 102º e 106º da petição, em virtude de não terem sido confessados pela Ré, nem resultarem quer do teor dos documentos juntos aos autos, quer dos depoimentos das testemunhas inquiridas em audiência. O demais articulado, quer na petição, quer na contestação, não contém factos, mas tão somente conclusões e alegações de direito.
(…)
Dos depoimentos das testemunhas do Autor não resultaram provados, com o mínimo de seriedade, os alegados danos morais que o autor concretiza nos artigos 41º a 65º da petição inicial e, principalmente, que tivessem a sua causa no alegado (mas não provado) assédio moral”. Com efeito, do depoimento do Dr. P. F. (médico psiquiatra do Autor desde Fevereiro de 2017), – que, no respeitante aos danos, seria o único a merecer algum crédito do Tribunal – não se pode concluir, com alguma segurança, que o quadro clínico do Autor justificativo daquele acompanhamento médico se tenha iniciado em Dezembro de 2016, data a partir da qual, segundo o Autor, passou a ser vítima de assédio moral, desde logo porque já em 2012 apresentava sintomatologia semelhante à que descreve na petição inicial como resultante do assédio. Aliás, nas suas declarações, o Autor confirmou que já estava a ser seguido por um psiquiatra designado pela seguradora da Ré. Daí que aquele médico tenha terminado o respectivo depoimento, colocando a hipótese de a situação clínica do Autor se ter agravado com a alegada retirada de funções, hipótese que, curiosamente, nem sequer é referida na petição.
Por fim, cumpre referir que os depoimentos das demais testemunhas do Autor foram irrelevantes para a prova dos eventuais actos caracterizadores do assédio moral, na medida em que, quando não se ficaram pela repetição das queixas do Autor, limitaram-se a descrever a situação de inactividade daquele, quando o viram nas instalações da Ré de ....”
Procedemos à análise não só dos meios de prova indicados pelo recorrente, mas de todos os demais, neles se incluindo os depoimentos de todas as testemunhas inquiridas, podendo desde já concluir que o Autor não logrou provar a enumera factualidade que agora pretendia que viesse a ser dada como provada.
Com efeito, o depoimento do psiquiatra, Dr.º P. F. que passou a acompanhar o sinistrado, a partir de Fevereiro de 2017, na sequência de uma recidiva de sequela do foro psiquiátrico resultante de acidente de trabalho, ao contrário do por si defendido e que é contrariado pelas perícias médicas existentes nos autos, não nos permite concluir que o estado psíquico do autor, a partir de Fevereiro de 2017, se fique a dever única e exclusivamente ao facto de ter ficado desprovido de funções desde Dezembro de 2016.
Importa ter presente que no âmbito do exame pericial realizado em Setembro de 2016 foi atribuído um coeficiente de incapacidade por sequela psiquiátrica de 20%, sendo certo que de um anterior acidente ocorrido em 2010 já lhe havia sido atribuída uma incapacidade permanente para o trabalho, também por sequela do foro psiquiátrico de 16%. O estado geral de incapacidade para o trabalho resultante destas sequelas do foro psíquico tiveram reflexos no desempenho das funções atribuídas ao autor e tal resulta manifesto quer das fichas de aptidão médica, as quais traduzem as limitações que o sinistrado apresentava em consequência do acidente e que proporcionaram que ao longo dos anos lhe fossem atribuídas concretas funções em consonância com a sua capacidade para o trabalho, quer dos depoimentos de B. F., P. H., M. L.. e C. G.. Este último foi chefia direta do Autor e afirmou que a partir dos acidentes o autor passou a exercer funções mais simples e leves, adaptadas à sua condição, designadamente adaptadas ao que resultava das fichas de aptidão médica.
Ora, o depoimento do psiquiatra que acompanha o autor é claro e preciso quanto às opiniões subjectivas que emite, pois o mesmo imputa exclusivamente o quadro clinico em que o autor se encontrava quando o consultou pela 1ª vez, à situação de desocupação em que o autor se encontrava, considerando assim que o autor teve um novo síndrome depressivo que foi desencadeado pela retirada de funções.
Contudo a demais prova produzida contraria a sua opinião, pois não pomos em causa, como aliás também não pôs o Tribunal a quo, que a retirada de funções, bem como a desocupação a que o autor se viu sujeito a partir de Dezembro de 2016, não deixa de influenciar o quadro psíquico do autor e até podemos aceitar que poderá ter dado origem a uma outra perturbação de adaptação, contudo em face do curto período que mediou o diagnóstico realizado ao autor em sede de junta médica (Setembro de 2016), cujo tratamento se previa ter uma duração de dois anos, não conseguimos conceber que a situação psíquica que o sinistrado apresentava em Setembro de 2016, tivesse curado dando assim lugar em Fevereiro de 2017 a um novo quadro clinico do foro psiquiátrico que em nada contendia com o anterior. Acresce dizer que as explicações dadas pelo Dr. P. F., designadamente em sede de contraditório não convenceram minimamente o Tribunal a quo, nem nos convencem a nós.
No caso, o Autor há vários anos que padecia de problemas do foro psíquico – perturbação da adaptação ou reacção depressiva prolongada que lhe conferiam uma diminuição considerável da sua capacidade para o trabalho (16% de IPP do 1ª acidente e 20% de IPP do 2ª acidente), o que sem sombra de dúvida, a não ser que todas estas situações não passassem de meras simulações levadas a cabo pelo autor, impunham que o autor estivesse medicado e que efectivamente não desempenhasse com a mesma aptidão e desenvoltura as funções que exercia até à data em que sofreu o 1º acidente e tal resulta claro dos documentos juntos aos autos, designadamente as fichas médicas de aptidão para o trabalho.
Em suma, apesar do Dr.º P. F. imputar a actual situação psíquica e psicológica do autor apenas, aos problemas do foro laboral que aquele enfrenta, designadamente à falta de funções, o certo é que em face todo o circunstancialismo apurado, designadamente por outros psiquiatras que também observaram o sinistrado e demais prova testemunhal produzida apontam em sentido diverso. Acresce dizer que a referida testemunha revelou desconhecer tal quadro clínico e ao ser confrontado com o mesmo, continuou a manter a sua posição já antes defendida, não dando qualquer relevância ao facto do autor ter ido à sua consulta pela 1ª vez estando ainda sujeito ao tratamento, resultante das sequelas de acidente de trabalho/viação, que se previa que tivesse uma duração de 2 anos.
Não podemos deixar de concordar com a recorrida ao apelidar tal depoimento de tendencioso, com discurso previamente preparado, do qual não se afastou, designadamente quando foi confrontado com os problemas do foro psíquico, com sintomatologia muito semelhante, que o sinistrado já apresentava antes de Dezembro de 2016.
Por outro lado, a testemunha M. L., que atentas as funções que desempenha nos Recursos Humanos da Ré revelou ter conhecimento direto destes factos, afirmou que dos dois acidentes de trabalho sofridos pelo autor resultaram problemas do foro psíquico, tendo por isso recomendação médica de que não pode conduzir, não pode trabalhar em altura, nem pode elaborar tarefas que exijam grande elaboração mental, já que em consequência dos acidentes ficou a padecer de síndrome depressivo ansioso, com ansiedade elevada e com irritabilidade. Mais referiu que as queixas que o autor apresentava eram precisamente insónia, tonturas, dificuldade em conduzir, em concentrar-se, dificuldade no desempenho sexual, tendo também dificuldade em ir jogar futebol com os amigos e em transportar material pesado.
Perante todo este quadro, não vislumbramos qualquer razão para dar agora como provados os factos que o Tribunal a quo considerou criteriosamente que deveriam ser dados como não provados, analisando a prova de forma rigorosa, clara, precisa e fundamentada.
Acresce salientar que a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando se possa concluir com segurança, que os depoimentos prestados em julgamento, conjugados com a restante prova produzida apontam em direcção diversa da apurada pelo tribunal a quo.
Como defende com asserto a Conselheira Ana Luísa Geraldes, in “Impugnação e Reapreciação da Decisão sobre a Matéria de Facto”, Estudos em Homenagem ao Prof.º Dr. Lebre de Freitas, vol. I, pág. 609 «Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte».
Também por esta razão improcede a impugnação no que respeita aos referidos pontos de facto provados, que são assim de manter como não provados.
Insurge-se o Recorrente quanto à factualidade provada sob as alíneas bb) e cc), alegando que dos depoimentos de C. G. revela-se de suficiente para dar tal factualidade como não provada.

Dos referidos pontos de factos consta o seguinte:

bb) “as funções supra descritas acarretam, necessariamente, deslocações diárias a vários locais, nomeadamente a centrais e a clientes, através de condução de viatura de serviço”
cc) “Acresce ainda que, também para o exercício de funções de técnico de telecomunicações, é essencial o transporte de pesos, particularmente de caixa de ferramentas, que podem pesar mais de 10 kg.”.
Ora, salvo o devido respeito, por opinião em contrário não podemos subescrever a posição do recorrente.
Na verdade o depoimento de C. G., superior hierárquico do autor, não põe em causa o teor da factualidade dada como provada sob as alíneas bb) e cc), mas até a sustenta e fundamenta. A referida testemunha explicou que o autor na sequência dos acidentes o apenas conseguia fazer os trabalhos mais leves e simples e com menos esforço físico dentro do núcleo de funções que competem a um técnico especialista da DOI. Assim, fazia a desmontagem de routers, que é leve, fazia substituição dos dslams, que são cartas que não pesam e fazia também o desentupimento dos filtros dos equipamentos que têm ventilação “pegava nestes filtros, os lavava e depois os colocava novamente dentro dos equipamentos.” Daqui resulta que não pegava em pesos superiores a 10 Kg, sendo certo que como foi também afirmado, as funções de técnico de telecomunicações implicam que se pegue em pesos superiores a 10 kg, designadamente a caixa das ferramentas. Quanto à condução percebe-se que depois dos acidentes continuou a conduzir, mas apenas em pequenas distâncias, como afirmou a testemunha C. G., até que o veículo lhe foi retirado, pois sem dúvida que as funções por ele exercidas, quer antes dos acidentes, quer depois, atenta a sua natureza e ainda que tivessem sido adaptadas em função das suas limitações, implicavam a condução, que ao que tudo indica apesar da proibição médica, o autor ia fazendo.
Por outro lado, da transcrição do depoimento desta testemunha em sede de alegação de recurso não se vislumbra que tenham sido declarados quaisquer factos que imponham que tal factualidade seja dada como não provada. Ao invés de tal depoimento fica a convicção de que o autor passou a exercer funções não de técnico especialista de DOI, mas sim predominantemente de auxiliar de técnico especialista, exercendo as funções mais leves e menos complexas na medida das suas capacidades. É de manter tal factualidade como provada.
Por fim insurge-se o recorrente quanto à factualidade dada como provada sob a alínea nn), defendendo que por se tratar de um juízo conclusivo, sem qualquer prova que o sustente, não deverá constar da factualidade provada.

Do referido ponto de facto consta o seguinte:
nn) Em resultado da restruturação interna da empresa, a DOI foi afectada por uma profunda restruturação fruto, entre outras, de inovações tecnológicas incontornáveis e de concentração de serviços nos grandes centros urbanos, circunstância que culminou, até à presente data, na movimentação de 179 trabalhadores por todo o país.”
A referida factualidade não integra um juízo meramente conclusivo, já que da mesma constam factos materiais e concretos com relevo para apreciação da causa. Por outro lado, ao contrário do defendido pelo recorrente tal factualidade mostra-se suportada pela prova produzida em audiência de julgamento, designadamente pelos depoimentos das testemunhas arroladas pela Ré, Eng. P. H., C. G. e M. L.., que depuseram sobre estes factos deles resultando que com a chegada da A. ocorreu uma reestruturação interna da empresa, tendo a DOI sido profundamente afectada designadamente por força das inovações tecnológicas, o que implicou retirada de pessoas que seriam integradas em outras direcções.
Em face do exposto decide-se não eliminar a redacção da alínea nn), mas sim proceder à sua alteração, uma vez que a prova produzida sobre tal factualidade assim o impõe.

A alínea nn) da factualidade provada passará a ter a seguinte redacção, que passará a constar do local próprio:
“nn) Em resultado da restruturação interna da empresa, a DOI foi afectada por uma profunda restruturação fruto, entre outras, de inovações tecnológicas incontornáveis, que implicaram a movimentação de alguns trabalhadores.”
Procede nesta parte e apenas parcialmente a impugnação da matéria de facto.
Resumindo, no caso dos autos não foi cometido qualquer erro de julgamento, que se traduza na flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, que impusesse decisão diferente, designadamente na apreciação dos pontos de facto que agora se pretendia que fossem eliminados e naqueles outros que se pretendia que fossem aditados, já que Mmo. Juiz a quo procedeu à correcta fixação da matéria de facto, que motivou de forma a não deixar quaisquer dúvidas quanto à formação da sua convicção, a qual em nosso entender traduz o que resultou da globalidade da prova produzida.
Improcede na totalidade a impugnação da matéria de facto, com excepção da alteração à redacção da alínea nn) da factualidade provada em conformidade com o acima exposto.

4 – DA NECESSIDADE DE PRODUÇÃO DE PROVA NO TRIBUNAL DE RECURSO

Requerer o Recorrente que se proceda de novo à audição da testemunha Dr. P. F., médico psiquiatra, nos termos e para os efeitos do preceituado no artigo 662.º, n.º 2, al. b) do CPC.
O artigo 662.º do CPC confere ao Tribunal da Relação a possibilidade de renovação de certos meios de prova e mesmo a produção de novos meios de prova, em casos de dúvida fundada sobre a prova realizada em primeira instância.
Tal não significa a possibilidade de realizar novo julgamento, mas simplesmente significa que quando surjam dúvidas sérias sobre a credibilidade de algum depoente ou sobre o sentido do depoimento que não sejam ultrapassadas por outra forma, ou ainda em caso de dúvida sobre a prova realizada na 1ª instância para que se possa firmar uma convicção mais segura sobre determinado facto controvertido, o Tribunal da Relação deve determinar a renovação de certos meios de prova ou mesmo a produção de novos meios de prova, ou mesmo a realização de diligência complementar, tendo sempre como princípio superar as dúvidas fundadas sobre o alcance da prova já realizada.

Ora, no caso em apreço o depoimento da testemunha que se pretende que seja de novo inquirida, está gravado, não suscitando qualquer dúvida sobre a factualidade por si referida e as opiniões por si emanadas, tendo tal sido analisado e valorado de forma critica pelo juiz a quo em conjunto com a restante prova produzida que sustenta decisão proferida pelo tribunal a quo quanto à matéria de facto.
A questão que se coloca não tem a ver propriamente como o depoimento prestado pela testemunha, designadamente com o que ela disse e defendeu, mas sim com a sua conjugação com a demais prova produzida nos autos (testemunhal e documental) e relativamente a essa conjugação não temos dúvidas em afirmar, que a matéria de facto dada como provada vai de encontro à globalidade da prova produzida, não se vislumbrando qualquer razão que imponha ou justifique o renovar da produção de prova, com nova audição da referida testemunha.
Não se verificando a existência de qualquer dúvida fundada sobre o alcance da prova produzida designadamente no que respeita à valorização do depoimento prestado pela testemunha Dr. P. F., improcede neste segmento o recurso.

5 – DA VIOLAÇÃO DO DIREITO DE OCUPAÇÃO EFECTIVA E DO ASSÉDIO MORAL

Insurge-se o recorrente com o facto do Tribunal a quo considerar que se encontra justificada à luz do preceituado na alínea b) do n.º 1,do art.º 129.º do Código do Trabalho, Lei 7/2009 de 12 de Fevereiro (doravante CT) a falta de ocupação durante o período em causa, defendendo que os requisitos do assédio se mostram verificados.
Importa assim apurar se estamos perante uma situação em que a não atribuição de uma ocupação/funções tem em vista causar prejuízos ao trabalhador ou pressioná-lo em termos inaceitáveis, ou se, pelo contrário, ela se justifica por resultar de um facto não imputável ao empregador.
Nos termos do artigo 129.º, n.º 1, alínea b), do CT, «é proibido ao empregador obstar injustificadamente à prestação efectiva de trabalho», o que se traduz na exigência de ser dada ao trabalhador a oportunidade de exercer sem quaisquer dificuldades ou obstáculos as funções para as quais foi contratado.
Correlacionado com o dever de ocupação efectiva, está o dever do empregador de proporcionar boas condições de trabalho ao trabalhador, do ponto de vista físico e moral, consagrado no artigo 127.º, n.º 1, alínea c), do CT, sendo certo que tal dever tem subjacente o princípio da igualdade dos trabalhadores da mesma empresa, a tutela da profissionalidade, a valorização e realização profissional e pessoal do trabalhador através da prestação de trabalho, impondo-o também o princípio geral da boa-fé que deverá presidir à execução contratual, quer no exercício dos direitos quer no cumprimento das obrigações conforme previsto no n.º 1 do artigo 126.º do CT e n.º 2 do art.º 762.º do Código Civil.
Neste sentido, importa ainda referir nº 2 do art.º 126.º do CT do mesmo artigo e nos termos do qual na execução do contrato de trabalho, devem as partes colaborar na obtenção da maior produtividade, bem como na promoção humana, profissional e social do trabalhador», sendo que «no cumprimento daquele dever, cabe ao empregador ocupar efetivamente os seus trabalhadores, atribuindo-lhes as funções para as quais foram contratados, dando-lhes a oportunidade de exercer efetivamente o seu trabalho de forma produtiva e proporcionar-lhes boas condições de trabalho do ponto de vista físico e moral.
Contudo, nem todas as situações de inactividade do trabalhador constituem uma violação do dever de ocupação efetiva pois só assim será quando não forem justificadas e constituam uma violação do aludido princípio da boa-fé ou integrem uma situação de abuso de direito, tendo assim que se distinguir os casos em que a situação de inocupação visa causar prejuízos ao trabalhador ou pressioná-lo em termos inaceitáveis, daqueles em que se justifica por resultar de um facto não imputável ao empregador, meramente esporádico e/ou inultrapassável.
Como refere Diogo Vaz Marecos, no Código de Trabalho anotado, 2ª edição, pág 318, em anotação ao art.º 129.º “Não obstante a expressa previsão do dever de ocupação efectiva, este dever não significa que o trabalhador tenha de permanecer todo o tempo activo. Na verdade, é desde logo interesse do empregador que o trabalhador se encontre ocupado, mais que não seja porquanto a retribuição, em princípio, terá de lhe ser paga independentemente das variações que incidam sobre a actividade da empresa. Contudo, em algumas situações pontuais pode ser interesse do empregador que o trabalhador permaneça temporariamente desocupado sem que tal configure uma ilicitude. Para tanto, a desocupação do trabalhador terá de mostrar-se objectivamente fundada, como sucederá, por exemplo, quando se verifique uma reestruturação da empresa, em que durante determinado período de tempo não foi possível conceber o posto de trabalho que será preenchido pelo trabalhador. Assim, o que a lei veda, é a desocupação que seja objectivamente infundada.”
E socorrendo-nos das palavras de Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 14.ª Edição, Almedina, 2009, pág. 299, a questão tem sido também aprofundada e colocada no plano da exigibilidade: “não se pode deixar de reconhecer como atendíveis as situações em que o empregador esteja objectivamente impedido de oferecer ocupação ao trabalhador, assim como aquelas em que se esteja em presença de interesses legítimos do mesmo empregador na colocação do trabalhador em estado de inactividade (por razões económicas, disciplinares ou outras).”
Em suma, o dever de ocupação efectiva deve ser encarado do ponto de vista da boa-fé, podendo ter como possível justificação, razões de ordem económico-empresarial. Ou, segundo as palavras de Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, 7.ª Edição, 2015, Almedina, Coimbra, página 524, “ o dever de ocupação efetiva deriva do princípio geral da boa-fé na execução do contrato, existindo violação deste dever quando o empregador atue de má-fé.
Como resulta do exposto podem existir situações de desocupação do trabalhador que sejam justificadas, cabendo ao empregador o ónus da prova do circunstancialismo em que se fundamenta, impondo que fique demonstrada a factualidade que evidencie uma actuação diligente da sua parte, com o propósito sério de assegurar ao trabalhador funções condignas, pois só assim fica demonstrado que agiu em conformidade aos ditames da boa-fé no cumprimento da relação laboral.
Importa agora verificar se a factualidade provada nos permite concluir que a recorrida agiu de forma deliberada e contrária à boa-fé, ao colocar o recorrente desde 9 de Dezembro de 2016, dentro de uma sala, sem nada para fazer, o que só ocorrerá se a sua conduta não estiver justificada pois se estiver não se poderá afirmar a contrariedade à boa-fé.

Dos factos apurados com relevo para a apreciação desta questão são os seguintes:
f) Em 18/10/2010, o Autor sofreu um acidente de trabalho, dos quais resultaram sequelas que o condicionam para o trabalho.
g) Em 13/04/2012, foi realizado Exame Médico de Aptidão para o Trabalho, que considerou o A. como apto condicionalmente, com as recomendações de não executar tarefas que exijam grande elaboração mental, de não subir a postes e não poder conduzir qualquer tipo de veículo.
h) E no seguimento do Processo N.º 995/11.9TTBRG, de averiguação do Acidente de Trabalho ocorrido em 18/10/2010, foi elaborada Perícia de Avaliação do Dano-Corporal, em 09/05/2012.
l)Finalmente, refere ainda a Perícia, que como exames complementares de diagnóstico, o A. foi sujeito a avaliação médico-legal da especialidade de Psiquiatria, em 04/04/2012, da qual foi concluído que o A. «(…) desenvolveu na sequência do acidente sofrido (…) um síndrome depressivo-ansioso (..) Porém, mantem-se desde o início do quadro depressivo o problema de ejaculação precoce (…) No momento actual apresenta níveis de ansiedade elevados, com irritabilidade fácil perante acontecimentos desfavoráveis e dificuldade no desempenho sexual. (…) Assim, sou da opinião que, J. M.: 1.º Padece de síndrome ansioso com repercussão na vida diária e na sua actividade sexual (…)»
m) Em 26/06/2013, também ao serviço da Ré, voltou a sofrer novo acidente de trabalho, do qual resultaram lesões sérias para o A.
n) Em 29/10/2013, em Exame Médico Periódico, o A. foi dado como Apto Condicionalmente para o Trabalho, com as recomendações de não poder: estar sujeito a elevado stress, executar tarefas que exijam postura em carga; fazer transporte manual de cargas com peso superior a 7 kg, subir a postes; ter horário nocturno; e trabalhar em altura.
o) Um ano depois, em 21/10/2014, foi realizado novo Exame Médico Periódico, do qual resultou a manutenção de quase todas as recomendações, tendo o A. ficado Apto condicionalmente uma vez mais.
p) Em 16/07/2015, o A. foi sujeito a nova Perícia de Avaliação do Dano Corporal, resultante do acidente de trabalho ocorrido em 26/06/2013, de cujo relatório se infere que o A. esteve a ser tratado em ortopedia e psiquiatria, assim como antecedentes de IPP de 16% por acidente de viação 2 anos antes com acompanhamento psiquiátrico.
q) Nesta Perícia de 2015, o A. queixou-se de: dificuldade em conduzir por medo; dificuldade de concentração, dormir e irritabilidade; ejaculação precoce após o acidente, lombalgia, tonturas e irritabilidade com os colegas.
r) Do exame objectivo resultou que o A. apresentava perturbação de stress pós-traumático e sequelas de psiquiatria por acidente de 2010.
s) Em 31/05/2016, o A. foi sujeito a novo Exame de Saúde Periódico, donde resultou estar Apto Condicionalmente, com as recomendações de não poder: estar sujeito a elevado stress, fazer transporte manual de cargas com peso superior a 10 kg, subir a postes; ter horário nocturno; e trabalhar em altura.
t) E em 15/09/2016, no âmbito do processo de averiguação do acidente de trabalho ocorrido em 2013, que correu termos sob o N.º 538/14.2TTBRG, no Juiz 1, deste Juízo do Trabalho, o A. foi sujeito a Exame por Junta Médica de Psiquiatria.
u) De tal Exame por Junta Médica, resultou que o A., em virtude do acidente sofrido, apresentava perturbação/reacção depressiva prolongada, com tratamento psicofarmacológico, três/quatro vezes por ano, pelo período provável de dois anos.
v) E em 10/10/2016, foi proferida decisão nos autos supra mencionados, da qual resultou para o A. uma incapacidade permanente parcial para o trabalho de 25,20%, com direito a receber uma pensão anual vitalícia de € 4.439,81.
x) E em 01/06/2017, foi o A. sujeito a Exame Médico Periódico, do qual resultou que ficou o apto condicionalmente para o trabalho, com as recomendações de não poder: conduzir qualquer tipo de veículo, estar sujeito a elevado stress, fazer transporte manual de cargas com peso superior a 10 kg, ter horário nocturno, e trabalhar em altura.
y) E, finalmente, em 15/06/2018, foi o A. sujeito a Exame Médico Periódico, do qual resultou que ficou apto condicionalmente para o trabalho, com as recomendações de não poder: conduzir qualquer tipo de veículo, estar sujeito a elevado stress, fazer transporte manual de cargas com peso superior a 10 kg, ter horário nocturno, e trabalhar em altura.
aa) Desde 2010, após o primeiro acidente de trabalho, o Autor passou a desempenhar as seguintes funções: provisão e manutenção de circuitos alugados; projetos de instalação de cartas em Dslams; manutenção em Dslams (substituição de cartas e recuperação de portos); limpeza de filtros em Dslams; desmontagens de X Fibra (levantamento de ONTs e retirada de patchcords em PDO); desmontagens de circuitos alugados; desmontagens de routers/CPE; e apoio a outros colegas.
bb) As funções supra descritas acarretam, necessariamente, deslocações diárias a vários locais, nomeadamente a centrais e a clientes, através de condução de viatura de serviço.
cc) Acresce ainda que, também para o exercício de funções de técnico de telecomunicações, é essencial o transporte de pesos, particularmente da caixa de ferramentas, que podem pesar mais de 10kg.
dd) No sentido de procura activa de funções diferentes, mas compatíveis com a categoria profissional do A. e condicionantes físicas, entendeu a R. contactá-lo com vista ao apuramento da sua experiência profissional, bem como elaboração de breve diagnóstico de conhecimentos.
ee) Com este apuramento, a R. pretendia inserir o A. num programa de aquisição de novas competências, chamado “Programa 3D”, no qual seriam fornecidas mais de 70 horas de formação profissional presencial.
ff) Tal contacto ocorreu em 16/03/2016, através da trabalhadora da R. S. M., que ligou ao A.
gg) Nesse telefonema, o A. não deixou a trabalhadora dizer-lhe sequer qual o objectivo do seu contacto.
hh) Após a trabalhadora S. M. se ter identificado como pertencente aos Recursos Humanos da R., o A. iniciou o seu discurso dizendo “não estou bem da cabeça”, “estou medicado e tenho relatórios psiquiátricos”, “tenho a decorrer processos inerentes a acidentes de trabalho”, e “levo uma pistola e dou-lhe um tiro”.
jj) A trabalhadora contou ao sucedido aos colegas da Direcção de Recursos Humanos, e a partir daí nenhum deles, incluído a trabalhadora S. M., se disponibilizou para abordar o A., sequer telefonicamente.
kk) Assim sendo, foi o mesmo indicado pela direcção para integrar a mobilidade funcional, através da sua alocação à Unidade de Suporte (doravante USP).
ll) A USP foi uma direção criada com o propósito de afectar temporariamente trabalhadores que se encontrem em situação de mobilidade ou alteração funcional, enquanto aguardam nova alocação a outras áreas de negócio, onde existam necessidades efectivas
mm) Esta USP tem ainda como objectivo diligenciar, com toda a brevidade possível, pela atribuição de novas funções para os trabalhadores que lhe estão alocados, de acordo com as necessidades que as demais direcções da empresa lhe vão reportando, e depois de analisar os perfis e competências evidenciadas pelos trabalhadores disponíveis, assim como o respectivo enquadramento na categoria profissional, os coloca nessas direções.
nn) Em resultado da restruturação interna da empresa, a DOI foi afectada por uma profunda restruturação fruto, entre outras, de inovações tecnológicas incontornáveis, que implicaram a movimentação de alguns trabalhadores.
oo) O Autor não acompanhou a evolução tecnológica da empresa, tornando-se um trabalhador com competências limitadas face aos demais colegas, para as funções da DOI, daí que foi entendido que o mesmo poderia ser aproveitado noutras áreas da empresa.
Esta panóplia de factos permite-nos concluir que a recorrida agiu de forma deliberada mas não contrária à boa-fé, uma vez que o facto de o autor ter ficado sem ocupação não se ficou a dever à vontade injustificada da recorrida de se opor a que aquele exercesse as funções correspondentes à sua categoria profissional, mas sim ao seguinte circunstancialismo, alheio à vontade do empregador:
- Em consequências dos acidentes de trabalho sofridos pelo autor nos anos de 2010 e 2013, o autor ficou a padecer de sequelas do fora psiquiátrico que lhe viriam a limitar a capacidade de exercício das suas funções, tal como desde logo resulta dos graus de IPP que lhe foram atribuídos, tendo por isso, a ré atribuído ao autor dentro das funções incluídas na sua categoria profissional as funções mais leves, tal como resulta da alínea aa) dos pontos de facto provados.
- Dos diversos exames médicos de aptidão realizados após a ocorrência dos acidentes resulta também evidente a incapacidade do autor para o trabalho, que condiciona a sua prestação laboral, designadamente tendo presente que as funções desempenhadas pelo autor implicam quer a deslocação diária a vários locais, nomeadamente a centrais e a clientes, através de condução de viatura de serviço, quer o transporte de pesos, particularmente da caixa de ferramentas, que podem pesar mais de 10kg. No entanto, das fichas de aptidão médica realizadas anualmente, resulta que o Autor está Apto Condicionalmente para o trabalho, com as recomendações que se tem verificado ao longo dos anos das quais resulta, que o autor não poder estar sujeito a elevado stress, fazer transporte manual de cargas com peso superior a 10 kg, subir a postes; ter horário nocturno; a trabalhar em altura e não pode conduzir.
- Por estas razões, em face das condicionantes físicas e psíquicas do autor, a Ré tentou, ainda antes de decidir transferi-lo para a USP (tendo em vista a procura de funções diferentes, como nos parece evidente, mais adequadas às capacidades do autor e mais rentáveis do ponto de vista económico para a Ré), pretendeu inseri-lo num programa de aquisição de novas competências, ministrando-lhe formação profissional para o chamado “Programa 3D”, o que o autor declinou, revelando ter um comportamento completamente desajustado, o que levou a que a Ré justificadamente, não o voltasse a contactar para lhe ministrar formação, tendo em vista a alteração de funções.
- Em face das limitações de alguma forma decorrentes dos acidentes de trabalho, o autor não acompanhou a evolução tecnológica da empresa, tornando-se um trabalhador com competências limitadas face aos demais colegas, para as funções da DOI, pelo que a ré entendeu que ele poderia ser aproveitado noutras áreas da empresa.
- Perante todo este quadro, conjugado com a restruturação interna da empresa, que implicou que a DOI (departamento ao qual o autor estava afecto) fosse profundamente afectada, devido às inovações tecnológicas que vieram a originar a movimentação de trabalhadores, a Ré alocou o Autor à Unidade de Suporte (USP) enquanto aguardava nova locação a outras áreas onde existisse necessidade de pessoal, como efectivamente veio a suceder, já que atualmente o autor já se encontra a exercer novas funções, estando satisfeito com o seu desempenho, tal como resulta das declarações por si prestadas em audiência de julgamento.
Em suma, não podemos afirmar que o facto de o autor ter ficado sem ocupação se deveu à vontade injustificada da Ré.
Ao invés a Ré logrou provar, tal como lhe incumbia, que o autor ficou transitoriamente e temporariamente, (ainda que este período não se possa considerar de insignificante (mais de dois anos) sem qualquer ocupação, não só porque as suas limitações físicas e psíquicas não permitiam que o mesmo continuasse a desempenhar o núcleo essencial das funções para as quais foi contratado, como também não acompanhou a evolução tecnológica na sua área, revelando ser um trabalhador com competências limitadas face aos demais colegas, para as funções da DOI, como também em face da restruturação da empresa que afectou profundamente o departamento ao qual o autor estava afecto, com a retirada de trabalhadores, como também devido ao facto de o Autor se ter recusado a receber formação que lhe proporcionasse o acesso a um novo posto de trabalho, deixando assim a Ré, sem grandes alternativas, a não ser a de atribuir um novo posto de trabalho ao autor, para o qual não necessitasse de formação, logo que o mesmo fosse encontrado.
Daqui resulta, não só que a inactividade forçada do autor não decorreu exclusivamente da vontade específica da ré, no sentido desta se opor a que aquele exercesse as suas funções, mas a outras circunstâncias (reestruturação do departamento do autor que levou à retirada de trabalhadores e as próprias limitações das competências do autor), atuando a Ré de forma diligente e com o propósito sério de assegurar ao autor funções condignas ao proporcionar-lhe o acesso a novas funções, em momento anterior ao da inactividade, o que o autor recusou, bem como ao atribuir-lhe já na pendência da presente acção funções condignas, ficando assim demonstrado que agiu em conformidade aos ditames da boa-fé no cumprimento da relação laboral.
Como refere Pedro Romano Martinez e outros, Código do Trabalho anotado, 13ª edição - 2020, fls.340:”Importa apurar, caso a caso, se a não atribuição ao trabalhador de uma ocupação efectiva é ou não, à luz da boa fé, justificável, o mesmo é dizer, se estamos perante uma situação em que a não atribuição de uma ocupação tem em vista causar prejuízos ao trabalhador ou pressioná-lo em termos inaceitáveis, ou se, pelo contrário, ela se justifica por resultar de um facto não imputável ao empregador.
Da factualidade provada designadamente dos seus pontos vv), ww) e xx) afiguram-se nos ser insuficientes para podermos concluir que a inactividade do autor tivesse como objectivo prejudicá-lo ou pressioná-lo designadamente para o forçar a qualquer acordo de revogação do contrato ou a outra atitude contrária à sua vontade, pois as duas propostas de rescisão que lhe foram formuladas tiveram lugar não na sequência ou em momento coincidente ou anterior à retirada de funções, mas sim em Maio e Outubro de 2017, quando já havia decorrido mais de seis meses de inactividade, o que nos permite dizer que não visariam pressioná-lo ou prejudicá-lo, mas sim resolver a situação.
Acresce ainda dizer que o recurso a outros mecanismos de resolução do contrato, como o despedimento por extinção do posto de trabalho ou o despedimento colectivo que a Ré poderia ter-se socorrido aquando da restruturação da DOI, seria uma solução ainda mais gravosa para o autor, pois que ficaria limitado pelo recebimento de uma indemnização e perderia de forma definitiva o seu posto de trabalho, não tendo sido esta no entanto opção da ré, ao que tudo indica por ser precisamente uma situação temporária e não definitiva, existindo alguma expectativa de a breve trecho recolocar em novas funções este seu trabalhador inactivo.
Por outro lado, não foi feita qualquer prova que a inatividade do autor tenha resultado de uma atitude discricionária ou discriminatória do empregador, no sentido de ter sido tomada unicamente por sua vontade expressa, sem razão ou motivo. Ao invés provou-se que existia um motivo objectivo justificador e legítimo relativo quer às limitações das competências do autor, quer à gestão da actividade produtiva, para a inactividade do autor e tanto basta para que se considere que não houve qualquer violação ao disposto na al. b) do n.º 1 do art.º 129.º do CT, salientando que a obrigação do empregador se cinge ao não obstar à prestação, o que é menos do que propiciar os meios necessários a que a prestação se efective cfr. Ac. RG de 24/04/2019, Proc. n.º 772/18.6T8BRG.G1 (relator Eduardo Azevedo), não publicado.
Resumindo não se tendo provado que o comportamento da Ré ao manter o Autor durante mais de dois anos sem qualquer ocupação foi uma decisão infundada não podemos concluir que houve por parte da Ré quebra da boa-fé contratual e consequentemente a sua atitude não pode ser considerada de culposa.
Não é de considerar verificada a violação do direito de ocupação efectiva quando o empregador, por diversas razões, designadamente de restruturação da empresa e por se tratar de trabalhador com competências limitadas, o coloca na situação de mobilidade funcional ou afectação a novas funções, por um significativo período de tempo, por não dispor de cargo compatível com a sua categoria profissional.
Vejamos por fim se a Ré assumiu para com o Autor um comportamento que enquadra numa situação de mobbing ou assédio moral, sendo por conseguinte devida ao autor uma indemnização por dano moral.
Prescreve o n.º 2 do artigo 29.º do Código do Trabalho (doravante CT) que, «entende-se por assédio o comportamento indesejado, nomeadamente o baseado em fator de discriminação, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objetivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afetar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador».
E dispõe no seu n.º 4 que «a prática de assédio confere à vítima o direito de indemnização, aplicando-se o disposto no artigo anterior.»
Daqui resulta no essencial que para estarmos perante uma situação de assédio é necessário um “comportamento” não desejado, praticado no emprego, tendo um determinado objectivo ou visando um efeito perturbador, ou constrangedor, que afecta a dignidade do visado, ou que se traduza na criação de um ambiente hostil, intimidativo, degradante, humilhante ou desestabilizador. Não é assim suficiente um acto isolado ou alguns actos isolados, que não revestiam as características de um “comportamento” dotado de consistência e que se mantenha por um determinado período de tempo – cfr. Ac. STJ de 11-09-2019, Proc. n.º 8249/16.8T8PRT.P1.S1
Como se refere a este propósito no acórdão deste Tribunal proferido no proc. n.º 737/18.8T8VCT.G1, Relator Antero Veiga, não publicado.
É necessária uma intenção direcionada a um determinado objetivo ilícito ou eticamente reprovável. O intento prende-se com a pressão psicológica que se pretende criar no sujeito tendo em vista levá-lo a tomar determinada atitude ou favorecer a tomada futura de determinada medida.”
Ora, mostrando-se justificada a desocupação do autor e não sendo de censurar a conduta da Ré que não constituiu, no caso, quebra do dever de boa fé, é de concluir pela inexistência da conduta integradora de mobbing ou assédio moral, por violação do dever de ocupação efectiva.
Com efeito, o autor não logrou provar qualquer factualidade que nos permita concluir que a não atribuição de uma ocupação teve em vista causar prejuízos ao autor ou pressioná-lo em termos inaceitáveis, designadamente que tivesse como único propósito pressionar o autor para por fim ao contrato. Nem logrou provar que tal tivesse representado uma violação grosseira dos seus direitos que lhe tivesse causado qualquer prejuízo, atente-se no facto de não se ter provado qualquer consequência resultante do comportamento praticado (retirada de funções).
Ao invés provou-se que a inatividade do autor resultou de um conjunto de factos não imputáveis ao empregador.
Improcede neste segmento o recurso, sendo de confirmar a sentença recorrida.

V – DECISÃO

Pelo exposto, e ao abrigo do disposto nos artigos 87.º do C.P.T. e 663.º do C.P.C., acorda-se, neste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar o recurso parcialmente procedente e consequentemente declara-se improcedente a excepção dilatória inominada, deduzida pela ré, por verificação dos requisitos de dedução do pedido genérico.
Quanto ao mais julga-se o recurso interposto pelo Autor J. M. improcedente por não provado, confirmando a sentença recorrida.
Custas a cargo do Autor e Ré, na proporção de 3/4 para o Autor e 1/4 para a Ré.
6 de Maio de 2021

Vera Sottomayor (relatora)
Maria Leonor Barroso
Antero Veiga