Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2607/17.8T8BRG.G1
Relator: LIGIA VENADE
Descritores: VALOR DA ACÇÃO
VALOR TRIBUTÁRIO DO RECURSO
SUCUMBÊNCIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/07/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECLAMAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I O valor da ação e a sucumbência, tal como resulta do artº. 629º, nº. 1, do C.P.C., regem a admissibilidade de recurso.
II Em caso de dúvida fundada sobre o valor da sucumbência, que tem que ver com a relação entre pedido e decisão, rege apenas o valor da causa.
III O valor tributário do recurso para efeitos de definição da taxa de justiça a liquidar pela sua interposição pode ter por base o valor da sucumbência do recorrente, desde que faça apelo e cumpra o disposto no artº. 12º, nº. 2, RCP.
IV Neste caso a determinação da sucumbência faz-se com base no decaimento fixado para a decisão sob recurso.
V O valor da ação não se confunde com o valor tributário do recurso.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

Nos presentes autos foi proferido Acórdão por este Tribunal que decidiu julgar parcialmente procedente o recurso interposto pela A. e, em consequência alterar a decisão recorrida nos seguintes termos:

“A). Mantém-se o decidido em IV, a), primeiro item.
B). Mantém-se o decidido quanto à reconvenção referido nos dois primeiros pontos da alínea b) do número IV do dispositivo.
C). Condena-se a 1.ª R., no exercício do direito de servidão acima referido, a evitar e não permitir que ocorra impedimento para a A. ou para quem a procure, em poder aceder livremente às instalações desta quando estejam a ser efetuadas cargas e/ou descargas a favor da 1.ª R, ou por qualquer material depositado no caminho em causa ou veículo que aí se encontre.
D). Revogam-se as duas decisões constantes dos itens 3 e 4 do dispositivo quanto à reconvenção.
E). Condena-se a A. a facultar à 1.ª R. o livre acesso ao caminho de servidão pela barreira elétrica de entrada para o exercício da atividade industrial desta, adotando as medidas necessárias (por exemplo entregando-se comando à 1.ª R., chave para abrir portão em caso de avaria/falta de eletricidade, exercício de funções por porteiro, comando da barreira à distância ou até manutenção da mesma aberta nos períodos necessários à entrada e saída da 1.ª R. se não houver outro modo de o permitir) para que tal exercício se efetive, improcedendo assim o pedido para se desligar essa barreira.”
Mais decidiu-se fixar as custas do recurso na proporção de 3/5 a cargo da recorrente/reconvinda e 2/5 para a recorrida/reconvinte.
Ambas as partes no recurso apresentaram recurso para o STJ do acórdão proferido.

A A. “F. C.…” questionou nos autos o valor pago pela R. “I.…” a título de taxa de justiça devida pela interposição de recurso para o STJ.

A R. “I.…” refere que o valor indicado para o seu recurso é de € 20.000,40 (corrigindo o lapso em que incorre no requerimento de interposição em que refere € 24.000,00), face ao decaimento que foi fixado no Ac. desta Relação -2/5, sendo o valor da causa € 50.000,01. Assim, liquidou a taxa devida para este valor, ao abrigo do artº. 12º, nº. 2, RCP.

Pela relatora foi proferido despacho nos seguintes termos:

(…) “Efetivamente no seu requerimento de interposição de recurso a R. “I.…” indicou como valor do recurso € 24.000,00, corrigindo agora para € 20.000,40, correção que se admite já que terá sido mero lapso e não colide com o valor da taxa em causa a admitir-se o raciocínio da R. (é a mesma taxa quer seja um valor quer seja outro).

Efetivamente no Ac. desta Relação entendeu-se fixar as custas na proporção de 3/5 para a A. e 2/5 para a R. (para melhor identificação das partes utilizaremos a sua posição processual inicial). Entendeu-se por isso ser esse o “valor” do decaimento de cada parte, o que corresponderá à sua sucumbência (-determinou-se nesses termos já que não estão em causa pedidos liquidáveis, cujo valor da sucumbência dependa de mero cálculo aritmético). Por isso, pela dificuldade na determinação do valor da sucumbência, este Tribunal optou por fixá-lo.

Ora se a R. “I.…” pretende recorrer da parte que lhe foi desfavorável, poderá socorrer-se do disposto no artº. 12º, nº. 2, do RCP, e, sendo o valor da sucumbência determinável face à decisão proferida quanto à determinação das custas (decaimento –artº. 527º, nº. 2, C.P.C.), e fazendo a respetiva equiparação e menção do valor do recurso no requerimento de interposição, verifica-se então que a R. liquidou a taxa correta face ao valor do seu recurso (2 UC).” (…)
*
Inconformada, veio a A. F. C. apresentar reclamação para a conferência requerendo que se revogue o despacho recorrido, substituindo-o por outro que ordene a retificação do valor atribuído ao recurso de revista apresentado pela recorrente “I.…”, fixando o mesmo em € 50 000,01 (cinquenta mil e um euros) e ordenando a notificação da mesma para proceder ao pagamento da taxa de justiça remanescente

Finaliza a sua argumentação com a s seguintes conclusões:

1.ª - A “F. C. -..” não pode concordar com o despacho proferido porque o mesmo, salvo melhor opinião, não fez a mais correta interpretação da disposição legal que preceitua a fixação do valor dos recursos e que determina que apenas quando for determinável o valor da sucumbência o valor do recurso pode corresponder a esse montante; em todos os demais, o valor do recurso corresponderá, necessariamente, ao valor da ação - vd. art.º 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.
2.ª - Pese embora no despacho reclamado se tenha reconhecido que os pedidos formulados não são quantificáveis e que por isso não é possível calcular objetivamente a sucumbência, a decisão da Mma. Juiz Desembargadora não aplicou o disposto na parte final do n.º 2 do art.º 12.º do RCP, que ordena que nestas situações, o valor do recurso há-se corresponder ao valor da ação e assim afastou- se da jurisprudência unânime do Supremo Tribunal de Justiça - vd. Acs. do STJ de 26.09.2007, proc. n.º 06S4612 e de 17.10.2006, proc. n.º 06A2295.
3.º - À ação foi fixado o valor de € 50 000,01 em despacho saneador de 21.03.2018, sem que o mesmo tivesse sido impugnado por nenhuma das partes e, pois, seria esse o valor a fixar ao recurso interposto - vd. art.ºs 299, n.º 2, 305.º, n.º 4 e 308.º a contrário do CPC.
4.º - Além disso, ao permitir que a sucumbência fosse associada à proporção para efeito de custas fixada no acórdão recorrido, o despacho extravasou os limites da decisão proferida que restringiu essa determinação para efeitos de custas: “Custas do recurso na proporção de 3/5 a cargo da recorrente/reconvinda e 2/5 para a recorrida/reconvinte”. - vd. art.º 621.º do CPP.
5.º - A não ser assim, abrir-se-ia uma porta para que as partes pudessem ir alternando em função do valor da ação ou da sucumbência, consoante lhes fosse mais favorável.

A respeito, será de questionar se a título de responsabilidade da “I. -..” por custas tivesse sido fixada a proporção de 1/5 seria o valor de recurso indicado de € 10 000,00 ou de € 50 000,00.
É que, nesta situação, o raciocínio por esta empregue impedi-la-ia de recorrer porque o valor da sua “sucumbência” seria inferior a metade do valor da alçada do Tribunal de que recorre.
6.º- O entendimento preconizado no despacho atenta, pois, contra a certeza e segurança jurídicas e pode permitir situações inaceitáveis: não se pode aceitar que compita às partes, em função dos seus interesses, determinar ou invocar as normas que mais lhe sejam favoráveis a cada momento.
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A R. “I.…” diz em resposta que:

– Embora ambas as partes hajam interposto recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, certo é que nenhuma delas impugnou a decisão quanto a custas, pelo que, nesta parte, o acórdão transitou em julgado.
– Assim sendo, não é agora sindicável o critério utilizado pela Relação para fixar o “valor” do decaimento de cada parte, que corresponde à sua sucumbência, apesar de o Tribunal ter reconhecido a “dificuldade na determinação do valor da sucumbência”, por não estarem em causa “pedidos liquidáveis, cujo valor dependa de mero cálculo aritmético”, razão por que “optou por fixá-lo”.
– Por conseguinte, assistia à recorrente socorrer-se do disposto no artº 12º, nº 2, do RCP, tendo em conta a regra geral contida no nº 2, do artº 527º, do CPC, para equiparar o valor do recurso ao valor da sucumbência, isto é, ao valor da decisão desfavorável ao recorrente.
– E este valor está dentro do limite mínimo de recurso, por ser superior a metade da alçada do Tribunal de que se recorre. (Cfr. nº 1, do artº 629º, do CPC).
– Ora, sendo a alçada deste Tribunal da Relação € 30.000,00, basta que o valor da sucumbência seja de € 15.000,01 para o recurso ser admissível. Ora, no caso em apreço é até superior – € 20.000,40.
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Após os vistos legais, cumpre decidir.
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II QUESTÕES A DECIDIR.

Ao abrigo do artº. 652º, nº. 3, do C.P.C., a apelante requer que sobre o despacho que considerou correta a taxa liquidada pela R. “I.…” pela interposição de recurso recaia um acórdão.
No caso sujeito a reclamação há que apreciar a matéria sobre que recaiu o despacho em causa.

Impõe-se por isso no caso concreto decidir se:

-a R. “I.…” liquidou a taxa devida pela interposição de recurso do acórdão proferido para o STJ, designadamente se fez um uso e interpretação corretos do disposto no artº. 12º, nº. 2, do RCP.
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III MATÉRIA A CONSIDERAR para apreciação da reclamação apresentada e que se constata da análise do processado:

- F. C. - peúgas e confeções, Lda., com sede na Rua …, n.º .., freguesia de ..., Barcelos, intentou ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum contra I. & F. S., Lda., com sede na Travessa …, n.º .., freguesia de …, Vila Verde e Y, Lda., com sede na Rua …, s/n, freguesia de ..., Barcelos, pedindo que:

. se declare a A. legítima proprietária das frações autónomas “C” e “D” e legítima locatária financeira das frações autónomas “A” e “B”, descritas no registo predial sob o n.º … - ..., com a composição referida no ponto 8º da petição inicial;
. se declare que o logradouro comum das frações “A”, “B”, “C” e “D” e a área comum das frações “B”, “C” e “D” descritas no registo predial sob o n.º … - ..., estão oneradas com uma servidão de passagem a favor da fração “A”, descrita no registo predial sob o n.º … – ... de que a 1.ª R. é locatária financeira, fração essa explorada pelas RR.;
. se declare que essa servidão tem o trajeto / extensão / limites referidos no ponto 40º da petição inicial, com início na estrada nacional 205 e fim precisamente na entrada da fração “A”, descrita no registo sob o n.º …;
. se condenem as RR. por si, seus trabalhadores, clientes, fornecedores e quaisquer pessoas ou entidades que se desloquem às suas instalações no interesse destas, a respeitarem exactamente esse trajeto, não podendo imobilizar, depositar ou aparcar quaisquer veículos ou máquinas nessa servidão de passagem;
. se condenem as RR. a indemnizarem a A. por cada concreta e individual violação do modo de exercício da servidão de passagem, na quantia unitária de € 500,00 por cada violação que se verifique a partir da citação para a presente ação, seja por si, seja através dos seus trabalhadores, clientes, fornecedores e quaisquer pessoas ou entidades que se desloquem às suas instalações no seu interesse.
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-As RR. contestaram. Pedem a improcedência da ação e, em sede de reconvenção, que:

. se declare que se acha constituída a favor do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito no lugar de ..., da freguesia da ..., do concelho de Barcelos, descrito na C.R.P. de Barcelos sob o nº …/... e inscrito na matriz respetiva sob o artigo …, por destinação de pai de família, um direito de servidão para acesso, a partir da Estrada Nacional 215, de pessoas, veículos automóveis e máquinas de diversos tipos e para cargas e descargas de matérias primas e produtos acabados e para paragem, estacionamento e manobras de veículos automóveis e máquinas no espaço identificado no art. 13º da contestação/reconvenção, que onera o prédio, em regime de propriedade horizontal, identificado no art. 69º do mesmo articulado;
. a A./reconvinda seja condenada a tal reconhecer e a abster-se de, por qualquer forma, criar quaisquer obstáculos ao livre exercício de tal servidão.
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-A A. deduziu incidente de intervenção principal provocada de “Banco … (Portugal), S.A.” e de “Caixa … – Instituição Financeira de Crédito, S.A.”. Admitida a intervenção das mesmas apresentaram os seus próprios articulados.
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-As RR./reconvintes ampliaram o pedido reconvencional inicialmente deduzido (que retificaram), aditando os seguintes pedidos:

. se declare que o tempo e o modo do exercício da servidão cuja declaração se peticiona sob a al. a) é o que vem referenciado nos arts. 3º, 4º e 5º desse requerimento;
. a A. seja condenada a tal reconhecer como ínsito ao direito de servidão cujo reconhecimento se pretende e, consequentemente, a manter desligado e levantado o aludido portão/barreira, de modo a continuar a permitir o livre acesso à fracção “A” da R./reconvinte assim lhe permitindo usufruir plenamente todas as utilidades decorrentes da mesma servidão.
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-A A. opôs-se a essa ampliação do pedido.
*
-Foi admitida a ampliação do pedido requerida pelas RR./reconvintes, tendo sido proferido despacho saneador e despacho de fixação do objecto do litígio e de enunciação dos temas da prova.
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-Foi fixado à ação o valor de € 50.000,01.
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-As RR. vieram requerer a junção aos autos de uma nova planta, em substituição da anteriormente apresentada com a contestação, pretendendo que todas as referências feitas nesse articulado para esta última passem a considerar-se feitas para aquela, pretensão que teve a oposição da A..
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-Foi considerado que se estava perante um novo requerimento de ampliação do pedido reconvencional, ampliação que foi admitida, tendo sido determinado que passe a constar na parte final do art. 13º da contestação/reconvenção (para o qual remete o pedido reconvencional) “…tracejado rosa na planta junta em 27/11/2018 (fls. 247-vº do processo físico).”.
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-Procedeu-se a julgamento tendo sido proferida sentença onde se decidiu julgar a ação parcialmente procedente e, em consequência:

. declarar a A. proprietária das frações autónomas “C” e “D” e locatária financeira das frações autónomas “A” e “B”, que integram o prédio descrito na C.R.P. sob o n.º … - ..., com a composição referida no ponto 8º da petição inicial;
. absolver as RR. do restante pedido; e

julgar a reconvenção totalmente procedente e, em consequência:

. declarar que se acha constituída a favor do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito no lugar de ..., da freguesia da ..., do concelho de Barcelos, descrito na C.R.P de … sob o nº …/... e inscrito na matriz respectiva sob o artigo …º, por destinação do pai de família, um direito de servidão para acesso, a partir da Estrada Nacional 215, de pessoas, veículos automóveis e máquinas de diversos tipos e para cargas e descargas de matérias primas e produtos acabados e, ainda, para paragem, estacionamento e manobras de veículos automóveis e máquinas no espaço comum identificado a tracejado rosa na planta junta em 27/11/2018 (fls. 247-vº), que onera o prédio, em regime de propriedade horizontal, identificado no art. 69º da contestação;
. condenar a A. a tal reconhecer e a abster-se de, por qualquer forma, criar quaisquer obstáculos ao livre exercício de tal servidão, respeitando, integralmente aquele direito;
. declarar que o tempo e o modo do exercício desta servidão é o que vem referenciado nos pontos 38º, 39º e 40º dos factos provados;
. condenar a A. a tal reconhecer como ínsito a esse direito de servidão e, consequentemente, a manter desligado e levantado o aludido portão/barreira, de modo a continuar a permitir à 1ª. Ré o livre acesso à fracção “A” a si locada.
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-As custas da acção e da reconvenção ficaram integralmente a cargo da A. por se entender que a parte do seu pedido que veio a ser julgada procedente não foi posta em causa pelas RR. (arts. 527º nºs 1 e do C.P.C.).
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-Da decisão proferida a A. interpôs recurso para esta Relação e a R. apresentou contra-alegações.
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Foi proferido acórdão que julgou parcialmente procedente o recurso interposto pela A. e, em consequência alterou a decisão recorrida nos seguintes termos:

“A). Mantém-se o decidido em IV, a), primeiro item.
B). Mantém-se o decidido quanto à reconvenção referido nos dois primeiros pontos da alínea b) do número IV do dispositivo.
C). Condena-se a 1.ª R., no exercício do direito de servidão acima referido, a evitar e não permitir que ocorra impedimento para a A. ou para quem a procure, em poder aceder livremente às instalações desta quando estejam a ser efetuadas cargas e/ou descargas a favor da 1.ª R, ou por qualquer material depositado no caminho em causa ou veículo que aí se encontre.
D). Revogam-se as duas decisões constantes dos itens 3 e 4 do dispositivo quanto à reconvenção.
E). Condena-se a A. a facultar à 1.ª R. o livre acesso ao caminho de servidão pela barreira elétrica de entrada para o exercício da atividade industrial desta, adotando as medidas necessárias (por exemplo entregando-se comando à 1.ª R., chave para abrir portão em caso de avaria/falta de eletricidade, exercício de funções por porteiro, comando da barreira à distância ou até manutenção da mesma aberta nos períodos necessários à entrada e saída da 1.ª R. se não houver outro modo de o permitir) para que tal exercício se efetive, improcedendo assim o pedido para se desligar essa barreira.”
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-Foi decidido que as custas do recurso na proporção de 3/5 a cargo da recorrente/reconvinda e 2/5 para a recorrida/reconvinte.
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A R. veio em sede de alegações de recurso para o STJ arguir nulidades do acórdão proferido, tendo a A. defendido a sua improcedência.
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Foi proferido acórdão que julgou improcedentes as nulidades invocadas e condenou a R. nas custas respetivas.
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-A R., ao interpor recurso para o STJ, no respetivo requerimento a R. indicou como valor do recurso € 24.000,00, corrigindo depois para € 20.000,40, correção que se admitiu, tendo liquidado taxa de justiça em conformidade com o montante indicado na tabela para esse valor -2 UC.
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-A A. questionou a correção do montante pago a título de taxa de justiça pela interposição de recurso.
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-A R. respondeu que o valor indicado para o seu recurso é de € 20.000,40, face ao decaimento que foi fixado no Ac. desta Relação -2/5, sendo o valor da causa € 50.000,01; assim, liquidou a taxa devida para este valor, ao abrigo do artº. 12º, nº. 2, RCP.
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-A A., quer no recurso para a Relação, quer no recurso que também apresentou para o STJ, liquidou taxa de justiça tendo em conta o valor de € 50.000,01.
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-Em apreciação foi proferido o despacho “supra” reproduzido e aqui em causa.
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-Não foi ainda proferido despacho a admitir e remeter os presentes autos ao STJ.
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IV- O MÉRITO DA RECLAMAÇÃO/RECURSO.

Em causa está a interpretação e aplicação do disposto no artº. 12º, nº. 2, do RCP, em conjugação com os artºs. 296º, 629º do CPC e a norma da LOSJ que trata da matéria das alçadas para efeitos de interposição de recurso –artº. 44º da Lei nº. 62/2013 de 26/8, em confronto com o seu artº. 42º, nº. 2.

Salvo o devido respeito, não há nem pode haver confusão entre o âmbito de aplicação de cada uma das disposições.

Em primeiro lugar, regem as normas relativas à possibilidade de interposição de recurso –restringindo-se a análise das que têm que ver com o valor da ação, pois que os outros pressupostos de admissibilidade de recurso não são chamados ao caso.
O que nos rege em sede de admissibilidade de recurso, para a Relação e depois para o STJ, é a regra das alçadas face ao valor do processo (nº. 2 do artº. 296º do C.P.C.); o artº. 629º, nº. 1, C.P.C., introduz como requisito também a regra da sucumbência –vamos sempre analisar apenas a parte aplicável ao caso, não obstante a previsão das situações de admissibilidade de recurso independentemente do valor da causa ou da sucumbência.

Se o processo tem ou não alçada para cada recurso, tal é determinado pelo valor fixado à ação e pelo valor da sucumbência da parte que pretende recorrer.

A questão da dúvida sobre o valor da sucumbência está prevista no artº. 629º, nº. 1, C.P.C., e tem como objetivo, na dúvida (salva a redundância), essa exigência não obstar à interposição de recurso. Portanto, é uma válvula de proteção da parte que pretende recorrer, consagrando amplamente o direito de recurso e em ultima instância de acesso á justiça –artº. 20º da Constituição da República Portuguesa.

De facto, muito embora os pedidos das partes não sejam líquidos, como é o caso, a toda a causa tem de ser atribuído um valor que representa a utilidade económica imediata do pedido, designadamente para efeitos de aferição da possibilidade de recurso –artº. 296º, nº. 1, C.P.C..

No caso, foi atribuído o valor de € 50.000,01, o que não tem correspondência (numérica ou quantitativa) com os pedidos, nem sequer com regras especiais que o determinam, uma vez que, como se disse não está em causa um pedido de quantia certa em dinheiro ou convertível numa quantia certa (artºs. 297º e 298º do C.P.C.), nem se aplicam os artºs. 300º e segs. do C.P.C.. Para efeitos de recurso da decisão da 1ª instância o valor teria de ser pelo menos de € 5.000,01 para efeitos de recurso, e no caso de recurso do acórdão da Relação teria de ser pelo menos de € 30.000,01. Logo por este critério o recurso do acórdão proferido é admissível.
A sucumbência para efeitos de recurso na primeira instância haveria de ser superior a 2.500,00 (metade da alçada da 1ª instância que é o valor de € 5.000,00, ou seja, aquele até ao qual a mesma decide sem possibilidade de recurso) a na 2ª instância superior a € 15.000,00 (metade da alçada da Relação que é o valor de € 30.000,00, ou seja, aquele até ao qual a mesma decide sem possibilidade de recurso ordinário).
A sucumbência para este afeito resulta da ponderação entre o que foi pedido e o que foi procedente, e a fundada dúvida surge quando a cada pedido não corresponde um valor, impedindo uma operação aritmética.

Matéria completamente diferente tem que ver com o valor do recurso aferido pela sucumbência para efeitos de liquidação da taxa de justiça. Aqui não se coloca a questão da “fundada” dúvida quanto ao valor da sucumbência, porque para efeitos de custas –âmbito no qual nos situamos- ela tem de estar determinada ou ser necessariamente determinável –cfr. artºs. 527º e 607º, nº. 6, C.P.C..
Determinável no artº. 12º, nº. 2, RCP é sinónimo de quantificável.

Entende-se por isso que aqui a sucumbência tem de ser quantificada de acordo com o decaimento fixado em sede de custas, pois que também para efeitos de custas de parte (e cálculo de custas processuais) é esse o critério norteador.

No caso, o decaimento, e pelos motivos assinalados, foi expressamente fixado no acórdão proferido. A R. usou por isso da faculdade de atribuir ao recurso –e apenas para efeitos de liquidação da taxa de justiça devida pela interposição- o valor correspondente ao seu decaimento que em sede precisamente de recurso pretende reverter.

Mais uma vez apela-se ao princípio constitucional de acesso á justiça para se dizer que também aqui se quis afastar a negação ao recurso por motivos económicos.

Portanto, o valor da ação não é alterado, e é o valor da ação inicialmente fixado por despacho transitado, e a sucumbência em função do mesmo, caso se entenda que a mesma não oferece dúvidas, que rege a admissibilidade de recurso; coisa completamente diferente é o cálculo meramente quantitativo da sucumbência com recurso ao decaimento que foi fixado, tendo em conta o valor atribuído à ação, para efeitos de determinação do valor “tributário” do recurso e tendo em vista a liquidação da taxa de justiça.

São pois duas operações e apreciações completamente distintas –isso mesmo decorre da parte final do artº. 296º, nº. 3, do C.P.C. que diz que para efeitos de custas judiciais o valor da causa é fixado segundo as regras previstas no mesmo código e no RCP –salvaguarda por isso os casos especiais do artº. 12º do RCP (cfr. António Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Susa, pags. 342 e 343 do “Código de Processo Civil Anotado”, Vol I).
A sucumbência para efeitos de custas –e neste caso, por similitude de regime, taxa- tem de ser determinável e a parte tem de indicar o respetivo valor para se poder prevalecer desta disposição; para este efeito, a sucumbência não é determinável quando o decaimento não decorre da decisão proferida e sob recurso, e o mesmo decaimento não é aritmeticamente quantificável, designadamente quando se trata de uma decisão interlocutória em que não se fixa decaimento concreto para efeitos de custas, ou se remete para final a sua determinação, que pode ser de acordo com o decaimento da própria ação (ou seja, face ao conteúdo ou natureza da decisão) –veja-se Salvador da Costa, “As Custas Processuais”, pag. 166 e 167 da 6ª edição.
O artº. 629º, nº. 1, do C.P.C., que inspirou a solução do artº. 12º, nº. 2, RCP, refere-se a dúvida fundada acerca do valor da sucumbência. Já este refere-se à possibilidade de determinação do valor da sucumbência. O primeiro caso tem a ver com a possibilidade de quantificação de cada pedido (no caso de improcedência parcial), que pode levar a dúvidas quanto à sucumbência; o segundo caso tem que ver com a determinação do decaimento que, mesmo naquele caso, tem de ser feita pelo menos a final (no momento da contabilização das custas, de parte e do processo se as houver).
De todo o modo, ainda que se equiparem as expressões usadas ora no artº. 629º, nº. 1, C.P.C., e no artº. 12º, nº. 2, RCP, neste caso concreto o recurso é sempre admissível, pelo que não é pelo facto de se ter aceite que o valor da sucumbência para efeitos de valor de recurso tenha sido fixado em € 20.000,04 que se altera seja o que for, pois é “apenas” o valor da sucumbência que fixa o valor do recurso (não interferindo com o valor da causa, que é algo diferente); ou seja, a sucumbência de € 20.000,04 é sempre superior a metade da alçada deste Tribunal de que se recorre.
Assim, e como decorre do exposto, a R. podia usar da disposição do artº. 12º, nº. 2, RCP. E fê-lo corretamente já que cumpriu a exigência legal: menção do valor da sucumbência no requerimento de interposição de recurso.
Entende-se por isso ser de manter o despacho reclamado por respeitar as disposições legais atinentes a esta matéria.
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V DISPOSITIVO.

Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar a reclamação improcedente e, em consequência, mantém-se o despacho que julgou corretamente liquidada a taxa de justiça devida pela apresentação do requerimento de interposição de recurso para o STJ por parte da R. “I.…”.
Custas da reclamação para a conferência pela recorrente.
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Guimarães, 7 de maio de 2020.
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Os Juízes Desembargadores
Relator: Lígia Paula Ferreira Sousa Santos Venade
1º Adjunto: Jorge dos Santos
2º Adjunto: Heitor Pereira Carvalho Gonçalves

(A presente peça processual tem assinaturas eletrónicas)